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Panorama Jurídico

MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA, AGRAVO DE INSTRUMENTO E A MITIGAÇÃO DO ROL TAXATIVO DO NOVO CPC

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Por Cristina Kfuri

* atualizado em 10.12.2018

Uma das inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 foi a limitação das matérias passíveis de recurso via Agravo de Instrumento. Assim está a redação do art. 1.015:

Art. 1.015.  Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I – tutelas provisórias;

II – mérito do processo;

III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI – exibição ou posse de documento ou coisa;

VII – exclusão de litisconsorte;

VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o;

XII – (VETADO);

XIII – outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único.  Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Segundo letra da nova lei processual, os demais conteúdos não categoricamente previstos nos incisos do art. 1.015 ou em outros casos expressos (ex vi  art. 356, §5º) ficariam “sobrestados” até ulterior decisão de mérito, e deveriam ser suscitados como preliminar de apelação (CPC, art. 1.009, §1º:As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões“).

No entanto, uma das matérias mais preementes do direito processual – a modificação a competência jurisdicional para julgamento do feito – não foi objeto de disposição por parte do legislador, que deixou de especificar qual o recurso cabível contra a decisão que derroga ou invoca a competência.

A reincidência de recursos e controvérsia a esse respeito fizeram exsurgir na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que é cabível agravo de instrumento contra decisão que modifica/declina competência.

A interpretação extensiva tem como base o inciso III do art. 1.015, o qual prevê o cabimento do agravo em caso de rejeição da convenção de arbitragem, matéria que também tem natureza de “modificação de competência”.

Segundo FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA[1]:

“A decisão relativa à convenção de arbitragem é uma decisão que trata de competência. Se a decisão que rejeita a alegação de convenção de arbitragem é agravável, também deve ser agravável a que trata de uma competência, relativa ou absoluta. (…). Embora taxativas as hipóteses de agravo de instrumento, aquela indicada no inciso III do art. 1015 comporta interpretação extensiva para incluir a decisão que versa sobre competência

As hipóteses de cabimento de agravo de instrumento são taxativas, o que não impede a interpretação extensiva de algumas daquelas hipóteses. A decisão que rejeita a convenção de arbitragem é uma decisão sobre competência, não sendo razoável afastar qualquer decisão sobre competência do rol de decisões agraváveis, pois são hipóteses semelhantes, que se aproximam, devendo receber a devida graduação e submeter-se ao mesmo tratamento normativo. Pela mesma razão, é preciso interpretar o inc. III do art. 1.015 do CPC/2015 para abranger as decisões interlocutórias que versam sobre competência”.

Filiam-se a esse entendimento TERESA ARRUDA ALVIM[2]:

“no entanto, apesar de se tratar de enumeração taxativa, nada impede que se dê interpretação extensiva aos incisos do art. 1015. Por isso, é que, muito provavelmente, as exigências do dia a dia farão com que surjam outras hipóteses de cabimento de agravo, que não estão previstas expressamente no art. 1015, mas podem-se considerar abrangidas pela via da interpretação extensiva. Um bom exemplo é o dado por Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha: se a decisão que rejeita a convenção de arbitragem é recorrível de agravo (art. 1015, III), também deve ser agravável a que dispõe sobre a competência (relativa ou absoluta), pois são situações muito semelhantes“;

e MISAEL MONTENEGRO FILHO[3]:

“a interposição do recurso de agravo de instrumento é possível em algumas situações não pensadas pelo legislador infraconstitucional, como para combater a decisão do magistrado que reconhece a sua incompetência para processar e julgar a causa

A interpretação extensiva do art. 1.015, inc. III, do CPC/2015 já foi amplamente adotada pelo eg. SUPERIOR TRIBUNA DE JUSTIÇA e pelo c. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS:

STJ

(…) 5. Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do CPC/2015, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda.

(STJ – REsp 1679909/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018) (Grifos meus).

TJMG

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – COMPETÊNCIA DECLINADA DE OFÍCIO PARA O FORO ELEITO PELAS PARTES – PREJUÍZO A ESCOLHA DO CONSUMIDOR – IMPOSSIBILIDADE – RELAÇÃO DE CONSUMO – FACULDADE DO CONSUMIDOR. 1.Considerando que a convenção de arbitragem prevista no inciso III do art.1.015 do CPC está ligada estritamente a matéria de competência, cabível a interposição do recurso de agravo de instrumento que trata da mesma ‘ratio’, ou seja, que tenha conteúdo acerca da definição de competência. (…).

(TJMG –  Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.18.005016-3/001, Relator(a): Des.(a) Shirley Fenzi Bertão , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/08/2018, publicação da súmula em 08/08/2018)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. REJEIÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DPVAT. COMPETÊNCIA RELATIVA. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. ESCOLHA DO FORO. DIREITO AUTOR. SÚMULA 540 DO STJ. RECURSO PROVIDO. 1. No julgamento do RESP 1679909/RS, o STJ entendeu que não obstante as decisões interlocutórias de declínio de competência não constarem expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/15, por interpretação analógica ou extensiva do disposto no inciso III referido artigo, estas continuam desafiando o recurso de agravo de instrumento.

(TJMG –  Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.18.005539-4/001, Relator(a): Des.(a) Marcos Lincoln , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/04/2018, publicação da súmula em 22/06/2018)

Assim, mostra-se que doutrina e jurisprudência traçaram o mesmo caminho para solucionar a omissão do legislador, admitindo o Agravo de Instrumento como recurso próprio contra decisões de modificação de competência.

ATUALIZAÇÃO – 10.12.2018

Em 05.12.2018, a Corte Especial do STJ confirmou a MITIGAÇÃO do rol de matérias do Agravo de Instrumento, previsto no art. 1.015 do CPC/2015.

O julgamento dos dois recursos repetitivos que representavam a controvérsia (REsp 1.696.396 e REsp 1.704.520) se deu por maioria de votos (7 x 5).

A tese vencedora foi relatada pela Ministra Nancy Andrighi, nos seguintes termos:

“O rol do artigo 1.015 do CPC/15 é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.”

Nos votos vencidos, argumentou-se a subjetividade do conceito de “urgência”, a criação de obrigatoriedade de recorrer sob risco de preclusão e a impossibilidade de o Poder Judiciário rediscutir os critérios de cabimento do recurso se o legislador pretendeu restringir.

Referências:

[1] DIDIER Jr, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. v.3. Salvador: JusPodium, 2016. p. 216.

[2] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1614.

[3] MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Atlas, 1ª edição, p. 930.

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