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O DÉBITO CONJUGAL NA PERSPECTIVA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

O DÉBITO CONJUGAL NA PERSPECTIVA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Leonardo Estevam de Assis Zanini

Odete Novais Carneiro Queiroz

SUMÁRIO: Introdução – 1. Débito conjugal: precedentes históricos – 2. A evolução da legislação sobre débito conjugal – 3. A igualdade jurídica entre os cônjuges: uma mudança de paradigma – 4. O princípio do acordo – 5. O direito à liberdade sexual como um direito da personalidade – 6. A recusa no cumprimento do débito conjugal e suas consequências jurídicas – 7. Os direitos da personalidade, o débito conjugal e o crime de estupro: 7.1. O débito conjugal e o cônjuge como sujeito passivo de estupro; 7.2. Notas sobre o direito estrangeiro: 7.2.1. Direito espanhol; 7.2.2. Direito italiano; 7.2.3. Direito alemão – 7.3. A proteção da liberdade sexual e o estupro como crime único de condutas alternativas – Considerações finais – Referências.

INTRODUÇÃO

A partir do advento da Constituição Federal de 1988, eivada de novos princípios, entre os quais o da igualdade entre os cônjuges, houve inegável mudança de paradigma em nossa realidade jurídica. O direito de família, que encontrava fundamento no Código Civil e na legislação extravagante, passou a ser interpretado em conformidade com os ditames da Constituição Federal, que mudou o centro gravitacional da matéria.

O passo seguinte foi dado com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que procurou adaptar a legislação infraconstitucional à nova ordem estabelecida pela Carta Magna. A respeito dos deveres dos cônjuges, o Código Civil apresenta um rol composto pela fidelidade recíproca, pela vida em comum no domicílio conjugal, pela mútua assistência, pelo sustento, guarda e educação dos filhos, bem como pelo respeito e consideração mútuos (art. 1.566).

Partindo do imperativo de viverem juntos, estabeleceu o Código Civil, entre os deveres dos cônjuges, a coabitação, que tem como um dos seus aspectos o débito conjugal (art. 1.566, II). Nesse mesmo sentido ensina Rosa Maria de Andrade Nery, asseverando que a vida em comum pressupõe a coabitação, dever do qual deriva a imposição do “débito conjugal, expressão máxima da vida em comum”.([1])

O débito conjugal, segundo o legislador, seria um direito-dever do marido e da mulher no que toca à realização de conjunção carnal. Tal débito foi estipulado há muito pela lei civil e pressupõe a sua exigência mútua pelos consortes.([2])

Desse modo, em função da igualdade entre os cônjuges, da dignidade da pessoa humana e da proteção dada aos direitos da personalidade, procura-se apresentar aqui um quadro atualizado do chamado débito conjugal.

1 DÉBITO CONJUGAL: PRECEDENTES HISTÓRICOS   

Na Antiguidade, pode-se mencionar que havia supremacia marital tanto no Código de Hamurabi como no Código de Manu, não obstante a existência de previsões singelas sobre os deveres de ambos os cônjuges, mormente a coabitação, a fidelidade e o respeito mútuo.([3])

Entre essas previsões, existia no Código de Hamurabi uma acerca da possibilidade da mulher de conduta irrepreensível recusar relações com o marido “saidor”, cujo comportamento a humilhasse, o que permitia a mulher retomar o dote e tornar ao lar paterno.([4]) Daí, talvez, uma das primeiras previsões acerca do débito conjugal e a sua legítima recusa ao afrontar a dignidade humana.

Em todo caso, no posicionamento dos povos antigos prevalecia, em linhas gerais, a situação de inferioridade da mulher. Mesmo os romanos não fugiram de referida regra, tanto que proclamavam: “propter sexus infirmitaten et ignorantiam rerum forensium”. Aliás, “na Cidade Antiga, o casamento colocava a mulher sob a dominação do marido (in manu mariti), que a recebia como filha (in loco filiae), adquirindo sobre ela direito de vida e de morte (ius vitae ac necis)”.([5])

O Cristianismo teve, nessa evolução, sua inegável importância, pois conseguiu amenizar o tratamento dado à mulher, prestigiando sua posição. Todavia, não aboliu a ideia de sujeição, que ainda perdurou por muitos séculos. Por outro lado, com o objetivo de evitar imoralidades, o cristianismo acolheu o conceito de débito conjugal, que era considerado um vínculo de notável força, tanto que se um marido resolvesse deixar seu casamento por uma vida monástica, pelo fato da existência do débito conjugal, ele somente poderia ir para o mosteiro se sua esposa concordasse com sua partida.([6])

Nesse contexto, muito embora se reconheça a oportunidade e relevância do estudo da igualdade entre os cônjuges em diferentes civilizações, bem como seu desenvolvimento no decorrer da história, não cabem aqui maiores considerações, dado o exíguo limite deste trabalho. Em todo caso, pelo que foi apresentado fica evidente a posição de inferioridade ou subserviência que coube por muitos séculos à mulher.

2 A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOBRE DÉBITO CONJUGAL           

No que tange ao ordenamento jurídico pátrio, em que pesem as constituições brasileiras sempre terem reconhecido que a lei deve ser igual para todos, a legislação infraconstitucional, ao contrário, estabeleceu por muito tempo regras marcadas pela desigualdade entre os cônjuges, particularmente no que tange ao casamento.([7])

 A discrepância era tal que, apenas a título de elucidação, “sob a égide da Constituição de 1824, vigorava a Lei de 20 de outubro de 1823, que determinava a aplicação das ordenações portuguesas, as quais estatuíam o direito do marido de castigar sua mulher, a ponto de poder matá-la se a encontrasse em adultério (Ordenações Filipinas, Livro V, Títulos XXXVI, § 1º, e XXXVIII)”.([8])

Em relação ao tratamento diferenciado dado à mulher casada, explica Maria Helena Diniz que:

Seus direitos e deveres passaram por sensíveis e grandes modificações, principalmente ante as disposições estatuídas nas Leis ns. 4121/62 (Estatuto da Mulher casada) e 6.515/77, no sentido de emancipá-la dentro do lar, pois o nosso Código Civil de 1916 continha preceitos que a discriminavam, dentre eles o do art. 6º, que a considerava relativamente incapaz. Todavia, é bom esclarecer que tal incapacidade vigorou em função do matrimônio e não do sexo, sendo defendida em razão da necessidade de ter a sociedade conjugal uma chefia, e, como esta competia ao homem, a mulher passou a ser tida como incapaz […].([9])

Analisando as disposições do Código Civil de 1916, as quais estabeleciam a necessidade de uma chefia da sociedade conjugal e, como consectário, previam o pátrio poder e a incapacidade da mulher, é oportuno que se lembre de que as legislações existentes em outros países sobre tal matéria, à época, revelavam não ser esse posicionamento exclusividade do nosso ordenamento. Assim, em outras palavras, insta esclarecer que as previsões que colocavam a mulher casada no Brasil diante de tratamento diferenciado não constituíam qualquer extravagância:

[…] encontrando-se tal fórmula em quase todos os Códigos Civis, desde as legislações jusnaturalistas do final do século XVIII e inícios do século XIX até os Códigos mais recentes do século XX, passados pelos de meados do século passado. Conforme o ALR prussiano, de 1794, o marido era o chefe da sociedade conjugal ou, segundo o ABGB, da família. O mesmo dispunha o Código Civil italiano de 1865 – “il marito é capo della famiglia” -, preceito repetido sem modificações pelo de 1942. De acordo com o ZGB, o marido é o chefe da comunidade (conjugal) e nos termos do código português de 1967 é o chefe da “família”. Não havia regra semelhante no BGB, mas como, pelo seu § 1354, tinha o marido a “decisão em todos os assuntos relativos à vida conjugal comum”, inferia-se ser o cabeça do casal.([10])

O Código de Napoleão, no bojo de seu artigo 213, vigente ainda no início deste século, previa que o marido devia proteção à sua mulher e que a mulher devia obediência ao marido. Com isso, existia na França uma “puissanse maritale”, isto é, um poder marital. Na hipótese de a mulher se recusar a habitar com o marido, ou este a recebê-la, a jurisprudência autorizava a utilização da força, de maneira que o marido podia reconduzi-la a casa “manu militari”.([11])

Dessa maneira, “considerando a posição da mulher casada no Direito de Família de alguns países europeus e o estágio cultural inferior, comparativamente, da sociedade brasileira, na época do Código Civil”,([12]) está justificada a mens legis quando da disposição de normas que consagram o tratamento diferenciado da mulher, principalmente quando se parte de uma interpretação histórica de tais dispositivos.

No entanto, tal paradigma foi nitidamente alterado com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, que acabou instituindo, conforme Maria Helena Diniz, a igualdade jurídica entre os cônjuges, a qual já havia sido proclamada na “Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948), na Declaração de Princípios Sociais da América (México, 1945), na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948), e entre nós promulgada pelo Decreto n. 31.643/52”.([13])

Vale notar, entretanto, que tamanha mudança de paradigma não ocorreu apenas no ordenamento jurídico pátrio. Num contexto mais abrangente ou mundial, a igualdade entre os cônjuges foi igualmente tutelada em outros países, valendo citar, por exemplo, a (I) Constituição Portuguesa de 1976, que trata da promoção de igualdade entre homens e mulheres, proibindo privilégios em razão do sexo, garantindo a plena igualdade no casamento; (II) a Constituição Japonesa, de 1946, que repisa a igualdade e a colaboração entre os esposos; (III) a Constituição Argentina, que prevê a igualdade genericamente perante a lei, mas incorpora tratados internacionais, que trazem, em seu seio, a igualdade entre os cônjuges; (IV) a Constituição Paraguaia, que traz um capítulo especial à família, notadamente a tutela da igualdade e liberdade dos cônjuges; (V) a Constituição Mexicana, que, mencionando o planejamento familiar, aponta as garantias individuais, uma delas a igualdade; (VI) a Constituição Espanhola, a qual menciona a igualdade ao contrair casamento; (VII) a Constituição Francesa, a qual abarca as disposições da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e, portanto, a igualdade entre os cônjuges; (VIII) a Constituição Italiana, que não se limita a tratar da igualdade, mas, ainda, prevê a remoção de obstáculos que impeçam o pleno exercício da personalidade humana.([14])

Portanto, hodiernamente, essa é a realidade que se apresenta, caracterizada pela atenção cuidadosa ao princípio da dignidade da pessoa humana, que já alcançou sua plena inserção nas relações conjugais. E mais: está ela fundada nos princípios da liberdade, solidariedade, igualdade, bem como na integridade física e moral, previstos e consagrados na Constituição Federal como cláusulas pétreas. Diante de tais considerações e levando em conta que o débito conjugal encontrará tutela no âmbito dos direitos da personalidade, é fundamental que se indague sobre os consectários da recusa de cumprimento do dever de débito conjugal. Antes disso, no entanto, a temática da igualdade jurídica entre os cônjuges será abordada de forma um pouco mais aprofundada.

3 A IGUALDADE JURÍDICA ENTRE OS CÔNJUGES: UMA MUDANÇA DE PARADIGMA

A relação conjugal tem seus fundamentos na liberdade e na igualdade, remetendo, também, à solidariedade.([15]) Dessa maneira, cumpre passarmos a uma análise da igualdade, para, em seguida, nos ocuparmos da liberdade, sem nos esquecermos da solidariedade, que permeia toda a relação conjugal.

Com a Constituição Federal de 1988 a efetiva igualdade conjugal, quer no Direito Público quer no Direito Privado, foi consagrada pelos arts. 5º, I, e 226, § 5º. Assim, o ordenamento jurídico brasileiro alcançou um novo estágio em seu processo evolutivo, que culminou com a igualdade entre o homem e a mulher em direitos e deveres referentes à sociedade conjugal.([16])

Os cônjuges não têm mais, como ocorria anteriormente, funções próprias na sociedade conjugal. Todavia, não se pode esquecer que o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça.([17]) De tal arte, a interpretação correta da igualdade entre os cônjuges torna “inaceitável a utilização do discrímen sexo, sempre que este seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis”.([18])

Com efeito, a partir da Constituição Federal de 1988 muitos artigos do Código Civil de 1916, então em vigor, que estabeleciam desigualdades absurdas entre os cônjuges, deixaram de ser recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro.([19]) Nesse contexto, diante do reconhecimento da igualdade dos cônjuges na sociedade conjugal, finda a posição hierárquica superior na qual se colocava o homem. A mulher passa então a exercer a mesma posição jurídica que é atribuída ao homem, deixando de ser uma simples coadjuvante nos direitos e deveres estabelecidos na sociedade conjugal.

O mesmo fenômeno, é interessante notar, ocorreu no direito português, no qual o princípio constitucional da igualdade entre o homem e a mulher também foi incorporado ao Direito Privado, o que demonstra um movimento legislativo das nações de direito continental no que toca à equiparação dos direitos e deveres dos cônjuges.

De fato, podemos destacar, no Direito português, com base nos ensinamentos de Capelo de Sousa, as seguintes alterações do Direito Privado:

A equiparação da idade núbil (art. 1601º, al. a, CC) e da aplicabilidade do regime da separação de bens a todos os maiores de sessenta anos (art. 1720º, nº 1, al. b, CC), o desaparecimento do poder marital e a igualização em matéria de orientação da vida familiar (art. 1671º, CC), de escolha de residência (art. 1673º, CC), de uso de apelidos (art. 1677º a 1677º-C, CC), de exercício de profissão ou atividade (art. 1677º-D, CC), de administração e alienação de bens (art. 1678º, CC), de estabelecimento de filiação (arts. 1807º e 1839º, CC) e de poder paternal (arts. 1874º e segs. CC).([20])

Nessa linha, temos que os avanços legislativos que sucederam em Portugal e no Brasil têm um mesmo fundamento, ou seja, a consideração do homem e da mulher em sua essência, isto é, como seres humanos dotados de dignidade. E ao levar em conta a dignidade humana, fica proscrita a redução de qualquer um deles à situação de mero objeto de outrem. Reconhece-se “a cada um deles igualdade de circunstâncias, a possibilidade de assumir e de fruir os mesmos estados e comportamentos pessoais e, no caso de ofensa destes, a outorgar-lhes a reparação”.([21])

Na mesma senda, ensina Maria Celina Bodin Moraes que será contrário à dignidade humana tudo aquilo que puder servir para reduzir a pessoa à condição de objeto, já que a humanidade das pessoas reside no fato de serem dotadas de livre arbítrio e de capacidade para interagir com os outros e com a natureza.([22])

Assim sendo, fica claro que em muito se alterou a visão que tínhamos dos direitos e deveres dos cônjuges. E não poderia ser diferente no que toca ao débito conjugal, pois a situação de sujeição jurídica da esposa ao marido, muito comum no passado e ainda existente em países muçulmanos, não se coaduna com o regime jurídico em vigor em nosso país. Hodiernamente vigora a igualdade, não sendo admissível a lesão aos direitos da personalidade da mulher (ou do homem) para o cumprimento de direitos e deveres conjugais, em especial no que diz respeito ao débito conjugal.

De qualquer forma, vale notar que o que pode parecer óbvio na sociedade atual, até pouco tempo atrás não o era. De fato, na primeira metade do século XX, era comum e aceito por muitos juristas, particularmente por penalistas, a alegação de exercício regular de direito para justificar a violação de direitos da personalidade da consorte.

Por conseguinte, como decorrência do princípio fundamental do respeito à dignidade da pessoa humana, do qual se originam os direitos da personalidade, foi introduzida nas relações familiares a igualdade conjugal, garantindo-se o pleno desenvolvimento e a realização de todos os membros da comunidade familiar.

4 O PRINCÍPIO DO ACORDO

Como já mencionado, em decorrência do reconhecimento da igualdade entre os cônjuges, houve a queda da estrutura hierárquica que, até então, dava sustentação aos relacionamentos conjugais, não sendo mais admissível a exposição da mulher a ingerências em sua esfera de dignidade.([23])

Realmente, atualmente não mais se pode admitir, em um regime de paridade, um sacrifício desigual para os cônjuges, o que ocorria anteriormente, já que, devido à prevalência dos direitos do marido, a mulher era relegada ao papel de mera coadjuvante, uma vez que o direito não lhe dava instrumentos para traçar os caminhos a serem seguidos pela família, poder esse que se concentrava nas mãos do marido.([24])

Todo o edifício do antigo direito de família veio a ruir com o reconhecimento da igualdade conjugal, tendo sido erguida em seu lugar uma edificação mais moderna, em consonância com a realidade social reinante em nosso país, em que a sustentação dos relacionamentos conjugais passou a exigir uma nova norma de equilíbrio e tutela.

Com isso, foi superado o período em que o equilíbrio das relações familiares era fundado no poder do marido, que todos deveriam obedecer, passando o novo direito de família a ser regido pelo princípio do acordo, ou seja, o acordo é a lei fundamental do desenvolvimento da relação conjugal. Assim sendo, a convivência conjugal passou a ser pautada “por um proceder de respeito mútuo e de dignidade pessoal de ambos os cônjuges”.([25])

Ficam, com isso, ressaltados os direitos da personalidade no interior da relação conjugal, já que as prerrogativas de liberdade, reserva da pessoa etc. deverão ser mutuamente respeitadas pelos cônjuges, os quais ainda deverão, para o pleno desenvolvimento da personalidade de seu consorte, satisfazer os deveres de assistência moral e material (conduta positiva).([26]) Para tanto, tudo deverá ser interpretado respeitando-se a intenção dos cônjuges acerca dos objetivos e caracteres que eles entendem imprimir ao relacionamento.([27])

Assim, como muitas vezes um dos cônjuges pode exigir o cumprimento de um dever jurídico por parte do outro, como é o caso do débito conjugal, que, apesar disso, com fulcro nos direitos de personalidade, pode não cumpri-lo, temos que tal situação somente se equilibra em função do acordo entre os cônjuges. Tal acordo deve existir como condição para a manutenção da unidade e estabilidade da família, mesmo porque não há mais a prevalência da vontade de um dos cônjuges no que toca à direção da sociedade conjugal.([28])

Portanto, o respeito à dignidade da pessoa humana não se alcançaria se no desenvolvimento das relações conjugais, dada a complexidade dos direitos e deveres existentes entre os cônjuges, não prevalecesse o acordo como lei fundamental. Essa elaboração tem fulcro nos princípios da igualdade, da integridade física e moral, da liberdade e da solidariedade, que se encontram previstos na Constituição Federal.

5 O DIREITO À LIBERDADE SEXUAL COMO UM DIREITO DA PERSONALIDADE

Do princípio da dignidade da pessoa humana também decorre o direito à liberdade, em especial o direito à liberdade sexual, temática que não poderia deixar de ser abordada ao se tratar do débito conjugal.

Sem dúvida, a liberdade é um dos bens jurídicos preeminentes, “o mais importante depois da vida e da saúde, provavelmente o mais exposto a ser atacado na vida cotidiana”.([29])

A liberdade pode ser definida, conforme ensina Bittar:

Como a faculdade de fazer, ou deixar de fazer, aquilo que à ordem jurídica se coadune. Vale dizer: é a prerrogativa que tem a pessoa de desenvolver, sem obstáculos, suas atividades no mundo das relações. O ordenamento jurídico confere-lhe, para tanto, a necessária proteção, nos pontos considerados essenciais à personalidade humana, como a locomoção, o pensamento e sua expressão, o culto, a comunicação em geral e outros.([30])

Capelo de Sousa, por seu turno, compreende a liberdade como:

Todo o poder de autodeterminação do homem, ou seja, todo o poder que o homem exerce sobre si mesmo, autorregulando o seu corpo, o seu pensamento, a sua inteligência, a sua vontade, os seus sentimentos e o seu comportamento, tanto na ação como na omissão, nomeadamente, autoapresentando-se como ser livre, criando, aspirando e aderindo aos valores que reputa válidos para si mesmo, escolhendo as suas finalidades, ativando as suas forças e agindo, ou não agindo, por si mesmo.([31])

Ora, das definições acima transcritas, é certo que na base de todo direito de liberdade está a personalidade, o que importa dizer que todos os direitos de liberdade integram a categoria dos direitos de personalidade.

Das mesmas definições deflui que o direito geral de liberdade é composto de subgrupos de manifestações, em função das atividades desenvolvidas pelo ser humano nos níveis pessoais, negociais e espirituais. Isso leva à enunciação de componentes distintos, como: “a liberdade de locomoção; a de trabalho; a de exercício de atividade; a contratual; a comercial; a de culto; a de expressão de pensamento; a de imprensa e outras”.([32])

Na mesma linha, também aponta Capelo de Sousa a existência dos seguintes subgrupos de manifestações: “as liberdades físicas, as liberdades espirituais, as liberdades socioculturais, as liberdades socioeconômicas e as liberdades sociopolíticas”.([33])

Apesar de não ter sido expressamente mencionada nos subgrupos acima referidos, é claro que dentro dos direitos de liberdade está a liberdade sexual, a qual pode ser entendida como aquela parte da liberdade referida ao exercício da própria sexualidade e, em certo modo, à disposição do próprio corpo.([34])

Aliás, essa autonomia da liberdade sexual pode ser vista no próprio Código Penal brasileiro, no qual os ataques violentos ou intimidatórios, que poderiam ser reprimidos apenas como ataques à liberdade, possuem proteção penal específica, considerando como bem jurídico tutelado o livre exercício da sexualidade.

Entretanto, a liberdade humana não pode ser pensada como algo ilimitado, uma vez que é possível, com o objetivo de ajustar a pessoa aos diferentes mecanismos de relação existentes na sociedade, a restrição ou redução da liberdade. Assim, isso é possível por meio de: limitações de ordem administrativa, nos vínculos com o Estado; negociais, nos relacionamentos com particulares; pessoais, nos vínculos com o cônjuge, os filhos e os parentes; no trabalho, nos envolvimentos com as empresas; no esporte e no lazer, com as entidades do setor etc.([35])

Nessa senda, a liberdade humana também pode, sob certas cautelas, ser objeto de disposição, exatamente para se possibilitar a referida inserção da pessoa no contexto social, que, por natureza, exige o seu sacrifício.([36]) Assim, como aponta Capelo de Sousa, presentemente coexistem manifestações de disposição corporal plenamente aceitas e tuteladas, como a liberdade sexual.([37])

Com isso, temos que reconhecer a existência de limitações à liberdade humana em decorrência do ordenamento jurídico, de regulamentos postos por grupos intermediários e também pela própria vontade do interessado, representando, cada qual, limite diverso para a liberdade da pessoa.

Todavia, no caso do casamento, que estabelece o debitum coniugale e proíbe a conjunção carnal com outrem, os cônjuges não alienam nas relações entre si a generalidade dos seus direitos de personalidade, já que deve haver respeito recíproco na esfera afetiva e sexual. Desta forma, apesar da existência do débito conjugal, um dos cônjuges não pode pretendê-lo em detrimento dos direitos da personalidade do outro, como a vida, a integridade física e mesmo a liberdade.

Vale aqui a observância de qual direito é o prevalente, ou seja, a liberdade ou o débito conjugal. Nesse ponto nos ensina Capelo de Sousa que:

O cumprimento de deveres jurídicos, impostos por lei ou por ordens legítimas da autoridade, quando de valor igual ou superior ao do bem da liberdade sacrificado, justifica, em termos gerais, a ofensa desta, particularmente em casos de exigências de justiça e de política. Igualmente, funciona aqui o consentimento do lesado como causa de exclusão do facto ilícito ou de justificação da ilicitude […].([38])

Não é outro o entendimento de Maria Celina Bodin Moraes, para quem, no caso específico do débito conjugal, a ponderação dos interesses contrapostos não pode assegurar um “direito” à sua prestação.([39])

Desse modo, é certo que, apesar de no momento do casamento os cônjuges terem consentido no cumprimento do débito conjugal, a partir de quando um deles não mais estiver disposto à manutenção das relações sexuais, isso com fundamento em seus direitos de personalidade, não poderá o outro cônjuge pretender a conjunção carnal com base na relação de direito de família, a qual não se sobrepõe aos direitos da personalidade.

O mesmo raciocínio pode ser utilizado em situações excepcionais da vida dos cônjuges, como nas hipóteses de enfermidade ou de idade muito avançada, que podem ser consideradas como motivo para que a análise do débito conjugal seja realizada sob outra perspectiva,([40]) mais uma vez levando em conta os direitos da personalidade dos cônjuges.

Por conseguinte, a liberdade sexual é direito prevalente em relação ao débito conjugal, resultando como sanção pela violação desse dever somente a separação ou o divórcio, este último bastante facilitado após a promulgação da Emenda Constitucional 66, que alterou a redação do art. 226, § 6º, da Constituição Federal.([41])

6 A RECUSA NO CUMPRIMENTO DO DÉBITO CONJUGAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

O débito conjugal, sendo considerado um direito-dever dentro do casamento, nem por isso é ilimitado, na medida em que deve ser exercido em harmonia com outros direitos e deveres a ele correlatos, como o direito ao respeito, o direito à liberdade sexual e o direito à consideração recíproca, que são garantidores do princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim sendo, não é admissível o emprego de violência, seja ela física ou moral, para constranger o outro cônjuge a praticar relações sexuais.([42]) De fato, a exigência forçada do cumprimento do débito conjugal constitui afronta ao dever de respeito e consideração que permeia a relação entre os cônjuges, bem como representa ofensa à liberdade sexual, não restando alternativa senão a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal. E sobre o tema ensina Orlando Gomes:

O exercício do “jus in corpus” está condicionado, porém, à aquiescência do outro cônjuge. O dever correlato é tão personalíssimo que se torna impossível assegurar seu cumprimento sob forma específica. Compelir “manu militari” o cônjuge a satisfazê-lo atentaria, além do mais, contra a liberdade individual, não sendo possível obrigar-se alguém a manter, contra a vontade, relações sexuais constantes.([43])

Todavia, isso não significa, evidentemente, que não exista qualquer consequência jurídica diante da recusa ao débito conjugal. Realmente, pode o cônjuge que se entender prejudicado colocar fim na relação conjugal, o que não demanda, na atualidade, a existência de uma causa que fundamente o fim do relacionamento, bastando meramente a vontade de um dos cônjuges.

No mesmo sentido, tratando dos efeitos do descumprimento do débito conjugal, afirma Sílvio de Salvo Venosa que a “sanção sobre esse dever somente virá sob a forma indireta, ensejando a separação e o divórcio e repercutindo na obrigação alimentícia”.([44])

Em todo caso, a despeito da desnecessidade de um fundamento para o fim da vida conjugal, estabelece o art. 1.573, III, do Código Civil que a injúria grave pode caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida. E sobre a injúria grave leciona Caio Mario da Silva Pereira, afirmando se tratar de ato que “implique ofensa à integridade moral do cônjuge. Em termos gerais, é a ofensa à honra, portanto, ‘conduta desonrosa’ ”.([45]) Não é outro o posicionamento de Clóvis Beviláqua ao considerá-la como “toda ofensa à honra, à respeitabilidade, à dignidade do cônjuge, quer consista em atos, quer em palavras”.([46]) Maria Helena Diniz, a seu turno, considera a injúria grave um ato por meio do qual se ofende a integridade moral do outro cônjuge, de maneira verbal ou real, esta última caracterizada por “gesto ultrajante, que diminui a honra e a dignidade do outro ou põe em perigo seu patrimônio. Por exemplo: expulsão do leito conjugal, transmissão de moléstia venérea, recusa das relações sexuais”.([47])

Nessa linha, é certo que a recusa no cumprimento do débito conjugal pode configurar injúria grave, nos termos do art. 1.573, III, do Código Civil.([48]) Todavia, para que a recusa seja hábil a caracterizar a injúria grave é necessário que não seja justificada. Há situações então que podem justificar o não cumprimento do débito conjugal sem que seja configurada a ocorrência de injúria grave, como, por exemplo, quando os consortes são pessoas de idade avançada ou portadores de enfermidade grave.([49]) Por conseguinte, a despeito de estar caracterizada, nesses casos, a recusa ao débito conjugal, certamente não se trataria de injúria grave que resultaria na exigência de termo à comunhão de vida.

Outrossim, como ensina a doutrina especializada, a recusa atingirá a integridade moral do outro consorte, afetando direitos da personalidade, o que permite não somente o fim da comunhão de vida, mas também a propositura, em tese, de ação de reparação por danos morais.

Por conseguinte, o não cumprimento do débito conjugal deve conduzir, no máximo, ao término da relação conjugal, não sendo admitida nenhuma conduta que afete a liberdade sexual ou a integridade física do cônjuge em débito. E aqui surge um outro problema que diz respeito ao estupro cometido pelo marido contra sua esposa.

           

7 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE, O DÉBITO CONJUGAL E O CRIME DE ESTUPRO

O Código Penal entende como crime de estupro, na redação dada ao art. 213 pela Lei 12.015/2009, o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

O Código Civil de 1916 e o atual Código Civil de 2002, aparentemente em contradição com o crime tipificado pelo Código Penal, incluíram entre os deveres matrimoniais o ato sexual. Assim sendo, surgiu o problema de se saber se o marido poderia exigir o cumprimento do débito conjugal por meio do constrangimento da sua esposa. Como não poderia deixar de ser, na medida em que avançamos no tempo, a partir do Código Civil de 1916, verificamos que a resposta se modifica.

A doutrina penal tradicional entendia que o marido não podia ser agente de crime de estupro praticado contra sua esposa, porquanto seria penalmente lícito constranger a mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.([50]) Nesse sentido, Mirabete assevera que Fragoso não admite a possibilidade do crime de estupro do marido contra mulher,([51]) enquanto Noronha cita que Chauveau e Hélie “sustentam que a violência empregada pelo marido contra a mulher não constitui esse delito”.([52])

Já da análise de autores um pouco mais modernos, é possível se constatar uma ligeira alteração do entendimento, ou seja, haveria estupro em casos em que há ponderáveis razões para a recusa da mulher ao coito. Seguindo tal entendimento, Mirabete aponta as lições de Hungria e de Noronha, valendo aqui a transcrição dos ensinamentos do último, que muito bem representa o estágio de evolução do direito da época:

As relações sexuais são pertinentes à vida conjugal, constituindo direito e dever recíprocos dos que se casaram. O marido tem direito à posse sexual da mulher, ao qual ela não se pode opor. Casando-se dormindo sob o mesmo teto, aceitando a vida em comum, a mulher não se pode furtar ao congresso sexual, cujo fim mais nobre é o da perpetuação da espécie. A violência por parte do marido não constituirá, em princípio, crime de estupro, desde que a razão da esposa para não aceder à união sexual seja mero capricho ou fútil motivo, podendo, todavia, ele responder pelo excesso cometido.([53])

Mais adiante, o mesmo autor expõe:

O marido, como tem deveres, também tem direitos no matrimônio, e entre estes se alinha o de relações sexuais com a esposa. Mas esse direito, como qualquer outro, tem um limite, o qual transposto fará com que ele se degenere em desmando e abuso. O coito normal, lícito entre esposos, pode, assim, tornar-se ilícito, quando a ele se opuser a mulher, fundada em poderosas razões morais ou em um direito relevante.([54])

E conclui:

A mulher que se opõe a relações sexuais com o marido atacado de moléstia venérea, se for obrigada por meio de violências ou ameaças será vítima de estupro.([55])

Assim, vê-se que houve uma evolução no pensamento dos penalistas, que inicialmente não admitiam, em nenhuma hipótese, o estupro do marido cometido contra sua esposa. Todavia, em momento intermediário, passaram a admiti-lo quando a mulher se apoiava em razões inequivocamente morais e justas para a recusa da prática do ato sexual.([56])

Entretanto, somente os autores mais modernos, cientes dos valores inseridos no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal de 1988, em especial a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), a igualdade entre os cônjuges (art. 5º, I, da CF) e a liberdade sexual, é que não admitem, em nenhuma hipótese, que o marido tenha direito de constranger sua esposa, mediante violência ou grave ameaça, à conjunção carnal. Com isso, caso o marido não suporte a recusa, mesmo infundada, de sua esposa, outro caminho não há que não seja a separação judicial ou o divórcio, mas jamais o estupro.

7.1. O débito conjugal e o cônjuge como sujeito passivo de estupro

De fato, considerando que o bem jurídico protegido pelo art. 213 do Código Penal é a liberdade sexual, ou seja, o direito assegurado constitucionalmente que tem a pessoa de escolher livremente seu parceiro sexual, fica claro que tanto o homem como a mulher podem recusar a prática de atos sexuais com o respectivo cônjuge.

O posicionamento atual do direito brasileiro é muito bem exposto por Guilherme de Souza Nucci, que admite a inclusão do marido como sujeito ativo do crime de estupro, argumentando que a esposa não é objeto sexual, valendo a transcrição:

Não é crível que no estágio atual da sociedade, inexistindo naturalidade no relacionamento sexual de um casal, tenha o homem o direito de subjugar a mulher à conjunção carnal, com emprego de violência ou grave ameaça, somente porque o direito civil assegura a ambos o débito conjugal. Tal situação não cria o direito de estuprar a esposa, mas sim o de exigir, se for o caso, o término da sociedade conjugal na esfera civil, por infração a um dos deveres do casamento. Os direitos à incolumidade física e à liberdade sexual estão muito acima do simples desejo que um cônjuge possa ter em relação ao outro, pois, acima da sua condição de parte na relação conjugal, prevalece a condição de ser humano, que possui, por natural consequência, direito inviolável à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança (art. 213, caput, CF).([57])

Da mesma forma doutrina Celso Delmanto, apontando que a relação sexual voluntária é lícita ao cônjuge, mas o constrangimento ilegal empregado para realizar a conjunção carnal configura abuso de direito, uma vez que a lei civil não autoriza o uso de violência física ou coação moral nas relações entre cônjuges.([58])

Outro não é o posicionamento de Cezar Roberto Bittencourt, para quem o chamado débito conjugal não assegura ao marido o direito de estuprar sua mulher, garantindo-lhe apenas o direito de postular o término da sociedade conjugal.([59])

Apesar de tudo, não se pode desconhecer a dificuldade probatória decorrente do estupro cometido pelo marido contra a mulher no interior do lar, já que muitas vezes não existem testemunhas do crime, sendo insuficiente a palavra da vítima contra a do réu, o que conduz à absolvição em vários casos. Porém, “a complexidade da prova, nessas situações jamais poderá servir de pretexto para o Judiciário fechar as portas à mulher violentada pelo marido”.([60])

Outrossim, fixado o estágio atual de desenvolvimento no que concerne ao débito conjugal e ao crime de estupro, é importante consignar, abrindo um parêntese, uma questão muito interessante, qual seja: poderia a esposa realizar, em conformidade com o estabelecido pelo Código Penal, no caso de estupro praticado pelo marido, o abortamento do filho concebido por seu próprio marido durante o casamento?

Ora, parece que não estamos diante da mesma situação de estupro praticado por um desconhecido, no qual muitas vezes a dor moral suportada pela mulher a leva à prática do aborto, de maneira que esperamos que nenhuma mulher casada pratique o aborto de filho concebido por seu marido em razão de estupro. Todavia, há previsão legal permitindo tal conduta (art. 128, II, do Código Penal).

Destarte, fica evidente que a doutrina brasileira atualmente se posiciona a favor da possibilidade de cometimento de estupro pelo marido contra sua esposa (ou vice-versa). Os cônjuges podem simplesmente se recusar à prática do ato sexual. Portanto, o débito conjugal não constitui uma excludente de ilicitude quanto ao crime supramencionado, visto que acima do direito do marido ao débito conjugal está o direito à liberdade sexual da mulher, o mesmo valendo na situação inversa.

7.2. Notas sobre o direito estrangeiro          

O crime de estupro praticado pelo marido contra sua mulher também vem sendo admitido em diversas legislações alienígenas. Isso demonstra que o direito brasileiro não é, em tal ponto, manifestação isolada.

7.2.1. Direito espanhol           

No Código Penal espanhol a agressão sexual é disciplinada pelo art. 178, o qual admite como sujeitos, ativo e passivo, tanto o homem como a mulher:([61]) “O que atentar contra a liberdade sexual de outra pessoa, com violência ou intimidação, será castigado como responsável por agressão sexual com a pena de prisão de um a quatro anos”.([62])

Analisando referido artigo, Francisco Muñoz Conde, na obra Derecho Penal, não deixa dúvida quanto à possibilidade de imputação do crime de agressão sexual ao marido no Direito Penal espanhol, bastando aqui a transcrição de trecho que sintetiza a posição do referido penalista:

Sujeitos passivos das agressões sexuais em qualquer de suas modalidades podem ser também a prostituta e o cônjuge ou pessoa com a qual se convive ou habitualmente se mantêm relações sexuais, mas neste último caso deve-se ter em conta que a regularidade das relações sexuais ou a convivência fazem sumamente problemático diferenciar o que são somente disputas ou desavenças conjugais e a verdadeira agressão sexual. A questão tem mais transcendência prática, sobretudo pelas dificuldades probatórias, já que neste último plano não há obviamente porque fazer nenhuma diferenciação.([63])

7.2.2. Direito italiano

No Código Penal italiano toda a matéria pertencente aos crimes contra a liberdade sexual foi reelaborada pela reforma de 1996 e inserida na parte dos delitos contra a liberdade pessoal. Daí, com o nomen juris de “violência sexual” (violenza sessuale), o art. 609-bis do Código Penal italiano eliminou a diferença entre atos de conjunção carnal e atos libidinosos, passando a levar em consideração o fato de quem “com violência ou ameaça ou mediante abuso de autoridade, constrange alguém a cumprir ou se sujeitar a atos sexuais”.([64])

Vale notar que o Código Penal italiano, antes da alteração, previa disposições normativas similares aos nossos crimes de estupro (art. 213, CP) e atentado violento ao pudor (art. 214, CP), na redação anterior à dada pela Lei 12.015/2009. É que a legislação italiana tipificava de um lado os casos de conjunção carnal e de outro os atos libidinosos diversos da conjunção carnal.([65])

Segundo ensina Francesco Antolisei, a alteração legislativa foi positiva, pois acabou com diversas divergências conceituais existentes na doutrina italiana, passando a falar em ato sexual, entendido como toda manifestação do instinto sexual,([66]) ou seja, a legislação italiana prevê atualmente em um único tipo o coito normal e as outras formas de expressão sexual.([67])

Com isso, o direito italiano admite como sujeito ativo do crime indivíduos de ambos os sexos, bem como os cônjuges, o que podemos asseverar, mais uma vez, com fulcro nas lições de Francesco Antolisei: “É agora um resíduo histórico o assunto que não seria ilegítima a violência entre cônjuges para induzir ao adimplemento do débito conjugal: também ela por certo é contra legem e pode dar lugar ao delito em exame”.([68]) No mesmo sentido, conforme ensina Carmela Puzzo, o cônjuge pode ser incluído entre os sujeitos passivos do crime de violência sexual.([69])

7.2.3. Direito alemão                           

No Direito alemão, como ocorreu no Brasil, já se argumentou que em um casamento não seria possível a punição por estupro, uma vez que o casamento e a família não poderiam ser perturbados ou ameaçados pela intervenção do Ministério Público ou dos tribunais.([70])

Todavia, em sentido diverso, vale a apresentação dos ensinamentos de Franz von Liszt, que, em comentário aos crimes e delitos contra a liberdade sexual e o sentimento moral, assevera não ser “sustentável que a mulher casada se ache abandonada sem proteção à brutalidade do marido (obrigada por violência a atos de libidinagem contra a natureza); todo direito está sujeito a certos limites, cuja transgressão o converte em violência”.([71])

Logo, vê-se que a liberdade sexual da mulher casada encontra guarida tanto no direito pátrio como em várias legislações estrangeiras. Assim, não é admissível que o marido, estribado no débito conjugal, pretenda submeter sua esposa à prática de atos sexuais contra a sua vontade.

7.3. A proteção da liberdade sexual e o estupro como crime único de condutas alternativas

A reforma da legislação penal no que toca à proteção da liberdade sexual era necessária. De fato, havia uma quebra da igualdade entre homem e mulher nos casos de constrangimento mediante violência ou grave ameaça à prática de conjunção carnal (art. 213 do Código Penal). É que, como era pacífico na doutrina e jurisprudência, somente as mulheres podiam ser vítimas do crime de estupro previsto no art. 213, em sua redação anterior.

Entretanto, em tese, o homem também poderia ser constrangido por uma mulher à conjunção carnal, algo, no entanto, que não tinha sido tipificado, antes da Lei 12.015/2009, pela legislação penal pátria.([72]) Sobre o tema, Noronha citava que alguns autores entendiam que nesses casos a cópula poderia ser conseguida pelo emprego de afrodisíacos e mais facilmente quando se tratasse de impúbere.([73])

Seja como for, é evidente a possibilidade, bastando imaginarmos o caso em que uma mulher constrange um homem à conjunção carnal ameaçando levar ao conhecimento de sua esposa, em caso de recusa, relação amorosa tida por ele com outra mulher.

Mas qual crime praticaria, conforme a redação anterior do art. 213, uma mulher que constrangesse um homem à prática de conjunção carnal? Ora, com a prática da própria conjunção carnal ficaria afastada a possibilidade de aplicação do art. 214 do Código Penal (atualmente revogado), bem como do art. 213, como já afirmamos supra. Dessa forma, a única solução seria responsabilizar a mulher por crime de constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal), cuja pena é de detenção de três meses a um ano, ou seja, muito menor que a pena dos crimes sexuais.

Diante disso, a legislação penal brasileira estava mesmo a merecer uma reforma no que atine ao crime de estupro, o que foi feito pela Lei 12.015/2009, que passou a admitir tanto o homem como a mulher como sujeito ativo do crime de estupro, deixando de existir a diferenciação mencionada.

Por conseguinte, atualmente tanto o homem como a mulher podem ser sujeito ativo de crime de estupro, não havendo que se falar em excludente do referido tipo em função da existência de débito conjugal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na primeira metade do século XX, era comum e aceito por muitos juristas, particularmente por penalistas, a alegação de exercício regular de direito para justificar a violação de direitos da personalidade da consorte. Tal sujeição decorria da situação de inferioridade a que a mulher era obrigada a se submeter em face do seu marido.

Todavia, como decorrência do princípio fundamental do respeito à dignidade da pessoa humana, do qual se originam os direitos da personalidade, foi introduzida nas relações familiares a igualdade conjugal, garantindo-se o pleno desenvolvimento e a realização de todos os membros da comunidade familiar. Assim sendo, afasta-se a possibilidade de violação de direitos da personalidade do consorte para o cumprimento do débito conjugal.

O fundamento dessa mudança está no fato de ter sido a dignidade da pessoa humana colocada pelo legislador constituinte de 1988 como fundamento da República (art. 1º, III da Constituição Federal), bem como pela aplicação da mais ampla igualdade dos consortes no exercício de direitos e deveres referentes à sociedade que estabelecem entre si, o que veio consagrado pelo disposto no art. 226, § 5º, da Constituição Federal de 1988.

Nessa linha, o descumprimento do débito conjugal, em atenção aos direitos da personalidade, não permite que um dos cônjuges obtenha sua prestação com uso da força, autorizando apenas medidas no âmbito cível, como a separação judicial, o divórcio ou indenização por danos morais.

Por fim, no que toca à esfera penal, não há nenhuma excludente relacionada com a existência de débito conjugal, de maneira que tanto o marido como a esposa podem responder pela prática de crime de estupro contra seu consorte.

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[1] NERY, Rosa Maria de Andrade. Instituições de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 5, 2015. p. 245.

[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, v. 5, 2005. p. 133.

[3] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. O casamento e o dever de coabitação no Código de Hamurabi, no Pentateuco e na Lei de Manu. Revista da Faculdade de Direito, São Paulo, v. 91, p. 27-34, 1996, passim.

[4] GRAMSTRUP, Erik Frederico. O princípio da igualdade entre os cônjuges: os direitos conjugais em face da Constituição. Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2000. p. 9.

[5] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2005. p. 273.

[6] LEES, Clare A.; FENSTER, Thelma; MCNAMARA, Jo Ann (Org.). Medieval masculinities: regarding men in the middle ages. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994. p. 61-72.

[7] Sobre o tema podem ser mencionadas as seguintes disposições constitucionais: art. 179, XIII, da Constituição de 1824; art. 72, § 2º, da Constituição de 1821; art. 113, § 1º, da Constituição de 1934; art. 122, § 1º, da Constituição de 1937; art. 141, § 1º, da Constituição de 1946; art. 150, § 1º, da Constituição de 1967.

[8] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 37. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2004. p. 144.

[9] DINIZ, op. cit., p. 139.

[10] REIS, Carlos Dadid S. Aarão. Família e igualdade: a chefia da sociedade conjugal em face da nova Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 1-2.

[11] REIS, op. cit., p. 2-3.

[12] REIS, op. cit., p. 5.

[13] DINIZ, op. cit., p. 140.

[14] Tais disposições foram extraídas da compilação acostada por Gramstrup (GRAMSTRUP, op. cit., p. 56-66).

[15] MORAES, Maria Celina Bodin. Danos morais e relações de família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo Código Civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 414.

[16] Art. 5º, I. “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

Art. 226, § 5º. “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

[17] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 31.

[18] MORAES, op. cit., p. 34.

[19] Pode-se citar como caso de tratamento diferenciado que era admissível, apesar da existência de divergência na doutrina, a prerrogativa de foro em favor da mulher para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento (art. 100, I, do CPC de 1973). Tal regra foi, entretanto, alterada pelo art. 53, I, do CPC de 2015, não se fixando mais a competência em favor da mulher.

[20] CAPELO DE SOUSA, Rabindranath Valentino Aleixo. O direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra, 1995. p. 175.

[21] CAPELO DE SOUSA, op. cit., p. 177.

[22] MORAES, Maria Celina Bodin. Danos morais e relações de família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo Código Civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 407.

[23] RESCIGNO, Pietro. Trattato di diritto privato: persone e famiglia. Turim: UTET, t. 2, 1996, t. 2. p. 25-26.

[24] NERY, op. cit., p. 245.

[25] NERY, op. cit., p. 245.

[26] RESCIGNO, op. cit., p. 27. “Per un secondo aspetto, lo svolgimento della personalità di ciascuno, nelle direzioni accennate, richiede una condotta positiva; implica cioè un dovere di assecondare la soddisfazione degli interessi dell’ altro coniuge, riferibile sia al dovere di assistenza morale e materiale, sia al dovere di collaborazione per il buon svolgimento del rapporto coniugale e per mantenere le condizioni di unità e stabilità del gruppo”.

[27] RESCIGNO, op. cit., p. 35.

[28] NERY, op. cit., p. 244-245.

[29] CONDE, Francisco Muñoz. Derecho penal: parte especial. 15. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004. p. 205.

[30] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 105.

[31] CAPELO DE SOUSA, op. cit., p. 258.

[32] BITTAR, op. cit., p. 105-106.

[33] CAPELO DE SOUSA, op. cit., p. 262.

[34] CONDE, op. cit., p. 206.

[35] BITTAR, op. cit., p. 107.

[36] BITTAR, op. cit., p. 107.

[37] CAPELO DE SOUSA, op. cit., p. 264.

[38] CAPELO DE SOUSA, op. cit., p. 286.

[39] MORAES, Maria Celina Bodin. Danos morais e relações de família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo Código Civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 414.

[40] NERY, op. cit., p. 245.

[41] A Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010, deu a seguinte redação ao art. 226, § 6º, da Constituição Federal: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. Neste aspecto, insta observar que a Emenda Constitucional 66, que instituiu o divórcio direto, não fulminou a possibilidade dos cônjuges optarem pela separação judicial. Dessa forma, toma-se como premissa a possibilidade da separação judicial, sem prejuízo dos cônjuges optarem, em querendo, pelo divórcio direto, consoante facultado pela nova ordem constitucional. Aliás, tal posicionamento é acolhido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que admite a coexistência do divórcio e da separação no ordenamento jurídico mesmo após EC 66/2010.

[42] No conceito de débito conjugal estão incluídas apenas as relações sexuais consideradas normais. Nenhum dos consortes está obrigado a aceitar práticas sexuais anormais, matéria que não se inclui no âmbito do débito conjugal. Assim sendo, práticas sexuais anormais podem ser recusadas, o que não vai implicar infração do débito conjugal.

[43] GOMES, Orlando. Direito de família. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 238.

[44] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 8. ed. São Paulo: Atlas, v. 6, 2008. p. 141.

[45] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2005. p. 261.

[46] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família. 7. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1943. p. 291.

[47] DINIZ, op. cit., p. 294.

[48] DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 1279.

[49] Antônio Chaves apresenta vários exemplos de situações que justificariam o não cumprimento do débito conjugal, são elas: (i) coito anormal contra a vontade do cônjuge; (ii) quando a mulher está em seu período menstrual; (iii) quando o marido está atacado de moléstia venérea; (iv) quando o cônjuge, por suas condições físicas de momento ou por qualquer outra ponderável razão moral, está impossibilitado ou debilitado à prática de relações sexuais. (CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil. 2. ed. São Paulo: RT, v. 5, t. 1, 1991. p. 279).

[50] DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 459.

[51] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 407.

[52] NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1986. p. 105.

[53] NORONHA, op. cit., p. 105.

[54] NORONHA, op. cit., p. 106.

[55] NORONHA, op. cit., p. 106.

[56] Digno de nota, seguindo o posicionamento intermediário, é o julgado RJTJRS, 102/475, o qual entendeu que o alcoolismo do marido e a intolerância da mulher ao hálito alcoólico justificam a recusa à prática do ato sexual.

[57] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 816.

[58] DELMANTO, op. cit., p. 459

[59] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2006.

[60] NUCCI, op. cit., p. 816.

[61] CONDE, op. cit., p. 213.

[62] Art. 178 do Código Penal espanhol: “El que atentar contra la libertad sexual de otra persona, con violencia o intimidación, será castigado como responsable de agresión sexual con la pena de prisión de uno a cuatro años”.

[63] CONDE, op. cit., p. 213. Vejamos o original: “Sujetos pasivos de las agresiones sexuales en cualquiera de sus modalidades pueden ser también la persona prostituta y el cónyuge o persona con la que se convive o habitualmente se tienen relaciones sexuales, pero en este último caso debe tenerse en cuenta que la regularidad de las relaciones sexuales o la convivencia hacen sumamente problemático diferenciar lo que son sólo disputas o desavenencias conyugales y la verdadera agresión sexual. La cuestión tiene más transcendencia práctica, sobre todo por las dificultades probatorias, ya que en este último plano no hay obviamente por qué hacer ninguna diferenciación”.

[64] TRIOLO, Dario Primo. I reati contro la libertà sessuale. 2. ed. Vicalvi: Key, 2017. p. 9.

[65] ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale: parte speciale I. Milano: Giuffrè, 2002. p. 175.

[66] ANTOLISEI, op. cit., p. 177.

[67] TRIOLO, op. cit., p. 10.

[68] ANTOLISEI, op. cit., p. 178-179. Vejamos o original: “È ormai un residuo storico l’assunto che non sarebbe illegittima la violenza tra coniugi per indurre all’adempimento del debito coniugale: anch’essa per certo è contra legem e può dar luogo al delitto in esame”.

[69] CARMELA, Puzzo. I reati sessuali. Santarcangelo di Romagna: Maggioli, 2010. p. 47.

[70] SCHNEIDER, Hans Joachin. Vergewaltigung in kriminologischer und viktimologischer Sicht. In: SCHWIND, Hans-Dieter (Org.). Festschrift für günter blau zum siebzigsten geburtstag am 18 dezember 1985. Berlin: Walter de Gruyter, 1985. p. 342.

[71] LISZT, Franz von. Tratado de direito penal alemão. Tradução José Higino Duarte Pereira. Campinas: Russell, t. II, 2003. p. 116.

[72] NUCCI, op. cit., p. 816.

[73] NORONHA, op. cit., p. 104.