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O AVANÇO DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

Felipe Kertesz Renault

 

Desde o Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), previsto na Lei 13.496/2017, o Brasil tem optado por oferecer aos contribuintes em mora a oportunidade da regularização tributária através de transação tributária.

A rigor, em que pese termos convencionado chamar de parcelamento a legislação que antecedeu a Lei 13.988/2020 — a qual sempre teve por característica conceder descontos aos contribuintes — esta já dispunha de status jurídico de transação, na medida em que, na forma do artigo 171, do Código Tributário Nacional[1], a legislação pretérita outorgava concessões mútuas que importavam em fim de eventuais litígios em curso, não outra poderia ser a natureza jurídica atribuída[2].

A bem dizer, passou-se, nessas normas, a se exigir do contribuinte sua renúncia ao direito sobre o qual se fundavam seus recursos e impugnações administrativas, bem como suas eventuais ações judiciais.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por outro lado, entendeu pela natureza de parcelamento, inclusive – e especialmente – para o fim de preservar a condenação do contribuinte em honorários sucumbenciais (e.g. REsp. nº 1.353.826/SP, relator ministro Herman Benjamin, DJe 17/10/2013), em que pese ter a corte oscilado quanto ao entendimento acerca da natureza de tais programas de parcelamento extraordinário (e.g. REsp nº 1.553.005/PE, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 16/09/2016).

Quanto a esse particular, importante destacarmos a jurisprudência que ratifica tal posição no sentido de que a adesão ao parcelamento, quando não acompanhada da expressa renúncia acima citada, impõe a extinção de embargos à execução fiscal sem julgamento do mérito, exatamente pela natureza de parcelamento.[3] Caso fosse transação, haveria de se observar o comando do artigo 487, III, b, do CPC (artigo 269, III, CPC/73), extinguindo-se o feito com julgamento do mérito.

O ponto nodal que diferencia as atuais transações dos parcelamentos extraordinários historicamente oportunizados é a limitação ao rol de contribuintes que podem aderir ao atual modelo. Agora se coíbe prática sempre criticada qual seja a de se assegurar o mesmo benefício negocial ao mal pagador de tributos — aquele que se locupleta pessoalmente do tributo, mesmo tendo condição de adimpli-lo — do denominado bom pagador, o qual não adimple pelo simples fato de não possuir condição econômico-financeira para tal.

Contextualizando, é possível observar que o atual estágio das transações em âmbito federal coloca em diferentes situações duas instituições umbilicalmente unidas: a Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Inegavelmente é o que se depreende da análise a ser feita quanto às Portarias editadas sobre a temática (Portarias nº 6.757/22 e nº 6.941/22 de lavra da PGFN; e a º 208/2022, de lavra da RFB.

Nesse sentido, temos que a Portaria nº 208/2022 nasce permeada de maior espírito conciliador, na linha das soluções alternativas de litígios, tão presentes no ordenamento jurídico brasileiro. Está ancorada, portanto, na ratio do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, assim como alinhada à forte tendência sentida no direito — inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF) — qual seja, aquela proveniente da análise econômica do direito. Afinal, não há a menor dúvida de que os executivos fiscais e as ações dos contribuintes – salvo em raras oportunidades – não se mostram vantajosas em uma análise custo-benefício (tempo x proveito econômico). Não por outra razão a novel legislação foi aclamada pelos especialistas e pela imprensa de um modo geral.

Outra inegável vantagem advinda da Portaria 208/22 (RFB) é o fim da necessidade de se lançar mão de medidas judiciais requerendo, como pressuposto, o amargor de uma inscrição em dívida ativa, com acréscimos legais, para só então restar viabilizada a transação, como vinha ocorrendo anteriormente a tal importante norma infra legal. Acrescente-se ainda, como ocorrera em tais medidas, no mais das vezes, a incidência de um entendimento judicial no sentido da impossibilidade de o Judiciário determinar a inscrição em dívida ativa por se tratar de expediente administrativo, inviabilizando a solução efetiva do débito tributário.

Em paralelo, também visando regulamentar a Lei 14.375/2022, as Portarias 6.757/22 e 6.941/22 (PGFN), carregam o mesmo racional da Portaria nº 208/22 da RFB, não obstante tragam consigo uma latente litigiosidade. Isso pode levar o Fisco e os Contribuintes a uma nova seara de contendas, máxime no que tange à restrição de utilização de prejuízo fiscal, limitando tal possibilidade apenas aos débitos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, em situações excepcionais e quando inexistentes ou esgotados outros créditos do devedor. Ou seja, transformou a exceção em regra. E ainda restou por excluir as modalidades de transação por adesão e individual simplificada, o que a torna incongruente, uma vez que abrangeria devedores de menor monta a mesma possibilidade de uso de tais créditos.

E, sem mais delongas, um conselho de amigo à cara leitora ou ao caro leitor: importante se atentar para aquilo que foi consolidado na Súmula nº 653, do STJ. Se a linha é efetivamente tênue entre o parcelamento e a transação — como acima demonstrado — especialmente nas hipóteses de concessão de desconto e renúncia a contencioso já instaurado, não se pode perder de vista, em especial nas modalidades de transação individual e individual simplificada, que o simples pedido pode vir a representar hipótese interruptiva do prazo prescricional, na medida em que suposta confissão extrajudicial do débito (discordamos em gênero, número e grau). In verbis: “O pedido de parcelamento fiscal, ainda que indeferido, interrompe o prazo prescricional, pois caracteriza confissão extrajudicial do débito”.

Logo, nas entranhas de uma relação potencialmente litigiosa por natureza como a que se desenvolve entre fisco e contribuinte, marcada pelo exercício interminável de elaboração de teses que eternizam debates, avaliar a possibilidade de o pedido de transação, especialmente a indeferida, por certo, em algum momento ocasionar ao intérprete a interrupção do prazo prescricional eventualmente em curso, nos parece medida conservadora importante no aconselhamento dado aos contribuintes. Afinal, e como proclama o dito popular, quem avisa amigo é.

 

 

[1] Artigo 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.

[2] “Exemplo de transação se encontrou, na esfera federal, quando o legislador instituiu o programa de parcelamento Refis, que permitiu que o sujeito passivo recolhesse tributos com excepcional redução de encargos, desde que, ao mesmo tempo, desistisse das ações que discutissem a legalidade/constitucionalidade das exigências e pagasse o montante integral do tributo. Efetuada a opção, opera a transação, encerrando-se a obrigação preexistente, que se substitui pela que é objeto de pagamento à vista. É bem verdade que se prevê, também, pagamento parcelado, mas, nesse caso, a transação não opera imediatamente, já que celebrada com condição do pagamento das parcelas: o que se tem é suspensão da exigibilidade, por conta do parcelamento concedido; completado este, opera, aí sim, a transação e dá-se o efeito da extinção. O legislador, é verdade, refere-se a anistia e parcelamento condicionado; a natureza jurídica de transação surge, entretanto, do estudo de suas características. Luís Eduardo Schoueri. Direito tributário. Editora Saraiva. Edição do Kindle.

[3] Ver: STJ. 2ª Turma. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. AgInt nos EDcl no AREsp 1356581 / SP. DJe 16/04/2019. 1ª Turma. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. AgRg no REsp 1194335 / RJ. Dje. 28.04.2016.

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