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A NATUREZA E O INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PARA DEMANDAR A EXCLUSÃO DO HERDEIRO INDIGNO

A NATUREZA E O INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PARA DEMANDAR A EXCLUSÃO DO HERDEIRO INDIGNO

Guilherme Abreu

Brígida Novais Saraiva Pereira

SUMÁRIO: Introdução – 1. Da classificação dos direitos e da prescrição e decadência: 1.1. Da classificação dos direitos; 1.2. Da prescrição e decadência – 2. Ação de indignidade – 3. O início da contagem do prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno: 3.1. O início da contagem do prazo: 3.2. A teoria da actio nata e sua aplicação – Conclusão – Referências.

INTRODUÇÃO

Uma das formas de se excluir um herdeiro da sucessão é por meio da indignidade, que é uma sanção civil aplicada àquele que atenta contra a vida, a honra e a liberdade de testar do autor da herança, sendo necessário, para que a exclusão se efetive, que um dos demais herdeiros interessados na sucessão proponha a respectiva ação ordinária, comprovando, em juízo, a causa de indignidade.

O direito de demandar a exclusão do herdeiro indigno extingue-se em quatro anos, contados a partir da abertura da sucessão, conforme o disposto no parágrafo único do art. 1.815 do Código Civil.

Da análise desse dispositivo, verifica-se que sua redação é confusa, pois não deixa claro se o que se extingue é o próprio direito ou a pretensão jurídica. Assim, a primeira questão que se apresenta é quanto à natureza jurídica do prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno, se se trata de um prazo prescricional ou decadencial.

Essa avaliação se faz necessária na medida em que, sendo o prazo prescricional, haverá causas que poderão suspender, interromper ou mesmo impedir que sua contagem se inicie. Todavia, o mesmo não se observa quanto ao prazo decadencial.

Diante disso, será desenvolvida uma análise da classificação dos direitos dos indivíduos e da natureza das ações, com o objetivo de se identificar, de forma técnica, a natureza jurídica do prazo em questão, analisando-se, também, a posição doutrinária em relação a essa matéria.

A segunda questão que surge é quanto ao início do prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno. Isso porque, em princípio, a contagem do prazo iniciada na abertura da sucessão parece não proteger o herdeiro interessado que só toma conhecimento da causa de indignidade após o decurso do prazo de quatro anos.

Dessa forma, busca-se examinar a posição doutrinária e jurisprudencial acerca do termo a quo para demandar a exclusão do herdeiro indigno, bem como averiguar se é possível solucionar o problema do herdeiro interessado que toma ciência da causa de indignidade após o decurso do prazo legal.

1. DA CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS E DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

1.1. Da classificação dos direitos

A doutrina brasileira, ao classificar os direitos dos indivíduos, divide-os em subjetivos e potestativos. Os direitos subjetivos são aqueles relacionados à vontade e aos interesses do seu titular, na medida em que compreendem o poder de agir conferido ao indivíduo para que possa satisfazer seus interesses. Assim, busca-se alcançar determinado bem da vida pelo poder de exigir um dever, a ser cumprido por outra pessoa, nos exatos termos da lei. Ou seja, a todo direito subjetivo corresponde uma prestação de outrem.

Por se referirem ao poder de exigir de outrem uma obrigação, os direitos subjetivos, ao serem violados, serão reclamados por intermédio das ações condenatórias, pois o que se pretende é justamente a condenação do réu a uma prestação de dar, fazer ou não fazer.

Os direitos potestativos, por sua vez, não se referem a uma obrigação a ser cumprida por outrem, mas compreendem uma sujeição do outro ao exercício desse direito potestativo por seu titular. Assim, diante de uma declaração unilateral de vontade, é possível criar, modificar ou extinguir situações jurídicas de outrem, sem que esse deva ou possa fazer alguma coisa a esse respeito.

Sobre os direitos potestativos, Gomes (1999) esclarece que:

Os direitos potestativos não se confundem com simples faculdades de lei, porque o exercício destas não acarreta, como naqueles, qualquer sujeição de outra pessoa. É certo, porém, que o direito potestativo não contém pretensão. Seu titular não tem realmente o poder de exigir de outrem um ato ou omissão. O titular realiza seu interesse sem necessidade de cooperação do sujeito passivo (Santoro Passarelli), exerce o direito independentemente da vontade de quem deve sofrer as consequências do exercício. (GOMES, 1999, p. 118).

Conforme as lições de Gagliano e Pamplona Filho (2012), os direitos potestativos podem ser exercitáveis pela mera declaração de vontade de seu titular, sem necessidade de pleitear a tutela do Poder Judiciário, como ocorre com o direito de aceitação da herança; podem ser exercitáveis pela declaração de vontade do seu titular, fazendo-se necessária a intervenção judicial no caso de resistência daquele que deve suportar a sujeição; ou podem ser, obrigatoriamente, exercitáveis por meio da propositura de ação judicial, de modo que, mesmo que o sujeito passivo da relação jurídica concorde com o exercício do referido direito, para tanto, será necessário um provimento judicial.

Assim, os direitos potestativos que dependerem de demanda judicial serão exercidos mediante a propositura de uma ação constitutiva, que é aquela que se presta a constituir, modificar ou extinguir relações jurídicas.

Importante destacar, ainda, que as ações meramente declaratórias têm por objetivo tão somente a declaração de existência ou inexistência de uma relação jurídica e, portanto, não buscam a condenação ou mesmo a sujeição de outrem.

1.2. Da prescrição e decadência

O decurso do tempo exerce notória influência nas relações jurídicas e no exercício dos direitos, na medida em que, após o fim de determinado lapso temporal e, diante da inércia do titular do direito, a relação jurídica correspondente poderá ser extinta ou o próprio direito poderá perecer. Dessa forma, a prescrição e a decadência são institutos que se prestam a preservar a ordem pública, mediante prazos estabelecidos para o exercício do direito, uma vez que impedem que as relações jurídicas se protraiam indefinidamente no tempo.

O titular de um direito subjetivo pode livremente exercê-lo, no entanto, caso esse direito seja violado por outrem, nascerá para aquele uma pretensão jurídica, ou seja, a partir da violação do direito, o seu titular terá a faculdade de demandar uma ação em sua defesa.

Todavia, para que não se perpetue a incerteza das relações jurídicas, a defesa desse direito deverá ser exercida em determinado prazo. Assim, a prescrição pode ser entendida como a perda da pretensão juridicamente exigível, pela inércia do seu titular.

Constata-se, portanto, que a prescrição atinge somente a pretensão de se defender, em juízo, o direito subjetivo, ou seja, aquele que permite que seu titular exija de outrem uma obrigação, em virtude da sua violação.

Uma vez iniciado o prazo prescricional, ele poderá ser suspenso, ocasião em que ficará sobrestado até o fim da causa suspensiva, quando voltará a ser contado de onde parou, ou poderá ser interrompido, de maneira que, cessando a causa interruptiva, o prazo começará a fluir novamente desde o seu início. Há, ainda, as causas impeditivas, que impedem que o prazo prescricional se inicie.

Por fim, destaca-se que o prazo prescricional não terá fluência enquanto não houver sentença criminal definitiva quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, conforme o disposto no art. 200 do Código Civil.

Quanto à decadência, ou caducidade, urge destacar ser esta o perecimento de um próprio direito, por ele não ter sido exercido dentro de determinado lapso temporal, quando a lei, ou as partes, houverem fixado prazo para seu exercício.

A decadência incide sobre os direitos potestativos, tendo em vista que seu exercício depende apenas da declaração de vontade de seu titular para criar um estado de sujeição para outra pessoa. Assim, não havendo a possibilidade de violação do direito potestativo, a ele não corresponderá uma pretensão, portanto, a inércia do seu titular acarretará a extinção do próprio direito.

Ressalte-se que as causas que impedem, suspendem e interrompem a prescrição não se aplicam ao instituto da decadência. Porém, uma das causas impeditivas do prazo prescricional será aplicada à decadência, aquela segundo a qual a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º do Código Civil. Tal exceção se justifica por não ser razoável que o absolutamente incapaz, em virtude da inércia do seu representante, seja penalizado com a extinção do seu direito.

Por fim, é indispensável mencionar o critério científico elaborado por Amorim Filho (1961) para distinguir a prescrição da decadência, que, buscando a causa da distinção entre os institutos e não os efeitos causados por um e outro, concluiu que:

1ª) – Estão sujeitas a prescrição (indiretamente, isto é, em virtude da prescrição da pretensão a que correspondem): todas as ações condenatórias, e somente elas;

2ª) – Estão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que correspondem): as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei;

3ª) – São perpétuas (imprescritíveis): – a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias. (AMORIM FILHO, 1961).

Portanto, prescrição é a perda de uma pretensão em virtude da inércia do titular que, diante da violação de um direito subjetivo, não ajuíza a competente ação condenatória no prazo determinado em lei.

A decadência, por sua vez, é a perda de um direito potestativo em virtude da inércia do seu titular, por não ter ele manejado a competente ação constitutiva no prazo determinado pela lei ou pelas partes, quando da celebração de um negócio jurídico.

2. AÇÃO DE INDIGNIDADE

A morte natural tem o condão de extinguir a personalidade jurídica do sujeito, momento em que esse deixa de possuir direitos e deveres. Faz-se necessário, então, que se realize a sucessão de todo acervo patrimonial do falecido, o que só ocorrerá quando do evento morte, em observância ao princípio da droit de saisine. Assim, a sucessão hereditária refere-se à transmissão de bens, direitos e deveres do falecido aos seus herdeiros.

No entanto, há hipóteses em que os herdeiros, legítimos ou testamentários, poderão ser excluídos da sucessão, em virtude da prática de atos ignóbeis contra o autor da herança, pois não se poderia permitir que o ofensor do falecido fosse beneficiado com a sucessão dos bens que esse detinha. A exclusão do herdeiro, portanto, tem caráter punitivo e pode ser entendida como a perda do direito sucessório, podendo se dar em decorrência da indignidade ou da deserdação.

A indignidade consiste em sanção civil de exclusão da sucessão imposta ao herdeiro legítimo ou testamentário que pratica um dos atos taxativamente previstos no art. 1.814 do Código Civil:

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I – que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Vê-se que o legislador buscou tutelar três bens jurídicos, quais sejam, a vida, a honra e a liberdade de testar, de forma que, apenas diante das referidas situações poderá o herdeiro ser excluído da sucessão em virtude da indignidade.

A indignidade só será declarada por sentença. Assim, a exclusão do herdeiro depende do ajuizamento de ação ordinária de exclusão do herdeiro indigno, que deve ser proposta em face do próprio herdeiro, no prazo de 04 anos, contados a partir da abertura da sucessão, para que os herdeiros interessados comprovem, perante o juízo sucessório, a ocorrência das causas de indignidade. Tal ação não poderá ser proposta enquanto estiver vivo o autor da herança, mas somente após sua morte, pois até então não há sucessão da qual se possa excluir o herdeiro.

Na hipótese de os demais herdeiros não proporem a ação, mantendo-se inertes, o indigno não perderá seu direito sucessório e não haverá óbice à sua participação na sucessão. Quanto à natureza da ação de indignidade, bem como do prazo para ajuizar a referida ação, é importante destacar a posição doutrinária acerca do tema.

Para Venosa (2015), o prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno é decadencial.

Rizzardo (2011), ao discutir o tema, não deixa claro se deve ser aplicada a prescrição ou a decadência: “tem o herdeiro ou interessado quatro anos para entrar com a ação. Após, há a decadência, segundo está consignado no parágrafo único do art. 1.815 (art. 178, § 9º, inc. IV, do Código revogado). Conta-se o lapso prescricional da abertura da sucessão”. (RIZZARDO, 2011, p. 86).

Autores como Fiuza (2010), Carvalho e Carvalho (2011), Gonçalves (2011) e Diniz (2012), também afirmam ser decadencial o prazo para propor a ação de indignidade.

Cahali (2003), no entanto, diz que o prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno é prescricional, mas não cuida de explicar a razão pela qual o prazo teria essa natureza.

Quanto à natureza da ação de indignidade, a maioria dos autores, como Diniz (2012), Cahali (2003) e Pereira (2014), assim como a jurisprudência, admitem ter a ação de indignidade natureza declaratória.

Sobre o tema, Monteiro (2003) aponta que: “a indignidade depende, portanto, de procedimento judicial, sendo pronunciada officio judicis. A sentença não é o título constitutivo, mas apenas declarativo da incapacidade para suceder”. (MONTEIRO, 2003, p. 67).

Em outro sentido, Tartuce e Simão (2012), valendo-se do critério científico elaborado por Amorim Filho (1961) para distinguir a prescrição da decadência, afirmam que a ação ajuizada para confirmar a indignidade terá natureza constitutiva negativa, sendo de decadência o prazo para a propositura da demanda.

Embora a maioria dos doutrinadores afirme que a ação de indignidade possui natureza declaratória, parece mais acertada a posição de Tartuce e Simão (2012), que sustentam ser constitutiva a natureza da ação.

A classificação correta da natureza da ação mostra-se pertinente na medida em que está relacionada com a natureza do prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno, tendo em vista que as ações declaratórias são imprescritíveis e, por outro lado, as ações constitutivas estão sujeitas à decadência.

O art. 1.815 do Código Civil de 2002 estabelece que “o direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão”.

Da leitura do dispositivo, é possível, em um primeiro momento, pensar que se trata de um prazo prescricional, pois prevê que o direito de demandar extingue-se em quatro anos e, como visto, a prescrição é a perda de uma pretensão juridicamente exigível. No entanto, apesar da redação do artigo, trata-se, em verdade, de um prazo decadencial.

Como já mencionado, as ações meramente declaratórias têm por objetivo apenas declarar a existência de um direito. Por outro lado, as ações constitutivas têm por objetivo o exercício de direitos potestativos e visam constituir, modificar ou extinguir relações jurídicas.

O direito de excluir o herdeiro indigno da sucessão é um direito potestativo, uma vez que implica em um estado de sujeição do indigno, que perderá seu direito sucessório independentemente de sua vontade.

De fato, o que se pretende com a ação de indignidade não é a mera declaração de indignidade do herdeiro, mas sim que a indignidade seja reconhecida e que, então, seja procedida à exclusão do herdeiro indigno da sucessão. Essa exclusão da sucessão implica em perda do direito sucessório do herdeiro indigno e, assim, extingue uma relação jurídica.

Portanto, constata-se que a natureza do prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno é decadencial, tendo em vista ser esse um direito potestativo, que deve ser exercido mediante o ajuizamento de uma ação constitutiva negativa.

Além disso, é cediço que os prazos prescricionais são aqueles taxativamente previstos nos arts. 205 e 206 do Código Civil, de forma que os demais prazos previstos em lei, se omissos quanto à sua natureza, serão decadenciais.

Assim, o prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno tem natureza decadencial, de modo que não será impedido de se iniciar e, uma vez iniciado, não será suspenso nem interrompido.

3. O INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PARA DEMANDAR A EXCLUSÃO DO HERDEIRO INDIGNO

3.1. O início da contagem do prazo

Em que pese às manifestações dos autores acerca da natureza do prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno, observa-se que não cuidam de analisar, criticamente, questão mais importante, que se relaciona ao início da contagem do referido prazo.

Conforme já estudado, a indignidade acarreta a exclusão do herdeiro que pratica atos reprováveis contra a vida, a honra ou a liberdade de testar do autor da herança, desde que os demais herdeiros ajuízem a ação de indignidade no prazo decadencial de 04 anos, contados da abertura da sucessão.

A contagem do prazo, iniciada na abertura da sucessão, ou seja, no dia da morte do autor da herança, prejudica o herdeiro legitimado a propor a ação de indignidade, tendo em vista que é possível que o prazo de quatro anos se esgote sem que ele tome conhecimento do ato que caracteriza a indignidade. Sendo assim, passados quatros anos sem qualquer manifestação, o herdeiro interessado poderá ser privado de exercer seu direito potestativo de excluir o indigno da sucessão, mesmo que não pudesse saber que possuía tal direito.

Como já antes pontuado, as causas de indignidade são os atos que atentam contra a vida, a honra e a liberdade de testar do autor da herança, sendo que, à exceção da última causa, as demais constituem crime.

É certo que a responsabilidade civil independe da responsabilidade criminal, de modo que a exclusão do herdeiro indigno não depende de sentença condenatória no juízo criminal. No entanto, a menos que o herdeiro interessado tenha presenciado o ato reprovável, não pode ele ter convencimento seguro a seu respeito por outro meio que não seja pelo inquérito policial, por meio do qual se averigua a autoria e materialidade dos crimes.

Todavia, é notória a morosidade do procedimento investigatório, de forma que, em muitos dos casos, demora-se anos só para que seja instaurado o inquérito policial. Assim, na hipótese em que um herdeiro assassina o autor da herança, por exemplo, é plenamente possível que o prazo decadencial se esgote sem que o inquérito policial referente ao crime seja concluído.

Assim, considerando a excessiva demora no desfecho dos inquéritos policiais e, tendo em vista que a mais grave causa de indignidade é o homicídio do próprio autor da herança, não há como se admitir que o prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno comece a fluir a partir da abertura da sucessão.

Isso porque não se pode tolerar que o herdeiro indigno se beneficie com a sucessão dos bens deixados pelo falecido em virtude da morosidade do sistema investigatório, sob pena de ferir a mens legis do instituto da indignidade, que visa, precipuamente, punir aquele que comete atos ignóbeis contra o autor da herança.

3.2. A teoria da actio nata e sua aplicação

No que tange à contagem de prazos, a evolução doutrinária e jurisprudencial se manifesta pela aplicação da teoria da actio nata, segundo a qual a contagem do prazo prescricional se inicia a partir do conhecimento da violação do direito, e não a partir da própria violação.

Rosenvald aponta a razão pela qual a dita teoria deve ser aplicada:

Com isso, a boa-fé objetiva é prestigiada de modo mais vigoroso, obstando que o titular seja prejudicado por não ter tido conhecimento da lesão que lhe foi imposta. Até porque, e isso não se põe em dúvida, é absolutamente possível afrontar o direito subjetivo de alguém sem que o titular tenha imediato conhecimento. (FARIAS; ROSENVALD, 2014, p. 666).

A maior parte da doutrina dota o entendimento de que a contagem do prazo decadencial se inicia no momento em que o direito nasce, no entanto, mais razoável seria que a teoria da actio nata se aplicasse também aos prazos decadenciais. Sobre o tema, lecionam Farias e Rosenvald (2014):

Convém lembrar, ainda, que a fluência do prazo prescricional se inicia com o surgimento da pretensão correspondente. Ou seja, tem início a contagem prazal com a exigibilidade do direito subjetivo subjacente. É a tese da actio nata, segundo a qual somente a partir do efetivo conhecimento do ato que viola um direito subjetivo, originando a pretensão, é que se inicia a contagem do prazo extintivo contemplado na norma legal. A regra é aplicável, inclusive, aos prazos decadenciais. (FARIAS; ROSENVALD, 2014, p. 682, grifo nosso).

A decadência se aplica ao não exercício de direitos potestativos e, embora esses não estejam sujeitos à violação, é de grande importância que a teoria da actio nata se aplique aos prazos decadenciais, ante a possibilidade de nascimento do direito sem que seu titular tome conhecimento no tempo estipulado pela lei.

No ordenamento jurídico brasileiro há algumas situações em que se observa a aplicação dessa teoria aos prazos decadenciais, admitindo-se que a contagem do prazo se inicie somente a partir da ciência, pelo titular do direito, de que esse existe.

Essas situações se verificam, por exemplo, no art. 445 do Código Civil, no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 23 da Lei nº 12.016/09.

Essa posição também vem sendo adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, no julgamento do Recurso Especial 1.418.435/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, em que ficou consignado que “A decadência é causa extintiva de direito pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei, cujo termo inicial deve coincidir com o conhecimento do fato gerador do direito a ser pleiteado”.

Verifica-se posicionamento semelhante no julgamento do Recurso Ordinário no Mandado de Segurança nº 47.553/SC, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques.

Dessa forma, considerando a teoria da actio nata e, tendo em vista que o prazo de quatro anos decadenciais pode se esgotar sem que o herdeiro interessado tenha ciência da causa de indignidade, faz-se necessário concluir que dita teoria deve ser aplicada à hipótese do art. 1.815 do Código Civil.

Desse modo, o prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno só começaria a fluir a partir do conhecimento, pelo herdeiro interessado, do ato que configura uma das causas de indignidade elencadas no art. 1.814 do mesmo diploma legal.

Essa alteração se justifica ante a possibilidade de que o herdeiro interessado tenha seu direito extinto por não exercê-lo a tempo, sem que, no entanto, soubesse que possuía tal direito.

Ressalte-se que, no caso, a teoria da actio nata deve ser aplicada respeitando o princípio da droit de saisine, de forma que, mesmo que o herdeiro interessado tenha ciência de uma das causas de indignidade enquanto ainda vivo o autor da herança, o prazo para demandar a exclusão só começa a fluir após a sua morte.

CONCLUSÃO

Ao fim desse estudo, constatou-se que o direito de excluir o herdeiro indigno da sucessão implica em uma sujeição do indigno, que perderá seu direito sucessório, extinguindo-se, assim, uma relação jurídica. Trata-se, pois, de um direito potestativo e deve ser exercido por meio de uma ação constitutiva negativa.

Portanto, sendo um direito potestativo, exercitável por meio de uma ação constitutiva, verificou-se que o prazo para demandar a exclusão do herdeiro indigno tem natureza decadencial, não sendo suspenso, interrompido ou impedido de se iniciar por qualquer causa, à exceção do impedimento de fluência do prazo contra os menores de 16 anos.

Constatou-se, ainda, que a contagem desse prazo, iniciada quando da abertura da sucessão, prejudica sobremaneira o herdeiro interessado que não toma conhecimento da causa de indignidade dentro dos quatro anos estabelecidos na legislação.

Em que pese essa constatação, não foi possível analisar a posição doutrinária acerca da problemática do herdeiro que não toma ciência da causa de indignidade dentro do prazo legal, tendo em vista que nenhum dos autores pesquisados neste estudo se manifesta sobre o tema.

Todavia, foi possível verificar que o entendimento doutrinário e jurisprudencial vem evoluindo no sentido de aplicar, tanto aos prazos prescricionais quanto aos decadenciais, a teoria da actio nata, segundo a qual a contagem do prazo se inicia a partir do conhecimento do fato que dá origem ao direito a ser pleiteado.

Dessa forma, aplicando-se a teoria da actio nata ao prazo decadencial para demandar a exclusão do herdeiro indigno, referido prazo só começaria a fluir a partir da ciência, pelo herdeiro interessado, da causa de indignidade, dando cumprimento à finalidade da lei, que é punir aquele que comete atos reprováveis contra o autor da herança e seus familiares. Ressaltando-se, por fim, que dita teoria deve ser aplicada em respeito ao princípio da droit de saisine.

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