MARCO INICIAL PARA AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO SANEADORA DEFINE STJ
Maria Helena Bragaglia
Rafaella Almeida
A 3ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu, por maioria, que o pedido de esclarecimentos ou ajustes feitos no prazo legal de cinco dias após a decisão saneadora interrompe o prazo para interposição de agravo de instrumento. A definição foi firmada no julgamento do REsp 2.159.882/PR, com o retorno do voto-vista da ministra Nancy Andrighi, que reforçou a importância da cooperação processual e da segurança jurídica.
O entendimento adotado no caso se insere em um cenário mais amplo de transformação do processo civil brasileiro, considerando as significativas mudanças introduzidas com a entrada em vigor do Código de Processo Civil em 2015. Uma das principais inovações foi o fortalecimento do princípio da cooperação, que exige atuação dialógica e colaborativa entre juiz e partes.
Nesse contexto, a decisão de saneamento, prevista no artigo 357 do CPC, passou a ocupar um papel central, sendo o momento em que se delimitam os pontos controvertidos, definem-se as provas necessárias e se organiza a fase instrutória. O §1º do artigo 357 estabelece que, após o saneamento, as partes têm o direito de solicitar esclarecimentos ou ajustes no prazo comum de cinco dias, findo o qual a decisão se torna estável. Esse dispositivo não é mero detalhe procedimental, mas expressão direta dos princípios da cooperação e do contraditório que regem o processo.
Parte da doutrina reconhece que a decisão saneadora possui natureza de ato complexo. Como destaca Carolina Uzeda, “até que seja ultrapassado o prazo de cinco dias para as partes realizarem seus pedidos de ajustes e esclarecimentos, não há o que se falar em decisão saneadora estável, apta a produzir preclusão e a gerar prazos recursais”[1]. Esse entendimento encontra respaldo na jurisprudência, como no REsp 1.703.571/DF, em que a 4ª Turma do STJ definiu que o prazo para agravo de instrumento somente se inicia após a estabilização da decisão.
Equilíbrio de eficiência sem comprometer direitos
Por outro lado, autores como Flávio Luiz Yarshell alertam para a necessidade de distinguir pedidos de ajustes voltados à cooperação daqueles que configuram verdadeira impugnação[2]. Nesses casos, sustenta-se que a parte deve interpor agravo de instrumento, especialmente quando a decisão trata da distribuição do ônus da prova, em vez de pedir esclarecimentos. A tensão entre essas posições revela o desafio de equilibrar cooperação e eficiência, sem comprometer os direitos das partes envolvidas.
Nesse sentido, o STJ, em decisão por maioria da 3ª Turma, no julgamento do REsp 2.159.882/PR, dirimiu relevante controvérsia acerca da temática: quando se inicia a contagem do prazo para interposição de agravo de instrumento contra a decisão saneadora?
O voto vencedor do caso foi proferido pela ministra Nancy Andrighi, que, ao dar provimento ao recurso, optou por uma interpretação que reforça a cooperação processual e a segurança das partes, garantindo que o prazo recursal se inicie somente após a estabilização da decisão saneadora.
Por outro lado, o relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, proferiu voto (vencido) no sentido de negar provimento ao recurso especial, entendendo que se a parte utiliza o pedido de esclarecimentos e de ajustes com propósito nitidamente infringente, a formalização desse requerimento não terá o condão de suspender ou interromper o início do prazo do recurso adequado, que é o agravo de instrumento.
Análise do acórdão
No caso em questão, os recorrentes insurgiram-se contra decisão saneadora que indeferira a inversão do ônus da prova e a produção de prova testemunhal. Apresentaram, então, pedido de ajustes no prazo legal, o qual foi indeferido pelo juízo de origem sob o fundamento de que se tratava de “pretensão de reforma”. O Tribunal de Justiça do Paraná, ao não conhecer do agravo de instrumento interposto, entendeu que o prazo recursal havia corrido desde a primeira decisão saneadora, considerando intempestivo o recurso.
O voto vencido, proferido pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, mantendo a interpretação do Tribunal a quo, sustentou que o pedido de ajustes, quando revestido de caráter impugnativo, assemelhando-se a um pedido de reconsideração, não tem o condão de interromper ou suspender o prazo recursal, configurando verdadeiro erro grosseiro. Fundamentou-se na jurisprudência consolidada do STJ no sentido de que pedidos manifestamente incabíveis não interrompem prazos, inclusive em situações análogas de pedidos de reconsideração.
Divergindo, Andrighi defendeu que a lei não prevê distinção quanto ao conteúdo do pedido de esclarecimentos. Para a ministra, o prazo recursal apenas se inicia após a estabilização da decisão, seja com o julgamento do pedido, seja com o decurso do prazo legal de cinco dias. Criar uma exceção com base em suposta “intenção de reforma” significaria subtrair eficácia do artigo 357, §1º, do CPC, enfraquecendo a cooperação processual e comprometendo a segurança jurídica. O voto da ministra foi acompanhado pelos ministros Moura Ribeiro e Daniela Teixeira, sendo a tese vencedora por maioria.
O cerne da discussão, e do entendimento adotado pela ministra Nancy, reforça que deve haver uma segurança objetiva na contagem de prazos, afastando a incerteza sobre quando se inicia o prazo para o agravo de instrumento. O advogado, ao apresentar pedido de ajustes, não deve correr o risco de ter seu recurso declarado intempestivo, caso o juiz entenda que seu requerimento tinha caráter reformador, isso porque, não é possível que a parte anteveja, com segurança, se o juiz ou o tribunal interpretará seu pedido de esclarecimentos ou ajustes como uma pretensão de reforma, especialmente diante da natureza subjetiva dessa análise e da ausência de critérios legais objetivos que permitam distinguir claramente entre as duas situações.
Nas palavras da ministra Nancy:
“Há uma regra clara descrita no art. 357, § 1º, do CPC que assegura à parte o direito de pedir esclarecimentos ou ajustes. É evidente que nem sempre a parte terá razão e que o juiz poderá indeferir o pedido. Todavia, o dispositivo legal em nenhum momento impõe alguma condição para a interrupção de prazo recursal. Na realidade, não se trata propriamente de hipótese de interrupção ou suspensão do prazo recursal, porque este nem sequer havia começado. Isso porque, segundo o referido dispositivo, a decisão de saneamento somente se torna estável após os pedidos de esclarecimentos ou ajustes ou após o transcurso do prazo de 5 dias sem esse requerimento.”
Ainda que o voto do ministro Cueva traga preocupações legítimas quanto ao uso indevido dos pedidos de ajustes, tais riscos devem ser enfrentados por meios adequados e previstos em lei, sem comprometer garantias processuais fundamentais. O sistema possui outros mecanismos para coibir condutas abusivas, como a litigância de má-fé (artigo 80 do CPC), não sendo adequado restringir direitos processuais a partir de interpretações restritivas não previstas em lei.
Ao estabelecer que o prazo para interposição de agravo de instrumento se inicia apenas após a estabilização da decisão saneadora, o STJ reforça a previsibilidade e protege o exercício pleno da ampla defesa.
Com o julgamento do recurso, firmou-se a seguinte tese: “O termo inicial para interposição do agravo de instrumento, na hipótese do pedido previsto no art. 357, § 1º, do CPC, somente se inicia depois de estabilizada a decisão de saneamento, o que ocorre após publicada a deliberação do juiz sobre os esclarecimentos ou ajustes ou, não havendo requerimento, com o transcurso do prazo de 5 dias“.
[1] Revista de Processo, nº 289, 2019, p. 176
[2] YARSHELL, Flávio Luiz. Comentários ao Código de Processo Civil: (artigos 334 ao 368), 3ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 321
