O DIREITO DE VISITAÇÃO ENTRE IRMÃOS CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UM INSTITUTO A SER (NECESSARIAMENTE) VISITADO
Pedro Teixeira Pinos Greco
SUMÁRIO: I – Introdução ao objeto de estudo e a função social interna e externa das famílias; II – Aspectos teóricos do direito à visita entre irmãos crianças e adolescentes; III – Considerações práticas que possam envolver o direito à visitação entre irmãos crianças e adolescentes; Conclusões; Referências.
I – INTRODUÇÃO AO OBJETO DE ESTUDO E A FUNÇÃO SOCIAL INTERNA E EXTERNA DAS FAMÍLIAS
O objetivo deste texto é examinar a possibilidade jurídica do direito de visitação entre irmãos crianças /adolescentes. Com isso, passaremos pela análise desse assunto com seus detalhes e suas características em apreço à dignidade da pessoa humana, ao direito ao amor/afeto e ao direito de buscar a sua felicidade, bem como obedecendo aos princípios constitucionais da solidariedade social familiar, da convivência familiar e da proteção de todas as famílias e de todos os seus membros em respeito à função social das famílias interna e externa.
Em complementação a essa parte principiológica constitucional, ainda nos valeremos de um dos princípios magnos da infância e juventude, a saber, o melhor interesse da criança e do adolescente. Portanto, após essa ginástica teórica, falaremos das repercussões específicas dessa carência legislativa para, em seguida, divulgarmos nossas sugestões para melhorar essa temática.
Desse jeito, utilizaremos alguns instrumentos normativos valiosos, como a Constituição da República, especialmente os seus arts. 1º, III, 3º, I, e 226, o Código Civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a doutrina civil constitucional e a jurisprudência, para vermos se existe chance de essa ideia vingar e para tentarmos imaginar como essa originalidade poderia ser aplicada. A despeito de hoje haver uma anomia específica para o direito de visita entre irmãos, havendo precedentes esparsos no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que desejamos compilar nessa obra para que possamos apresentar nosso ponto de vista.
O novo momento em que está inserido o Direito das Famílias e o Direito da Infância e Juventude permite, na verdade coage, que os operadores do Direito objetivem a concretude dos direitos fundamentais, uma vez que não se pode dar interpretações que estejam em conflito com os valores pétreos e constitucionais que guiam esses ramos do Direito . Dessa maneira, a visão mais garantista a ser dada ao art. 226 da Constituição é que ele abriga todas as famílias, enquanto entidade coletiva e plural e escuda também todas as pessoas que estão inseridas nesses grupos familiares, sob o ponto de vista individual.
Vale destacar que esse ideário está de mãos dadas com o princípio constitucional da função social das famílias[1], como enaltece o Professor Flávio Tartuce, que decorre da cumulação desse dispositivo supracitado e do art. 5º, XXIII, da Constituição. Nessa toada, os Professores Paulo Stolze e Rodolfo Pamplona[2] acrescentam quanto ao princípio da função social das famílias: “A principal função da família e a sua característica de meio para a realização dos nossos anseios e pretensões. Não é mais a família um fim em si mesmo, conforme já afirmamos, mas sim, o meio social para a busca de nossa felicidade na relação com o outro“.
Nessa linha, acreditamos que deve reinar uma concepção externa de proteção das famílias que evita qualquer ataque contra as famílias enquanto organização, isto é , não pode, de forma alguma, por exemplo, o legislador tentar enumerar taxativamente o que é considerado família, sendo que já tivemos a oportunidade de subscrever algumas linhas sobre essa temática em outra obra[3], e simetricamente deve haver uma concepção interna de agasalho das famílias que vê cada membro da família enquanto ser dotado de dignidade suficiente para ser resguardado contra estocadas do seio da própria família.
Em outras palavras, não se pode conceber que sejamos coniventes com a supressão de direitos feita por um membro da família contra outro dessa mesma entidade familiar. Isso nos leva a elucubrar que a notória função social das famílias deve ser desdobrada em externa e interna. A partir disso, nota-se que estamos lastreados na lembrança de que a família deve ser velada tanto contra ameaças externas que podem vir do Executivo, Legislativo, Judiciário e outros poderes públicos e particulares, quantas agressões entre os seus próprios membros, principalmente quando essas disputas internas prejudiquem crianças e adolescentes que devem ter seu melhor interesse favorecido.
II – ASPECTOS TEÓRICOS DO DIREITO À VISITA ENTRE IRMÃOS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Os irmãos são parentes de segundo grau na linha colateral ou transversal, na forma do art. 1.592 do Código Civil, valendo aclarar que os irmãos podem ser unilaterais quando existe apenas um genitor biológico em comum ou bilateral quando ambos os genitores são comuns para os irmão. Nisso vale dizer que os irmão, por serem contemporâneos, isto é, por terem idades próximas, regra, estão sujeitos a crescerem juntos amparando-se na infância e juventude, bem como na fase adulta e idosa, tendo em vista que a tendência natural é que eles se desenvolvam juntos durante a vida, o que provavelmente não acontecerá entre os filhos e os pais, porque (infelizmente) o curso natural da vida é que os pais faleçam antes dos seus filhos.
Assim, os irmãos podem se tornar referência um para outro, podendo haver assistência mútua, amparo social e auxílio financeiro entre eles por toda a vida um do outro, sem contar a tenra afetividade construída bilateralmente. E quanto a esse princípio, que é uma das matrizes do Direito das Famílias e da Infância e Juventude, as Professoras Heloisa Maria Jose de Oliveira e Josiane Rose Petry Veronesse[4] pontuam:
É neste sentido que o princípio da afetividade, vislumbrado pela doutrina jurídica brasileira em várias situações do Direito das Famílias, se impõe como forma de proporcionar às crianças e aos adolescentes uma convivência familiar que lhes assegure proteção efetiva. Nas palavras de Schreiber é nas “comunidades afetivas” que “reúnem pessoas ligadas por laços os mais diferenciados, centrados sobre um sentimento genuíno de solidariedade familiar, onde se reconhece talvez o mais amplo significado do termo família: um recíproco pertencer“.
No que diz respeito à visita, podemos elucidar que é esse um direito tradicionalmente ligado ao pai ou à mãe ou, ainda, ao responsável, que não esteja com a guarda dos filhos. Isso significa que o outro que está sem a guarda poderá exercer o direito de visita, segundo o que acordar com o ex-cônjuge ou ex-companheiro ou responsável, ou, ainda, pelo que for fixado pelo juiz.
A finalidade do direito de visita é garantir o exercício do direito à convivência familiar dos pais em relação aos filhos, e vice-versa, o que encaminha que a criança ou o adolescente terá o seu mais pleno desenvolvimento físico e psíquico, porque ele receberá atenção de ambos os pais ou responsáveis. Nesse sentido aponta o art. 1.589, caput, do Código Civil: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação“.
Quanto aos pais divorciados ou separados, não há dúvida que esse direito deve existir, uma vez que a visitação é corolário do poder familiar, indo ao encontro do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Nisso vale reforçar que a Lei nº 13.058/2014 tornou a guarda compartilhada como regra nos casos de dissolução da entidade familiar, tendo em mente que a ênfase deve estar na criança e no adolescente, e não nos pais, e por isso essa convivência com ambos atende a ratio do Direito da Infância e Juventude.
Ademais, com o grande volume das demandas judiciais, envolvendo avós e seus netos, o legislador resolveu regrar o tema com a Lei nº 12.398/2011, que assegura que os avós tenham a si garantido o acesso aos netos, como bem destaca o próprio texto legal. Assim, a melhor interpretação desse dispositivo é a salvaguarda de que o direito de visitação somente será garantido aos avós se for do melhor interesse da criança e do adolescente. Isso decorre da regra principiológica de que o foco deve estar nos jovens que possuem até 18 anos, e não em outras pessoas. Nisso mencionamos o parágrafo único do art. 1.589 do Código Civil: “O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente“. E quanto a ele, o Professor Sílvio Venosa[5] critica:
O texto acrescido na Lei, de qualquer forma, falou menos do que deveria, o que não obsta que, em casos concretos, parentes, afins ou pessoas ligadas por estreito laço de afetividade ao menor, tenham assegurado direito de visita. Esses laços de afetividade devem ser levados em conta pelo magistrado, que poderá conceder o direito de visita até mesmo a outros parentes e não parentes, tios, padrinhos, por exemplo, que se encontrem emocional e afetivamente ligados ao menor. A pirraça ou obstinação injustificada dos guardiões deve ser cortada pelo magistrado. (grifos nossos)
Como acabou de ser avultado, o legislador foi lacônico em sua abordagem relativamente ao assunto do direito de visita, tendo sido econômico nos detalhes para os pais e para os avós, sendo que, a nosso juízo, poderia ele ter esmiuçado uma questão que é amplamente discutida no Judiciário de forma rotineira e com intensidade. Além disso, ainda percebemos que há um descompasso entre os personagens que podem ter em seu favor o direito de visita e o conceito de família natural e extensa presente no ECA. Isso fica evidente, a nosso ver, já que para o mesmo Estatuto, no seu art. 25, há um conceito ampliado de entidade familiar. Com esse mesmo propósito está a Procuradora de Justiça Katia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel[6], que assevera:
O Código Civil de 2002, por seu lado, deixou passar a oportunidade de garantir o direito de visita de criança e de adolescente a outros parentes. […].
Com efeito, a natureza jurídica do direito de visita dos avós é um direito natural que se integra por meio do ius sanguinis. Se os parentes da linha ascendente e colaterais podem assumir a guarda ou a tutela dos netos, sobrinhos ou irmãos menores de idade, consoante dicção do § 2º do art. 28 do ECA, não há óbices legais para que detenham o direito de convivência familiar por meio de visitas , direito este de menor amplitude. Em sendo assim, parentes próximos ao infante, ancorado na solidariedade familiar, poderão postular o direito de participar diretamente de sua vida por meio de visitas, inclusive de criança e de adolescente abrigados ou internados por prática de ato infracional. (grifos nossos)
Por esse argumento, poderia o legislador ter encerrado algumas dúvidas e controversas ao afiançar que o direito à visita deve ser garantido a toda a família natural e extensa, sem discriminações, desde que se atenda ao princípio do melhor interesse da criança ou do adolescente, e, para a seara desse artigo, seria de bom alvitre que houvesse uma indicação específica para os irmãos, dado que são eles os parentes mais próximos, regra, depois dos ascendentes de primeiro e segundo graus. Quanto a essa temática relacionada a esse último princípio, devemos invocar as palavras do Professor Luiz Lôbo[7]:
O princípio não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado. A aplicação da lei deve sempre realizar o princípio, consagrado, segundo Luiz Edson Fachin como “critério significativo na decisão e na aplicação da lei“, tutelando-se os filhos como seres prioritários. O desafio é converter a população infanto-juvenil em sujeitos de direito, “deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser , como os adultos, titular de Direitos juridicamente protegidos“.
Nisso está circunscrito nossa redação que se debruça exatamente sobre a possibilidade de os irmãos poderem ter a certeza jurídica que poderão estar na presença, acarinhar e amar seus irmãos, sendo nessa colocação que reside parcela dessa celeuma, tendo em mente que hoje vigora uma lacuna legal para casos como estes, exigindo muitas vezes que haja o ajuizamento de uma demanda judicial para forçar as partes envolvidas de que os irmãos devem se visitar. Vale salientar que esse pedido jurídico seria desnecessário, porque há uma tendência que haja congruência de interesses entre irmãos que se querem bem e que são amigos, e que, por isso, devem estar juntos, não importando para a concretização desse direito a distância física ou os fatores jurídicos, por exemplo. Com o mesmo pensar está o Professor Euclides de Oliveira[8]:
A regra tem um sentido amplo e dá chance à entrega do menor até mesmo a outras pessoas, quando os pais não queiram ou não possam exercer a guarda. O mesmo princípio se aplica ao consectário direito de visitas, que pode ser ampliado em favor do pai que não detenha a guarda ou de outros parentes, desde que atendido o interesse do menor, objetivando sua perfeita integração dentro da comunidade familiar. (grifos nossos)
Vale esclarecer que não se deseja estabelecer uma condição de reciprocidade estreita entre o direito à visitação e a obrigatoriedade que eles contribuam por meio de alimentos, pois não é essa a ideia aqui veiculada, conforme as lições do Professor Álvaro Azevedo9. A concepção por nós esposada é de que todas as pessoas que desejam participar da vida da criança e do adolescente, trazendo-lhe bem-estar, tenham acesso aos infantes, não sendo desejável que pais, avós, responsáveis ou o próprio Estado impeçam que irmãos tenham acesso ao direito imanente da convivência familiar.
Destarte, pelo que vimos até aqui houve um cochilo do legislador que não consagrou o direito de visita em relação às crianças e aos adolescentes a nenhum familiar que não fosse os ascendentes de primeiro e segundo graus. Isso por si só já seria grave; contudo, é piorado pela excelente oportunidade perdida quando da publicação da Lei nº 12.398/2011, que poderia ter tratado de todos os parentes da família natural ou extensa que tenham vontade de visitar e desde que se observe o melhor interesse dos infantes.
Desse jeito, construímos nossa dissertação em cima da possibilidade de os irmãos terem garantido o direito de visita entre si, o que eleva a convivência familiar, a dignidade da pessoa humana especificada nos seus subprincípios do direito ao amor/afeto e do direito de buscar a sua felicidade, a solidariedade social familiar, a proteção de todas as famílias e de todos os seus membros em respeito à função social das famílias interna e externa.
III – CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS QUE POSSAM ENVOLVER O DIREITO À VISITAÇÃO ENTRE IRMÃOS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Com esse acervo alinhavado, podemos imaginar alguns casos práticos de como isso poderia acontecer, valendo rememorar que não é nosso intuito fazer um rol exaustivo, e muito menos esgotar as discussões quanto às ilações possíveis. Assim, como hipóteses dessas modalidades podemos propor pelo menos cinco cenários em que não deveria haver sombras para se garantir o direito de visitação entre irmãos crianças e adolescentes .
Desse jeito, vamos elencar alguns casos aventados por nós: a ) Quando um irmão é adotado por uma família e o outro é adotado por outra família distinta; b) Quando um irmão é adotado e o outro continua na entidade de acolhimento; c) Quando um irmão é adotado e o outro fica na família natural ou vai para família extensa; d) Quando um irmão mais velho (maior de idade) é impedido de visitar o seu irmão mais novo pelos pais ou avós ou responsáveis; e) Quando os pais se divorciam ou separam e cada um fica com a guarda de um filho.
Em todos esses construtos há cisão em maior ou menor grau dos elos familiares e sociais entre os irmãos, o que pode causar traumas, tendo em vista que em muitas dessas vertentes os irmãos se ajudam, servindo um de apoio emocional e psicológico para o outro e com a quebra ou o enfraquecimento desse vínculo há uma perda sensível na qualidade de vida dos irmãos. Impera dizer que, em muitos casos, especialmente quando se considera os acontecimentos sociojurídicos em que há envolvimento de alguma entidade de acolhimento, haveria um agravante, uma vez que muitos irmãos são os “pais/mães” uns dos outros, e a fissura nessa relação poderia gerar abalos psíquicos em ambos os irmãos envolvidos, sem contar na afronta direta ao direito à convivência familiar entre os irmãos, sendo que esse instituto é muito bem estudado pelo Professor Válter Ishida[9]:
Pode ser conceituado atualmente como o direito fundamental da criança e adolescente a viver junto a sua família natural ou subsidiariamente a sua família extensa. Trata-se de uma ampliação do previsto no art. 9º da Convenção sobre Direitos da Criança (1989) que prevê o direito da criança em não ser separada dos pais contra a vontade dela. […]
Finalmente, a Lei nº 12.010/2009 elegeu a família natural como prioridade (art. 1º, § 2º), entidade a qual a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada a absoluta impossibilidade, devendo existir decisão judicial fundamentada.
Outrossim, é detestável que o afastamento geográfico possa impedir que os irmãos se vejam, dialoguem e tenham afeto e consideração um com o outro. Isso acontece porque, malgrado o art. 28, § 4º, do ECA estabelecer que a regra é a colocação de grupos de irmãos adotados na mesma família substituta, sabemos que o próprio dispositivo prevê reservas. Embora haja a excepcionalidade deste contexto, não é raro acontecerem adoções nacionais ou internacionais em que um dos irmãos é adotado e o outro fica na entidade de acolhimento ou que os dois sejam adotados por famílias díspares em bairros, Cidades, Estados ou Países diferentes ou que um seja adotado e o outro fique na própria família natural ou extensa.
Nesse compasso, é fato conhecido que muitos juízes, o Ministério Público e a equipe técnica, diante desses casos concretos, em que os postulantes à adoção querem adotar apenas um e não tem interesse na adoção de dois ou mais irmãos, estejam diante de uma “escolha de Sofia“. Não admitir que pelo menos um seja adotado e possa florescer em um ambiente familiar ou deixar os irmãos juntos em uma entidade de acolhimento? A realidade é que não existe resposta certa ou errada em casos como estes, uma vez que é impossível acertar com precisão cartesiana se a medida tomada será a ideal para aquele caso, mesmo havendo o estudo pela equipe técnica do juízo e do MP, que são compostas por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos de escol, bem como após a prova técnica produzida pelos assistentes técnicos da parte adotante.
De qualquer jeito, o nosso objeto é passar ao largo dessa questio jurídica que é bastante tormentosa e que talvez não tenha solução impecável. A nossa meta é aclarar a tese de que, havendo essa divisão dos irmãos, e isso acontece com relativa frequência (lamentavelmente), deve existir a determinação judicial a ser proferida nos próprios autos da demanda que defere a adoção que é dever dos adotantes, já que a consequência desse ato causou a mitigação da proximidade física entre os irmãos, assegurando que os irmãos se vejam com alguma regularidade. Nessa lógica, o Professor Guilherme de Souza Nucci[10] ruma ao entender que,
havendo a necessidade de separação dos irmãos , nos termos expostos na nota anterior, cabe à autoridade judiciária determinar a cada família substituta, que esteja com um ou mais irmãos , a tomada de medidas para sustentar os vínculos fraternais dos que foram divididos. Assim, deve-se regular o direito de visita de um irmão ao outro, por exemplo. Afora isso, conta-se com o grau de responsabilidade de cada família substituta para empreender todos os esforços pelo entrelaçamento dos irmãos durante o crescimento dos irmãos durante o crescimento, até atingirem a maioridade. […] A família substituta que se negar a mantê-los integrados descumpre a lei e pode perder a guarda, tutela e, até mesmo, o poder familiar, quando consumada a adoção. (grifos nossos)
Outro tema que merece ser explorado é que a técnica jurídica não pode ser impedimento para que os irmãos possam se visitar. Isso decorre do traço marcante da adoção que extingue os vínculos familiares anteriores, como prevê o art. 47 e seus parágrafos do ECA, mantendo-se apenas os impedimentos matrimoniais. Com isso, em teoria, poderiam os mais retrógados defender que descaberia qualquer direito de visita entre os irmãos , pois faleceria qualquer vínculo registral entre eles. Todavia, urge ressaltar que os anéis socioafetivos prevalecem ou pelo menos coexistem, quanto confrontados com o parentesco biológico ou civil.
Nessa temática, temos a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no RExt 898.060/SP, em Repercussão Geral nº 622, de relatoria do Ministro Luiz Fux, e do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.618.230/RS, em caso de relatoria do Ministro Villas Bôas Cueva, da 3ª Turma, que ungiram o argumento da multiparentalidade ou pluripaternidade, ou seja , a possibilidade jurídica de a mesma pessoa ter três ou mais pais/mães no registro de nascimento[11]. Com efeito, vemos que esses precedentes, de forma explícita, reforçaram a visão de que pode haver coexistência entre as ligações socioafetivas, biológicas e registrais.
Isso exposto, é nosso ponto de vista que deva haver harmonia entre o novo vínculo registral/civil da criança ou do adolescente com os adotantes e o vínculo socioafetivo entre o adotado e o seu irmão biológico, que deve persistir, porquanto é do melhor interesse dos dois jovens que eles continuem se falando e cuidando um do outro, mesmo que presente a secessão física. Desse jeito, como já consagrado pelo STF e pelo STJ, deve existir equilíbrio entre os dois vínculos, não devendo haver qualquer dano ao liame amoroso que existe entre os irmãos, e uma das formas de manter hígida essa associação é salvaguardar o direito à visita entre os irmãos.
Apesar de não existir, de maneira volumosa, incontáveis julgados sobre o direito de visita entre irmãos, fazemos alusão à jurisprudência do TJRJ, que vem se edificando nesse sentido, sendo que podemos listar alguns casos que não versam sobre o direito de visita entre crianças e adolescentes irmãos . Com isso, verticalizaremos o direito à visitação entre irmãos adultos, em que alguém, normalmente, o curador, impede que os irmãos tenham acesso um ao outro. Com esse espírito, mencionamos a Apelação Cível nº 0147442-50.2009.8.19.0001, de relatoria do Desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, da 15ª Câmara Cível, em julgamento que ocorreu no dia 14.07.2015:
A visitação é um direito não apenas do irmão, mas também – e principalmente – da própria curatelada. Ao curador cabe defender os direitos e interesses da curatelada e não assumir o controle absoluto sobre a vida desta, decidindo unilateralmente com quem a irmã pode ou não se relacionar. Necessidade de se respeitar a vontade da curatelada, a qual, segundo a perita do juízo, é lúcida e tem sentimentos que não a incapacitam para escolher e decidir com quem vai se encontrar e se relacionar. (grifos nossos)
Nisso podemos referir que entre irmãos adultos, não raro idosos, em que um deles está sob curatela, há uma similitude de critério com crianças e adolescentes, pois está estampada uma situação de vulnerabilidade por conta da idade. Por isso apresentamos a Apelação Cível nº 0009667-58.2014.8.19.0052, de relatoria da Desembargadora Sirley Abreu Biondi, da 13ª Câmara Cível, em julgamento que aconteceu no dia 27.03.2014:
Ação de regulamentação de visitas. Maior interditado. Irmã que requer a visitação de irmão que se encontra sob curatela de outra irmã. Sentença de procedência, regulamentando a visitação da autora ao seu irmão. Apelação de ambas as partes. Prevalência do princípio do melhor interesse do interditado. […]
O direito à visitação é também do curatelado, sempre sob o prisma do interesse e conveniência deste. (grifos nossos)
Em giro vizinho, ainda tratamos da Apelação Cível nº 0147442-50.2009.8.19.0001, de relatoria do Desembargador Celso Ferreira Filho, da 15ª Câmara Cível, em julgamento que foi feito no dia 05.07.2011, em que vemos com clareza a mesma inteligência dos outros dois. Com isso, se percebe que o Tribunal de Justiça fluminense tem precedentes reiterados sobre a possibilidade do direito de os irmãos se visitarem.
Ação de regulamentação de visitação, proposta por irmão, ora apelante, curador de irmã incapaz, em face de um terceiro irmão […] Contudo, na espécie dos autos, o réu não é um mero terceiro, mas uma pessoa que mantém vínculo de parentesco consanguíneo com a curatelada e, por força dessa condição, tem direito de visitá-la. (grifos nossos)
Por conseguinte, pode se vislumbrar que já existem julgados autorizando o direito de visita entre irmãos. É incontestável que eles não tratam de crianças e adolescentes; porém, há igualdade de raciocínio entre esses agrupamentos sociais, o que permite, por si só, fortalecer essa construção jurídica. Logo, há que se falar em um sensível paralelismo, seja em apreço aos precedentes já estabelecidos ou, ainda, que se faça uma analogia com a Lei nº 12.398/2011, que assegurou o direito de visita para os avós, devendo se aplicar por tabela o mesmo discernimento para irmãos e qualquer outro parente da família natural ou extensa que atenda ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
CONCLUSÕES
Em suma, o presente horizonte exige alterações substanciais em nosso sistema jurídico para que mudemos as leis, o proceder do Executivo, as decisões do Judiciário, bem como a mentalidade das famílias. Todos esses personagens precisam reformular suas premissas, sendo que nesse tópico tentaremos justamente aconselhar quais caminhos a tomar para que nos esforcemos para melhorar nesse quesito do direito à visita entre irmãos crianças e adolescentes.
A nosso ver, é mandamental que o Legislativo saia da sua mora e altere a lei para espancar qualquer titubeação em sacralizar o direito de visita entre irmãos , sobretudo quando houver uma criança ou um adolescente envolvido. Nisso estando o dispositivo de condução no Código Civil, poderia (deveria) se reformar o parágrafo único do art. 1.589 para incluir qualquer parente da família natural ou extensa, mormente os irmãos que têm, regra, um elevado grau de iminência afetiva, emocional e psicológica, sendo que tudo deve ser lido em referência ao melhor interesse da criança ou do adolescente envolvido e de acordo com a dignidade humana nas suas vertentes do direito ao afeto e da busca pela felicidade.
De mais a mais, deve se extirpar essa matéria da Lei Miguel Reale para que se transporte esse estofo para o ECA, o que, para nós, seria o ideal, por esse expediente priorizar o melhor interesse da criança e do adolescente, além de reforçar o discurso protetivo desse público etário que deve ser tratado como sujeito de Direitos e não como mero apêndice quando houver o fim da entidade familiar conjugal ou convivencial. Nisso conferiremos o devido valor, simbólico e efetivo, aos infantes que devem ter em seu favor o direito de visita , não devendo se utilizar a convivência familiar prioritariamente para os pais que se divorciam ou se separaram, tendo em mente que os filhos não são propriedades ou objetos dos genitores.
Nessa atmosfera, a função social das famílias do ponto de vista externo deve ser uma carapaça para rechaçar que o Executivo que gerencia as entidades de acolhimento públicas impeça ou cerceie de qualquer forma o direito de visita entre os irmãos, devendo promover por todos os meios necessários o contato entre eles quando um deles estiver sob o poder da família natural, extensa ou substituta e o outro estiver em uma entidade de acolhimento pública para crianças e adolescentes . Ou, ainda, se um irmão estiver em uma entidade de acolhimento e o outro irmão estiver em outra devido às segregações administrativas que levam em consideração a idade e o sexo das crianças e dos adolescentes; assim, a mesma atitude deve ser levada a cabo para validar o direito de visita entre os irmãos.
O mesmo encargo cabe ao Judiciário, que deve consignar veementemente nas suas decisões que, havendo a apartação de irmãos em guarda, tutela ou adoção, ainda que em uma paisagem de adoção internacional, deve persistir o direito de visitação entre eles com regularidade e qualidade da mesma forma que acontece quando se estabelece o direito de visita de um pai ou mãe ou responsável ou avó ou avô em relação à criança e ao adolescente. Isso se explica porque essa feição vai ao encontro dos princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da solidariedade social familiar, ainda que cause transtorno para os adotantes, que deverão arcar materialmente com essa responsabilidade de assegurar que o direito de visita entre os irmãos seja cumprido.
Com o mesmo intuito, também é um dever indispensável da própria família em respeito à função social das famílias no seu escopo interno evitar que, por desavenças pessoais, a criança ou o adolescente não tenha acesso ao seu irmão mais velho (maior de idade) ou ainda que, por rivalidades entre pai, mãe ou responsáveis que estão exercendo cada um a guarda de um irmão , eles não se vejam e não falem entre si. Vale elucidar o óbvio: que os problemas da família não podem impedir que os irmãos estejam em contato um com outro, porquanto é um direito inexorável deles protegido pela proteção individual que eles têm em relação as suas próprias famílias, consoante o art. 226 da Constituição, bem como em apreço à convivência familiar que contempla todos os interessados, inclusive irmãos , notadamente se os dois tiverem menos de 18 anos de idade.
Em resumo, por tudo que foi abordado reputamos que o direito à visita entre irmãos é um comando inescusável que deriva da Constituição da República, que, da sua sapiência, valorizou a dignidade humana, o direito ao amor, o direito de buscar a felicidade, a solidariedade social familiar, a convivência familiar, a proteção de todas as famílias e de todos os seus membros em respeito à função social das famílias interna e externa. Nisso o Código Civil, o ECA, a doutrina civil constitucional e a jurisprudência de vanguarda tutelariam essa tese que deve prosperar em nosso ordenamento jurídico, pois observa o núcleo essencial duro do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
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[1] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, volume único, 2014. p. 1122
[2] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Direito de família. São Paulo: Saraiva, v. 6, 2011. p. 98.
[3] GRECO, Pedro Teixeira Pinos. Família é Tudo Igual, mas a nossa todas são é a mais legal legais. Revista Síntese de Direito de Família, v. 108, p. 97/114, 2018.
[4] OLIVEIRA, Heloisa Maria Jose de ; VERONESSE, Josiane Rose Petry. Família e parentesco: a contribuição de Lévi-Strauss para o estudo do conceito de família ampliada e sua inserção no Estatuto da Criança e do Adolescente. In: VERONESSE, Josiane Rose Petry; ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente: 25 anos de desafios e conquistas. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 313.
[5] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Família. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 228.
[6] MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. Poder familiar. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Coord. Katia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 166.
[7] LÔBO, Paulo. Direito de família e os princípios constitucionais. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Tratado de direito das famílias. Belo Horizonte: IBDFam, 2015. p. 124.
[8] OLIVEIRA, Euclides Benedito de . Direito de visitas dos avós aos netos. Revista Brasileira de Direito da Família, Porto Alegre, n. 13, p. 80, abr./jun. 2002.
[9] ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 45.
[10] NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente: em busca da Constituição Federal das crianças e dos adolescentes . 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 103.
[11] GRECO, Pedro Teixeira Pinos. A multiparentalidade e a multi-hereditariedade: duas revoluções jurídicas necessárias . Revista Síntese de Direito de Família, v. 116, p. 25/36, 2019.