O AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DA SÚMULA 377 DO STF PARA OS CASAMENTOS A SEREM REALIZADOS COM A IMPOSIÇÃO DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS
Márcio Martins Bonilha Filho
A regra da separação obrigatória do regime de bens, imposta aos casais, que buscam a celebração do matrimônio, malgrado incidirem em causa suspensiva, não induz à impossibilidade de se cogitar da lavratura de uma escritura pública de pacto antenupcial, contemplando expressamente o afastamento dos efeitos da Súmula nº 377, do Colendo Supremo Tribunal Federal.
Além de legítima e pertinente, a escritura pública de pacto antenupcial, dispondo sobre o afastamento dos efeitos da referida Súmula, não poderá deixar de gerar suas consequências registrarias perante o Registro Civil das Pessoas Naturais competente.
De início, cumpre pontuar que inúmeros precedentes consideram válidos e em plena aplicabilidade o Enunciado 377, do STF, consistente na regra segundo a qual “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
Induvidoso que nossos Tribunais reconhecem a validade e vêm sistematicamente decidindo pela manutenção da aplicação da Súmula 377, do Supremo Tribunal Federal, consoante entendimento majoritário e recente.
Além dos precedentes jurisprudenciais, proclamando a eficácia do aludido preceito do C. STF, no âmbito jurisdicional do Direito de Família e das Sucessões, inúmeros julgados enfrentaram o tema e, igualmente, proferiram decisões no campo administrativo, assim compreendido a Corregedoria Permanente dos Registros Civis das Pessoas Naturais, dos Tabelionatos de Notas e dos Registros de Imóveis, concluindo, de forma praticamente uníssona, que a citada Súmula não foi revogada.
O Código Civil estipula àqueles que irão contrair casamento, com incidência de causa suspensiva, restrições e limitações.
Assim é, porque um nubente divorciado, que não tenha partilhado os bens do primeiro matrimônio, deverá casar-se sob a regra do regime da separação obrigatória de bens.
Incontroversa essa conclusão.
A lei induz à inarredável observância desse regime de bens, certo que inexiste óbice para que os contraentes, impelidos a tanto, estabeleçam que, nesse cenário, não pretendam se sujeitar às consequências da referida Súmula.
Vale dizer, o casal submetido à regra do regime de separação de bens, nas circunstâncias previstas nos artigos 1641 e 1523, ambos do Código Civil, poderá socorrer-se dos préstimos do Tabelião de Notas para a lavratura da escritura pública de pacto antenupcial, estabelecendo que, além do regime legalmente imposto pelo legislador, haverá o afastamento da citada Súmula nº 377.
Isso, absolutamente, não induz à conclusão de que os nubentes estarão a usar artifício para subverter o regime legal do casamento.
Não se trata de cogitar de indevida modificação daquele regime imposto pela lei, diante da condição dos nubentes, mas, dentro do estrito ditame da limitação do regramento patrimonial reservado ao casamento, estabelecer convenção que não afronta, na essência, a observância do regime da separação total de bens.
Ao optar pelo afastamento da Súmula 377, do STF, o casal sinaliza que obedecerá à regra da separação de bens e que, no curso da relação conjugal, não haverá incidência dos seus efeitos.
Não se deve perder de vista que o STJ já consolidou entendimento no sentido de que, mesmo com a revogação do artigo 259, do Código Civil de 1916, a Súmula 377 produz efeitos.
Não por outra razão, civilistas contemporâneos, na vanguarda do moderno Direito de Família, já discorreram sobre o tema.
Flavio Tartuce e José Fernando Simão, abordando aspectos práticos e doutrinários sobre o tema, demonstraram com superioridade jurídica que a separação de bens implica a não comunhão, a ausência de meação e que todos os bens do casal sejam particulares (só dele ou só dela). A Súmula nº 377 criou a comunhão parcial em um regime dito de separação.
Em artigo publicado pelo IBDFAM, em 13 de fevereiro de 2018, o professor José Fernando Simão defende, acertadamente, que os nubentes podem estabelecer a separação total de bens e que é válido e possível o pacto antenupcial que estabeleça separação mais radical que a obrigatória, “rectius”: afastamento da referida Súmula.
A Eg. Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por força do Provimento 8/2016, instituiu a regra prevista no artigo 664-A:
“No regime da separação legal ou obrigatória de bens, na hipótese do artigo 1641, inciso II, do Código Civil, deverá o oficial do registro civil cientificar os nubentes da possibilidade de afastamento da incidência da Súmula 377 do STF, por meio de pacto antenupcial.
O oficial de registro esclarecerá sobre os exatos limites dos efeitos do regime de separação obrigatória de bens, onde se comunicam os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento”.
A propósito, a Eg. Corregedoria acima mencionada, ao editar o referido Provimento, de iniciativa do Des. Jones Figueiredo Alves, invocou nos judiciosos “Considerandos”, estudos doutrinários, destacando, dentre outros: Zeno Veloso, Mario Luiz Delgado, José Fernando Simão e Flavio Tartuce.
No âmbito do Estado de São Paulo, a Eg. Corregedoria Geral da Justiça, nos autos do Processo nº 1065469-74.2017.8.26.0100, deu provimento ao recurso administrativo, para efeito de dar seguimento à habilitação para casamento, com adoção do regime de separação obrigatória de bens, prevalecendo o pacto antenupcial que estipulava a incomunicabilidade absoluta de aquestos.
Ao comentar a decisão da CGJ, Flavio Tartuce destacou que referida diretriz representa um grande avanço na valorização da autonomia privada e da liberdade individual.
Diante desse cenário, a despeito da ausência de expressa previsão normativa no nosso Estado de São Paulo, forçoso é concluir que não há óbice para os Tabeliães de Notas lavrarem escritura pública de pacto antenupcial, no interesse de nubentes que se casarão no regime da obrigação obrigatória de bens, tampouco empecilho apto ou legítimo para o oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais se recusar a dar sequência à habilitação de casamento com adoção do regime de separação obrigatória de bens, subsistindo o pacto antenupcial que estipula a incomunicabilidade absoluta dos aquestos.
Em suma, em tempo de Pandemia, isolamento social, COVID-19, de trágicas e inusitadas consequências, há que considerar a adoção do pacto antenupcial, com afastamento dos efeitos da Súmula 377, do C. STF, em hipótese de casamento com adoção do regime de separação obrigatória de bens, a desejada vacina para proteger o interesse lícito do casal na destinação de seu patrimônio.