NOTAS SOBRE A POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO PARCELADO NA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL: PRINCIPAIS MUDANÇAS ENTRE O ARTIGO 745-A DO CPC REVOGADO EM RELAÇÃO AO ARTIGO 916 DO CPC/2015
Rodrigo Mazzei
SUMÁRIO: Introdução; 1 A natureza bifronte do dispositivo; 2 Contraditório: manifestação do exequente (conteúdo e alcance); 3 A manifestação do executado e seus efeitos; 3.1 Depósito prévio (parcela de entrada); 3.2 Parcelas posteriores ao depósito; 3.3 Inadimplência do parcelamento; 3.4 Renúncia dos embargos; 3.5 Honorários; 3.6 Forma processual adequada; 3.7 Possibilidade de parcelamento em caso de cumulação de execuções; 3.8 Embargos às execuções parciais: excesso de execução (art. 917, § 3º); 3.9 Levantamento dos depósitos pelo exequente; 4 A decisão do juiz; 5 Inaplicabilidade no cumprimento de sentença; 6 Aplicabilidade à ação monitória; 7 Aplicação no âmbito da Justiça do Trabalho; 8 Recepção no âmbito das execuções fiscais; 9 Breve fechamento.
INTRODUÇÃO
É de conhecimento notório que a Lei nº 11.382, de 2006, dentro o rol de reformas que ultimou no bojo do CPC/1973, introduziu novo instituto por meio da inclusão do art. 745-A. De forma resumida, criou-se figura jurídica que permitiu o pagamento parcelado do débito executado, a partir de um gabarito previamente fixado na regra legal em foco, ou seja, o art. 745-A. Como bem postado pela doutrina, a possibilidade de parcelamento do debitum exequatur teve o propósito de facilitar a satisfação do crédito ajuizado, com vantagens tanto para o executado como para o exequente. O devedor se beneficia com o prazo de espera e com o afastamento dos riscos e custos da expropriação executiva; e o credor, por sua vez, recebe uma parcela do crédito, desde logo, e fica livre dos percalços dos embargos do executado. (Theodoro Júnior, 2014, p. 469)
Ocorre que a Lei nº 13.105/2015, publicada no Diário Oficial da União do dia 17 de março de 2015, instituiu um novo Código de Processo Civil, que estará em vigor no prazo de 1 (um) ano, revogando-se, portanto, o disposto no art. 745-A, que está contido no CPC/1973. No entanto, o instituto em foca foi mantido no sistema, ainda que com algumas mudanças, consoante pode se inferir do art. 916 do CPC/2015.
Em suma, a figura legal que permite o pagamento parcelado do débito executado foi prestigiada na nova codificação, muito embora seja possível se notar diferenças nos contornos entre o art. 916 do CPC/2015 em relação ao art. 745-A da codificação revogada. Vejamos o quadro comparativo:
CPC 2015
CPC revogado
Art. 916. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.
- 1º O exequente será intimado para manifestar-se sobre o preenchimento dos pressupostos do caput, e o juiz decidirá o requerimento em 5 (cinco) dias.
- 2º Enquanto não apreciado o requerimento, o executado terá de depositar as parcelas vincendas, facultado ao exequente seu levantamento.
- 3º Deferida a proposta, o exequente levantará a quantia depositada, e serão suspensos os atos executivos.
- 4º Indeferida a proposta, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito, que será convertido em penhora.
- 5º O não pagamento de qualquer das prestações acarretará cumulativamente:
I – o vencimento das prestações subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato reinício dos atos executivos;
II – a imposição ao executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas.
- 6º A opção pelo parcelamento de que trata este artigo importa renúncia ao direito de opor embargos.
- 7º O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença.
Art. 745-A. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovando o depósito de 30{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (um por cento) ao mês.
- 1º Sendo a proposta deferida pelo juiz, o exeqüente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso indeferida, seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito.
- 2º O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos.
Pelo presente opúsculo, busca-se fazer apontamentos iniciais a respeito das mudanças trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015) em relação ao parcelamento forçado do crédito exequendo em execução de título extrajudicial. Não se trata de trabalho exaustivo, mas de realce dos pontos mais marcantes da figura jurídica, assim como os contrastes do instituto nos ambientes da noviça codificação em relação à revogada [1].
1 A NATUREZA BIFRONTE DO DISPOSITIVO
Antes de tudo, pensamos ser importante fixar a natureza jurídica do instituto, pois o tratamento apenas como figura processual não permite desvendar todas as suas nuances, criando embaraços na sua aplicação.
Não há dúvida de que a figura prevista no art. 916 do CPC/2015, ao permitir o pagamento parcelado dentro de ambiente processual (= prazo para apresentação dos embargos à execução), mitiga para uma situação pontual os princípios da exatidão e da indivisibilidade do pagamento (arts. 313 e 314 do Código Civil [2]). Isso porque, pelo princípio da exatidão, a prestação deve ser executada da maneira prevista em lei ou em convenção, ao passo que, pelo princípio da indivisibilidade (ou da integralidade), a prestação não pode ser efetuada em partes, se assim não se ajustou, ainda que a prestação suporte a divisão (ou seja, admitida fracionamento). Em suma, o cumprimento tem que ser feito por inteiro, à exceção de que o credor aceite receber em partes.
Sem dúvida, inserir previsão legal que permite que o executado possa, no prazo dos embargos à execução, efetuar o pagamento parcelado do valor estampado no título executivo (com os acréscimos das custas e honorários), implica reconhecer que regras atinentes ao direito material obrigacional serão flexibilizadas, ou melhor, serão excepcionadas por outro ditame legal.
O fato demonstra que o dispositivo, embora inserido na legislação processual, possui (alguma) carga de direito material, até porque somente se excepciona a aplicação de um dispositivo legal por meio de outro com semelhante natureza jurídica. No particular, há abertura de espaço na aplicação de dispositivos do Código Civil, notadamente o art. 314, que é enfático ao dispor que “não pode o credor ser obrigado a receber […] por partes, se assim não se ajustou“. Assim, a presença de carga de direito material no art. 916 do CPC/2015 é evidente, pois, repita-se, é uma exceção ao disposto no art. 314 do Código Civil.
De toda sorte, fazendo a análise por outro quadrante, como seu campo de atuação é exclusivo no âmbito processual (execução de título extrajudicial) e o momento de sua apresentação está atrelada ao de apresentação de uma postulação judicial (prazo para manejo dos embargos à execução), também é correto se dizer que o art. 916 possui carga processual. No particular, é interessante observar que o devedor, mesmo que a dívida esteja representada por título executivo, não poderá se valer do art. 916 do CPC/2015 para fazer o pagamento (parcelado) de dívida vencida fora do ambiente e do momento processual fixado pelo legislador. A se pensar em contrário, teria que se dizer que, com a Lei nº 11.382, de 2006, o art. 745-A do CPC/1973 (e agora o art. 916 do CPC/2015) tomou todo espaço do art. 314 do Código Civil, em situação de revogação tácita do dispositivo contido na codificação de direito material, o que não ocorre. Estariam afastados do sistema, de forma completa, os princípios da exatidão e da indivisibilidade do pagamento[3].
Na verdade, como já dissemos anteriormente, a Lei nº 11.382, de 2006, com a inserção do art. 745-A do CPC/1973, criou apenas uma pontual regra de exceção ao âmbito de aplicação dos arts. 313 e 314 do Código Civil, cuja aplicação é restrita. Aplica-se apenas em ambiente processual (execução de título extrajudicial), tendo o interessado um momento para tal opção (prazo dos embargos à execução). Nada mais!
O quadro apresentado em uma apertada síntese implica reconhecer que o art. 916 deve ser tratado como um dispositivo bifronte[4], pois possui núcleo de caráter híbrido, coexistindo, pois, facetas, simultaneamente, de direito material e de direito processual. A constatação faz com que se aplique no art. 916 fundamentos de direito material, notadamente do direito obrigacional, mas também as concepções de direito processual, especialmente as relativas à execução.
2 CONTRADITÓRIO: MANIFESTAÇÃO DO EXEQUENTE (CONTEÚDO E ALCANCE)
A previsão do § 1º do art. 916 do CPC/2015, que inova sobre a necessidade de intimação do exequente para manifestar-se sobre o preenchimento dos pressupostos arrolados no caput do mesmo artigo, demonstra a efetivação do princípio constitucional do contraditório, que é uma diretriz do novo código. De forma diferente da codificação revogada, o dispositivo do novíssimo código exige a manifestação do exequente, em prestígio ao contraditório como instrumento de diálogo e participação no processo (arts. 6º, 8º e 10 do CPC/2015). Contudo, há de se compreender qual o conteúdo e alcance da manifestação do exequente.
Com efeito, o art. 916 é uma opção que pode ou não ser exercida (direito potestativo) pelo executado, por meio de ato volitivo, em processo judicial (execução de títulos extrajudiciais) e vinculado ao preenchimento de requisitos formais (descrito no caput do dispositivo).
Assim, com tal bússola, a intimação do exequente não visa buscar a concordância quanto ao pagamento parcelado (que, acidentalmente, pode até ocorrer), pois tal interpretação retiraria a essência de que o parcelamento é um direito do executado (que se submete a um gabarito legal). Mais ainda transmutaria o instituto em algo semelhante a um chamado para transação, situação em que há concessões mútuas. Não haveria, pois, qualquer sentido em fixar um sítio processual, com prazo definido para tal, pois a transação pode ser feita a qualquer tempo, inclusive a apresentação de proposta respectiva que, além do mais, não se submete à formatação específica do art. 916 do CPC/2015 (como a exigência de trinta por cento mínimo de depósito inicial e seis parcelas no máximo).
Em suma, qualquer parte (e não apenas o executado) poderá a todo tempo (e não apenas no prazo dos embargos) apresentar proposta de acordo (sem delimitar os contornos específicos) e a concordância da contraparte implicará em transação. Tal fato pode ser notado, inclusive, por meio do disposto no art. 154, VI, do CPC/2015 [5], que prevê que o oficial de justiça deve certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe couber. Note-se, sem prejuízo, que, se for apresentada uma proposta por qualquer das partes para que o litígio se encerre, caberá ao juiz, a partir de tal proposição, adotar as medidas adequadas na busca da autocomposição, consoante pode se inferir da inteligente interpretação do art. 139, V, do CPC/2015 [6].
Assim, com todo respeito, não se pode limitar o art. 916 a uma simples proposta de autocomposição, sendo, pois, um direito potestativo do devedor, que figura como executado.
Desta forma, feitas as considerações e com olhar atento à redação do § 1º do art. 916, tem-se que a manifestação do exequente terá como núcleo a demonstração de que o executado não preenche os pressupostos ao pedido de parcelamento, que estão no caput do dispositivo, quais sejam:
(i) o reconhecimento da dívida (com indicativo de toda sua extensão);
(ii) a apresentação do pedido em momento processual oportuno (prazo dos embargos à execução);
(iii) o depósito de no mínimo trinta por cento do total reconhecido;
(iv) a indicação de parcelas não superiores ao número de seis.
É de capital importância salientar, entretanto, que o fato de o art. 916 prever um direito potestativo do executado não significa em dizer que o instituto poderá se desvirtuado, aplicando-se para finalidade diversa da que foi esculpida no sistema legal. Às claras, diante da natureza bifronte do instituto, o exequente poderá alegar também na sua manifestação tema de direito material, qual seja a impossibilidade de deferimento do parcelamento em razão do abuso de direito.
Com efeito, com previsão atual no art. 187 [7] do CC, será considerado como ilícito o exercício de um direito que excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Assim sendo, e considerando que o objetivo do art. 916 foi criar válvula para estimular o pagamento da verba executada, propiciando ao executado condições para tal, o direito ao pagamento parcelado não deve ser permitido em situações em que seu exercício, de forma flagrante, indique o transbordo manifesto da finalidade do instituto, configurando-se em abuso do direito. Como é sabido, o abuso do direito é uma cláusula geral[8] e, como tal, tem aplicação ampla, ou seja, alcança situações que não previamente moduladas na lei como a anteriormente trazida, tendo que ser examinada a partir do caso concreto.
Não se percebe qualquer dificuldade no uso da figura do abuso do direito no caso em análise, até mesmo diante do apego expresso à boa-fé objetiva pelo CPC/2015, consoante disposto no art. 5º [9]. Basta, pois, imaginar uma execução de pequena monta (como exemplo, um salário-mínimo), em que a empresa executada é uma empresa notoriamente detentora de recursos financeiros (por exemplo, uma instituição financeira de grande calibre econômico), para se perceber que o art. 916 não poderia ser utilizado na hipótese. A exemplificação releva que a pretensão de parcelamento, ainda que prevista em lei, acabaria por configurar no caso concreto um verdadeiro abuso do direito, diante do afastamento da finalidade da regra legal[10].
Mas não é só. Afora a alegação de abuso de direito, pensamos ainda que a manifestação do exequente poderá trazer elementos que indiquem que há risco concreto de que o executado não irá honrar o parcelamento (como exemplo, estado financeiro debilitado do executado), situação esta que poderá não apenas justificar a rejeição do pleito, como também possibilitar a determinação de medida protetiva (como a prestação de caução ou até a penhora de bens) para garantir o adimplemento do pagamento parcelado. Em relação à segunda hipótese, há possibilidade de se buscar soluções no direito material para conservar o direito do exequente.
Explica-se: com efeito, considerando que o pagamento parcelado cria situação em que o adimplemento final será remetido para data futura, não se sabendo (com certeza) se o pagamento de todas as parcelas será honrado, é possível se aplicar o disposto no arts. 130 e 135 do Código Civil [11] para que o credor (exequente) postule e tenha, a seu favor, deferidas providências que conservem ambiente seguro para a quitação da dívida. Em resenha, a lei civil admite que o titular de direito eventual (= aqui, credor e parcela com vencimento futuro) possa praticar (e reclamar judicialmente) ato que se destine à conservação do direito projetado para o futuro (ou seja, para garantir que o adimplemento será levado a cabo). Com tal orientação, ficando evidenciado que há risco efetivo de que o executado poderá não honrar o parcelamento, para conservação útil do crédito exequente, poderá este postular que o executado apresente caução idônea (garantia compatível com o saldo parcelado) ou que se mantenha a penhora de determinados bens, caso assim já tenha ocorrido antes do pedido de parcelamento. A regra do art. 130 do Código Civil pode ser trazida para o âmbito do art. 916 do CPC/2015, caso seja necessário.
Registre-se, ainda, que, em relação ao pedido de garantia para adimplemento de pagamento parcelado, o próprio CPC/2015 admite que esta seja exigida nos casos de proposta de arrematação com proposta de pagamento parcelado, consoante se extrai do art. 895, § 1º [12], não sendo assim uma medida exótica ao processo de execução.
Saliente-se, ainda, que o fato de o art. 921, V, do CPC/2015 dispor que a execução será suspensa quando for concedido o parcelamento previsto no art. 916 não pode receber interpretação restritiva, capaz de impedir a exigência de garantia parelha o saldo parcelado, caso se demonstre a necessidade do deferimento da medida conservativa. Além do amparo do art. 130 do Código Civil, é de ser observado que o art. 919 do CPC/2015 prevê que, para concessão do efeito suspensivo dos embargos, deverá – obrigatoriamente – estar o juízo seguro, isto é, com alguma garantia idônea (penhora, depósito ou caução suficientes), sendo que o § 5º do referido dispositivo prevê que a concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de substituição, de reforço ou de redução da penhora e de avaliação dos bens. A forma de garantia deve ser livre (ou seja, admitindo-se penhora, depósito ou caução), bastando que seja idônea e compatível com o parcelamento.
De tudo que foi dito, fica evidenciado que:
- a) a manifestação do exequente não se situa na aceitação (ou não) do pedido de parcelamento, pois o art. 916 não se confunde com chamamento para autocomposição;
- b) é possível, contudo, que o exequente impugne o parcelamento, podendo demonstrar para o seu trancamento não só os fundamentos formais do art. 916 do CPC/2015, como também que há situação concreta que implica na rejeição do pleito (por exemplo, por abuso de direito) ou que reclame exigência de garantia (na típica situação de risco concreto de inadimplemento do pedido de parcelamento).
3 A MANIFESTAÇÃO DO EXECUTADO E SEUS EFEITOS
Não seria demais pontuar que a previsão do art. 916 do novo Código, com a mesma tônica do seu antecessor, exige, por parte do executado, o reconhecimento da dívida e a promessa de pagamento em um mesmo ato.
Em suma, o art. 916, no seu caput, exige a prática dos dois atos de forma conjugada. Com efeito, o simples reconhecimento do crédito não dará ao executado o “bilhete de acesso” ao parcelamento na execução de título extrajudicial, sendo necessário declarar que irá satisfazer a execução, com a apresentação da respectiva proposta (com modulação básica no próprio art. 916).
Importante observar que o reconhecimento e a declaração na forma supra produzem efeitos desde o momento em que cravados nos autos, já que refletem no processo uma opção livre do executado, exercida no âmbito de sua disponibilidade, que se ajusta em boa medida ao disposto no art. 200 [13]. O efeito imediato do binômio reconhecimento + declaração é evidente, pois, mesmo que o juiz venha a indeferir o requerimento, o executado não poderá mais embargar à execução, porque a opção pelo parcelamento importa renúncia ao direito de opor embargos (art. 916, § 6º), prosseguindo-se os atos executivos com a absorção pelo exequente da verba depositada inicialmente.
Assim, como os efeitos são imediatos, pensamos não se tratar propriamente de requerimento (ato postulatório), mas apenas de declaração que concretiza o exercício do direito por parte do executado. Por via de talante, independentemente de manifestação judicial quanto à fala do executado, o prazo para pagamento da primeira prestação do saldo remanescente de, no máximo, setenta por cento, que, nos termos da lei, poderá ser fracionado em até seis parcelas, começará a correr desde o momento em que esta declaração (= comunicação quanto à opção) for apresentada aos autos (art. 916, § 2º).
3.1 Depósito prévio (parcela de entrada)
O legislador fixa o depósito mínimo como o de trinta por cento do total da execução (valor da dívida + despesas processuais e honorários de advogado que tenham sido arbitrados pelo juiz).
O depósito se submete ao prazo para a oposição dos embargos, devendo a demonstração de sua realização ser contemporânea à apresentação da manifestação do executado, mesmo se, por questões operacionais, tiver sido efetuado antes da comunicação em juízo. Não se admitirá, contudo, que a manifestação do executado seja ofertada dentro do prazo, mas a efetivação (ou mesmo comprovação) do depósito se opere em data posterior, exceto nas hipóteses de evidente justo motivo (como exemplo greve geral de servidores judiciários) [14].
O percentual de 30{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (trinta por cento) é o mínimo, nada havendo de empecilho para que montante mais alargado seja depositado inicialmente, com a diminuição do saldo devedor, tendo em vista que o executado pode pretender diminuir os efeitos dos juros de 1{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (um por cento).
O depósito deverá ser feito em instituição bancária oficial, em conta própria aberta pelo executado, ficando à disposição do Juízo. Caso o valor do depósito não corresponder ao patamar mínimo (30{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}), mas a falta não for significativa ou ocorrer erro escusável (por exemplo, não terem sido incluídas todas as despesas processuais na conta executória, faltando no mandado de citação, alguma rubrica atinente à diligência processual já antecipada pelo exequente), deve se admitir a complementação. Nesse caso, deve ser fixado prazo para o executado suplementar o depósito inicial, sem o prejuízo de imposição de multa de dez por cento sobre o valor da diferença (adaptando-se à regra do § 5º, inc. II, do art. 916) e da recomposição da correção monetária, por meio de conta pro rata dia (isto é, conta matemática com aplicação da correção em relação aos dias decorridos entre a data que o depósito deveria ocorrer e a que efetivamente foi levado a cabo).
3.2 Parcelas posteriores ao depósito
A declaração do executado (indicando o reconhecimento do crédito e que irá fazer o pagamento parcelado) juntada nos autos fixa o marco para os depósitos subsequentes (que poderão ser feitos no máximo em seis parcelas). A primeira vencerá em igual dia do mês subsequente, seguindo-se as demais nos mesmos dias dos meses em escala.
Não há impedimento para que executado indique número menor de parcelas, saldando a dívida em prazo inferior aos seis meses inicialmente concedidos pelo legislador, contados a partir da opção exercida. O montante de cada parcela deve ser corrigido por meio de índice oficial prestigiado pelo Poder Judiciário [15] para recompor o valor da moeda, ou seja, a operação de atualização não terá caráter remuneratório, notadamente pelo fato de que sobre cada prestação já incidirá um por cento de juros, suprindo qualquer perda no sentido.
3.3 Inadimplência do parcelamento
Em caso de não pagamento de qualquer das prestações acarretará cumulativamente:
(a) o vencimento das prestações subsequentes;
(b) a imposição ao executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas.
O legislador inseriu na legislação processual, para a situação peculiar do art. 916, uma hipótese de vencimento antecipado, criando quadro especial para tal, nada obstante a previsão geral do art. 333 do Código Civil [16].
É dispensável qualquer tipo de prévia notificação, configurando-se mora ex re o não pagamento de quaisquer das parcelas, pois, tão logo apresentada a opção do executado, as datas dos vencimentos são projetadas automaticamente, fixando-se a primeira no mesmo dia do mês vindouro e assim sucessivamente. Assim, se a mora ocorrer a partir do simples advento do termo, despiciendo será o envio de qualquer notificação prévia, trazendo-se o disposto do art. 397 [17] do Código Civil em empréstimo.
Poderá o magistrado intimar o executado para que comprove nos autos o recolhimento das parcelas, permitindo o controle quanto aos pagamentos efetuados. Contudo, tal diligência não se confundirá com o instituto da notificação para a purgação da mora, que evita o vencimento antecipado da dívida, pois, repita-se, aplicam-se no particular os contornos da mora ex re.
Além dos apenamentos anteriormente expostos, a execução voltará a fluir, com absorção integral pelo exequente dos valores depositados pelo executado para saldar a dívida e imediato início dos atos executivos, incidindo estes sobre a garantia do parcelamento, caso esta tenha sido formalizada. Ainda como consequência, não poderá mais o executado se valer de embargos à execução para discutir a dívida, uma vez que esta se encontrará reconhecida (vide comentários ao item 3.4 a seguir).
3.4 Renúncia dos embargos
O § 6º do art. 916 indica que a opção pelo parcelamento implica em renúncia ao direito de opor embargos. Tal dispositivo alcança, na verdade, todas as matérias que deveriam ter sido alegadas em sede de embargos à execução e que se sujeitam à preclusão. Entretanto, há questões que podem ser tratadas em embargos à execução que poderão não sofrer os efeitos da preclusão, notadamente as que versarem sobre vícios relativos à fase de expropriação e de fatos supervenientes que afetem a obrigação remanescente (saldo devedor).
De modo semelhante, se no momento da opção efetuada pelo executado ainda não tiver ocorrido penhora e/ou avaliação, estas matérias, muito embora acolhidas no rol dos embargos à execução (art. 917, inciso II), poderão ser agitadas, inclusive por meio de impugnação por simples petição a contar da ciência da penhora e/ou avaliação (art. 917, § 1º).
3.5 Honorários
Há de se ter atenção em relação aos honorários de advogado, pois estes fazem parte da verba que irá integrar o pagamento parcelado.
Nos termos do § 1º do art. 827 [18], não haverá nenhum tipo de redução nos honorários, pois somente se pode cogitar em redução se o pagamento dos honorários for integral e efetuado no prazo de três dias. Assim, pode se cogitar apenas em redução pela metade se o pedido de parcelamento se der no prazo do § 1º do art. 827 e o executado destacar a verba honorária do valor executivo, ou seja, quitar de uma só vez os honorários em separado do restante do montante da execução (crédito exequente + despesas processuais).
Mesmo quando os honorários forem incluídos no parcelamento, como a verba, a teor do art. 85, § 14, do CPC/2015 [19] c/c art. 23 da Lei nº 8.906/1994 [20] (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados), pertencente ao advogado autonomamente, é conveniente que se depure a rubrica no depósito prévio, bem assim nas parcelas que sucederão. Assim, é de bom tom que sejam efetuados depósitos distintos, ou seja, de forma separada, um para contemplar o pagamento da dívida executada propriamente dita (cujo credor é o exequente) e outro com o fim de quitar os honorários (cujo credor é o advogado do exequente).
3.6 Forma processual adequada
A despeito da exigência de ser apresentada no prazo dos embargos, não há nenhuma previsão no dispositivo indicado de que a comunicação deve se dar no corpo (ou através) de embargos à execução, nada indicando acerca da forma com que o executado deverá se manifestar.
Pensamos que o reconhecimento do crédito e a declaração de compromisso para sua satisfação, aglutinados em peça única, deverão ser apresentados nos autos da execução, por meio de manifestação processual sem formalidades, com exceção das exigidas no próprio art. 916. Não há qualquer justificativa para a oposição simultânea de embargos, inclusive em razão do forte indicativo contrário previsto no § 6º do art. 916, que indica que haverá renúncia ao manejo dos embargos à execução.
3.7 Possibilidade de parcelamento em caso de cumulação de execuções
O art. 780 [21] prevê que o exequente poderá cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o procedimento.
Surge, com base em tal dispositivo, a seguinte indagação: é possível que o executado cinda a execução, a partir da depuração dos títulos, efetuando pagamento de uma parte, referente a determinado título, e embargando a outra, com outro título (cuja cobrança rejeita)? A resposta afigura-se, para nós, positiva, sempre que os títulos em questão possibilitem a perfeita divisão das obrigações que estão sendo executadas. Por exemplo, execução de três notas promissórias contra o mesmo executado, que o executado devedor reconhece a dívida das duas primeiras cambiais, mas alega que a última possui assinatura falsa, e, por tal passo, nega-se, peremptoriamente, a pagá-la. Como não tinha capital para – no prazo de três dias da citação da execução – efetuar o pagamento integral das duas promissórias, o executado, no prazo dos embargos, poderá reconhecer a dívida respectiva e prometer o pagamento parcelado e, sem prejuízo, apresentar de embargos – fundados no vício na assinatura (art. 917, inciso VI) – quanto à outra nota promissória.
3.8 Embargos às execuções parciais: excesso de execução (art. 917, § 3º)
Nos embargos à execução por excesso de execução, o executado, se alegar que o exequente pleiteia quantia superior à do título, declarará na petição inicial o valor que entende correto (com demonstrativo de cálculo no sentido). Trata-se, assim, de parcela sem controvérsia que deveria ser paga pelo executado. Assim, há de se indagar se este valor incontroverso pode ser objeto de parcelamento ou terá impedimento no sentido, em razão da parcela controvertida, apontada como excesso.
Posta a questão, pensamos ser perfeitamente viável que o executado, no prazo ditado para os embargos (art. 915), apresente manifestação para pagamento da verba incontroversa na forma do art. 916 do CPC/2015 e, simultaneamente, oponha embargos para impugnar o excesso executivo (art. 917, inciso III). Isso porque, se é possível destacar as duas verbas (controvertida e a incontroversa), e o executado deseja liquidar o montante que reconhece como devido, não nos parece persistir qualquer justificativa que o aprisione à marcha ordinária do processo executivo, por meio da expropriação de seus bens.
A solução é produtiva não apenas para o executado, mas também para o exequente, que poderá obter o pagamento de parte da dívida de forma célere, evitando-se os custos processuais e os vinculados aos atos de expropriação. Observe-se que tal trilha é adequada às diretrizes do CPC/2015, pois prestigia resultado útil com prazo adequado (art. 4º), boa-fé processual (art. 5º), colaboração (art. 6º) e eficiência (art. 8º).
3.9 Levantamento dos depósitos pelo exequente
Em razão da sistemática do dispositivo, o executado ficará obrigado a depositar as parcelas mensais, não sendo lícito aguardar o deferimento do parcelamento pelo juiz. O § 2º do art. 916 faculta, em tais circunstâncias, que o exequente faça o levantamento das parcelas já efetuadas (parcela de entrada e eventuais que venceram antes da decisão do juiz).
O levantamento do valor parcelado, a priori, implicará em ato incompatível com a vontade de receber a verba de forma integral, podendo, pois, contaminar eventual manifestação contrária ao deferimento do parcelamento.
Isso porque, no campo das obrigações, não se permite a adoção de comportamentos contraditórios, em razão do princípio venire contra factum proprium, que encontra abrigo na cláusula geral da boa-fé (art. 422 do CC [22]), expressamente recepcionada no CPC/2015 (art. 5º). Assim, não havendo nenhuma ressalva justificável, o ato do credor (exequente) de receber as parcelas antes de deferida a situação pelo juiz pode implicar em situação que conspirará contra sua impugnação ao pleito do executado, perdendo sua reclamação potência.
4 A DECISÃO DO JUIZ
A decisão do juiz, que deverá ser proferida em cinco dias, terá limitação semelhante ao conteúdo da manifestação do exequente. Deverá indeferir o requerimento se verificar algum vício formal (por exemplo: apresentado fora de prazo, faltar depósito correspondente ou o depósito for insatisfatório). Também poderá examinar a possibilidade de ocorrência do abuso de direito ou da necessidade de imposição de garantia, a partir da dicção do exequente da verificação da situação peculiar no caso concreto.
Caso não ocorra impugnação por parte do exequente, é natural que o pedido seja deferido, notadamente por se tratar de direito disponível.
Aliás, no particular, não descartamos a recepção de outro tipo de proposta incluindo pagamento parcelado, diversa da gabaritada no art. 916, como forma de pacificação da execução. Para tanto, contudo, ao receber a proposição atípica, deverá o julgador buscar a expressa concordância do exequente, a fim de recepcionar a comunhão de interesses como transação (arts. 840-843 do Código Civil [23]). Como já vimos, o art. 139, V, do CPC/2015 prevê que o juiz deve tentar a autocomposição a qualquer tempo, postura que deverá ser levada a cabo quando for apresentada proposta no sentido por qualquer das partes, bastando, pois, a amplificação da regra disposta no art. 154, VI, do CPC/2015.
Da decisão do juiz, que defere ou indefere o parcelamento do debitum exequatur, caberá agravo de instrumento, por se tratar de decisão interlocutória (art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015 [24]) em processo de execução, e por incoerente sua retenção na modalidade retida do agravo, por falta de posterior apelação na qual poderia ocorrer sua ratificação.
5 INAPLICABILIDADE NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
Resolvendo tema de intenso debate doutrinário e jurisprudencial [25], a opção do CPC/2015 foi de inaplicabilidade do parcelamento legal ao cumprimento de sentença, consoante explicitamente firmado no § 7º do art. 916. Assim, a posição adotada do novo Código corrobora o entendimento de que “não teria sentido beneficiar o devedor condenado por sentença judicial com novo prazo de espera, quando já se valeu de todas as possibilidades de discussão, recursos e delongas do processo de conhecimento” (Theodoro Júnior, 2014, p. 469).
6 APLICABILIDADE À AÇÃO MONITÓRIA
Inovando em relação à codificação revogada, o CPC/2015 admite o uso do parcelamento previsto no art. 916 no ambiente da ação monitória, consoante previsto no § 5º do art. 701 [26].
Há de se fazer algumas adaptações, pois a regra do art. 916 somente se aplica às ações monitórias que envolvam pagamento de quantias, não se cogitando sua aplicação nos casos de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer.
Ademais, o novo perfil da ação monitória, ao contrário do código superado, não isenta o réu do pagamento dos honorários, caso cumpra o mandado, sendo a isenção agora unicamente das custas processuais (art. 701, § 1º). De toda sorte, como o cumprimento não é integral, o parcelamento deverá incluir as custas processuais, pelo que entendemos que a isenção desta será apenas em caso de pagamento integral, sem a opção da via do art. 916.
Como é vedada a aplicação do art. 916 no cumprimento de sentença, o réu somente terá o prazo para apresentar os embargos monitórios para reclamar o parcelamento, sem prejuízo de poder postular pedido de convocação para transação, com esteio nos arts. 139, V, e 154, VI, do CPC/2015, postura esta que não se confunde com a figura jurídica alvo do nosso estudo.
7 APLICAÇÃO NO âMBITO DA JUSTIÇA DO TRABALHO
Aplica-se o art. 916 do âmbito da justiça do trabalho, não existindo qualquer restrição que possa servir de obstáculo. No sentido, vale citar que tal entendimento é encontrado no Enunciado nº 331 [27] do FPPC, que fixou que o pagamento da dívida objeto de execução trabalhista pode ser requerido pelo executado nos moldes do art. 916. Tal possibilidade, ademais, é corroborada pela previsão do art. 15 do CPC/2015, que dita que, “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente“.
8 RECEPÇÃO NO ÂMBITO DAS EXECUÇÕES FISCAIS
O art. 1º (parte final) da LEF [28] determina aplicação subsidiária do CPC no âmbito das execuções fiscais, situação que cria ambiente para a recepção do art. 916 nos processos regidos pela referida lei especial.
Todavia, partindo de remissa que confunde o escopo do instituto (que é apenas propiciar o pagamento) com suspensão de crédito tributário (matéria de fundo, em regra das execuções fiscais), a jurisprudência majoritária tem rejeitado a aplicação do dispositivo comentado em sede de execução fiscal. Em suma, afirma-se que a execução fiscal é completa no sentido, não podendo receber subsídio da codificação em relação às formas de garantias que prevê [29]. A posição merece reprimenda, pois o parcelamento judicial é apenas uma modalidade de estímulo (e viabilização) do pagamento da verba executada, não tendo o efeito de suspender o crédito tributário, ao contrário das hipóteses do art. 151 do Código Tributário Nacional [30], seja pelo de depósito integral (inciso II), seja pelo parcelamento administrativo (inciso VI). Ao que parece, a jurisprudência restritiva tem aproximado a figura do art. 916 com o parcelamento administrativo (art. 155-A do CTN [31]), que demanda lei específica.
Ocorre que a aplicação do art. 916 não implicará em nenhum efeito tributário (que autorize, por exemplo, a expedição de certidão de regularidade fiscal, que é uma consequência do parcelamento administrativo), mas apenas cria a possibilidade de pagamento do total da execução em prazo abreviado, com custo processual infinitamente menor do que a trilha vulgar da expropriação de patrimônio. Portanto, o pagamento parcelado do valor da execução (art. 916) é um instituto, ao passo que o parcelamento tributário é outro, totalmente distinto (art. 155-A do CTN).
Portanto, cremos que não há óbice para o pagamento parcelado previsto no art. 916 nas execuções fiscais, pois seu efeito é restrito, pontuando-se apenas como forma de adimplir o valor exequendo, sem que isso interfira em suspensão do crédito tributário, tema específico das leis fiscais.
9 BREVE FECHAMENTO
Apesar de não ter esgotado o tema, o presente ensaio procurou demonstrar as principais mudanças trazidas pelo CPC/2015 no tocante à válvula legal que permite o pagamento parcelado dos créditos executados, cujo seio da regulação agora se encontra no art. 916 da nova codificação. Como se viu ao longo do texto, há pontos de contato e de distanciamento em relação ao art. 745-A, que constava na codificação revogada.
Há de se destacar, ainda, que, a partir da natureza bifronte do instituto, há necessidade de diálogo com o direito material para que a aplicação da figura jurídica se dê de forma alvacenta, atendendo aos seus reais objetivos. Não se trata, em absoluto, de instituto atrelado à transação, não sendo a concordância do credor (exequente) pressuposto para que seja efetuado o pagamento judicial parcelado.
Por fim, há de se ter uma visão mais ampla do instituto, sendo possível estender sua aplicação para outros ambientes, consoante indicam os arts. 701, § 5º, e 15 do CPC/2015.
[1] Com análise mais aguda e horizontal sobre o instituto, embora com olhos no código revogado, já desenvolvemos outros trabalhos, a saber: (a) O “favor legal” previsto no art. 745-A do CPC: principais aspectos processuais e materiais. In: ASSIS, Araken de;
ALVIM, Eduardo Arruda; NERY JR., Nelson; MAZZEI, Rodrigo; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; ALVIM, Thereza (Org.). Direito civil e processo: estudos em homenagem ao Professor Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1471-1482; (b) A reforma do CPC 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
[2] “Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.”
[3] Em uma situação absurda, poderia o locatário não mais pagar mensalmente o valor da locação integral, optando pelo parcelamento em cada um dos vencimentos das obrigações. Em caso de financiamento bancário, se a dívida estivesse representada por título executivo extrajudicial, poderia o mutuário, por exemplo, requerer o pagamento parcelado de dívida em que se convencionou pagamento único. Haveria uma enxurrada de ações de consignação em pagamento, cujo fundamento seria revogação do art. 314 do Código Civil pelo art. 916 do CPC/2015, passando a vigorar nova principiologia, ou seja, com a diretriz de que o parcelamento dos pagamentos seria a regra (dada a faculdade ampla do devedor de assim optar), afastadas que estariam as noções de exatidão e de indivisibilidade da obrigação.
[4] Registre-se que, diferente das regras heterotópicas, os dispositivos bifrontes não são identificados pela sua posição topográfica deslocada, mas pelo fato de terem – simultaneamente – dupla faceta: material e processual. Assim, ao se falar em bifronte, o foco estará nas consequências materiais e processuais do dispositivo, diante da sua carga dupla. Com análise mais detalhada dos dispositivos bifrontes e heterotópicos, confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Enfoque processual do art. 928 do Código Civil. RBDPro – Revista Brasileira de Direito Processual, n. 59, p. 48-51; MAZZEI, Rodrigo. Algumas Notas sobre o (“dispensável”) artigo 232 do Código Civil. In: DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Prova, Exame Médico e Presunção: o artigo 232 do Código Civil. Salvador: JusPodivm, 2006. p. 261-262.
[5] “Art. 154. Incumbe ao oficial de justiça: […] VI – certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe couber. Parágrafo único. Certificada a proposta de autocomposição prevista no inciso VI, o juiz ordenará a intimação da parte contrária para manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sem prejuízo do andamento regular do processo, entendendo-se o silêncio como recusa.”
[6] “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: […] V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; […].”
[7] “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
[8] MAZZEI, Rodrigo. Código Civil de 2002 e o Judiciário: apontamentos na aplicação das cláusulas gerais. In: MAZZEI, Rodrigo Reis; DIDIER JR., Fredie (Org.). Reflexos do novo código civil no direito processual. Salvador: JusPodivm, 2006. p. 23-72.
[9] “Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.”
[10] Vale lembrar que o abuso de direito é verificado conforme o critério objetivo, sendo despicienda a vontade do agente. Neste sentido, confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Abuso do direito: contradição entre o 2º do art. 1.228 e o art. 187 do Código Civil. In: BARROSO, Lucas Abreu (Org.). Introdução crítica ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
- 345-359.
[11] “Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo. […] Art. 135. Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva.”
[12] “Art. 895. O interessado em adquirir o bem penhorado em prestações poderá apresentar, por escrito […] § 1º A proposta conterá, em qualquer hipótese, oferta de pagamento de pelo menos vinte e cinco por cento do valor do lance à vista e o restante parcelado em até 30 (trinta) meses, garantido por caução idônea, quando se tratar de móveis, e por hipoteca do próprio bem, quando se tratar de imóveis.”
[13] “Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.”
[14] No sentido: STJ, REsp 55.896PE, 3ª T., Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 15.05.1995, p. 13399.
[15] A tendência é de padronização nacional, consoante anunciado no art. 509, § 3º, do CPC/2015: “O Conselho Nacional de Justiça desenvolverá e colocará à disposição dos interessados programa de atualização financeira”.
[16] “Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código: I – no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores; II – se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor; III – se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las. Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.”
[17] “Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.”
[18] “Art. 827. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado. § 1º No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade.”
[19] “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. […] § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.”
[20] “Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.”
[21] “Art. 780. O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o procedimento.”
[22] “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
[23] “Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas. Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação. Art. 842. A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestados em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz.”
[24] “Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: […] Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.”
[25] Indo inclusive contra jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que entendia que “o parcelamento da dívida pode ser requerido também na fase de cumprimento da sentença, no prazo de 15 dias previsto no art. 475-J, caput, do CPC (REsp 1.264.272/RJ0)” (STJ, REsp 1.194020 SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., DJe 25.08.2014).
[26] “Art. 701. Sendo evidente o direito do autor, o juiz deferirá a expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não fazer, concedendo ao réu prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento e o pagamento de honorários advocatícios de cinco por cento do valor atribuído à causa. § 1º O réu será isento do pagamento de custas processuais se cumprir o mandado no prazo. § 2º Constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, independentemente de qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apresentados os embargos previstos no art. 702, observando-se, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial. § 3º É cabível ação rescisória da decisão prevista no caput quando ocorrer a hipótese do § 2º. § 4º Sendo a ré Fazenda Pública, não apresentados os embargos previstos no art. 702, aplicar-se-á o disposto no art. 496, observando-se, a seguir, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial. § 5º Aplica-se à ação monitória, no que couber, o art. 916.”
[27] Enunciado nº 331: (art. 916; art. 15). “O pagamento da dívida objeto de execução trabalhista pode ser requerido pelo executado nos moldes do art. 916”. (Grupo: Impacto do CPC no processo do trabalho).
[28] “Art. 1º A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.”
[29] Nesta linha: “A execução judicial para cobrança de Dívida Ativa da União é regida pela Lei de Execução Fiscal, de modo que as disposições do Código de Processo Civil se aplicam subsidiariamente, nos termos do seu art. 1º. 2. E a LEF determina, em seu art. 8º, que o executado, após a citação, terá 05 (cinco) dias para pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na certidão de dívida ativa, ou garantir a execução, nos termos do art. 9º. Assim, considerando que a LEF estabelece as formas de pagamento da dívida ou de garantia da execução, entendo ser inaplicável, às execuções fiscais, a regra contida no art. 745-A do CPC, introduzido pela Lei nº 11.382/2001. […] 5. Considerando que a regra contida no art. 745-A do CPC, introduzido pela Lei nº 11.382/2001, não se aplica às execuções fiscais, não pode prevalecer a decisão agravada. 6. Agravo provido. (TRF 3ª R., AI 5503 SP 0005503-65.2009.4.03.0000, 2ª T., Relª Desª Fed. Cecilia Mello, J. 11.12.2012); “A execução judicial para cobrança de Dívida Ativa da Fazenda Estadual é regida pela Lei de Execução Fiscal, de modo que as disposições do Código de Processo Civil se aplicam subsidiariamente, nos termos do seu art. 1º. II – A Lei de Execução Fiscal determina as formas de pagamento da dívida ou de garantia da execução, razão pela qual a doutrina e a jurisprudência deste eg. Tribunal de Justiça é no sentido de que a regra contida no
art. 745-A do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei nº 11.382/2001, é restrita às hipóteses de execução de título extrajudicial” (TJ-MG, AI 10024080059272001/MG, Rel. Washington Ferreira, Câmaras Cíveis/7ª Câmara Cível, J. 10.12.2013, DJ 13.12.2013).
[30] “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; VI – o parcelamento. Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.”
[31] “Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.”
Excelente artigo!
Muito bom!!!!!!