O CRIME DE “INSIDER TRADING”
– CASOS BR FOODS E JBS –
Rénan Kfuri Lopes
Advogado, Escritor e Palestrante.
Sócio-fundador do RKL ADVOCACIA
O sonho de todo acionista é assistir sua carteira ter uma valorização expressiva em um curto período. Entretanto, nem sempre isso acontece!
De acordo com as regras do mercado de capitais brasileiro, todas as informações relevantes às empresas que negociam títulos devem ser disponibilizados ao público no mesmo tempo.
Somente os administradores mantém em sigilo [por antecipação e razões estratégicas] as informações da situação da companhia aberta, cujas ações são negociadas na Bolsa de Valores, pois a divulgação naquele momento poderia trazer prejuízos para a empresa na órbita regular do mercado financeiro.[1]
Aí, na pressa de atingir um resultado positivo, os interessados partem para a estratégia do “lucro fácil”, buscando informação privilegiada de relevância ou insider trading, secreta, ainda não de conhecimento dos investidores, com isso obter para si ou para outrem, algum tipo de vantagem na negociação de valores mobiliários junto à CVM- Comissão de Valores Mobiliários.
Ad exemplificandum, a realização de um ato de concentração de mercado, como a fusão ou a incorporação de empresas. Nessa situação, o insider é um funcionário que trabalhe em uma das empresas envolvidas no processo e que saiba de antemão da operação e busca auferir ganhos indevidos para si ou para outrem, por via da aquisição de ações ou outros papéis negociáveis no mercado, antes da divulgação pública do ato.
Em miúdos, quando há ações com valorização em baixa, são compradas antecipadamente, sabendo o investidor, por informação privilegiada, que essas ações terão em curto ou médio prazo uma alta no mercado financeiro.
São consideradas informações privilegiadas, mais comumente, os seguintes fatos relevantes:
– mudanças no controle acionários
– operações de incorporação, fusão ou cisão envolvendo a empresa
– lucro e prejuízo da companhia
– aprovação de um novo projeto ou alterações em sua implantação
– assinatura de contratos.
O insider trading é combatido no mercado de capitais porque afeta a confiança dos investidores. É considerado uma prática não equitativa, já que quem se beneficia dele está em posição de vantagem sobre os demais players do mercado.
Desde 2001, a prática de insider trading é considerada crime pela Lei 6.385/1976, com a redação dada pela Lei 10.303/2001.
Em 14 de novembro/2017 essa legislação matriz foi alterada em vários pontos pela Lei 13.506/2017 valendo destacar:
- a possibilidade do Banco Central e da CVM celebrarem acordos de leniência e o aumento das multas aplicáveis pelos órgãos para diversos tipos de infração;
- no âmbito penal, houve significante alteração no que diz respeito ao conceito de crime de insider trading, previsto no art. 27-D da Lei 6.385/1976 (incluído pela Lei 10.303/2001). Doravante, as penas de insider trading passaram a ser aplicadas a qualquer pessoa que tiver acesso à informação privilegiada[2];
- foi introduzido o § 1º no art. 27-D, prevendo o crime de “exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função” apenas a conduta de repassar a informação para terceiro, mesmo não fazendo uso em negociação ou não tendo com o objetivo a obtenção de vantagem;
- pelo § 2º do art. 27-D, a pena do crime foi aumentada em 1/3 (um terço) quando praticado o crime de insider trading por aquele que tem o dever de manter sigo sobre a informação relevante de que tenha conhecimento.
Muito famoso no Brasil o insider trading que envolveu um ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia. No início de 2016, o executivo foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) após ter sido acusado de lucrar com a informação de que a Sadia estava negociando a fusão com a Perdigão, também do ramo de alimentos. A operação fez surgir a gigante Br Foods. Antes que as negociações viessem a público, o executivo adquiriu títulos da Perdigão no mercado americano, prevendo sua valorização após o anúncio da oferta da Sadia e ganhando, com isso, vantagem econômica sobre os demais investidores.
Recentemente muito divulgado na mídia o caso de insider trading dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da holding J&F, que controla a JBS, acusados de utilizar informações sobre a delação premiada fechada com o Ministério Público Federal para comprar ações da própria empresa e se aproveitar de uma possível alta do dólar.[3]
[1] Insider primário é aquele que tem acesso à informação privilegiada de forma direta, como acionistas controladores, advogados, consultores e assessores financeiros. O insider secundário é que recebe a notícia do insider primário.
[2] Pela legislação anterior, apenas poderiam ser considerados sujeitos ativos do crime os chamados insiders primários. No novo contexto legal, o tipo penal passou também a ser aplicado aos insiders secundários.
[3] Pela primeira vez no Brasil foi decretada a prisão preventiva de ambos em setembro/2017 pelo crime de insider trading.