O COMPLIANCE COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA PÚBLICA DE COMBATE À CORRUPÇÃO
Renee do Ó Souza
SUMÁRIO: Introdução – Definição de Compliance – Função social da empresa – Natureza da norma que instituiu o programa de integridade ou Compliance – Política pública de combate à corrupção – Conclusões – Referências.
INTRODUÇÃO
A corrupção e a improbidade são ilícitos que devem ser combatidos porque levam ao desvio e desperdício de recursos públicos, impossibilitam a implantação das políticas públicas e precarizam o Estado.
Além disso, são práticas que corrompem o tecido social de forma a tornar todas as relações permeadas de um sentimento intolerável de desconfiança. Esse sentimento depõe contra valores humanos da sociedade moderna como a democracia, a república e a pacificação dos conflitos sociais.
A corrupção e a improbidade corroem e degradam sentimentos agregários e éticos salutares para o desenvolvimento da sociedade democrática, pelo que o interesse em combatê-la deve também se inserir na esfera das relações privadas.
A percepção nacional de que a corrupção é prática enraizada nas atividades entre empresas e poder público no Brasil é generalizada a ponto de inúmeras pesquisas atuais indicarem que a população brasileira identifica a corrupção como grande problema para sua vida.
Embora ainda haja uma cumplicidade da população com atos de desonestidade envolvendo a coisa pública,([1]) pesquisas recentes realizadas por diferentes meios de comunicação revelam um crescente repúdio e preocupação do povo brasileiro com atos de corrupção. Em pesquisa de abril de 2014 feita pelo Ibope Inteligência em parceria com a Worldwide Independent Network of Market Research (WIN), realizada em 65 países, com 66.806 entrevistados, mostra que 21{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} citam a corrupção como o principal problema do mundo. No Brasil, esse índice é ainda maior: 29{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} consideram a corrupção como o problema mundial mais grave.([2])
Em novembro de 2015, pela primeira vez, a corrupção foi vista como maior problema do Brasil em pesquisa realizada pelo instituto Datafolha. A corrupção liderou o rol das preocupações do brasileiro: corrupção com 34{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, seguida da saúde com 16{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, desemprego com 10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, educação com 8{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, violência/segurança com 8{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} e economia com 5{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}.([3])
Em janeiro de 2016, outra pesquisa do Instituto Ibope, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria, revelou que 65{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos entrevistados consideram a corrupção o problema número um do Brasil. A categoria havia ficado em terceiro lugar em 2014.([4])
Em verdade, não há como dissociar o resultado dessas pesquisas dos movimentos e protestos ocorridos em maio e junho de 2013 em várias cidades do Brasil, em que cerca de três milhões de brasileiros foram às ruas para, de uma maneira geral, protestar contra a corrupção, seguido da apuração de grandes escândalos de corrupção que ocupam os noticiários do país.
Este sentimento nacional deve ser cooptado pelo Estado,([5]) a fim de resguardar o lastro democrático e prestigiar a soberania popular.
Paradoxalmente a esse quadro, existe no Brasil um cabedal de leis que buscam combater a corrupção. Vige no país um sistema de responsabilidades que pune, em diferentes instâncias, um bom número de condutas que drenam recursos e interesses públicos.
Esse sistema de corresponsabilidade, contudo, sempre se centrou, predominantemente, no agente público, olvidando-se que os atos de corrupção são bilaterais e contam, na mesma dimensão e nocividade, com a participação dos extraneus.
A edição da Lei 12.846/13, popularmente batizada como Lei Anticorrupção,([6]) sem descurar da responsabilidade do agente público, robusteceu o protagonismo do particular, seja alcançando-o no sistema de responsabilidade, seja investindo-o em principal articulador de um conjunto de normas que previnem atos de corrupção e fomentam a ética como valor humano.
Dentre outras inovações, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade das empresas adotarem os chamados programas de integridade, também conhecidos como programas de Compliance.
Trata-se de instituto timidamente difundido no país, de contornos jurídicos e sociais indefinidos, razão pela qual seu estudo merece atenção, principalmente diante do caráter inovador que lhe é peculiar: o fomento da ética dentro das atividades privadas empresariais. Essa é a primeira impressão dada por Patrícia Toledo de Campos ao afirmar que o Compliance constitui um avanço direcionado à ética e à transparência das relações negociais e um sinal de que a empresa deve adotar um determinado padrão de conduta compatível com uma boa-fé objetiva.([7])
Essa postura da legislação brasileira de estímulo a um comportamento social e empresarial ético é alvissareira e revela o nascimento de uma política pública indutora de comportamento com características behavioristas neoliberais capazes de produzir práticas sociais aptas a enfrentar condutas antiéticas e de corrupção da população e empresas brasileiras.
A adoção do Compliance no Brasil revela uma nova perspectiva da legislação brasileira para enfrentar o problema da corrupção com a possibilidade de quebrar um ciclo perverso de atos de corrupção que permeia os negócios escusos existentes nos contratos com a administração pública.
Com efeito, embora os atos de corrupção sejam combatidos por um relativo bom número de leis no Brasil, a percepção geral atual é que se trata de prática comum e que ainda faz parte da cultura brasileira.
O Compliance insere-se neste contexto.
O presente estudo analisará, portanto, os contornos dados ao Compliance no Brasil bem como seu enquadramento social político enquanto fio condutor de uma nova política pública fruto da necessidade do Estado fomentar comportamentos éticos entre os cidadãos, em meio às relações privadas, resguardando, porém, a autonomia da vontade e o livre mercado, caraterística salutar para o seu sucesso. Serão feitas análises sobre o fundamento constitucional do Compliance e sobre a natureza jurídica deste novo instituto jurídico.
DEFINIÇÃO DE COMPLIANCE
O termo Compliance é traduzido do inglês como conformidade, observância, complacência ou submissão, substantivo que advém do verbo inglês to comply cuja tradução é adequar, cumprir, obedecer.
Após a edição de leis internacionais, sobretudo norte-americana (FCPA – Foreign Corrupt Practices Act) e inglesa (UK Bribery Act), que passaram a exigir que as empresas apresentassem um programa geral de adequação de suas normas e práticas a determinados marcos legais comuns ao setor em que atuavam na economia, o termo Compliance popularizou-se e ganhou significado próprio. Passou a corresponder conformidade com as regras, sejam leis, valores morais ou éticos, razão pela qual passou a ser um conceito de comportamento moral e de honestidade.
Com efeito, após alguns escândalos de corrupção que ganharam notoriedade internacional, os Estados Unidos da América editaram, em 1977, a FCPA – Foreign Corrupt Practices Act, legislação que, dentre outras inovações, passou a exigir das empresas que operam na Bolsa de Valores de Nova York que adotassem um conjunto de regras que buscavam evitar e punir fraudes de toda espécie, essencialmente aquelas ligadas a atos de corrupção.
Compliance pode ser definido, então, como conjunto de ações e planos adotados facultativamente por pessoas jurídicas visando garantir o cumprimento de todas as exigências legais e regulamentares do setor ou segmento econômico em que atuam, inclusive preceitos éticos e de boa governança administrativa, visando evitar e punir adequadamente fraudes e atos de corrupção em geral.
A primeira consequência extraída da definição acima é a mutabilidade formal do Compliance. Como a gama de marcos regulatórios das atividades econômicas é variada, não é possível encontrar uma modelo padrão de Compliance, pelo que, nesse aspecto, sua aferição se dá caso a caso.
Observe-se desde logo que a Lei 12.846/13 adotou a expressão programa de integridade para nominar o Compliance, muito embora não o tenha definido inteiramente.
Essa imprecisão conceitual acerca do que seja programa de integridade ou Compliance aproxima o instituto daquilo que se convencionou denominar no direito de conceito jurídico indeterminado que são institutos jurídicos cujo conteúdo deve ser valorado, caso a caso, pelo julgador, tomando como base os dados concretos da situação em apreciação.
Como se sabe, os conceitos jurídicos indeterminados são comuns ao atual modelo constitucional no qual se insere o direito, uma vez que a dinâmica dos acontecimentos da vida moderna impossibilita que todas as situações sejam previstas em leis.
Alguns desses conceitos abertos possibilitam que a interpretação das normas seja permeada por valores éticos de modo a evitar que, em nome do frio cumprimento da lei, sejam validados atos incompatíveis com os ideais de uma vida moderna virtuosa.
A adoção de conceitos abertos e jurídicos indeterminados é fruto da superação do formalismo e do positivismo jurídico, o que resultou na cultura jurídica pós-positivista, caracterizada, segundo Luís Roberto Barroso, pela aproximação do Direito à filosofia moral – em busca da justiça e de outros valores -, da filosofia política – em busca de legitimidade democrática e da realização de fins públicos que promovam o bem comum e, de certa forma, também das ciências sociais aplicadas, como economia, psicologia e sociologia.([8])
Assim, por exemplo, em nome do princípio da moralidade e da eficiência, o Supremo Tribunal Federal validou a Resolução n. 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça e vedou a prática do nepotismo em todo o Poder Judiciário brasileiro, o que, mais tarde, levou à edição da súmula Vinculante n. 13 da Suprema Corte para por cabo a essa prática centenária em toda administração pública nacional.([9])
Já em respeito ao princípio da eficiência da administração pública, o Supremo Tribunal decidiu, por exemplo, que a imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar aquele princípio (RE 658.026, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 09.04.2014, Plenário, DJE de 31.10.2014, com repercussão geral. Vide: ADI 2.229, rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 09.06.2004, Plenário, DJ de 25.06.2004).
Os princípios da moralidade e da eficiência constituem conceitos abertos que sofrem visivelmente os influxos preconizados pelo neoconstitucionalismo, termo que identifica, em linhas gerais, o constitucionalismo democrático do pós-guerra, desenvolvido em uma cultura filosófica pós-positivista, marcado pela força normativa da Constituição, pela expansão da jurisdição constitucional e por uma nova hermenêutica.([10])
A mesma textura aberta e indeterminada é verificada no termo programa de integridade ou Compliance previsto no artigo 7º, inciso VIII, da Lei Anticorrupção, o que proporciona, sob os influxos do pós-positivismo, a sua aproximação com valores da ética e da justiça. De outro lado, no atual estágio em que se encontram as relações negociais, celebradas com grande velocidade, informalidade e sem conhecimento de fronteiras geopolíticas, exigir que a legislação regulamente programas de integridade detalhadamente levaria ao risco de uma constante desatualização do instituto e consequente desestímulo na sua adoção.
Em âmbito federal foi editado o Decreto n. 8.420/2015, que se destina a regulamentar a Lei 12.846/13, no qual, em seu artigo 41, prevê que o programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
De qualquer modo, em qualquer programa de Compliance devem ser identificados parâmetros mínimos que caracterizem adequadamente o instituto, previstos no artigo 42 do Decreto 8.420/15, que dispõe:
Art. 42. Para fins do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:
I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;
II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos;
III – padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;
IV – treinamentos periódicos sobre o programa de integridade;
V – análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade;
VI – registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica;
VII – controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica;
VIII – procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;
IX – independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;
X – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé;
XI – medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;
XII – procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;
XIII – diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;
XIV – verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;
XV – monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5º da Lei n. 12.846, de 2013; e
XVI – transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos.
- 1º Na avaliação dos parâmetros de que trata este artigo, serão considerados o porte e especificidades da pessoa jurídica, tais como:
I – a quantidade de funcionários, empregados e colaboradores;
II – a complexidade da hierarquia interna e a quantidade de departamentos, diretorias ou setores;
III – a utilização de agentes intermediários como consultores ou representantes comerciais;
IV – o setor do mercado em que atua;
V – os países em que atua, direta ou indiretamente;
VI – o grau de interação com o setor público e a importância de autorizações, licenças e permissões governamentais em suas operações;
VII – a quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o grupo econômico; e
VIII – o fato de ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte
- 2º A efetividade do programa de integridade em relação ao ato lesivo objeto de apuração será considerada para fins da avaliação de que trata o caput.
A Lei Federal n. 13.303/2016, nominada como Estatuto Jurídico das Estatais,([11]) prevê que os programas de integridade por ela adotados deverão dispor sobre:
Art. 9º A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam
[…]
- 1º Deverá ser elaborado e divulgado Código de Conduta e Integridade, que disponha sobre:
I – princípios, valores e missão da empresa pública e da sociedade de economia mista, bem como orientações sobre a prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e fraude;
II – instâncias internas responsáveis pela atualização e aplicação do Código de Conduta e Integridade;
III – canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais;
IV – mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias;
V – sanções aplicáveis em caso de violação às regras do Código de Conduta e Integridade;
VI – previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, sobre Código de Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e sobre a política de gestão de riscos, a administradores.
Esses parâmetros podem ser melhores agrupados do seguinte modo:([12])
- a) Comprometimento da alta administração da corporação, isto é, dos administradores, sócios, dirigentes e liderança da empresa com o programa: como o Compliance tem efeitos destinados tanto ao público externo da empresa como ao seu público interno, é salutar que os administradores, sócios, dirigentes e liderança da empresa incorporem todos os preceitos definidos no programa. A atuação ética e absolutamente legal desse grupo de pessoas serve para inspirar tanto empregados como usuários, colaboradores e clientes da empresa. Ademais, essa condição fortalece a imagem da corporação e serve de motivação para investidores, principalmente se constituída como empresa de capital aberto cujas ações são negociáveis no mercado de ações. O contrário também é facilmente verificável. Os colaboradores sêniores que celebram contratos de grande repercussão com pagamentos de propinas e subornos produzem influência negativa sobre os demais funcionários, fazendo-os acreditar ser esse o padrão de conduta naquela empresa.([13]) Por isso se diz que o Compliance é um programa Top Down, isto é, deve ser adotado de cima para baixo, expressão que faz alusão ao escalonamento hierárquico existente entre as pessoas que atuam na empresa que o adota.
- b) Análise de riscos (risk assessment): é nesta etapa que são identificados os marcos regulatórios do segmento econômico explorado pela empresa, bem como suas peculiaridades a fim de verificar onde se encontram as ameaças. O mapeamento dos riscos externos atém-se à análise do setor de atuação, número de regulamentos, nível de interação com órgãos da administração pública, local de atuação da corporação. Há ainda mapeamento dos riscos internos que deve partir do tamanho da empresa, casos de fraudes anteriores ocorridos no interior da empresa e rotatividade de empregados.
- c) Criação de políticas e procedimento, ou seja, de planos de ações de controle: é a fase de elaboração de um código de conduta ética, canal de denúncias e estruturação propriamente dito do setor de Compliance.
- d) Comunicação e treinamento: é a etapa que dá eficácia à etapa anterior. É a divulgação do plano de ações de controle dos componentes do Compliance desenvolvidos pela corporação de forma ampla e mais acessível possível, seja aos funcionários ou colaboradores, seja aos administradores. É esta etapa que cria o ambiente interno da corporação de respeito e cumprimento ao Compliance, o que elimina resistências à sua adoção decorrente da crença do programa constituir-se em mera rotina burocrática do trabalho. Destaca-se nesta fase a divulgação do canal de denúncias (hot line) que serve para criar um canal de comunicação entre a empresa e pessoas que tenham conhecimento com algum ilícito envolvendo a corporação ou mesmo um de seus funcionários ou colaboradores.
- e) Monitoramento, auditoria e remediação: é fase em que todo o programa é colocado em prática de modo a assegurar a sua função preventiva e evitar fraudes ou a função repressiva consistente em punir adequadamente as fraudes constatadas.
Importante destacar que, embora o programa de integridade tenha como função principal a prevenção a fraudes e atos de corrupção, também deve conter normas que tratem adequadamente da punição do colaborador envolvido no ato. Relembre-se, neste sentido, por exemplo, que a Consolidação das Leis do Trabalho prevê a possibilidade de demissão do empregado, por justa causa, no caso de prática de ato de improbidade (art. 482, a).
Naturalmente que cada uma das etapas acima deve experimentar periódicas atualizações e reedições de modo que todo programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual, por sua vez, deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa.
O programa de Compliance deve ser implementado e gerido por profissional autônomo, batizado, no mais das vezes, como Compliance Officer, com status de gerente ou diretor da empresa. Ensinam Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi que a presença deste profissional é imprescindível no ambiente corporativo, que funcionaria como um guardião da empresa e teria por principal função garantir que a empresa permaneça dentro da legalidade.([14])
Não existe ainda regulamentação precisa sobre esta atividade profissional, mas devido ao âmbito de sua atuação, pode ser exercido por bacharéis em direito, administração, contabilidade e afins. Trata-se de função que deve ser independente, a fim de resguardar a imparcialidade das medidas que adota.
A International Organization of Securities Commissions – IOSCO, Organização Internacional da Comissão de Valores – OICV, em documento de outubro de 2003, The Function of Compliance Officer – Study on what the Regulations of the Compliance Officer, identifica o Compliance Officer como o agente responsável por aconselhar todas as linhas de negócios da instituição, bem como todas as áreas de suporte, no que diz respeito à regulação local e às políticas corporativas aplicáveis à indústria em que atua a organização, sempre zelando pelos mais altos padrões éticos de comportamento comercial. Além disso, o Compliance Officer coordena, com outras áreas de controle, a efetiva comunicação com reguladores e facilita a estruturação de produtos, o desenvolvimento de negócios, buscando encontrar soluções criativas e inovadoras para questões tanto regulatórias como internas.([15])
A figura do Compliance Officer não se confunde com os whistleblower, em sentido literal, “sopradores de apito”,([16]) que são os indivíduos que levam ao conhecimento das autoridades públicas informações relevantes de ilícitos em troca de recompensas vultosas.([17])
Nada impede, porém, que o programa de integridade engendrado ofereça recompensas para o Compliance Officer ou outrem caso prestem esse tipo de informação.
Na Lei Anticorrupção o Compliance não é de implementação obrigatória, sendo que a sua adoção é estimulada na medida em funciona como mero atenuante de pena, caso a empresa seja condenada por uma das infrações previstas na Lei.([18]) Pode parecer pouco, mas, como assinala José Anacleto Abduch, não se pode esquecer que a Lei Anticorrupção adotou o sistema de responsabilidade objetiva, em que as absolvições são restritas a casos em que houver quebra do nexo causal. Nesse contexto, investir em um mecanismo seguro de atenuação de pena é mais produtivo. Assim, se, por um lado, a comprovação de mecanismos de Compliance pela empresa não tem condão de isentá-la da infração cometida, por outro lado, a atenuação da pena ganha muita importância, sobretudo se considerarmos que a multa prevista pela lei é bastante elevada.([19])
De todo modo, diante do caráter facultativo do instituto, pode-se classificá-lo, como observa Maria Paula Dalari Bucci, como espécie de soft law – compreendido como “situações em que a atuação do direito se faz não pela coação estatal (violência legítima weberiana), mas pela indução pré-definida”. A norma não obriga ou vincula, praticamente só aconselha, categorização que ainda será melhor analisada neste trabalho.([20])
Embora à luz da Lei 12.846 o Compliance tenha o propósito de funcionar como atenuante de eventual pena de multa, é inegável que o instituto tem efeito secundário comercial de certificação da empresa que o adota.
Este tipo de efeito midiático, para além de mera manobra de marketing, pode agregar valor imaterial à pessoa jurídica que realiza Compliance, seja em decorrência da melhora de sua imagem e reputação perante o mercado, seja na eliminação dos prejuízos que os atos de corrupção costumam representar.
Uma boa imagem da empresa é capaz de atrair novos investidores ávidos por um ambiente que reflete confiança e segurança econômica. Conforme salienta Amartya Sen, quanto maior a confiança entre as pessoas, melhor o ambiente para o desenvolvimento das relações econômicas.([21])
O efeito valorizador, contudo, pode gerar a indevida externalidade de adoção de programa de integridade fantasioso pela empresa, isto é, de programas sem qualquer eficácia real.
Trata-se de postura fraudulenta que desnatura e desvirtua o principal propósito do Compliance e, justamente por conter a vontade de enganar a administração pública, leva à necessidade, no caso de uma condenação por ato de corrupção, de aplicação de sanção majorada diante da elevação inexorável da infração cometida (art. 5º da Lei 12.846/13). Ademais, não é de se descartar a possibilidade de a empresa fraudadora ter que indenizar eventuais prejudicados pelos danos experimentados pela publicidade enganosa e pela criação de uma expectativa ilegítima aos Stake Holders que esperam da empresa uma postura real de retidão e boa-fé objetiva, expectativa legítima frustrada com a farsa.
Um programa de integridade verdadeiro e eficaz pode representar um novo standard para desenvolvimento das atividades negociais empresariais, além de levar a uma mudança de cultura e padrão de conduta das empresas.
É claro que quadros de crise e de restrições ou exigências regulatórias também podem ser apontados como ponto decisivo para a adoção de um programa de Compliance, mas sob uma perspectiva jurídica, além da necessidade de proteger a probidade administrativa, é na função social da empresa que repousa o seu fundamento constitucional.
Embora, no plano da moral, absolutamente reprovável, a prática de atos de corrupção visa a busca pelo lucro fácil, o combate efetivo a essas práticas nunca passou de mera quimera.
O risco de cometimento de fraudes é fruto da agressividade do mercado competitivo da livre iniciativa que leva a uma demanda por vendas, por lucros e resultados, mas é chegada a hora dessas práticas serem temperadas pelos imperativos éticos da ordem econômica e defesa da concorrência proba, valores contidos no princípio da função social da empresa.([22])
FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
Como é sabido, o advento do movimento de centralização da Constituição como base de apoio dos demais institutos jurídicos produziu o fenômeno da constitucionalização do direito. Mesmo o direito privado, antes com fulcro no individualismo e autonomia da vontade quase absoluta, sofreu os influxos desse movimento de modo que seus institutos passaram a ser compreendidos conforme a Constituição Federal.
As pessoas jurídicas deixaram de, unicamente, representar o agrupamento de pessoas físicas, na maioria das vezes, com o único escopo do lucro e passaram a conter a obrigação de realizar objetivos e finalidades que não contrariassem valores constitucionais.
O lucro, principal mote das empresas, deixa de ser um fim em si mesmo e passa a sofrer a sujeição aos valores axiológicos da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º), da solidariedade humana (CF, art. 3º) e da liberdade e igualdade (CF, art. 5º).
O dever de agir em conformidade com as leis e a ética é condizente com esses valores constitucionais e realiza os interesses dos Stake Holders, que são terceiras pessoas que se relacionam com uma empresa, como sócios, empregados, comunidade em geral, Estado, clientes, consumidores, etc.
Esses valores é que justificam e, de certo modo, obrigam que as corporações sejam éticas e probas na realização de negócios jurídicos, de modo que o programa de Compliance encontra na função social da empresa fundamento constitucional de validade.
Mesmo antes da legislação que previu a elaboração do programa de integridade ou Compliance, no ordenamento jurídico nacional já havia previsões contrárias à busca pura de lucro destrutivo, como se vê nos artigos 116, parágrafo único,([23]) e art. 154,([24]) ambos da Lei n. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas).
Na verdade, a função social da empresa decorre do princípio da função social da propriedade, prevista no artigo 170, III, da Constituição Federal e representa o ingresso da eticidade e da sociabilidade, princípios de natureza coletiva, nas relações jurídicas privadas de modo a assegurar que o egoísmo e o individualismo sejam debelados e a permitir que a propriedade gere ganhos para toda a sociedade.
O Compliance, portanto, é uma ferramenta de adequação das empresas para o cumprimento da função social da empresa, pois a harmoniza com os valores constitucionais que regulam a ordem econômica.
A função social da empresa é inapelavelmente uma motivação para a elaboração de um programa de integridade, mas, como dito no início deste trabalho, a atenuação da pena de multa prevista na Lei Anticorrupção é a gota d’água final para encorajar as empresas a tanto, principalmente se considerarmos que a multa prevista é bastante elevada.
Mas este incentivo possui em si mesmo uma aparente contradição bastante peculiar, uma vez que a legislação procura incentivar a adoção de um programa de integridade que somente será útil se a empresa praticar ato ilícito que deveria ser evitado por seu programa. Coloca-se então a seguinte indagação: como pode o Compliance levar à redução da pena se o ato praticado deveria ter sido evitado acaso fosse eficaz? A resposta a esta indagação reclama um estudo sobre a natureza da norma que instituiu o programa de integridade.
NATUREZA DA NORMA QUE INSTITUIU O PROGRAMA DE INTEGRIDADE OU COMPLIANCE
Insta destacar que a probidade administrativa é o bem jurídico principal protegido pela Lei 12.846/13, sendo a função social da empresa e seus consectários lógicos bens jurídicos secundários. Mateus Bertoncini defende que a Lei Anticorrupção tutela a ordem moral, a justiça, o desenvolvimento econômico e social, a livre concorrência, a democracia, a boa governança e a probidade na administração.([25])
De qualquer forma, tanto a probidade administrativa como a função social da empresa são direitos que podem ser classificados como de 3ª geração visto que titularizados difusamente por todos os cidadãos, que ocupam posição simultânea de credores e de devedores de seus objetos.
Em casos como este, a incidência do ordenamento jurídico, que busca a satisfação do objeto contido na norma, deve ir além de estabelecer meras regras proibitivas e repressivas.
A titularidade desses direitos por todos os cidadãos dificulta a adoção de medidas punitivas, razão pela qual deve ser preferida a adoção das técnicas de encorajamento, típica da função promocional do direito, defendido por Norberto Bobbio.([26]) Ensina Bobbio que o direito promocional não se atém em premiar quem se pauta apenas em conformidade aos comandos e proibições, mas lança mão de estímulos de conduta em ações permitidas que se dão no espaço do lícito. Nesse espaço age desde a facilitação até a premiação de condutas conforme as escolhas sociais lícitas ao tempo em que dificulta até os graus máximos as condutas indesejadas.([27])
Para os direitos difusos, a função promocional do direito é muito mais significativa porque atinge todo tipo de conduta, ao contrário do sistema regulador repressivo que se atém ao raio das condutas obrigatórias e proibidas. A efetivação desses direitos difusos pressupõe a participação de todos os membros da coletividade e essa comunhão só é possível em ambiente de cooperação favorecido pelo ordenamento jurídico de viés promocional.
Por isso o programa de Compliance previsto na Lei Anticorrupção parece enquadrar-se nesta categoria de norma jurídica, afinal, embora não obrigatório, é estimulado a ponto de ensejar uma atenuação de pena, pelo que se constitui em um prêmio.
É verdade que o efeito proemial só é usufruído pela empresa caso seja autuada nas penas da Lei Anticorrupção e caso o programa seja realmente existente, mas essa situação não elimina o efeito recompensador ínsito no instituto.
Para além dessa análise, sob a perspectiva individual, verifica-se no Compliance da Lei Anticorrupção um reforço de encorajamento às pessoas que atuam na empresa para agir de forma ética e proba. Nesse caso, a norma torna-se indutora de um comportamento social de natureza promocional.
Não é comum, e para alguns sequer lícito, o Estado editar leis que digam aos cidadãos como devem viver suas vidas e pautar suas ações,([28]) pois essa postura estatal é apontada como violadora da intimidade, da vida privada e da própria autonomia da vontade do cidadão.([29])
Embora o debate acerca dessa questão seja intenso, o Compliance parece tangenciar a polêmica na medida em que não é, essencialmente, obrigatório e, uma vez adotado, estimula que a empresa e as pessoas que a compõem adotem comportamentos lícitos, éticos e probos. Mas o estímulo é meramente proemial. Não há coerção ou punição para o descumprimento da norma que cria o Compliance.
Dessa forma, a autonomia da vontade é resguardada ao mesmo tempo em que a adoção de comportamentos mais desejados pelo Estado é estimulada, ainda que em escala individual. E mais, dentro do ambiente da livre iniciativa e livre concorrência.
O estímulo ao comportamento desejado feito pelo Compliance e mesmo em nível individual nos membros da empresa tem ancoragem científica na doutrina da psicologia social conhecida como behaviorismo. Com efeito, para o behaviorismo o comportamento humano é movido pela satisfação e prazer frutos de suas ações anteriores. As ações humanas são selecionadas pelas consequências dessas ações, o que ensejou a criação do princípio do reforçamento operante, que pode ser positivo e negativo.([30])
Segundo o behaviorismo, o reforçamento positivo é a regra que direciona as condutas humanas pela satisfação obtida em condutas anteriores de modo que sua reiteração é consequência específica que aumenta a probabilidade futura da ação que a precedeu.([31])
O reforçamento punitivo, de outro lado, produz consequências aversivas que decrescem a probabilidade futura de uma resposta que o antecedeu.([32])
Não são cabíveis neste trabalho maiores aprofundamento sobre o behaviorismo diante dos objetivos ora propostos,([33]) mas, como dito, é possível vislumbrar que a norma que instituiu o programa de integridade ou Compliance na Lei Anticorrupção procura estimular a reiteração e a prática de ações éticas e probas valendo-se do princípio do reforçamento positivo, afinal, a multiplicação desse padrão comportamental é capaz de evitar a ocorrência de condutas ilegais pela empresa e, em efeito dominó, fazer com que outras empresas também realizem esse comportamento.([34])
A natureza proemial da norma, ainda que eventual, é uma reação positiva capaz de estimular a reiteração da ação e levar ao comportamento social desejado.
Há relação com o consequencialismo, sem, contudo, vislumbrar-se de forma incisiva as críticas decorrentes desse segmento científico, haja vista não ser obrigatória a implementação do programa de integridade ou Compliance pelas empresas.
Além do mais, a decisão para a realização de ato ilícito percorre, de uma maneira geral, em dois passos: a motivação/pressão pelo seu resultado e a ausência de controle interno capaz de identificar o ilícito.
Neste contexto, tem-se que a decisão pela realização de condutas opera de maneira racional, o que vem sendo atualmente identificado também na economia. O autor Tim Harford discorre sobre esse processo racional em que se baseia o comportamento humano e sustenta que as pessoas respondem a motivações. Ensina que, quanto mais vantajoso fazer algo, as pessoas tendem a fazê-lo mais vezes. Essa decisão também leva em conta as consequências futuras de suas escolhas. Esse padrão é útil e explica de maneira simples muitos movimentos da economia moderna.([35])
A facultatividade na implementação de um programa de Compliance e, principalmente, o respeito à autonomia da vontade demonstram que essa norma é fruto do Estado Neoliberal, compreendido, aqui, nos dizeres de Norberto Bobbio, como o Estado que “não elimina as partes em conflito, mas sim deixa que o próprio embate se desenvolva entre os limites do ordenamento jurídico posto pelo próprio Estado”.([36])
Para Norberto Bobbio, contudo, a prática de incentivar sanções positivas por meio da função promocional do Direito é característica do Estado do Bem-Estar Social em que o “Estado nem abandona completamente o desenvolvimento de atividades econômicas aos indivíduos, nem as assume para si mesmo, mas intervém com várias medidas de encorajamento dirigidas aos indivíduos”.([37])
A premissa do mestre italiano, todavia, não é precisa para o programa de Compliance decorrente da Lei Anticorrupção porque aqui o incentivo – atenuação da pena – é hipotético e eventual, condicionado à prática de algum dos atos ilícitos previstos na mesma lei, situação que desloca a análise da premiação à disposição patrimonial da própria empresa infratora. Como o Estado não experimenta qualquer prejuízo quando efetiva o prêmio e, principalmente, como a prática do ato ilícito e a implementação do Compliance são atitudes absolutamente ligadas à autonomia privada da empresa premiada, não se verifica intervenção estatal propriamente, razão pela qual se afigura mais adequado classificar referido instituto como do Estado Neoliberal.
Além disso, o Compliance, devido às características acima elencadas, enquadra-se como Soft Law, categoria que se caracteriza pela ausência de coerção. Sobre o assunto, explica Leandro Zanonni Apolinário de Alencar em extenso e preciso trabalho monográfico:
Emerge o soft law como uma forma de direito não impositivo, apresentada pelo próprio sistema jurídico, pelo mercado ou por uma organização não governamental como recomendação ou aconselhamento. Em regra, há prévia negociação e o direito ajustado entre os interessados não é apresentado numa fórmula rígida; sua força surge do contexto dialógico de construção, apresentação e exigência. Funda-se na relação de confiança promovida entre os atores envolvidos (inclusive, por questões morais e sob necessidade de se fazerem parte do mercado regulado). Assim, soft law completa espaços normativos segundo a lógica de cada setor especializado, sem que haja a quebra de coerência, e dá brando sentido às disposições do ordenamento, a minorar violações às normas.
No âmbito da regulação colaborativa, a orientação normativa moldada sem a pretensão de comando e controle denomina-se guidance. É uma atividade dirigida ao mercado, mas construída com ele, que objetiva trazer previsibilidade e flexibilidade à regulação. De uma forma não impositiva, pretende conformar a atividade dos atores econômicos em busca de homogeneidade e certeza. Traz, pois, regularidade à atividade administrativa, a preencher espaços abertos pela lei, por meio de uma atuação especializada que utiliza o conhecimento e a experiência do mercado. Como é um instrumento maleável, a inovação tecnológica não é prejudicada.([38])
Resta verificar a conformação do Compliance na miríade legal de combate à corrupção no Brasil, análise que permitirá verificar tratar-se de instrumento de uma política pública.
POLÍTICA PÚBLICA DE COMBATE À CORRUPÇÃO
O Brasil possui um bom número de leis que buscam combater a corrupção. São leis de natureza administrativa (Estatutos – servidores públicos), criminal (Código Penal e leis esparsas), civil (Lei 8.429/92), política (Lei 1.079/56), fiscal (Lei Complementar n. 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal) etc., que abarcam um razoável número de condutas que drenam recursos públicos.
Muitas outras normas estruturam ações governamentais que buscam prevenir e combater a improbidade. Neste sentido são as normas que criaram estruturas públicas e órgãos capazes de atuar no combate a corrupção, como, por exemplo, a Lei de lavagem de dinheiro que criou o COAF, órgão central de controle preventivo e administrativo de transação econômica patrimonial.
A própria Lei Anticorrupção, para além do programa de integridade, regulamenta o instituto do Acordo de Leniência e cria o Cadastro Nacional de Empresas Punidas, responsável pela divulgação das sanções aplicadas pelos órgãos públicos com base nas suas disposições.
Verificam-se ainda no país edições de leis que procuram fomentar e engajar a participação da sociedade civil no combate à corrupção e no adequado controle social, como a Leis de Acesso a Informação (Lei n. 12.527/2011).
Esse conjunto de leis, que tem como base o princípio fundamental da probidade administrativa, instituiu um autêntico microssistema de combate à corrupção, o qual, para além das especificidades de cada um dos ramos de vigência dessas normas, funciona como uma “caixa de ferramentas”([39]) capaz de compor uma política pública voltada à questão.
Com efeito, referidas normas não apenas estabelecem modo de prestação de serviço estatal como regulam e fomentam o combate aos desmandos administrativos. Para Ana Paula de Barcellos, a expressão “políticas públicas” pode designar, de forma geral, a “coordenação dos meios à disposição do Estado, harmonizando as atividades estatais e privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”.([40])
Destaque-se que a Convenção Interamericana das Nações Unidas, internalizada no Brasil por meio do Decreto n. 5.687, de 31 de janeiro de 2006, prevê, no artigo 5º, a necessidade de serem adotadas medidas preventivas que se constituam numa política pública de combate à corrupção. Dispõe a norma:
Capítulo II
Medidas preventivas
Artigo 5º
Políticas e práticas de prevenção da corrupção
- Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, formulará e aplicará ou manterá em vigor políticas coordenadas e eficazes contra a corrupção que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do Estado de Direito, a devida gestão dos assuntos e bens públicos, a integridade, a transparência e a obrigação de render contas.
- Cada Estado-Parte procurará estabelecer e fomentar práticas eficazes encaminhadas a prevenir a corrupção.
- Cada Estado-Parte procurará avaliar periodicamente os instrumentos jurídicos e as medidas administrativas pertinentes a fim de determinar se são adequadas para combater a corrupção.
- Os Estados-Partes, segundo procede e de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, colaborarão entre si e com as organizações internacionais e regionais pertinentes na promoção e formulação das medidas mencionadas no presente Artigo. Essa colaboração poderá compreender a participação em programas e projetos internacionais destinados a prevenir a corrupção.
Analisando as normas internacionais que tratam do combate à corrupção, Luciano Meneguetti Pereira ensaia um conceito de políticas públicas anticorrupção:
[…] conjunto de ações (normas, atos e decisões judiciais) e programas, levados a efeito pelo Estado (e em certos casos, também por particulares), e que tem como finalidade a prevenção e o combate de todo e qualquer ato que possa importar na violação do ordenamento jurídico posto, especialmente por meio do abuso do poder confiado para a obtenção de ganhos privados, em detrimento do interesse público.([41])
Merece destaque na norma e no conceito acima o explícito fomento à participação da sociedade nas políticas públicas contra a corrupção, afinal o Estado não é mais capaz de, sozinho, demover todas condutas danosas ao convívio social. A realização de uma política pública capaz de evitar e combater atos de corrupção é premente, uma vez que o só combate policial e judicial do problema não se mostra suficiente. A sobrecarga de governo é improdutiva na solução de problemas de massa, e o envolvimento do cidadão na solução desse tipo de ilicitude é fundamental.
O Compliance habilita-se como instrumento apto a envolver a sociedade civil nessa política pública, pois, diferentemente de outros institutos que tiveram esse propósito, como a ação popular, transcende o voluntarismo utópico.
Com efeito, tradicionalmente, o combate à corrupção no direito contratual com a administração era opção altruísta e episódica. O desestímulo para tanto era eminentemente punitivo.
Agora, diante da peculiar função promocional e de fomento às condutas éticas e probas em meio às atividades privadas e negociais, bem como em razão do reforçamento positivo decorrente do encorajamento dado pelo instituto, o Compliance transcende a lógica meramente impositiva e sacrificial, para produzir no cidadão o estímulo necessário para, ainda que acidentalmente, combater a corrupção.
O engajamento e a participação do cidadão no combate a corrupção por meio do Compliance encontra amparo ainda na teoria da horizontalização dos direitos fundamentais.
Segundo essa linha constitucional, os direitos fundamentais, além da proteção que confere ao cidadão em face dos excessos e abusos praticados pelo Estado contra seus direitos e interesses, também busca protegê-lo contra os ataques ilícitos que outro cidadão pratica, horizontalmente, contra seus legítimos direitos e interesses.
Essa nos parece ser exatamente uma das graves consequências da corrupção e da improbidade. O desvio e o desperdício de recursos públicos não apenas drenam e impossibilitam a implantação das políticas públicas e precarizam o Estado. A corrupção corrói e degrada sentimentos agregáveis e éticos salutares para o desenvolvimento da sociedade democrática.
Ora, o Compliance e a Lei Anticorrupção tutelam o direito fundamental à probidade administrativa que, por caracterizar-se como direito fundamental, se sujeita à teoria da horizontalização dos direitos fundamentais. Desse modo, irradia efeitos e tem projeção nas relações entre particulares, seja entre indivíduos que têm relação jurídica com o Estado, seja entre cidadãos usuários dos serviços estatais. Seu feixe irradiante estabelece, mesmo nas relações privadas, verdadeiro dever cívico de todos os cidadãos em combater os desmandos administrativos uma vez que a proteção a esse novo direito fundamental é incumbência e responsabilidade de todos.
Em razão disso, cabe uma diferente conformação do que já foi sustentado até aqui. Como o combate à corrupção e o respeito à ética podem ser analisados como deveres de todos os cidadãos, temos que, em determinadas situações, é possível exigir que uma empresa implemente um programa de Compliance. A facultatividade, característica destacada anteriormente neste trabalho, cede à obrigatoriedade, desde que a conduta anterior da empresa tenha violado o direito fundamental à probidade administrativa.
Assim, como consequência da prática de um ato de corrupção, como medida de reparação dos danos sociais decorrentes desse tipo de lesão, é possível compelir uma empresa a implementar um programa de Compliance.
A exigência, repita-se, em caráter excepcional, pode ser feita tanto em um Acordo de Leniência como em uma demanda judicial, principalmente porque as ações de responsabilização judicial para aplicação das penas da Lei Anticorrupção, à luz do seu artigo 21, adotam o rito previsto na Lei n. 7.347/85 que admite sejam deduzidos pedidos que veiculem pretensão condenatória de obrigação de fazer (ex vi art. 3º da Lei 7.347/85).
Trata-se de hipótese de judicialização dessa política pública, todavia, restrita à condenação por ato de corrupção, em que a obrigação de fazer é provimento jurisdicional cumulado às outras sanções legais.
Afora esta excepcional hipótese, o programa de Compliance mantém a facultatividade como característica central.
O prognóstico para o sucesso deste instrumento de política pública de combate à corrupção é alvissareiro uma vez que o Compliance previsto na Lei 12.846/13 tem potencial de multiplicar, em meio ao setor empresarial, no plano horizontal e na esfera privada, a percepção de que valores éticos e de probidade podem ser iniciativas de defesa da própria sociedade organizada, sem a atuação estatal, como meio de combate à corrupção ou de qualquer ato que atente contra o desenvolvimento humano.
Em razão disso, o Compliance tem uma característica singular enquanto instrumento de política pública, que é a capacidade de combater o patrimonialismo e a nociva cultura do “jeitinho brasileiro”, que são vistos pelo mercado como fatores de incremento de risco e custos aos negócios.
Sem descurar que a corrupção é fenômeno social de diferentes causas, verifica-se que o Compliance faz parte dessa política pública na medida em que atua sobre o setor empresarial e privado, sobre o comportamento dos indivíduos e sobre a atuação do Poder Público. Nisso reside seu maior avanço.
Ainda são necessários outros avanços para o enfrentamento da corrupção, mas é inegável que o programa de integridade ou Compliance é uma medida importante que caminha nessa direção.
CONCLUSÕES
- A corrupção e a improbidade são reconhecidas pela população brasileira como fenômenos nocivos e indesejados, sendo o Compliance um instituto adotado pela lei Anticorrupção com a peculiaridade de fomentar a ética e a probidade nas relações negociais privadas, ambiente de atuação pouco explorado antes pela legislação brasileira.
- Compliance pode ser definido como conjunto de ações e planos adotados facultativamente por pessoas jurídicas que buscam garantir que se cumpram todas as exigências legais e regulamentares do setor ou segmento econômico em que atuam, inclusive preceitos éticos e de boa governança administrativa, visando evitar e punir adequadamente fraudes e atos de corrupção em geral.
- A falta de definição legal do Compliance na Lei anticorrupção caracteriza-o como conceito jurídico indeterminado, o que é adequado face à informalidade e dinâmica das atividades negociais privadas.
- As normas que tratam do Compliance fornecem os seus parâmetros mínimos, quais sejam: a) comprometimento da alta administração; b) análise de riscos; c) política e procedimento para implantação dos planos de ações de controle como código de ética, canal de denúncias e estruturação de setor próprio; d) comunicação e treinamento periódicos e; e) monitoramento, auditoria e remediação.
- O Compliance Officer é o profissional responsável pela implantação e gestão do programa. Para tanto, deve manter estrutura hierárquica independente de setores que possam comprometer sua imparcialidade.
- Na Lei Anticorrupção o Compliance não é de implementação obrigatória. Tem natureza de atenuante de pena, caso a pessoa jurídica seja condenada pela prática de algum ato ilícito previsto na lei. O Compliance não é causa de isenção de responsabilidade da pessoa jurídica que comete infração da lei anticorrupção.
- O Compliance tem efeito secundário comercial de certificação da empresa que o adota, pois agrega valor imaterial à pessoa jurídica, seja em decorrência da melhora de sua imagem e reputação perante o mercado, seja na eliminação dos prejuízos que os atos de corrupção costumam representar. Esse efeito é capaz também de atrair novos investidores ávidos por um ambiente que reflete confiança e segurança econômica.
- A pessoa jurídica que adota um Compliance falso e irreal pratica fraude e deve ter a sanção majorada diante da elevação inexorável da infração cometida (art. 5º da Lei 12.846/13), sem prejuízo do dever de indenizar eventuais prejudicados pelos danos experimentados pela publicidade enganosa e pela criação de uma expectativa ilegítima aos Stake Holders que esperam da empresa uma postura real de retidão e boa-fé objetiva, expectativa legítima frustrada com a farsa.
- O Compliance encontra fundamento constitucional de validade na função social da empresa, que promoveu o ingresso da eticidade e sociabilidade nas relações jurídicas privadas, e no direito fundamental à probidade administrativa.
- O Compliance previsto na Lei Anticorrupção, embora não obrigatório, é estimulado por meio de uma atenuação de pena, que se constitui, destarte, em um prêmio, razão pela qual se enquadra na categoria de norma jurídica típica da função promocional do direito.
- O Compliance na Lei Anticorrupção utiliza-se de técnicas do Behaviorismo, pois procura estimular a reiteração e a prática de ações éticas e probas valendo-se do princípio do reforçamento positivo, afinal, a multiplicação deste padrão comportamental é capaz de evitar a ocorrência de condutas ilegais pela empresa e, em efeito dominó, fazer com que outras empresas também realizem esse comportamento. É, assim, uma norma indutora de comportamento social.
- A facultatividade na implantação do Compliance, bem como pelo fato de desenvolver-se junto ao livre mercado, o caracteriza também como instituto neoliberal, atualmente denominado como soft law.
- O arcabouço jurídico brasileiro vigente de combate à corrupção em diferentes instâncias e que cria determinados órgãos públicos funciona como caixa de ferramentas que compõem uma política pública voltada para o tema.
- O Compliance insere-se nessa política pública com a peculiaridade de envolver o cidadão no combate à corrupção de forma inovadora, com fulcro no estímulo do reforçamento positivo em meio ao livre mercado.
- A participação do cidadão no combate à corrupção por meio do Compliance encontra amparo na teoria da horizontalização dos direitos fundamentais. O direito fundamental à probidade administrativa irradia efeitos nas relações privadas e produz verdadeiro dever cívico em combater os desmandos administrativos, uma vez que sua proteção é incumbência e responsabilidade de todos.
- Excepcionalmente é possível exigir que uma pessoa jurídica implemente um programa de Compliance. A facultatividade cede à obrigatoriedade, desde que a conduta anterior da empresa tenha violado o direito fundamental à probidade administrativa. Nesse caso, como consequência da prática do ato ilícito e como medida de reparação dos danos sociais decorrentes desse tipo de lesão, é possível compelir uma empresa a implementar um programa de Compliance, seja num Acordo de Leniência, seja numa demanda judicial (artigo 21 da Lei 12.846/13 c/c. art. 3º da Lei 7.347/85). Trata-se de hipótese de judicialização dessa política pública, todavia, restrita à condenação por ato de corrupção, em que a obrigação de fazer é, em uma decisão/sentença, provimento cumulado com as demais sanções legais.
- O prognóstico para o sucesso do Compliance como instrumento de política pública de combate à corrupção é alvissareiro uma vez que tem potencial de multiplicar, em meio ao setor empresarial, no plano horizontal dos direitos e na esfera privada, a percepção de que valores éticos e de probidade podem ser iniciativas de defesa da própria sociedade organizada, sem a atuação estatal, como meio de combate a qualquer ato que atente contra o desenvolvimento humano.
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[1] Pesquisa realizada pelo Data Popular no início deste ano revela que 3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos entrevistados se consideram corruptos, e 70{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} admitem já ter cometido ao menos um tipo de infração. E, enquanto 22{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos brasileiros dizem conhecer uma pessoa corrupta, 80{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} afirmam conhecer alguém que já cometeu alguma ilegalidade. Em outro estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a percepção dos entrevistados em relação à forma de agir do brasileiro reflete como tratamos as pessoas, mesmo as que nos são mais próximas: 82{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} acham que a maioria quer tirar vantagem, e só 16{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dizem que as pessoas agem de maneira correta. Disponível em <http://oglobo.globo.com/brasil/corrupto-o-outro-18961820#ixzz4DNyoXGdO>. Acesso em: 25 jan. 2017.
[2] Disponível em: <http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/corrupcao-e-o-principal-problema-mundial-aponta-pesquisa/>. Acesso em: 25 jan. 2017.
[3] Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/11/corrupcao-e-vista-como-o-maior-problema-do-pais-diz-datafolha.html>. Acesso em: 25 jan. 2017.
[4] Disponível em: <http://noticias.band.uol.com.br/brasil/noticia/100000791488/corrupcao-e-apontada-como-o-maior-problema-do-brasil.html>. Acessado em: 25 jan. 2017.
[5] Cabe à sociedade – dispersa, desorganizada, pouco informada, cheia de coisas para fazer além de prestar atenção na política, pressionar os atores da política a aproveitar essas janelas para fazer mudanças institucionais que diminuam a corrupção (BARROS FILHO, Clovis de; PRAÇA, Sérgio. Corrupção, parceria degenerativa. Campinas: Papirus 7 Mares, 2014. p. 108).
[6] Cabe anotar enorme divergência quanto o nome da Lei. 12.846/15, que tem sido chamada de Lei Anticorrupção, Lei Empresa Limpa (CGU), Lei de Improbidade Empresarial, Lei de Responsabilidade da Pessoa Jurídica, etc. Preferimos a adoção do nome que, de certo modo, tem se popularizado nos periódicos e noticiários com mais frequência, sem, entretanto, motivações metodológicas mais acuradas para tanto.
[7] CAMPOS, Patrícia Toledo de. Comentários à Lei n. 12.846/2013 – Lei Anticorrupção. Revista Digital de Direito Administrativo da USP (RDDA), v. 2, n. 1, 2014. p. 174.
[8] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2016. p. 346.
[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC-MC n. 12. Rel. Carlos Ayres Britto. Publicado DJU em 1º nov. 2006. Versão integral do acórdão disponível em: <http://www.stf.>. Ver também BARROSO, Luís Roberto. Petição inicial da ADC n. 12: constitucionalidade da Resolução n. 7 do Conselho Nacional de Justiça. Revista de Direito do Estado, 1:349, 2006.
[10] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2016. p. 300.
[11] Trata-se de lei que estabelece, diferentemente da Lei Anticorrupção, a obrigatoriedade de adoção de programa de integridade ou Compliance para as estatais, o que se revela compreensível e justificável em face da necessidade de administração pública tutelar a indisponibilidade do interesse público.
[12] Esses parâmetros estão contidos também no Resource Guide to the U.S. Foreign Corrupt Practices Act. Disponível em: <www.justice.gov/criminal/fraud/fcpa/guide.pdf>.
[13] O exemplo foi citado por GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. O combate à corrupção e comentários à Lei de Responsabilidade de Pessoas Jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 77.
[14] GRECO FILHO; RASSI, op. cit., p. 70.
[15] CANDELORO, Ana Paula P.; RIZZO, Maria Balbina Martins de; PINHO, Vinícius. Compliance 360º: riscos, estratégias, conflitos e vaidades no mundo corporativo. São Paulo: Trevisan Editora Universitária, 2012. p. 31.
[16] Tal qual um árbitro esportivo que sopra o apito para coibir as jogadas ilegais praticadas pelos jogadores, ao verificar quaisquer irregularidades ou mesmo infrações perpetradas no seio empresarial, os whistleblowers “soprariam o apito” divulgando tais práticas para apuração pelas autoridades públicas competentes.
[17] Trata-se de mecanismo de investigação pouco conhecido no Brasil que foi, recentemente, fomentado pela ENCCLA, oportunidade que foi batizado como Reportante. Disponível em: <http://enccla.camara.leg.br/acoes/acoes-de-2016>. Acesso em: 25 jan. 2017.
[18] Além da Lei 13.303/16 acima mencionada, a Lei Anticoncorrencial brasileira (Lei n. 12.529/2011) também prevê a adoção compulsória pelas empresas de um programa de Compliance.
[19] SANTOS, José Anacleto Abduch; BERTONCINI, Mateus; COSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Comentários à Lei 12.846/2013: Lei Anticorrupção. São Paulo: RT, 2014. p. 187.
[20] BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas: reflexões sobre conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 21.
[21] SEN, Amartya. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 71.
[22] Como registra Robert Castel: “A empresa expressa a lógica do mercado, da economia, que é ‘o campo institucional unicamente das empresas’. Neste plano, a margem de manobra é estreita, porque (o desastre dos países do ‘socialismo real’ o demonstra) uma sociedade não pode mais ignorar o mercado, assim como a física não pode ignorar a lei da gravitação universal. Mas se é suicida ser ‘contra’ o mercado, daí não resulta que seja necessário entregar-se a ele”. (CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução Iraci D. Poleti. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 523).
[23] Art. 116.
[…].
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
[24] Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.
[25] SANTOS; BERTONCINI; COSTÓDIO FILHO, op. cit., p. 114.
[26] BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução Daniela Beccaccia Versiani. São Paulo: Manole, 2007.
[27] BOBBIO, op. cit., p. 70.
[28] Como bem destaca o professor Norte-Americano Michael Sandel: “A discussão sobre a virtude, em contrapartida, apoia-se na premissa de que a ganância é uma falha moral que o Estado deveria desencorajar. Mas quem deve julgar o que é virtude e o que é vício? Os cidadãos das diversas sociedades não discordam quanto a essas coisas? E não é perigoso impor julgamentos sobre a virtude por meio da lei? Em face desses temores, muitas pessoas sustentam que o governo deveria ser neutro no que diz respeito à virtude e vício; não lhe cabe tentar cultivar as boas atitudes ou desencorajar as más”. (SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Tradução Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 17).
[29] Ensina Carlos Santiago Nino que o princípio da autonomia da pessoa humana prescreve que o Estado deve permanecer neutro em relação aos projetos de vida individuais e ideais de excelência humana, limitando-se a elaborar instituições e adotar medidas para facilitar a busca individual desses projetos de vida e a satisfação dos ideais de excelência que cada um defende, e para impedir a interferência mútua no decurso dessa busca. Essa concepção se opõe ao enfoque perfeccionista, segundo o qual é missão do Estado fazer que os indivíduos aceitem e realizem certos ideais de excelência humana homologados, e, por conseguinte, que o direito deve regular todos os aspectos importantes da vida humana. (SANTIAGO NINO, Carlos. Introdução à análise do direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 494).
[30] BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 47.
[31] BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, op. cit., p. 47.
[32] BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, op. cit., p. 50.
[33] Para aprofundamento SKINNER, B. F., Sobre o behaviorismo. Tradução Maria da Penha Villalobos. 7. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. Sugere-se também a leitura de AGUIAR, Júlio Cesar: O direito como sistema de contingências sociais. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, v. 37, n. 02, p. 164-195, 2013. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5216/rfd.v37i2.23681>.
[34] No mesmo sentido: Observa-se que a prática do comportamento ético no âmbito empresarial, interno ou externo, pode ser adotada e impulsionada tanto pela cooperação quanto pela imposição, sendo a primeira muito mais eficiente, pois demonstra a alteração de mentalidade dos atores envolvidos. (RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; DINIZ, Patrícia Dittrich Ferreira. Compliance e a lei anticorrupção nas empresas. id/507401, 2015. p. 95).
[35] HARFORD, Tim. A lógica da vida. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 23.
[36] BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Ícone, 1995. p. 38.
[37] BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução Daniela Beccaccia Versiani. São Paulo: Manole, 2007. p. 71.
[38] ALENCAR, Leandro Zannoni Apolinário. Guidance no contexto do estado regulador: subsídios para uma nova compreensão da função administrativa (reguladora) nas sociedades complexas. 2014. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Universidade de Coimbra, 2014. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10316/28479>.
[39] COUTINHO, Diogo Rosenthal. Direito, desigualdade e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013.
[40] BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 108.
[41] PEREIRA, Luciano Meneguetti. A contribuição do direito internacional para a formulação de políticas públicas de prevenção e combate à corrupção no Brasil. Revista Juris UniToledo, Araçatuba, SP, v. 01, n. 01, p. 3-20, out./dez. 2016. p. 9-10.