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O ARTIGO 458 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A CONTRADITA DA TESTEMUNHA

O ARTIGO 458 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A CONTRADITA DA TESTEMUNHA

Luiz Roberto Hijo Sampietro

 

O artigo 458 do Código de Processo Civil está preocupado com a epistemologia da prova testemunhal, uma vez que a testemunha fará o relato dela sob o compromisso de dizer a verdade. Em caso de mentira, de silêncio ou de ocultação da verdade, a testemunha cometerá o delito de falso testemunho (CP, artigo 342). Para preservar a imparcialidade da prova testemunhal, não podem testemunhar as pessoas incapazes, impedidas ou suspeitas (CPC, artigo 447, caput).

A regra do §1º do artigo 457 do Código de Processo Civil prevê o incidente de contradita da testemunha. Nele, o interessado[1] poderá suscitar a incapacidade, o impedimento ou a suspeição daquele que depõe. Se a testemunha negar tais condições, o juízo determinará a abertura de fase de instrução para resolver o incidente.

Configuradas as hipóteses do artigo 447, caput, do Código de Processo Civil, o magistrado deverá dispensar a oitiva da testemunha contraditada ou ouvi-la como informante. Nessa última hipótese, o grau epistêmico das declarações é inferior ao daquele que depõe sob compromisso. Assim, o escopo principal da contradita é impedir [2] a tomada do depoimento da testemunha. Secundariamente, a contradita rebaixa a condição da testemunha para a de informante e reduz a força probatória de quem irá depor[3].

A parte interessada deve contraditar oralmente a testemunha logo após a qualificação dela, mas antes do início do depoimento[4]. Caso contrário, haverá preclusão. Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “A desconsideração do testemunho foi considerada preclusa, tendo em vista que o momento da contradita é aquele entre a qualificação desta e o início de seu depoimento. (AgInt no REsp nº 1.652.552/MT, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., j. 26.6.2018)”. “O momento oportuno da contradita da testemunha arrolada pela parte contrária é aquele entre a qualificação desta e o início de seu depoimento. (REsp nº 735.756/BA, relator ministro João Otávio de Noronha, 4ª T., j. 9.2.2010)”.

Nada impede, todavia, que a contradita seja apresentada por petição, antes da audiência de instrução, garantindo-se o contraditório para a parte que arrolou a testemunha. Essa “contradita antecipada”[5] está em desacordo com a oralidade, mas contribui para a economia processual e zela pela razoável duração do processo. Daí se extrai a importância das regras processuais que estabelecem prazo para a apresentação do rol de testemunhas e determinam que a qualificação delas seja a mais completa possível. Com essas providências, o interessado terá mais condições de coletar provas para fundamentar a contradita[6] e até mesmo suscitá-la antes da audiência de instrução e julgamento.

Todavia, há doutrinadores que são mais flexíveis a respeito do prazo para a arguição da contradita. Para Moacyr Amaral Santos [7] a oferta da contradita poderia ocorrer até o fim do depoimento da testemunha incapaz, impedida ou suspeita. José Carlos Pestana de Aguiar Silva[8] é ainda mais liberal, pois defende a apresentação da contradita até mesmo em alegações finais orais/escritas.

Se as razões ensejadoras da incapacidade, impedimento ou suspeição aparecerem durante a prestação do depoimento da testemunha, a contradita deve ser admitida[9], uma vez que a preclusão não incide sobre fatos supervenientes (CPC, artigo 493). Em tal situação, até mesmo o juízo poderá reconhecer as causas para a não-oitiva da testemunha[10], viabilizando-se o contraditório.

Se for o caso, o magistrado poderá “sobrestar a audiência, dando prazo à parte para comprovar a contradita em audiência a ser designada”[11]. Por fim, se o impedimento, incapacidade ou suspeição da testemunha for descoberto após a prestação do depoimento, o juízo deverá reduzir o grau epistemológico das declarações maculadas.

A contradita é fundamentada em impedimento, suspeição ou incapacidade. Se acolhida, ela impede a produção da prova testemunhal ou reduz o grau probante das declarações daquele que irá depor (valoração da prova), já que, nessa última situação, o arrolado será ouvido como simples informante.

Se os motivos fundantes da contradita surgem e ficam provados durante o depoimento da testemunha na audiência de instrução, o magistrado pode suspender a inquirição e desconsiderar (não admitir) as declarações já prestadas ou prosseguir nos questionamentos. Nessa última situação, o grau epistemológico do testemunho deverá sofrer redução em cotejo com o depoimento da testemunha compromissada.

[1] Não é apenas a parte. Sobre o tema, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e convicção. 5ª ed. São Paulo: RT, 2019, p. 867.

[2]  ZARIF, Marcelo Cintra. Prova testemunhal. Contradita. Acareação. Testemunha referida. Revista de Processo nº 21, jan.-mar./1981, p. 105.

[3] Nesse sentido, ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro, v. III. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 964-965. Na jurisprudência, veja-se: “Com base no princípio do livre convencimento motivado do juiz, não se traduz em nulidade valorar o depoimento de testemunha presumidamente interessada no desfecho da demanda como se prestado por informante”. (AgRg no REsp n. 1.545.257/MG, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., j. 9.5.2017)

[4] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. 6ª ed. São Paulo: RT, 2020, p. 585. No mesmo sentido, RODRIGUES, Marcelo Abelha. Breves comentários ao novo código de processo civil. Coords. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas. São Paulo: RT, 2015, p. 1.159.

[5] ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro, v. III, p. 966.

[6] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva, MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 822.

[7] SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial, v. 3. 4ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1972, p. 483.

[8] SILVA, José Carlos Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 248.

[9] ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro, v. III, p. 966.

[10] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado, p. 585.

[11] FERREIRA, Ivan Nunes. Comentários ao novo código de processo civil. Coords. Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 652.