O COMPANHEIRO E A UNIÃO ESTÁVEL NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Clécio Araújo de Lucena
Hebert Torquato Silva
SUMÁRIO: Introdução – 1. A figura do companheiro no Código de Processo Civil de 2015 – 2. O instituto jurídico da união estável no Código de Processo Civil de 2015 – Conclusão – Referências.
INTRODUÇÃO
A família é a base da sociedade e possui especial proteção do Estado. É o que preconiza o caput do art. 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Esta norma constitucional é bastante representativa na fase histórica da constitucionalização do direito civil.
A Constituição Política do Império do Brasil de 1824 nada disciplinava sobre a família. A Carta Política seguinte, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, estabelecia que somente o casamento civil era reconhecido pela República, a teor do disposto no outrora art. 72, § 4º.
A Carta Republicana de 1934 apregoava em seu art. 144 que “a família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado”. No mesmo sentido, as Constituições dos Estados Unidos do Brasil de 1937 e de 1946, bem como a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 reproduziram a mesma disciplina normativa sobre a família, conforme se constata da análise de seus arts. 124, 163, 167, § 1º, e 175, § 1º, respectivamente. Em outras palavras, durante muito tempo no Brasil permaneceu a compreensão dogmática de que não haveria família fora do casamento, não podendo este ser dissolvido, e de que, para receber a tal “proteção especial” do Estado no âmbito familiar, obrigatoriamente seria por intermédio do matrimônio.
Apenas com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 avançou-se nesse segmento para estender também à união estável a proteção estatal de que já dispunha a família constituída pelo casamento, nos termos do § 3º do art. 226. Foi uma longa caminhada para finalmente o Estado reconhecer como entidade familiar aquela mantida pelos companheiros, e não somente pelos cônjuges.
Segundo Salomão (2014, p. 563):
Inaugura-se, em 1988, uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado “família”, recebendo todos eles a “especial proteção do Estado”, antes conferida unicamente àquela edificada a partir do casamento.
[…] Vale dizer, rompendo expressamente com o paradigma constitucional superado, salientou que, mais importante do que a forma pela qual essa família é constituída, é a maneira pela qual ela é protegida.
Ou seja, o comando principal do artigo é a “proteção especial”, em si, independentemente de formalidades cartorárias ou religiosas, porquanto por trás dessa “proteção especial” reside a dignidade da pessoa humana, alçada no texto constituinte a fundamento da República (art. 1º, inciso III).
A Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, a qual instituiu no ordenamento jurídico pátrio o atual Código de Processo Civil, trouxe inúmeras inovações e atualizações em comparação ao seu antecessor, o Código de Processo Civil de 1973, instituído pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Uma dessas atualizações foi a inserção de termos como companheiro e união estável em diversos dispositivos. Mas será que o CPC/2015 incluiu o companheiro na sistemática processualística no mesmo patamar que já ocupava o cônjuge?
O objeto deste estudo é, pois, analisar todos os artigos do Novo CPC que versam em seu teor sobre o companheiro e/ou a união estável, no afã de averiguar a equiparação processual com o cônjuge e/ou o casamento. Para tanto, além da pesquisa bibliográfica, far-se-á um estudo aprofundado da Lei nº 13.105/2015 para detectar, realçar e descrever os dispositivos que perfizeram esta inovação para o Direito Processual Civil.
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa descritiva, apresentando em sua metodologia a abordagem qualitativa do tema ora proposto.
1 A FIGURA DO COMPANHEIRO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
Ao analisar sequencialmente os dispositivos do Novel Código de Processo Civil (NCPC), observa-se que o primeiro artigo que apresenta a inserção da palavra companheiro em seu conteúdo é o art. 144, o qual trata dos impedimentos do juiz, vedando-lhe exercer suas funções no processo. Com a inovação processual, o magistrado estará impedido de jurisdicionalizar quando seu companheiro se encontrar postulando no processo enquanto defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, ou quando seu companheiro for parte no processo, ou ainda quando figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu companheiro, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório. É o que se extrai dos incisos III, IV e VIII do referido artigo.
Entre as hipóteses de suspeição do juiz, o legislador também realizou o devido acréscimo da figura do companheiro ao prever no inciso III do art. 145 que o julgador estará suspeito para processar e julgar o feito quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro.
A respeito das comunicações dos atos processuais, o companheiro não será citado para integrar a relação processual na condição de réu, executado ou interessado no dia do falecimento do seu companheiro e nos 7 (sete) dias seguintes. A exceção a esta regra somente ocorrerá na hipótese de ser necessário evitar o perecimento do direito tutelado, conforme inteligência do art. 244, inciso II, do CPC/2015.
Comumente, a morte de pessoas significativas ocasiona para os sobrevivos dor, tristeza, saudade, sofrimento etc. Como seria ser citado no dia do falecimento do seu companheiro e tomar conhecimento de um processo judicial complicadíssimo que necessitasse de diligências reputadas urgentes? O espírito da norma é preservar o companheiro na ocasião fúnebre que envolve o óbito do seu parceiro de vida e o luto nos dias posteriores, assegurando o mesmo tratamento que já era oportunizado ao cônjuge na norma processual anterior.
No campo das provas, notadamente acerca do depoimento pessoal da parte, esta não é obrigada a depor sobre fatos que importem, caso os responda, em desonra de seu companheiro, ex vi do art. 388, inciso III, da Lei de Ritos. Como bem cita Bueno (2017, p. 404), o atual Código de Processo Civil manteve a regra insculpida no art. 347 do seu antepassado, mas ampliou as hipóteses em que a parte não é obrigada a depor ao prever os incisos III e IV. Neves (2016, p. 292), por sua vez, também pontua que “a inclusão é adaptada porque inclui o companheiro ao lado do cônjuge”.
O NCPC também acresceu o companheiro em outra espécie de prova – a confissão – ao dispor que nas “ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge ou companheiro não valerá sem a do outro, salvo se o regime de casamento for o de separação absoluta de bens”, nos termos do parágrafo único do art. 391 da citada Lei.
Ora, imagine-se a situação hipotética em que figura no polo passivo de uma demanda judicial um dos companheiros, fundando-se a lide em um bem imóvel deste adquirido durante a união estável. Caso o réu confesse em juízo em harmonia com o pedido formulado na ação pelo autor, a confissão fará prova contra o próprio companheiro confitente. É o que enuncia o caput do art. 391. Contudo, essa confissão não poderá acarretar prejuízos ao outro companheiro que não se enquadrou como sujeito processual ou, em também sendo parte, não confessou os fatos a respeito do direito real em apreço, ficando-lhe, em tese, resguardada a sua meação e/ou o bem de família.
A norma ainda excetua a hipótese em que a confissão de um companheiro valerá sem a do outro, qual seja, quando o regime de bens aplicável à união estável for o da separação absoluta de bens. Realmente, não subsiste, nesse caso, fundamento para a confissão somente ser considerada válida quando ambos os companheiros forem confitentes, tendo em vista a incomunicabilidade que reina nesse regime de bens. Mas é de bom alvitre lembrar que, quando não houver contrato escrito entre os companheiros, o “regime-regra” a ser aplicado às relações patrimoniais na união estável é o da comunhão parcial de bens, em consonância com o art. 1.725 do Código Civil de 2002.
No que concerne à produção da prova testemunhal, de acordo com o art. 447, § 2º, inciso I, do Código de Processo Civil vigente, o companheiro de uma das partes no processo judicial é uma das pessoas impedidas para depor como testemunha. Como boa parte das regras no Direito comportam ressalvas, poder-se-á, excepcionalmente, admitir a oitiva do companheiro se o interesse público o exigir no processo ou, se o feito versar sobre o estado da pessoa, não for possível obter a prova de outra maneira e for ela essencial para o magistrado resolver o mérito. Para Wambier e Talamini (2016, p. 320), a redação da lei é imprópria no que concerne ao interesse público, tendo em vista o interesse da jurisdição na apuração dos fatos verídicos.
Outra possibilidade é, em sendo necessário, o juiz colher o depoimento do companheiro impedido, porém na condição de testemunha descompromissada – denominada na práxis forense de declarante ou informante -, sendo atribuído ao depoimento o valor que possa merecer, isto é, não possuindo, geralmente, o mesmo valor probante que o depoimento da testemunha que presta o compromisso de falar a verdade antes de sua oitiva, como se encontra disposto no art. 447, §§ 4º e 5º, do CPC/2015.
Ainda sobre os testemunhos, mesmo que um dos companheiros não figure na lide como parte, o outro não será compelido a testemunhar sobre fatos que ocasionem grave dano a si próprio ou ao seu consorte, como inculca o inciso I do art. 448 da Lei em evidência.
A ação de dissolução parcial de sociedade – um novo tipo de procedimento especial previsto no atual CPC/2015, sem correspondência com o CPC/1973 – prevê em seu art. 600 acerca dos legitimados para promover essa ação. O parágrafo único, por sua vez, possibilita ao companheiro do sócio cuja união estável ou convivência terminou pleitear a apuração de seus haveres na sociedade, os quais serão pagos às custas da quota social pertencente a este sócio.
Ao estudar outro procedimento especial, qual seja, do inventário e da partilha, é fácil perceber que o companheiro supérstite tem também legitimidade para requerer o inventário, tal como ocorria e ocorre com o cônjuge sobrevivo. O professor e advogado Cassio Scarpinella Bueno (2017, p. 590), comentando sobre o dispositivo em apreço, afirma o seguinte:
O art. 616 aponta os demais legitimados para o inventário e partilha, sem trazer novidade substancial para o rol do art. 988 do CPC de 1973, a não ser pela (correta) indicação, ao lado do cônjuge, da legitimidade do companheiro (inciso I) e pela atualização do inciso VII do art. 988 do CPC de 1973 para os tempos da atual lei de falências, Lei n. 11.101/2005, como se verifica do inciso IX do art. 616, que se refere, corretamente, ao “administrador judicial da falência”.
A respeito de quem poderá ser nomeado inventariante, o Novo Código de Processo Civil, trouxe uma ordem preferencial, diferentemente do seu antecessor, dispondo, em primeiro plano, que o juiz nomeará inventariante o cônjuge ou companheiro sobrevivente. Para tanto, aponta como requisito essencial, em seu art. 617, inciso I, que o companheiro supérstite estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste.
Em regra, as incumbências do inventariante apenas recairão sobre o herdeiro que se achar na posse e na administração do espólio na hipótese de não existir cônjuge ou companheiro sobrevivente ou se estes não puderem ser nomeados (art. 617, inciso II, do NCPC). É o caso, por exemplo, do companheiro supérstite que se encontra bastante idoso e/ou enfermo e sem condições físicas para promover as diligências necessárias que a ação de inventário requer.
Neste ponto, é importante acentuar que o Código de Processo Civil de 1973 já dispunha nos incisos I e II do art. 990 redação idêntica ao seu sucessor, em virtude da Lei nº 12.195/2010 que alterou aquele dispositivo, para assegurar ao companheiro sobrevivente o mesmo tratamento legal conferido ao cônjuge supérstite quanto à nomeação do inventariante.
No inventário judicial, o companheiro sobrevivente terá seu nome, estado, idade, endereço eletrônico, residência e regime de bens da união estável incluídos nas primeiras declarações feitas pelo inventariante, que o fará no prazo de 20 (vinte) dias contados da data em que prestou o compromisso, consoante preconiza o inciso II do art. 620 do CPC/2015.
Em seguida, feitas as primeiras declarações, o companheiro será citado a mando do juiz, para obter ciência dos termos do inventário e da partilha, sendo sua citação processada pelo correio, em conformidade com o disposto no art. 626, § 1º, da Lei Processual Civil.
O Código de Processo Civil vigente engendrou um novo artigo – art. 648 -, dentre muitos outros, que não continha na normativa processual anterior, estabelecendo regras a serem observadas na partilha. Uma delas é a máxima comodidade dos coerdeiros e do companheiro. Tal regra tem por escopo propiciar aos legitimados o recebimento da herança a maior conveniência possível quando da partilha, de modo a atender os interesses existentes entre eles.
Caso os bens não possam ser partilhados de maneira cômoda entre o companheiro e os coerdeiros e, ainda, quando da divisão, não couberem na parte destinada ao companheiro ou no quinhão de um único herdeiro, ordena o art. 649 do NCPC que se proceda à licitação dos bens entre os interessados ou à venda judicial. Após, partilhar-se-á o valor havido, a não ser que haja acordo para a adjudicação em prol de todos.
O CPC/2015 apenas aditou o companheiro supérstite no art. 653, inciso I, alínea a (anterior art. 1.025, inciso I, alínea a, do CPC/1973) ao prever que seu nome seja mencionado no auto de orçamento que constará na partilha. Mais uma vez, observa-se a relevância da atualização normativa, a qual, embora seja sutil, iguala a união estável ao mesmo nível do casamento.
Um artigo novo que inexistia no Código Processual anterior é o art. 672, que prevê a possibilidade de cumulação de inventários. Uma das hipóteses para se proceder à partilha de heranças cumulativamente é no caso de heranças deixadas pelos dois cônjuges ou companheiros.
Ainda no que versa a Lei de Ritos no título dos procedimentos especiais, os embargos de terceiro também tiveram esse importante upgrade ao considerar como parte legítima para seu ajuizamento o companheiro, quando se estiver em defesa da posse de bens próprios ou de sua meação. Dessa forma, quando o companheiro que não for parte no processo sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens exclusivamente seus ou que recaia sobre sua meação, poderá se valer dos embargos de terceiro para requerer o desfazimento ou a inibição da constrição, como prescreve o art. 674, § 2º, inciso I, do CPC hodierno.
A única ressalva que obstaculiza o ajuizamento dos embargos de terceiro pelo companheiro é a hipótese prevista no art. 843 do NCPC, quando a penhora recair sobre bem indivisível. Imagine-se o caso em que um casal possua dois imóveis adquiridos na constância da união estável, de valores aproximados entre si, vindo um deles a ser penhorado em uma ação originária de um débito de um dos companheiros. Nesse caso, o bem será alienado e a meação do companheiro alheio à execução recairá sobre o resultado da venda.
Será assegurado, todavia, ao companheiro não executado, o direito de preferência na arrematação do bem em igualdade de condições, como também não haverá a expropriação do bem por preço inferior ao da avaliação caso não seja possível garantir a tal companheiro o valor equivalente à sua quota-parte (art. 843, §§ 1º e 2º, NCPC).
Adiante, no capítulo dos procedimentos de jurisdição voluntária, especialmente no que diz respeito à herança jacente, é previsto no Códex que “o juiz em cuja comarca tiver domicílio o falecido procederá imediatamente à arrecadação dos respectivos bens” (art. 738). Não obstante a isso, mais à frente, no § 6º do art. 740, constata-se, na hipótese de aparecer o companheiro reclamando os bens do de cujus, não será feita a arrecadação ou, se iniciada, será suspensa, desde que não haja oposição motivada por parte do curador, de qualquer interessado, do Ministério Público ou do representante da Fazenda Pública.
Se a arrecadação dos bens for finalizada e havendo prova da identidade do companheiro que se apresentar posteriormente, aquela será convertida em inventário, como dispõe o art. 741, § 3º, da Lei de Ritos. E, caso a herança seja declarada vacante por meio de sentença transitada em julgado, o companheiro somente poderá ir em busca do seu direito por meio de ação direta (art. 743, § 2º).
Outro procedimento de jurisdição voluntária que teve essa significante atualização foi a interdição ao admitir o companheiro, tal como o cônjuge, como parte legítima para promovê-la, consoante reza o art. 747, inciso I, do Diploma Processual.
O parágrafo único do retrocitado artigo determina que “a legitimidade deverá ser comprovada por documentação que acompanhe a petição inicial”. No caso do companheiro, será preciso demonstrar a existência de união estável, utilizando-se como prova, por exemplo, o contrato particular assinado por ambos os conviventes ou a escritura pública lavrada em cartório.
Vale destacar que a legitimidade do companheiro já era reconhecida por força do art. 226, § 3º, da CF/88 e do art. 1.723 do CC/2002 (STRECK; NUNES; CUNHA, 2016, p. 987).
De acordo com o art. 752 do Código de Processo Civil, após a realização da entrevista do interditando, terá ele o prazo de 15 (quinze) dias para impugnar o pedido, podendo constituir advogado para tanto e, caso não o faça, o seu companheiro poderá intervir no processo como assistente.
Ao adentrar no Livro II (Do Processo de Execução), um dos principais pontos estudados diz respeito à responsabilidade patrimonial do devedor, recaindo sobre seus bens presentes e futuros o cumprimento de suas obrigações. Nesse passo, como prevê o art. 790, inciso IV, do CPC/2015, os bens do companheiro também estão sujeitos à execução “nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida”. Observa-se, portanto, que a igualação do companheiro ao mesmo escalão jurídico do cônjuge não veio acompanhada tão somente de direitos, mas também de deveres.
Uma das modalidades de expropriação de bens é a adjudicação. Conforme se infere do art. 876 do NCPC, trata-se de uma forma do exequente adquirir os bens penhorados, desde que não ofereça preço não inferior ao da avaliação. Nos termos do § 5º do referido artigo, tal direito também pode ser exercido pelo companheiro do executado. Assim, caso um companheiro possua interesse em adjudicar o bem do outro que está sofrendo a execução, poderá fazê-lo, contanto que deposite o valor em consonância com a avaliação feita no bem alvo da penhora. O § 6º do art. 876 menciona, ainda, que, na hipótese de se interessar mais de um pretendente na adjudicação do bem, far-se-á a licitação entre eles, tendo o companheiro preferência em detrimento ao interessado, bem como em relação ao descendente ou ao ascendente.
Na alienação – outra espécie de expropriação de bens -, havendo mais de um interessado na arrematação do bem, far-se-á a licitação entre eles. Se a oferta for igual, “terá preferência o cônjuge, o companheiro, o descendente ou o ascendente do executado, nessa ordem”, por força do disposto no art. 892, § 2º, do Código de Processo Civil.
O prazo para oposição dos embargos à execução é de 15 (quinze) dias. Contudo, o novel CPC conferiu aos companheiros uma “prerrogativa processual” outrora já concedida aos cônjuges. Quando existem dois ou mais executados, o prazo para oferecimento dos embargos para cada um é contado a partir da juntada aos autos do comprovante de citação respectivo, mas, no caso dos companheiros, somente será iniciado o transcurso do prazo a partir da juntada do comprovante do último companheiro citado, ex vi do art. 915, § 1º, do CPC/2015.
Nas disposições finais e transitórias do NCPC, o art. 1.048 estatui a tramitação prioritária nos procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doença grave, assim como aqueles regulados pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), em quaisquer juízos ou tribunais. Conforme o § 3º do artigo susodito, uma vez concedida a prioridade na tramitação do processo, não acontecerá a sua cessação com o óbito do beneficiado, assegurando tal garantia em favor do cônjuge supérstite ou do companheiro em união estável.
Ressalte-se, por fim, que o CPC/1973 possuía disposição análoga (art. 1.211-C) que assegurava, desde 2001, por conta da Lei nº 10.173, a extensão da prioridade na tramitação em prol do companheiro ou companheira, com união estável, maior de sessenta e cinco anos. Com a Lei nº 12.008/2009, houve uma alteração no artigo para suprimir a referência à idade do companheiro sobrevivo. Vejamos:
Art. 1.211-A. Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou portadora de doença grave, terão prioridade de tramitação em todas as instâncias.
Art. 1.211-C. Concedida a prioridade, esta não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de sessenta e cinco anos. (Incluído pela Lei nº 10.173, de 2001).
Art. 1.211-C. Concedida a prioridade, essa não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, em união estável. (Redação dada pela Lei nº 12.008, de 2009).
2 O INSTITUTO JURÍDICO DA UNIÃO ESTÁVEL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
Em referência à união estável, a Lei nº 13.105/2015 origina tal instituto jurídico em seu conteúdo no art. 23, inciso III, que, sem possuir correspondência com o Código de Processo Civil antecessor, passou a estabelecer que, em se tratando de divórcio, de separação judicial ou dissolução de união estável, a autoridade judiciária brasileira é competente para partilhar os bens que se encontram localizados no Brasil, excluindo-se qualquer outra autoridade, mesmo que o titular dos bens possua nacionalidade estrangeira ou seja domiciliado no exterior.
Nas regras condizentes à competência interna para o processamento das causas, quando a ação versar sobre reconhecimento ou dissolução de união estável, imperioso é observar o que dispõem as alíneas do inciso I do art. 53 do CPC/2015: a) primeiramente, será competente o foro de domicílio do companheiro guardião de filho incapaz; b) em não havendo filho incapaz, então o foro competente é o do último domicílio do casal; e, c) na hipótese de nenhum dos companheiros residir no antigo domicílio do casal, então o companheiro que promover a ação deverá ajuizá-la no foro de domicílio do réu.
Na visão de Neves (2016, p. 67), diante da inexistência de filho incapaz, o legislador optou por não mais favorecer – ao menos em regra – o foro da residência da mulher para ações desta natureza, diferentemente do que previa o art. 100, inciso I, do CPC/1973, o qual dispensava maior proteção à mulher.
O § 3º do art. 73 estipula que “aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos”. Considerando-se que tal norma prescreve a respeito da capacidade processual do cônjuge em ações que tratam sobre direito real imobiliário, far-se-á, adiante, a citação do artigo com a devida releitura em prol do companheiro. Veja-se:
Art. 73. O companheiro necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando conviventes em união estável sob o regime de separação absoluta de bens.
- 1º Ambos os companheiros serão necessariamente citados para a ação:
I – que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando conviventes em união estável sob o regime de separação absoluta de bens;
II – resultante de fato que diga respeito a ambos os companheiros ou de ato praticado por eles;
III – fundada em dívida contraída por um dos companheiros a bem da família;
IV – que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os companheiros.
- 2º Nas ações possessórias, a participação do companheiro do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.
O Livro IV da Parte Geral se refere aos atos processuais. Sobre sua forma, estes, em regra, são públicos. No entanto, uma das exceções que ressalva a publicidade dos atos processuais fazendo com que o processo tramite em segredo de justiça é quando aborda justamente a união estável, como prevê o art. 189, inciso II, do NCPC.
Atualmente, também se tornou requisito da petição inicial indicar expressamente a existência de união estável no momento de qualificar o autor e o réu, como se abstrai do art. 319, inciso II, do Diploma Processual em estudo.
Dentro do título dos procedimentos especiais, o novíssimo CPC trouxe uma grande novidade ao disciplinar, nos arts. 693 a 699, um capítulo destinado exclusivamente às ações envolvendo o Direito de Família. Diante da matéria, as normas previstas em tal capítulo são aplicáveis aos processos contenciosos de reconhecimento e extinção de união estável.
Quando a extinção da união estável for consensual, será regulada pelos arts. 731 a 733 da mesma Lei, homologando-a por meio do procedimento de jurisdição voluntária.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que, embora a união estável já estivesse reconhecida como entidade familiar no plano constitucional (art. 226, § 3º, da CF/88), como também apropriadamente prevista no direito material (art. 1.723 e seguintes do CC/02), faltava tal incremento no Direito Processual Civil, visto que os notáveis avanços no Direito de Família são bem posteriores ao Código de Processo Civil de 1973.
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015 no ordenamento jurídico pátrio, aproveitou-se o ensejo para realizar a devida atualização normativa naquele Códex que é base processual precípua no Brasil, colocando a figura do companheiro no mesmo nível jurídico em relação ao cônjuge, assim como igualando a união estável ao casamento.
Verificou-se, ainda, que, com a moderna consideração igualitária entre cônjuges e companheiros na nova ritualística processual, passa-se a atribuir a estes os mesmos ônus e bônus processuais que anteriormente apenas pertenciam àqueles.
REFERÊNCIAS
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______. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Edita o novo texto da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 15 fev. 2018.
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