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MEDIAÇÃO FAMILIAR NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

MEDIAÇÃO FAMILIAR NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Águida Arruda Barbosa

Eu não recearia muito as más leis se elas fossem aplicadas por bons juízes.   

Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação.

A lei é morta. O magistrado vivo.

É uma grande vantagem que ele tem sobre ela.” (Anatole France)

SUMÁRIO: Introdução. I – Mediação e Lei. II – Recortar a Foto para Caber na Moldura?. III – Diferença entre Mediação e Conciliação. IV – Otimizando a Mediação Familiar Prevista no NCPC. Conclusão. Referências.

                      

Introdução  

O instituto da mediação acaba de receber o almejado enquadre legal, em decorrência de sua previsão no Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, portador de grandes mudanças com reflexos em muitos ramos do Direito.

O NCPC, que passa a viger após um ano de sua publicação, contextualiza o movimento irreversível em prol do desenvolvimento de meios de acesso à justiça pelo uso de alternativas na abordagem do conflito, seja preventivamente, para evitar que chegue ao Judiciário, seja na maneira de conduzir as demandas judiciais, criando mecanismos adequados para a chamada solução de conflitos [1].

A recepção do instituto pela lei adjetiva comporta uma análise crítica, avaliando se esta norma representa um ganho ou um retrocesso para o acolhimento da mediação pelo ordenamento jurídico pátrio.

Para que se possa avaliar, efetivamente, a dimensão desta positivação da mediação, é preciso recuperar a trajetória dos movimentos legislativos que precedem o momento atual, identificando as diferentes tendências teóricas adotadas para conceituar a mediação, ou mesmo a ausência de uma fundamentação teórica necessária para o processo de interpretação dos dispositivos legais que referem o instituto.

Enfim, a indagação que paira no ar é a de saber se a vontade do legislador é aprimorar a distribuição de justiça ou dar à mediação um lugar que não lhe pertence de desafogar o Judiciário. Porém, o que se pode afirmar é que a mediação é capaz de promover o interesse de contemplar a necessidade do exercício da prática de acesso à ordem justa orientada por novos paradigmas.

Há mais de duas décadas teve início o renascimento da mediação, recuperando esta prática tão prestigiada junto aos povos orientais, porém jamais vislumbrada, antes, no ocidente, visto que distante de uma tendência tecnicista, que enquadra o litígio em fórmulas preestabelecidas, valorando a lei como máxima de justiça, outorgando ao juiz o papel de bouche de la loi.

Porém, a partir da década de 1960, no pós-guerra, com a mudança da escala axiomática de proteção dos direitos do homem, o ocidente foi forçado a acolher meios de acesso à justiça orientado pela principiologa constitucional adequada para uma compreensão do humano em sua essência, a partir do princípio da proteção da dignidade da pessoa humana.

Assim, a indagação à espera de resposta é esta de saber se a positivação da mediação pelo Novo Código de Processo Civil presta-se à proteção total da individualidade humana ou tem por escopo tão somente o propósito desesperado do Judiciário de reduzir a demanda.

A resposta sistêmica a esta indagação depende do conceito de mediação a ser adotado, para trazer luz à interpretação da norma contida na novel codificação. A história do desenvolvimento do instituto dá o norte para a elaboração doutrinária capaz de possibilitar a interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos de lei processual que regulamentam a mediação.

I – Mediação e Lei  

A França foi pioneira em acolher o instituto da mediação, a partir de cuidadosa positivação por meio de reforma do Código de Processo Civil, regulamentando a conciliação e a mediação judiciária, por meio da Lei nº 95.125, de 8 de fevereiro de 1995, relativa à organização das jurisdições e ao processo civil, penal e administrativo.

Para que se possa avaliar a importância da mediação e seu dimensionamento na Europa, cabe referir a recomendação do Conselho Europeu aos Estados-membros a respeito da mediação familiar (n. R [98.1], adotado pelo Comitê dos Ministros em 21 de janeiro de 1998):

As pesquisas realizadas na Europa, na América do Norte, na Austrália e na Nova Zelândia sugerem que a mediação familiar é mais adequada que os mecanismos jurídicos mais rígidos na regulação dos problemas sensíveis e emocionais que envolvem os conflitos familiares, e ela oferece uma abordagem mais construtiva (…). A conclusão de acordos contribui de maneira determinante para a manutenção de relações de colaboração entre os pais que se divorciam: a mediação reduz os conflitos e favorece a persistência dos contatos entre os filhos e seus dois genitores. Reduzir os conflitos e melhorar a comunicação resulta em benefícios significativos que reduzem os custos sociais e psicológicos e se refletem em um maior bem-estar conquistado, na saúde física e mental, no trabalho e nos resultados escolares.” [2]

O impulso legislativo, na França, assim como a recomendação do Conselho Europeu serviu de instrumento de reconhecimento do instituto pela comunidade jurídica. A partir desta iniciativa houve reconhecimento da mediação como instituto jurídico, criando um espaço para que os teóricos desenvolvessem os fundamentos da mediação como instrumento de eficácia plena nos procedimentos judiciais, legitimando a recomendação desta prática, principalmente para conflitos oriundos de relações continuadas, a exemplo dos conflitos familiares, de Direito das Sucessões e de vizinhança.

Aproveitando a bem-sucedida experiência francesa, um grupo de estudos da mediação, desenvolvido a partir de 2005, junto ao Instituto de Estudos Interdisciplinares de Direito de Família – IBEIDF [3], teve a iniciativa de elaborar um projeto de lei da mediação confiado à Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro. O PL nº 4.827/98 visava, tão somente, ao reconhecimento legal da atividade da mediação, contendo apenas sete artigos, contendo o conceito da prática e definindo o papel do mediador e o objeto desta atividade.

O PL em comento sofreu inúmeras alterações durante o processo legislativo, perdendo completamente o foco inicial, cuja inspiração veio da experiência francesa, chegando a 45 artigos sem conexão entre eles. A longa tramitação do projeto de lei não comporta, aqui, maiores comentários, visto que nunca saiu da condição de lei projetada, hoje completamente superado pela lei adjetiva aprovada.

O objetivo de mencionar a inspiração do primeiro ensaio brasileiro de legislar acerca da mediação é de acentuar que teve como modelo a lei processual, portanto, o acolhimento do instituto pelo NCPC confirma a importância da via procedimental, visto que desnecessária a norma de Direito material para regular a implantação desta prática social, indispensável para o acesso à justiça.

O art. 165, § 3º, do NCPC tem um texto bem cuidado e merece destaque para o entendimento da natureza jurídica da mediação:

O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.”

Mencionado dispositivo contém muito da trajetória dos ensaios legislativos, de diferentes origens, durante quase duas décadas, cujas críticas construíram um entendimento que prestigia a mediação como comunicação e busca de compreensão do conflito, além de introduzir a ideia de que tem por objeto que os mediandos despertem a autonomia para o encontro criativo de alternativas que antes não vislumbravam.

Com o propósito de aperfeiçoar o dispositivo, cabe uma crítica para acentuar que a atividade da mediação não pressupõe soluções consensuais, como consta do texto, por ser este o objeto da conciliação, como será exposto na abordagem da diferença entre os dois institutos. Conciliação é consenso, ou seja, vence a maioria, o que não ocorre na mediação, pois o resultado da comunicação leva à criação de uma nova possibilidade, da qual ambos são autores e responsáveis.

Outro aspecto relevante é que a hipótese de conciliação está descrita no § 2º do mesmo artigo, mantendo, desde logo, uma distinção entre os respectivos conceitos – mediação e conciliação -, o que representa um ganho essencial para a prática de cada instituto, em sua especificidade.

Em síntese, as hipóteses de mediação e conciliação previstas nos arts. 165 a 175 estão adequadamente articuladas, correspondendo ao que se espera da natureza procedimental das normas em exame. Com o reconhecimento do instituto pelo instrumento legal adjetivo, o conceito será alargado em construção doutrinária, a partir da prática social descrita nos mencionados artigos. O texto legal poderá ser aprimorado, pelo uso adequado do mandamento, interpretando os artigos com embasamento teórico que dará sustentação ao método, aprimorando este valioso meio de distribuição de justiça.

II – Recortar a Foto para Caber na Moldura?            

Há algumas décadas observam-se movimentos em busca de meios de desafogar o Judiciário. Pode-se afirmar que estas iniciativas culminaram com esta escolha de se elaborar um Novo Código de Processo Civil, visando à atualização de respostas à demanda cada vez mais crescente, seja pela complexidade das relações na contemporaneidade, seja em decorrência da cultura do litígio que prevalece entre os brasileiros.

Porém, é preciso reconhecer que há uma expectativa equivocada de que a mediação será um instrumento capaz de desafogar o Judiciário. Observa-se que muitas iniciativas em prol da reforma do Judiciário foram de natureza emergencial e não sistêmicas, portanto, não houve reflexão sobre as causas que desencadearam o status quo. Uma imagem traduz esta reflexão: “recortar a foto para caber na moldura“. E o que fazer com as sobras das fotos? Seriam elas sementes multiplicadoras de uma litigiosidade incontida que retornará ao Judiciário, realimentando o crescimento incessante de novas lides?

É preciso parar de recortar a foto para caber na moldura. A novel legislação processual impõe uma mudança sistêmica, com uma escala axiomática condizente, com uma abordagem mais profunda das causas da litigância desenfreada, a partir das causas que deram origem ao status quo, impondo uma mudança de mentalidade.

Enfim, em lugar de cortar a foto para caber na moldura, por que não pensar em construir uma moldura do tamanho da foto? O NCPC pode ser interpretado como esta nova moldura, em matéria de mediação familiar?

Para cotejar a diferença existente entre mera reforma e profunda mudança do Judiciário, cabe uma reflexão acerca de matéria veiculada sob o título de Partir do Zero [4], na qual o professor de Filosofia do Direito, hoje presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, traça os caminhos para pôr fim a esta distância insustentável entre a justiça e o cidadão:

Judiciário trabalha de forma empírica, sufocado pelo acúmulo de serviço e perplexo diante das adversidades postas como empecilho ao cumprimento de sua missão constitucional. O segredo é investir em eficiência, em multiplicar a capacitação produtiva, em reciclar, em recrutar melhor. Outros países têm apostado na necessidade de uma formação integral e contínua para seus juízes. O juiz não vocacionado é uma fonte autônoma de injustiças. O trabalho judicial angustia e somente pessoas equilibradas e devidamente preparadas conseguem se desvencilhar dele sem multiplicar os conflitos ou comprometer a própria higidez mental.

Enfim, é a partir da compreensão desta sutil diferença entre reforma e mudança do Judiciário que se poderá aprimorar a prestação jurisdicional de modo eficaz, e, em relação à matéria específica deste enfoque, qual seja a mediação familiar, impõe-se distinguir e conceituar conciliação e mediação.

                                   

III – Diferença entre Mediação e Conciliação            

Mediação e conciliação são equivalentes jurisdicionais, sendo que ambos os institutos têm conceitos distintos, porém, os termos são frequentemente empregados como sinônimos, apequenando a importância de cada prática.

A conciliação é um equivalente jurisdicional de alta tradição no Direito brasileiro, que pode ser definida como uma reorganização lógica, no tocante aos direitos que cada parte acredita ter, polarizando-os, eliminando os pontos incontroversos, para delimitar o conflito, e, com técnicas adequadas, em que o conciliador visa corrigir as percepções recíprocas, aproxima as partes em um espaço concreto [5].

Nesta atividade, o conciliador intervém com sugestões, alerta sobre as possibilidades de perdas recíprocas das partes, sempre conduzidas pelo jargão popular sistematizado pela expressão “melhor um mau acordo que uma boa demanda“. Em suma, submetidas à conciliação, as partes admitem perder menos num acordo, pois, num suposto sentenciamento desfavorável, prevalecerá a relação ganhador-perdedor. Trata-se de consenso, portanto, não há inovação e criatividade em decorrência da adequada comunicação entre os protagonistas.

Na conciliação há a negação do conflito, pois o objetivo a que se propõem as partes é a celebração do acordo como uma forma de liberação daquele constrangimento oriundo da litigiosidade, e, para tanto, assumem compromisso mútuo, resultando em um consenso, orientado pelo princípio da autonomia da vontade dos litigantes. O que caracteriza este equivalente jurisdicional é a celebração de acordo.

A mediação tem linguagem própria, que representa o avesso da linguagem da conciliação, impondo-se estabelecer uma exata discriminação para alcançar a compreensão do conceito destas importantes alternativas de acesso à justiça.

Desde logo, impõe-se refletir sobre o adequado uso do termo alternativo, que vem a ser uma opção entre duas ou mais escolhas, afastando, assim, um modismo atual de se qualificar alternativo o conhecimento advindo de práticas que não correspondem ao rigor do método científico, como ocorre no campo da medicina, com tantas terapias propostas para tratamentos de doenças físicas e distúrbios psíquicos.

Portanto, a mediação constitui um dos meios de escolha disponíveis ao cidadão para que acesse a justiça – uma ordem justa -, ao lado de outros meios da mesma escala valorativa, tais como a jurisdição estatal, a conciliação e a arbitragem, regulada por lei própria, com conceito bem construído pela doutrina. Enfim, são conceitos que não podem se confundir, pois dispõem de lógicas próprias.

A mediação, examinada sob a ótica da teoria da comunicação, é um método fundamentado, teórica e tecnicamente, por meio do qual uma terceira pessoa, imparcial e especialmente formada para a atividade, ensina os mediandos a despertarem seus recursos pessoais para que consigam transformar o conflito. Essa transformação constitui oportunidade de construção de alternativas para o enfrentamento ou a prevenção de conflitos.

O mediador não decide pelos mediandos, já que a essência dessa dinâmica é permitir que as partes envolvidas em conflito ou impasse fortaleçam-se, resgatando a responsabilidade por suas próprias escolhas.

A mediação não visa ao acordo – como ocorre na conciliação -, não podendo ser medida do sucesso ao acesso à justiça. Trata-se de uma atividade também de natureza preventiva, portanto seu enfoque é o espaço que se localiza antes do conflito. Outro aspecto a ser exaltado na mediação é que a comunicação entre os mediandos pode produzir os mais variados efeitos, inclusive a recuperação da capacidade de se responsabilizar pelas próprias escolhas, dando outro significado à relação, com a transformação do conflito.

Na mediação o elemento fundamental é a responsabilidade dos protagonistas. É natural que os sujeitos de uma relação conflituosa regulem suas diferenças diretamente, promovendo novas formas de comunicação, corrigindo omissões, etc. Só recorrem ao Judiciário os que foram incapazes de regular diretamente suas diferenças, ou, mais raramente, por se tratar de questão de alta indagação jurídica a depender de interpretação do Judiciário.

As questões de Direito de Família, seguramente, são as mais frequentes nas lides forenses e, pela natureza do litígio, são as que mais têm possibilidade de retornar ao Judiciário, se tratadas sem a devida importância, em sua essência. Nestes conflitos, deve-se dar preferência à mediação, pois, na conciliação, é o mesmo que recortar a foto para caber no porta-retratos. Ou outra expressão popular, jogar a sujeira debaixo do tapete. Portanto, a discriminação criteriosa entre ambos os institutos – mediação e conciliação – permite que a prática da mediação seja empregada de modo adequado para garantir os alvissareiros resultados, qual seja a comunicação entre os sujeitos do conflito.

As medidas que visam tão somente desafogar o Judiciário, por meio da celebração de acordos que parecem pôr fim ao litígio, não se prestam nem para o esmero da prestação jurisdicional, nem para alterar a lastimável condição do excesso de processos. Como não há controle do retorno destes litígios terminados em acordos, revestidos de outra roupagem para o Judiciário, há uma ilusão de eficácia da conciliação em matéria de conflitos familiares. Cedo ou tarde a sujeira escondida debaixo do tapete volta com toda força!

IV – Otimizando a Mediação Familiar Prevista no NCPC   

A regulação da mediação pelo NCPC, num primeiro plano, representa a conquista do movimento em prol do estudo e da pesquisa deste conhecimento que se presta ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Representa, também, um passo para a reforma do Judiciário, norteada por uma mudança de mentalidade e de valores.

Porém, para que os dispositivos que regulam a mediação sejam um instrumento eficaz para o enfrentamento do conflito, principalmente em relação às relações oriundas do Direito de Família, é preciso promover uma formação mais ampla dos operadores do Direito, incluindo a disciplina mediação no curso de graduação em Direito, além de se oferecer formação especializada em mediação, com cursos regulares, para ampliar a competência mediadora.

A mediação familiar é um estudo de natureza interdisciplinar, cuja prática no trato dos conflitos familiares constrói uma mentalidade capaz de mudar o Judiciário, liberando-o para a sua efetiva função de julgar as questões de alta complexidade técnica, como expressam as ideias progressistas da juíza francesa Danièle Ganancia [6]:

a natureza dos conflitos de família, ‘antes de ser jurídica, é essencialmente afetiva, psicológica, relacional, envolvendo sofrimento. Assim, os juízes questionam-se sobre o efetivo papel que desempenham nesses conflitos, conscientizando-se dos limites do Judiciário. Daí a insatisfação e o ressentimento dos jurisdicionados, que acreditam na magia do julgamento, como remédio a todos os seus sofrimentos: seu reflexo primeiro, em caso de conflito, é de agarrar-se ao juiz, ‘deus ex machina’, ‘superpai’, que vai lhes ditar suas soluções; sem compreender que nenhuma decisão da justiça poderá solucionar de forma duradoura seu conflito nem substituí-los em suas responsabilidades parentais’.”

Valendo-se da mediação como espírito investigativo da compreensão do sofrimento humano nos conflitos de família, em médio e longo prazo revela-se um extraordinário alcance de valor pedagógico, já que a consciência construtiva do conflito será disseminada para as gerações futuras das famílias formadas pelas crianças bem assistidas de hoje, na ruptura do casal conjugal de seus pais.

A mediação apresenta-se como um conhecimento criativo, capaz de promover a humanização do Direito de Família, porém, os aplicadores deste Direito precisam ter preparo científico de natureza interdisciplinar para conhecer a tutela que o Direito oferece às pessoas envolvidas em conflito familiar, reconhecendo a complexidade da tarefa e a responsabilidade humana que assumem perante os jurisdicionados, a sociedade e a ciência jurídica.

Para otimizar a norma inserida no NCPC, é preciso haver um investimento teoricamente responsável na formação dos mediadores, em busca de uma universalidade, daí a natureza interdisciplinar da mediação familiar, exigindo um conteúdo programático capaz de estruturar o modo pensar-sentir-querer para que o mediador desenvolva a imparcialidade e a capacidade de escuta qualificada [7].

Para acentuar a natureza desta formação universal do mediador familiar, vale realçar o conceito de interdisciplinaridade adotado por Lídia Almeida Prado:

a interdisciplinaridade amplia a potencialidade do conhecimento humano, pela articulação entre as disciplinas e o estabelecimento de um diálogo entre os mesmos, visando à construção de uma conduta epistemológica. (…) A interdisciplinaridade é considerada como a mais recente tendência da teoria do conhecimento, decorrência obrigatória da modernidade, por se tratar de um saber oriundo da predisposição para um ‘encontro’ entre diferentes pontos de vista (diferentes consciências), o que pode levar, criativamente, à transformação da realidade.” [8]

                        

Conclusão  

Em síntese, é preciso ter a coragem de construir uma moldura adequada para a foto, adaptando o Direito à efetiva demanda do humano que chega ao terceiro milênio, em grau de evolução que não admite mais ver sua foto recortada para caber numa moldura.

A novel codificação adjetiva é portadora de importante renovação, no que tange à disposição de admitir outros meios de acesso à justiça, recepcionando o instituto da mediação, ao lado e distinto da conciliação.

Sem aprofundar-se na análise dos dispositivos insertos nos arts. 165/175, visto que os comentários nada trariam à elucidação da prática da mediação familiar, é preciso exaltar a importância de se ter o acolhimento do conceito de mediação, passando a integrar definitivamente o ordenamento jurídico pátrio.

No pensamento de Anatole France, em epígrafe, a lei é morta e o juiz é vivo, daí a necessidade de se dar vida à letra da lei, a partir de ampla interpretação, de natureza sistemática, histórica e teleológica, para que a prática social a que se destina a mediação conquiste um lugar na cultura jurídica brasileira.

A maior contribuição trazida pelo NCPC, em relação à mediação, está no fato de impor ao profissional de Direito que se debruce sobre este conhecimento organizado, reconhecendo-o como importante instrumento de distribuição de justiça.

Até agora os juízes indicavam a mediação apenas como meio de desafogar a pauta, delegando o setor de conciliação/mediação como uma instância menor que a jurisdição do Estado. No entanto, inserto na lei processual, juízes, advogados e promotores de justiça têm o dever de fundamentar o encaminhamento, assim como o respeito ao resultado da mediação, regida pelos princípios descritos no art. 166 do NCPC. Este é o ganho maior que a mediação recebe, qual seja que se trata de um conhecimento nobre, que depende de uma formação teórica responsável.

Agora resta dar vida à lei morta.

Referências            

ALMEIDA PRADO, Lídia. O juiz e a emoção. São Paulo: Milenium, 2003.

BARBOSA, Águida Arruda. Formação do mediador familiar interdisciplinar. Família: entre o público e o privado. Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM/Lex Magister, 2012.

______. Mediação familiar: instrumento para a reforma do Judiciário. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, IBDFAM/OAB/MG.

GANANCIA, Danièle. Justiça e mediação familiar: uma parceria a serviço da co-parentalidade. Trad. Águida Arruda Barbosa, Giselle Groeninga e Eliana Nazareth. Revista dos Advogados – AASP, São Paulo, n. 62, mar. 2001.

GUILLAUME-HOFNUNG, Michèle. La mediation. França: PUF, 1995.

NALINI, José Renato. Partir do zero. O Estado de São Paulo, edição de 03.01.03, caderno A2.

[1] O termo “solução de conflitos” será abordado no trato do conceito de mediação.

[2] GUILLAUME-HOFNUNG, Michèle. La médiation. França: PUF, 1995. p. 96.

[3] O IBEIDF foi extinto em 1997 quando se fundiu com o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, inspirado na experiência paulista.

[4] NALINI, José Renato. Partir do zero. O Estado de São Paulo, edição de 03.01.03, caderno A2.

[5] BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar: instrumento para a reforma do Judiciário. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, IBDFAM/OAB/MG, p. 29/39.

[6] GANANCIA, Danièle. Justiça e mediação familiar: uma parceria a serviço da co-parentalidade. Trad. Águida Arruda Barbosa, Giselle Groeninga e Eliana Nazareth. Revista dos Advogados – AASP, São Paulo, n. 62, mar. 2001, p. 07/15.

[7] BARBOSA, Águida Arruda. Formação do mediador familiar interdisciplinar. Família: entre o público e o privado. Anais do VIII Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM/Lex Magister, 2012, p. 11/25.

[8] ALMEIDA PRADO, Lídia. O juiz e a emoção. São Paulo: Milenium, 2003. p. 3.