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O DOLO ESPECÍFICO NA NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O DOLO ESPECÍFICO NA NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Benigno Núñez Novo

 

A nova Lei de Improbidade Administrativa caracterizou o ato de improbidade como a conduta funcional dolosa do agente público devidamente tipificada em lei, revestida de fins ilícitos e que tenha o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (vide artigos 1º, §§1º, 2º e 3º, e 11, §§1º e 2º).

A principal alteração do texto é a exigência de dolo específico (intenção) para que os agentes públicos sejam responsabilizados. Danos causados por imprudência, imperícia ou negligência não podem mais ser configurados como improbidade.

O dolo do agente para toda e qualquer conduta tipificada na nova lei de Improbidade Administrativa passa a ser específico: consciência + vontade + finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (GUIMARÃES, 2022:22).

A ação deverá comprovar a vontade livre e consciente do agente público de alcançar o resultado ilícito, não bastando à voluntariedade ou o mero exercício da função. Também não poderá ser punida a ação ou omissão decorrente de divergência na interpretação da lei. A improbidade administrativa tem caráter cível, não se trata de punição criminal.

As alterações foram no sentido de conferir maior segurança jurídica ao gestor público e de diminuir os espaços de subjetividade das autoridades encarregadas da aplicação da lei, em especial o Poder Judiciário e o Ministério Público.

As condutas consideradas como improbidade são apenas aquelas listadas no texto da lei. Antes, a lista era considerada exemplificativa. São considerados atos de improbidade administrativa aqueles que causam enriquecimento ilícito do agente público, lesão ao erário ou violação dos princípios e deveres da administração pública. (vide artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 14.230/21).

As principais alterações trazidas pela Lei nº 14.230/2021 (Nova Lei de Improbidade Administrativa):

1. Da necessidade de comprovação de dolo específico de lesar a Administração Pública para configuração de ato de improbidade administrativa

De acordo com o artigo 37, § 4º, CF: “os atos de improbidade administrativa provocam a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível”. (grifos nossos)

Dolo genérico é a vontade de praticar a conduta típica, sem nenhuma finalidade especial. Dolo específico é a vontade de praticar a conduta típica, porém com uma especial finalidade. O dolo do agente para toda e qualquer conduta tipificada na lei de Improbidade Administrativa passa a ser específico: consciência + vontade + finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. O dolo genérico também não consegue configurar a conduta da improbidade, sendo necessário o dolo específico.

2. Divergências interpretativas não configuram ato de improbidade

Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário.

3. Da delimitação do conceito de agente público por extensão e necessidade de comprovação de dolo também do agente por extensão

A Lei pode enquadrar qualquer pessoa, seja ela remunerada ou não, que cause danos à administração pública e, consequentemente, tenha enriquecimento ilícito, ofereça prejuízo ao erário federal, estadual ou municipal, entre outros.

O cidadão que é passível da prática de improbidade é classificado como sujeito ativo, podendo ainda variar entre próprio ou impróprio: Sujeito ativo próprio: é a pessoa que exerce um cargo ou uma função de agente público, temporária ou permanente. Sujeito ativo impróprio: é a pessoa que comete a prática de improbidade sem ter uma função pública. Para ser enquadrada, porém, ela deve ter agido de maneira conjunta com um sujeito ativo próprio. Mais uma vez, a lei se preocupou em deixar expressa a necessidade de comprovação de dolo também para fins de equiparação de agente público. As disposições previstas na lei são aplicáveis também aos que, não sendo agente público, induzam ou concorram dolosamente para a prática de ato de improbidade, o que inclui pessoas físicas e pessoas jurídicas.

4. Sócios, cotistas, diretores e colaboradores da Pessoa Jurídica somente respondem por ato de improbidade se ficar comprovada participação na realização do ato e que houve algum tipo de benefício direto

A LIA exclui a responsabilidade dos sócios, cotistas, diretores e colaboradores de pessoa jurídica de direito privado pelos atos de improbidade imputados à referida pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação.

Descreve o artigo 3º, §1º da Lei nº 14.230/21, “os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação”. A modificação tem por finalidade sedimentar a vedação à responsabilidade objetiva que é aquela que decorre não da prática de ações ou omissões concretas, mas da simples ocupação de um cargo ou função.

5. Da ampliação da responsabilidade sucessória

Art. 8º O sucessor ou o herdeiro daquele que causar dano ao erário ou que se enriquecer ilicitamente estão sujeitos apenas à obrigação de repará-lo até o limite do valor da herança ou do patrimônio transferido.” (NR)

Pelo artigo incluído pela Lei nº 14.230/21 ampliou as hipóteses de responsabilidade sucessória “Art. 8º-A A responsabilidade sucessória de que trata o art. 8º desta Lei aplica-se também na hipótese de alteração contratual, de transformação, de incorporação, de fusão ou de cisão societária”.

6. Da dosimetria da pena

Das penas previstas está ressarcimento ao erário, indisponibilidade dos bens, perda da função pública e suspensão dos direitos políticos.

A lei passa a contar com um capítulo específico para a dosimetria da pena, suprindo uma importante lacuna da lei anterior.

Nesse sentido, foi incluído o artigo 17-C, inciso IV, que passa a prever a necessidade de o juízo considerar, na fixação da sanção, os seguintes aspectos: os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; natureza, gravidade e impacto da infração; extensão do dano causado; proveito patrimonial obtido pelo agente; circunstâncias atenuantes e agravantes; a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva; e os antecedentes do agente, o que deverá promover maior transparência e possibilidade de controle dos critérios judiciais determinantes para fixação do quantum da sanção.

Ademais, prevê escalonamento de punições: em casos de menor ofensa à administração pública, a pena poderá ser limitada à aplicação de multa, sem prejuízo do ressarcimento do dano.

Quando for condenado ao ressarcimento, o juiz poderá autorizar o réu a parcelar a devolução em até 48 vezes, se o réu demonstrar incapacidade financeira de saldá-lo de imediato.

O prazo máximo de suspensão dos direitos políticos sobe para 14 anos (antes o máximo era 8 anos).

O valor máximo das multas aplicáveis cai em todos os casos.

7. Non bis in idem e o abrandamento do princípio da independência das instâncias

Em observância ao princípio constitucional do “non bis in idem”, caso os atos de improbidade sejam penalizados sob a Lei Anticorrupção nº 12.846/13, as sanções da LIA serão afastadas em benefício daquelas previstas na citada lei.

A nova lei estabelece que a ação de improbidade administrativa seja impedida em casos de absolvição criminal do acusado, confirmada por órgão colegiado, em ação que se discuta os mesmos fatos.

Além disso, estabelece que sentenças civis e penais produzam efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria, diz a lei.

Assim, agora, mesmo a absolvição na esfera penal confirmada por decisão colegiada deve levar à extinção da ação civil de improbidade administrativa.

Ainda, as penas aplicadas por outras esferas poderão ser compensadas com sanções aplicadas nas ações de improbidade administrativa. Pela lei anterior, as esferas eram tratadas de modo independente.

8. A morte do “in dubio pro societate”

A nova lei passa a prever critérios mais rígidos para o recebimento da petição inicial. Assim, o artigo 17, § 6º, prevê como requisitos:

A individualização da conduta do réu, com a demonstração de elementos probatórios da materialidade e autoria da infração; e

Juntada de documentos comprobatórios que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação dessa prova.

A alteração, portanto, fixou critérios objetivos para aferição da viabilidade inicial do prosseguimento da ação, demandando maior esforço investigativo e probatório por parte do Ministério Público e o afastamento da ideia traduzida pelo in dubio pro societate.

9. Indisponibilidade cautelar de ativos

Os bens só poderão ser bloqueados para garantir o ressarcimento aos cofres públicos de determinadas medidas ilegais se ficar demonstrado o “perigo de dano irreparável” ou de risco ao resultado do processo. Também há trecho que estabelece que as contas bancárias dos alvos só sejam bloqueadas caso não se encontrem bens móveis e imóveis em geral.

Ainda, afasta a possibilidade de indisponibilidade de valor correspondente à multa civil, limitando a constrição apenas ao valor do dano ao erário.

O dispositivo deverá promover uma reanálise de inúmeros pedidos de bloqueio cautelar atualmente vigente nas ações de improbidade administrativa em curso, pois sendo lei de natureza processual, seus efeitos aplicam-se de imediato.

10. Do fortalecimento do princípio da correlação entre sentença e acusação

O princípio da correlação entre acusação e sentença, também chamadas de princípio da correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença, ou ainda princípio da congruência da condenação com a imputação, estabelece que a sentença deva guardar correlação com o pedido.

A alteração prevista no art. 17, §10-C e 10-F, que, de forma expressa, determina a necessidade de que exista correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença, ou seja: deve existir congruência da condenação com a imputação. É o que estabelece o princípio da correlação entre sentença e acusação e que agora passa a constar de forma expressa na nova lei, sendo nula a decisão judicial que fuja à tipificação dada na inicial (art. 17, §10-F, I).

O ponto positivo pode destacar a necessidade de comprovação de dolo deve limitar o abuso de autoridades contra gestores públicos e consagra o entendimento que já é utilizado pelos tribunais superiores, que exigem a comprovação de dolo para fixar condenações. Procedimentos sem prazo delimitado que apuram supostas irregularidades impactam nos custos do processo, da estrutura judicial e na imagem do gestor público, que ao final do processo pode ser considerado culpado ou inocente. Com a definição do prazo, que pode ser estendido por igual período, investigações terão conclusões mais ágeis, julgamentos céleres e respostas à população sobre a culpabilidade do gestor dentro do próprio mandato.

Notas e Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 05 de mar. de 2023.

BRASIL. Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021. Altera a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre improbidade administrativa. Disponível em: . Acesso em: 05 de mar. de 2023.

BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal. Disponível em: . Acesso em: 05 de mar. de 2023.

GUIMARÃES, Rafael. A Nova Lei de Improbidade Administrativa Comentada. Leme: Imperium, 2022.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro, 1999. Companhia Editora Forense, p.416.