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O DIREITO DE LAJE E SUA PREVISÃO AUTÔNOMA EM RELAÇÃO AO DIREITO DE SUPERFÍCIE: BREVE ENSAIO SOBRE A OPÇÃO LEGISLATIVA E O DIÁLOGO NECESSÁRIO ENTRE AS FIGURAS

O DIREITO DE LAJE E SUA PREVISÃO AUTÔNOMA EM RELAÇÃO AO DIREITO DE SUPERFÍCIE: BREVE ENSAIO SOBRE A OPÇÃO LEGISLATIVA E O DIÁLOGO NECESSÁRIO ENTRE AS FIGURAS

O DIREITO DE LAJE E SUA PREVISÃO AUTÔNOMA EM RELAÇÃO AO DIREITO DE SUPERFÍCIE: BREVE ENSAIO SOBRE A OPÇÃO LEGISLATIVA E O DIÁLOGO NECESSÁRIO ENTRE AS FIGURAS

Rodrigo Reis Mazzei

 

A previsão do direito de laje – como um direito real específico – foi feita pela Lei nº 13.465/2017 por meio da inserção dos arts. 1.510-A a 1.510-E no Código Civil. No entanto, antes mesmo da entrada em vigor da referida legislação, a possibilidade da concessão superficiária para fins de sobrelevação era tema que despertava interesse[1].

Isso porque, se não havia autorização expressa na legislação nacional, também não se verificava restrição literal, notadamente quando o olhar se voltava ao Código Civil (art. 1.369) e ao Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001 (art. 21, § 1º), sendo que, no último diploma, era possível se extrair traços capazes de autorizar a sobrelevação, pois há alusão ao espaço aéreo como possível área a ser abrangida pelo direito de superfície.

Como a legislação nacional não era clara acerca do assunto, a doutrina nacional não era unânime a respeito, dividindo-se em duas posições, com correntes que se debatem antagonicamente sobre a possibilidade da sobrelevação no direito de superfície. Com efeito, enquanto uma corrente defendia a possibilidade da sobrelevação, com remissão ao art. 1.229 do Código Civil para a interpretação dos arts. 1.369 do CC e 21, § 1º, do Estatuto da Cidade[2], outra posição acenava pela negativa, sustentando, basicamente, que as normas sobre direito de superfície não açambarcaram essa modalidade de concessão[3].

O entendimento de que é possível a concessão para sobrelevação leva em conta que o direito de superfície não pode ser tratado com enfoque puramente horizontal, apegando-se à respectiva etimologia[4]. Aferição mais atenta demonstra que os arts. 1.369 do Código Civil e 21, § 1º, do Estatuto da Cidade recepcionam o disposto no art. 1.229 do Código Civil, que, como é curial, demonstra a existência de faceta vertical na propriedade imobiliária. Para que não fique dúvida, confira- -se a norma em destaque:

Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. (grifos nossos)[5]

O art. 1.229 do Código Civil, portanto, indica que a extensão da propriedade não se faz tão somente pela análise de sua horizontalidade, mas por um aspecto mais amplo, que incluiu seu espectro vertical, permitindo-se dimensionar, assim, um volume[6][7]. Tal raciocínio é transferido também para o direito de superfície, e, com a ótica vertical da propriedade imobiliária, verifica-se que o Estatuto da Cidade facultou ao superficiário – de forma expressa – a utilização não só do solo, mas também do subsolo e do espaço aéreo relativo ao imóvel objeto da concessão do direito de superfície (art. 21, § 1º, da Lei nº 10.275/2001).

Por sua vez, o Código Civil de 2002, de forma explícita, apenas indica a possibilidade do direito de construir e plantar sobre a superfície, silenciando a respeito do espaço aéreo e restringindo o uso do subsolo, salvo se sua utilização for inerente ao objeto da concessão (art. 1.369, parágrafo único).

O legislador poderia ter sido mais feliz, pois pecou não só pela diferença de redação entre os dispositivos do Código Civil e do Estatuto da Cidade, mas também pelo tratamento encurtado (em ambos os casos), capaz de causar instabilidade nas interpretações das normas que se referem a esse aspecto vertical do instituto. Em resenha, a redação não uniforme das normas em vigor gerou ambiente duvidoso no que tange à faceta vertical do direito de superfície, pois:

(a) há aparente conflito quanto à concessão superficiária e as obras no subsolo, acenando o Código Civil com restrição não prevista no Estatuto da Cidade;

(b) nenhum dos dois diplomas traça linha realçada quanto aos eventuais limites e regramentos que deverão ser trabalhados para o direito de superfície ascendente (espaço aéreo), perdendo-se chance para regularizar a questão da sobrelevação, que veio a ser importante instrumento de ajustamento de uma realidade nacional (o chamado “direito de laje”).

Assim, com olhos voltados ao direito de superfície, a sobrelevação[8] tem como alicerce a construção alheia já implantada, utilizando-se do gabarito aéreo que não foi totalmente aproveitado, ou seja, de espaço volumétrico que pode ainda ser edificado[9].

Note-se, pois, que a concessão superficiária para sobrelevação reclama apego não apenas às regras do direito de superfície, mas também a outras normatizações. Na fase de construção da obra sobre o imóvel erigido em terreno alheio, haverá a predominância das disposições afetas ao direito de superfície e as ligadas à própria edificação ordinária (códigos de postura, legislação urbanística etc.).

Posteriormente, terminadas as obras vinculadas ao implante – surgindo a “propriedade superficiária sobrelevada” -, as relações entre as partes envolvidas serão conduzidas em maior espaço pelos regramentos da propriedade horizontal e da relação condominial, ficando as questões superficiárias em plano de fundo, com certa compressão, mas sem a sua extinção.

A resenha apresentada demonstra a existência de cenário inseguro, pois, embora não existisse vedação, a compreensão acerca da possibilidade da concessão do direito de superfície com objeto na sobrelevação (= direito de laje) era extraída a partir da interpretação de dispositivos legais e da correta absorção do instituto. A posição adotada na legislação nacional se diferenciava, por exemplo, da cravada no Direito lusitano, em que está explícita a possibilidade da sobrelevação como variação do direito de superfície, consoante se vê do art. 1.526º do Código Civil de Portugal, que dispõe:

Art. 1.526º – (Direito de construir sobre edifício alheio) – O direito de construir sobre edifício alheio está sujeito às disposições deste título e às limitações impostas à constituição da propriedade horizontal; levantado o edifício, são aplicáveis as regras da propriedade horizontal, passando o construtor a ser condómino das partes referidas no art. 1.421º.[10]

A Lei nº 13.465/2017 alterou o quadro legal ao prever expressamente o direito de laje como direito real, medida esta que se fez por meio de enxerto ao art. 1.225 do Código Civil, com a inclusão dos incisos “XII – a concessão de direito real de uso” e “XIII – a laje”. Além da aludida alteração no cardápio dos Direitos

Reais, a Lei nº 13.465/2017, utilizando a técnica de inclusão de letras, inseriu novos dispositivos no Livro III da Parte Especial do Código Civil – “Do Direito das Coisas” (arts. 1.510-A-1.510-E), reservando a estes o tratamento do direito de laje[11][12]

A dupla medida adotada pela Lei nº 13.465/2017 tem uma razão de ser.

Com efeito, em se tratando de direitos reais, o princípio da tipicidade possui área de acoplamento com o princípio da taxatividade, mas, ao mesmo passo, não se confunde com este. O último fixa um rol (numerus clausus) de figuras que pertencem aos direitos reais (= fonte de exercício) que somente podem ser ditadas pelo legislador, enquanto o princípio da tipicidade se notabiliza pelo conteúdo típico dos modelos eleitos pela legislação, em que se fixa uma estrutura que detém limitação na expansão pelo titular. O princípio da tipicidade veda – em pontos principio lógicos e da mecânica do instituto – a reformulação pelo interessado da estrutura dos “tipos reais” e que, por isso, fica com a autonomia da vontade sob certa pressão, mas sem extingui-la, eis que, fora deles, há certo espaço de flexibilização que não é atingido pela diretriz[13][14].

De plano, pode se dizer que o direito de laje surge da concessão que o proprietário da construção-base faz em favor do titular da laje (lajeiro) para que este edifique uma construção na superfície superior ou inferior, não implicando a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas.

Note-se ainda da análise dos dispositivos que regulam o direito de laje (arts. 1.510-A a 1.510-E) que a figura foi idealizada a partir de uma dimensão de perpetuidade, pois o legislador alinhou o instituto a uma autêntica alienação (gratuita ou onerosa) de propriedade do espaço aéreo edificável[15]. O tema é por deveras relevante, pois, a se entender que há autonomia do direito de laje em relação ao direito de superfície, a perpetuidade ínsita ao primeiro não terá pujança de impedir o direito de superfície por sobrelevação por prazo determinado (art. 1.369 do CC) ou até por prazo indeterminado (nos limites possíveis do art. 21 do Estatuto da Cidade).

O exemplo acima indica a temática mais relevante acerca do assunto, qual seja: compatibilizar as regras legais do direito de superfície com as vinculadas com o direito de laje. Assim, há de se fazer a preservação das disposições especiais, vinculadas a cada instituto de forma particular, sem prejuízo do transporte de regramentos gerais, capazes de serem compartilhados para aplicação nas suas figuras, ainda que com as adaptações necessárias.

No sentido, em ilustração interessante, vale notar que, no direito de laje – a partir da expressa previsão da autonomia da unidade imobiliária da laje –, há previsão de abertura de matrícula própria (§ 3º do art. 1.510-A do Código Civil)[16].

É de se analisar se tal dispositivo também se aplica ao direito de superfície, tendo em vista que a propriedade superficiária também possui autonomia em relação à base superficiária, situação que fica evidenciada a partir das previsões de possibilidade de pactuação de hipotecas autônomas (art. 1.473 do Código Civil[17]) e da cisão na responsabilidade patrimonial (art. 791 do Código de Processo Civil[18]).

Com tal observação, é possível se aproveitar das alterações da Lei nº 13.465/2017 para aplicação no direito de superfície?

Em fluxo inverso, há previsões que estão atreladas ao direito de superfície e que não foram inseridas no trecho que trata do direito de laje (arts. 1.510-A- -1.510-E). Em exemplo, a vedação contida no parágrafo único do art. 1.372 do Código Civil, no sentido de que não poderá ser estipulado pela concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela transferência do direito de superfície a terceiro, não está repetida nas disposições sobre o direito de laje. Tal omissão permite que o proprietário exija do lajeiro um percentual sobre a alienação do direito de laje a terceiro?

As breves linhas do presente ensaio, por certo, não permitem o exame de todas as questões que deverão ser analisadas a partir do diálogo das regras do direito de superfície aplicáveis ao direito de laje e vice-versa. Fica, todavia, cravado no trabalho o alerta sobre a necessidade de que se faça estudo aprofundado sobre tal comunicação, a fim de que sejam desenhados todos os diálogos possíveis, assim como traçados os impedimentos nos pontos em que a junção de normas não seja possível.

 

 

[1] No sentido, confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Direito de superfície. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 357-369.

[2]No sentido: MAZZEI, Rodrigo. Direito de superfície. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 357–369. Também admitindo a sobrelevação no Brasil com esteio na normatização atual, Marco Aurélio Bezerra de Melo lecionou que “a falta de regra expressa para o direito de superfície sobre a propriedade superficiária não impede a sua utilização […]” (MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Comentários ao artigo 1.369. In: OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de (Coord.). Novo Código Civil anotado. 2ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 5, 2003. p. 226). Confira-se ainda, de forma próxima (ainda que com algumas variações): LOUREIRO, Francisco Eduardo. Comentários ao artigo 1.369. In: PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Manole, 2007. p. 1259; CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 153; FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 402; CARVALHO, Washington Rocha de. O direito de superfície no Código Civil e no Estatuto da Cidade. Dissertação de Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005. p. 99-103; e LIMA, Frederico Henrique Viegas. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 306.

[3] Com essa linha, Carlos Roberto Gonçalves afirma: “O novo diploma não contempla também a possibilidade da sobrelevação ou superfície em segundo grau, autorizada nos direitos português, francês (surélévation) e suíço (superfície au deuxiéme degré) e que consiste na concessão feita por terceiro, pelo superficiário, do direito de construir sobre a propriedade superficiária, ou seja, sobre sua laje” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2006. p. 413).

[4] Em lição que deve ser recepcionada, José Guilherme Braga Teixeira afirma que: “A superfície, como direito real, não se confunde com o sentido etimológico do vocábulo que lhe deu a denominação, indicativo da face superior de uma coisa corpórea e composta da preposição super e do substantivo fácies, ambos latinos. Este sentido, que o da linguagem comum, corresponde ao da geometria, no qual se entende a superfície como a parte exterior dos corpos, a extensão considerada com duas dimensões: largura e comprimento. O sentido de superfície como direito real implica, além do comprimento e da largura, a altura, pois é exatamente acima do solo que crescem as plantações e se erigem as construções” (TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O direito real de superfície. São Paulo: RT, 1993. p. 54-55). Com outros termos, mas com a mesma ideia, confira-se: ARDITI, Alejandro Borzutzky. El derecho de superficie. Santiago de Chile: Andrés Bello, 1972. p. 24.

[5] Observe-se que a redação do art. 1.229 da codificação de 2002 está mais afinada com os dispositivos do direito de superfície (em especial, o art. 21, § 1º, do Estatuto da Cidade) do que o dispositivo antecessor – art. 526 do Código Civil de 1916 (“Art. 526. A propriedade do solo abrange a do que lhe está superior e inferior em toda a altura e em toda a profundidade, úteis ao seu exercício, não podendo, todavia, o proprietário opor-se a trabalhos que sejam empreendidos a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse algum em impedi-los” – grifos nossos).

[6] Próximo, confira-se: LIRA, Ricardo Pereira. Direito de superfície. Aquisição de espaço aéreo sobrejacente a prédio contíguo. Atendimento do afastamento lateral exigido pela legislação municipal, relativamente ao dito prédio contíguo. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 11, p. 197-200, jul./set. 2002.

[7]No tema, Roberto Blanquer Úberos afirma que: “Se dice que el verdadero contenido de la propiedad del suelo o de los terrenos destinados, ahora o en o en futuro, a la construcción, está constituido por un volumen; por el volumen de la construcción edificable; y que el volumen edificable es un concepto operante que constituye una atribución patrimonial” (ÚBEROS, Roberto Blanquer. Acerca del derecho de superficie. Madrid: Consejo General del Notariado, 2007. p. 10).

[8] O termo sobrelevação tem variação, não sendo a designação única do desdobramento.

Na doutrina são encontradas outras expressões ou termos (como sobre elevação, direito de mais elevação e sobredificação) que não mudam a célula da questão. Tanto assim que Letícia Marques Osório afirma que sobrelevação é um “direito de mais elevação ou de sobredificação, que faculta ao superficiário elevação da altura de seu prédio dentro dos limites estabelecidos pela lei urbanística” (OSÓRIO, Letícia Marques. Direito de superfície. In: OSÓRIO, Letícia Marques (Org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002. p. 180 – grifos nossos).

[9] A possibilidade de construção por sobrelevação não é exclusiva do direito de superfície, admitindo-se no condomínio edilício, consoante art. 1.343 do Código Civil (“Art. 1.343. A construção de outro pavimento, ou, no solo comum, de outro edifício, destinado a conter novas unidades imobiliárias, depende da aprovação da unanimidade dos condôminos”).

Em linha próxima: LIMA, Frederico Henrique Viegas. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 326, nota de rodapé n. 702.

[10] Merece registro que no Código Civil de Macau, que recebe grande influência do Direito português, a questão está disposta nos arts. 1.419º e 1.420º de forma muito mais minuciosa do que a codificação lusa

[11]Há evidente mal andar topológico do legislador, pois seria mais técnico positivar o instituto no âmbito do direito real de superfície (por exemplo, incluir os arts. 1.377-A a 1.377-E do Código Civil), ou seja, como uma das suas possíveis manifestações.

[12] Outra relevante alteração legislativa oriunda da Lei nº 13.465/2017 foi o acréscimo dos incisos X e XI ao caput do art. 799 do Código de Processo Civil: “Incumbe ainda ao exequente: […] X – requerer a intimação do titular da construção-base, bem como, se for o caso, do titular de lajes anteriores, quando a penhora recair sobre o direito real de laje; XI – requerer a intimação do titular das lajes, quando a penhora recair sobre a construção- -base”.

[13] Correta a lição de Arruda Alvim ao apontar que: “Os direitos reais são criados pelo direito positivo por meio da técnica denominada numerus clausus. A lei os enumera de forma taxativa, não ensejando, assim, a aplicação analógica de lei. São definidos e numerados determinados tipos pela norma, e só a estes correspondem os direitos reais, sendo, pois, seus modelos. Somente os direitos constituídos e configurados à luz dos tipos rígidos (modelos) consagrados pelo texto positivo é que poderão ser tidos como reais. Estes tipos são previstos em lei de forma taxativa. Isto não quer significar, entretanto, que inexista liberdade com relação à constituição dos direitos reais. Não há, isto sim, liberdade no que diz respeito à configuração dos direitos reais, dado que esta configuração se encontra cogente e imutavelmente disposta pelo legislador” (ARRUDA ALVIM, J. M. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais. In: CAHALI, Yussef Said (Coord.). Posse e propriedade: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 48-49). Também sobre o tema, Gustavo Tepedino leciona que “[…] o princípio do numerus clausus se refere à exclusividade da competência do legislador para a criação de direitos reais, os quais, por sua vez, possuem conteúdo típico, daí resultando um segundo princípio, corolário do primeiro, o da tipicidade dos direitos reais, segundo o qual o estabelecimento dos direitos

reais não pode contrariar a estruturação dos poderes atribuídos ao respectivo titular […] vale dizer, ao lado de regras imperativas, que definem o conteúdo de cada tipo real, convivem preceito dispositivos, atribuídos a autonomia privada, de sorte a moldar o seu interesse a relação jurídica pretendida” (TEPEDINO, Gustavo. Multipropriedade imobiliária. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 82-83). No tema, ainda que com variações, confira-se ainda: ASCENSÃO, José de Oliveira. A tipicidade dos direitos reais. Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 1968; GARCÍA, Antonio Román. La tipicidad em los derechos reales. Madrid: Montecorvo, 1994; TARTIÈRE, Gabriel de Reina. Sistema de derechos reales: parte general. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005; GONDINHO, André Pinto da Rocha Osório. Direitos reais e autonomia da vontade: o princípio da tipicidade dos direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001; MOREIRA, Álvaro; FRAGA, Carlos. Direitos reais. Coimbra: Almedina, 1971, p. 114-119; GATTI, Edmundo. Teoria gerenal de los derechos reales. Buenos Aires: Abeledo- -Perrot, [s.d.]. p. 66. Ideia semelhante pode ser sustentada para outras situações, como é o caso da superfície por cisão, uma vez que ela também não está prevista especificamente, mas sua modulação é possível por não vulnerar o “tipo”.

[14]Essa análise, diferenciando as fronteiras do princípio da taxatividade em relação ao princípio da tipicidade, não é exclusiva dos direitos reais, sendo permitida a projeção de raciocínio afim em outras hipóteses, como é o caso dos títulos executivos (em especial os extrajudiciais). O legislador fixa o rol (taxatividade), tendo as partes alguma liberdade na configuração interna da relação creditícia (credor-devedor), sujeita aos limites fixados pelo princípio da tipicidade. No sentido, Rodrigo Mazzei (Reforma do CPC 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 66-69).

[15] No sentido: MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Comentários ao artigo 1.369. In: SCHREIBER, Anderson et al. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 1130.

[16] Tanto assim que a Lei nº 13.465/2017 incluiu o § 9º no art. 176 da Lei de Registros Públicos

(6.015/1973), o qual determina que tal abertura de matrícula e averbação serão feitas no Livro 2 que trata do Registro Geral, verbis: “§ 9º A instituição de direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca”.

[17] “Art. 1.473. Podem ser objeto de hipoteca: I – os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; II – o domínio direto; III – o domínio útil; IV – as estradas de ferro; V – os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham; VI – os navios; VII – as aeronaves. VIII – o direito de uso especial para fins de moradia; IX – o direito real de uso; X – a propriedade superficiária. § 1º A hipoteca dos navios e das aeronaves reger-se-á pelo disposto em lei especial. § 2º Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos IX e X do caput deste artigo ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso tenham sido transferidos por período determinado.”

[18]“Art. 791. Se a execução tiver por objeto obrigação de que seja sujeito passivo o proprietário de terreno submetido ao regime do direito de superfície, ou o superficiário, responderá pela dívida, exclusivamente, o direito real do qual é titular o executado, recaindo a penhora ou outros atos de constrição exclusivamente sobre o terreno, no primeiro caso, ou sobre a construção ou a plantação, no segundo caso.”