NECESSIDADE DE CALIBRAÇÃO DO SPLIT PAYMENT PARA MICRO E PEQUENAS EMPRESAS
A Lei Complementar nº 214, de 2025, que instituiu o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), incorporou em seu desenho normativo o mecanismo do split payment. Nesse modelo, o valor do tributo incidente sobre cada operação é automaticamente desmembrado e transferido ao Fisco no ato do pagamento da nota fiscal, sem transitar pelo caixa do contribuinte. Trata-se de inovação relevante para a administração tributária, pois reforça a segurança da arrecadação e reduz drasticamente a inadimplência.
Embora eficiente sob a ótica fiscal, o split payment gera efeitos colaterais para o contribuinte. Ao retirar de imediato a disponibilidade financeira relativa ao tributo, o sistema compromete o capital de giro das empresas, reduzindo sua liquidez. Esse impacto é absorvido de forma distinta a depender do porte do contribuinte. Grandes corporações, em geral, contam com maior fôlego financeiro e acesso a crédito, o que lhes permite acomodar os efeitos dessa sistemática. Já as micro e pequenas empresas (MPE), que operam com margens estreitas e forte dependência de recursos de curto prazo, tendem a sofrer desproporcionalmente com a retirada imediata de caixa.
É nesse contexto que se revela a necessidade de calibrar o split payment para as MPE. A calibragem consiste em modular as regras de retenção e repasse automático do tributo, sem abandonar a essência do mecanismo. Em termos práticos, a calibragem pode assumir a forma de retenção parcial do valor do IBS e da CBS no ato do pagamento, com recolhimento complementar no encerramento do período de apuração; de adoção de prazos de repasse mais flexíveis, ajustados ao ciclo financeiro das empresas de menor porte; ou, ainda, de utilização de contas transitórias que conciliem a previsibilidade da arrecadação com a manutenção de liquidez mínima pelo contribuinte.
Calibragem é tudo
Nesse ponto, cabe uma metáfora que ilustra bem o tema: tudo na vida é calibrar a força. O atleta ajusta a intensidade do treino para evitar lesões e potencializar o desempenho. O músico, por sua vez, sabe que não basta marcar o tempo: é preciso variar a cadência, a força e o ritmo. Imagine um baterista que, durante toda a música, tocasse apenas o prato, com intensidade máxima e sem variações. O resultado seria insuportável, ruidoso e desequilibrado. A beleza da música nasce justamente da alternância entre o grave e o agudo, do contraste entre momentos de explosão e de silêncio, da dosagem exata da batida.
Assim também ocorre no sistema tributário. Exigir de uma microempresa a mesma intensidade de cumprimento e de esforço financeiro que se pede a uma corporação multinacional equivale a um baterista que toca sem pausa e sem dinâmica: cedo ou tarde, o som deixa de ser música e se torna ruído. A calibragem do split payment é, portanto, um exercício de equilíbrio — nem frouxo a ponto de fragilizar a arrecadação, nem rígido a ponto de sufocar o contribuinte mais vulnerável.
Essas soluções não configuram renúncia fiscal, mas ajustes procedimentais destinados a equilibrar o interesse do Estado arrecadador e a capacidade econômica das MPE. Nesse sentido, a calibragem cumpre função constitucional. O artigo 179 da Constituição determina que União, estados, Distrito Federal e municípios dispensem às microempresas e empresas de pequeno porte tratamento jurídico diferenciado e favorecido, a fim de incentivá-las e protegê-las. Assim, exigir dessas empresas a sujeição integral ao split payment — tal como concebido para grandes corporações — equivaleria a negar a proteção constitucional específica de que são titulares.
Estímulo à formalização
Além disso, a calibragem pode estimular a formalização. Se as MPE perceberem que o regime regular de IBS e CBS é financeiramente viável, muitas optarão por migrar para esse regime, ampliando a base de contribuintes formais e garantindo arrecadação mais estável. A calibragem, portanto, promove neutralidade concorrencial, equidade fiscal e estímulo à conformidade tributária.
Conclui-se que a calibração do split payment não é concessão graciosa, mas condição necessária para compatibilizar eficiência arrecadatória, justiça fiscal e sustentabilidade empresarial. Sem ela, o mecanismo corre o risco de se transformar em obstáculo à competitividade das MPE, contrariando a Constituição e a própria lógica da reforma tributária. Com ela, ao contrário, o sistema se torna mais inclusivo e equilibrado, permitindo que a modernização da tributação conviva com a preservação da função social e econômica das micro e pequenas empresas.
REFERÊNCIAS
https://www.conjur.com.br/2025-ago-29/a-necessidade-de-calibracao-do-split-payment-para-micro-e-pequenas-empresas/