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O DETETIVE PARTICULAR NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

O DETETIVE PARTICULAR NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Eduardo Luiz Santos Cabette

Com o advento da publicação da Lei nº 13.432/2017, que “dispõe sobre o exercício da profissão de detetive particular, necessário se faz uma análise das dimensões e limites dessa atuação profissional na seara da investigação criminal.”

Como regra, o “detetive particular” ou “detetive profissional“, conforme se pretenda designar, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei nº 13.432/2017, exerce atividade ligada estritamente à coleta de dados e informações de natureza “não criminal” e referentes a “assuntos de interesse privado do contratante“. Portanto, pode-se afirmar que a atuação do detetive particular não está normalmente e em regra ligada à investigação criminal (inteligência do art. 2º, caput da Lei nº 13.432/2017).

Malgrado isso, não há de excluir totalmente a atuação do detetive particular na investigação criminal. Um aspecto que nem mesmo é de natureza legal, mas de fato, é o de que, em meio a uma investigação particular, pode ocorrer de haver a descoberta fortuita de indícios de infrações penais. A obrigação do profissional nestes casos é a de comunicar o contratante e a autoridade policial (Delegado de Polícia) com atribuição para a apuração, ao menos nos casos de ação penal pública incondicionada. Em eventuais situações de ação penal pública condicionada à representação do ofendido ou de ação penal privada exclusiva, caberá ao detetive comunicar seu contratante e deixar a este a decisão sobre o exercício da condição de procedibilidade para uma investigação criminal pública formal.

Ocorre que não é somente por acidente que um detetive particular pode atuar na investigação criminal. A legislação sob comento prevê, em seu art. 5º, caput, que “o detetive particular pode colaborar com a investigação policial em curso“.

Logo de início, é possível vislumbrar um limite a essa atuação excepcional do detetive particular na investigação criminal. Não lhe cabe o desate da investigação. Ele não tem atribuição para instauração de feito investigatório de natureza criminal por conta própria, somente podendo atuar em colaboração em investigação criminal já em curso, ou seja, já instaurada de ofício ou em atendimento a requerimento e/ou representação pela autoridade policial (Delegado de Polícia – Lei nº 13.830/2013). E não poderia ser de outra forma, porque a atividade de Polícia Judiciária Investigativa é função típica de Estado, essencial à consecução da Justiça, indelegável e indisponível, afeta às Polícias Civis (no âmbito estadual) e à Polícia Federal (no âmbito da União) (vide art. 144, § 1º, I e IV, e § 4º da CF, assim como art. 140, § 2º, da Constituição do Estado de São Paulo e, finalmente, art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.830/2013).

Além disso, o detetive particular, para atuar em feito criminal, somente o poderá com a anuência expressa do seu contratante. Ao dizer a lei que a anuência deve ser expressa, isso significa que não se admite uma autorização tácita por parte do contratante, deduzida da mera avença de serviços com o detetive. Há de haver cláusula expressa no contrato de serviços ou adendo para tanto. Obviamente, não havendo limitação na lei, a atuação do detetive profissional poderá ser em favor de seu cliente que seja investigado no feito criminal ou daquele que é vítima de um crime, mas sempre com a autorização expressa deste último.

O mais relevante, porém, é que a participação do detetive particular em colaboração suplementar à atividade de investigação oficial, mesmo contando com a autorização expressa de seu cliente, somente poderá ocorrer se for admitida pelo Delegado de Polícia. Essa admissão, nos termos do art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 13.432/2017, constitui ato discricionário e não vinculado do Delegado de Polícia, que decidirá com critérios subjetivos de oportunidade e conveniência sem necessidade de fundamentação específica, pois que, como já visto, a natureza da atividade de investigação particular é excepcional e facultativa. Também releva destacar que a admissão pode se dar a qualquer tempo, bem como que o seu deferimento pelo Delegado de Polícia não implica vinculação do detetive particular com o feito, podendo essa decisão da autoridade policial ser revertida ad nutum (discricionariamente) a qualquer momento. Ou seja, o fato de que o Delegado de Polícia tenha admitido o detetive particular no inquérito policial não significa que, a qualquer tempo, não possa rever sua autorização e impedir sua atuação também de maneira absolutamente livre e discricionária. Isso porque a titularidade da investigação criminal em inquérito policial é do Delegado de Polícia, não constituindo direito subjetivo do detetive sua participação [1].

Embora a Lei nº 13.432/2017 seja obscura, é de se concluir que o detetive particular poderá também atuar em investigações criminais levadas a efeito diretamente pelo Ministério Público, conforme, esdruxulamente, admite o STF (as investigações pelo Ministério Público, a despeito de total falta de lei reguladora). A obscuridade vem do fato de que o parágrafo único do art. 5º da Lei nº 13.432/2017 somente menciona o Delegado de Polícia. Entretanto, ao utilizar no caput do mesmo dispositivo a expressão ampla “investigação criminal” e não a restrita “inquérito policial“, não parece restar dúvida de que também poderá atuar em procedimentos investigatórios criminais (PIC) do Ministério Público, desde que satisfazendo os mesmos requisitos acima mencionados e dentro dos limites legais balizados.

Falando em “limites legais“, é de ressaltar que a atuação do detetive particular é bastante reduzida na investigação criminal. Poderá atuar de forma colaborativa e suplementar, bem como externamente, jamais praticando atos instrutórios diretos ou participando e muito menos realizando diligências policiais. Poderá, por exemplo, arrolar testemunhas, apresentar documentos, apresentar relatórios de investigação ou observações etc. Mas está expressamente proibido pela Lei nº 13.432/2017 de “participar diretamente de diligências policiais” (vide art. 10, IV, da Lei nº 13.432/2017). Note-se que nem mesmo com a anuência do Delegado de Polícia o detetive particular poderá atuar diretamente na investigação, participar de buscas, de prisões, de interceptações telefônicas, ter acesso a dados cobertos por sigilo de justiça etc. A eventual autorização do Delegado de Polícia ou do Ministério Público, conforme o caso, constituirá falta funcional por descumprimento das normas legais e regulamentares, no caso, o art. 10, IV, da Lei nº 13.432/2017. Além disso, poderá configurar infração penal de prevaricação, nos termos do art. 319 do CP, em sua modalidade comissiva de praticar ato “contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal“.

Finalmente, cabe salientar que a Lei nº 13.432, de 11 de abril de 2017, conforme dispõe seu art. 13, entrou em vigor na data de sua publicação.

Ela não contém a corriqueira cláusula de revogação das disposições anteriores em contrário, o que leva à conclusão de que os diplomas legais e regulamentares vigentes, naquilo que não conflitem diretamente com a novel legislação, continuam vigorando normalmente.

A Lei nº 13.432/2017 não exige credencial ou comprovação de curso especializado para a prática das atividades laborais de detetive particular, definindo a condição de detetive profissional pelo exercício de fato habitual individual ou em forma de sociedade civil ou empresarial (art. 2º da Lei nº 13.432/2017). Aliás, o art. 3º da referida lei, que exigia em seu inciso III “formação específica ou profissionalizante para o exercício da profissão” e, em seus §§ 1º e 2º, estabelecia os requisitos e currículo mínimos para o curso respectivo, foi vetado.

Não obstante, como não houve revogação expressa das disposições até então vigentes e não havendo conflito, está em vigor a primeira legislação que regulou o registro de empresas ou estabelecimentos de investigação e coleta de informações, qual seja, a Lei nº 3.099/1957, a exigir registro na Junta Comercial. Embora a nova legislação não exija credencial nem curso especializado, em respeito à liberdade de trabalho lícito, persiste o requisito administrativo de registro na Junta Comercial do Estado em que atue o estabelecimento individual ou social. Embora o registro se dê na Junta Comercial do Estado respectivo, isso não significa que o detetive particular somente possa atuar nos limites daquela unidade da Federação. Isso porque a Lei nº 13.432/2017 é clara ao estabelecer como prerrogativa ou direito do detetive profissional “exercer a profissão em todo o território nacional na defesa dos direitos ou interesses que lhe forem confiados” (art. 12, I, da Lei nº 13.432/2017).

A Lei nº 3.099/1957 foi regulamentada pelo Decreto nº 50.532/1961. Ali está também determinado que o estabelecimento individual ou social que trabalhe com investigação particular deverá ser registrado no Órgão Comercial e na repartição policial do local em que opere. Obviamente essa “repartição policial” diz respeito à Polícia Judiciária, ou seja, à Delegacia de Polícia adstrita à área do estabelecimento (art. 1º). O art. 2º do decreto sobredito estabelece os documentos necessários para o registro na unidade policial, quais sejam, o registro na Junta Comercial e o atestado de antecedentes criminais de todos aqueles que trabalhem na atividade. Em consonância com a Lei nº 13.432/2017, o Decreto nº 50.532/1961, em seu art. 3º, veda aos detetives particulares o exercício de “atividades privativas de autoridades policiais“. A colaboração com a polícia investigativa já era prevista no art. 5º do respectivo decreto, o qual determina que esses estabelecimentos deverão fornecer às autoridades policiais tudo o que possa servir de informação pertinente a investigações criminais em andamento.

No Estado de São Paulo, por força do Decreto nº 39.995/1995, foi criado no DPC (Divisão de Registros Diversos e Departamento de Polícia Científica [2]) o Serviço de Fiscalização de Empresas de Informações, ao qual cabe dar cumprimento à Lei nº 3.099/1957 e ao seu regulamento federal (Decreto nº 50.532/1961).

No seguimento, no Estado de São Paulo, a Portaria da Divisão de Registros Diversos (DRD) nº 001/2001 também regula o devido cumprimento da legislação e regulamento federais supramencionados. Essa Portaria exige Certificado de Registro no DRD para o funcionamento de estabelecimentos de investigação particular (art. 1º). Em seu § 1º, considera os “detetives profissionais autônomos” como “empresas individuais“. O art. 2º arrola toda a documentação necessária ao registro, inclusive a inscrição municipal de prestador de serviço, bem como estabelece, em seu art. 3º, a renovação do certificado anualmente até o último dia útil de janeiro.

Dessa forma, mister se faz, para que o Delegado de Polícia admita o detetive particular em colaboração externa à investigação criminal em andamento, a apresentação de requerimento formal, instruído com o devido Certificado de Registro Individual ou Empresarial nos órgãos competentes, conforme normativas acima mencionadas, bem como a declaração expressa formulada pelo contratante, autorizando o profissional a atuar no caso nos limites legais.

Enfim, pode-se afirmar que livre exercício profissional deve se coadunar com a natureza de função essencial e exclusiva de Estado que marca a investigação criminal, no que tange à atuação excepcional, facultativa, limitada e supletiva do detetive particular.

[1] Vide art. 144, § 1º, I e IV, e § 4º da CF, assim como art. 140, § 2º, da Constituição do Estado de São Paulo e, finalmente, art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.830/2013.

[2] A Polícia Científica, atualmente composta pelo IML e IC, é hoje organizada em uma Superintendência administrativamente independente no Estado de São Paulo.