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LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL [1]

Carlos Henrique Soares

SUMÁRIO: Introdução; I – Elementos caracterizadores do abuso do direito; II – Abuso do direito processual; III – Responsabilidade processual por litigância de má-fé; IV – Técnica de repressão ao abuso de direito processual (litigância de má-fé); Conclusão; Referências.

  

INTRODUÇÃO

As reflexões sobre a técnica de repressão ao abuso do direito processual apresentadas no presente texto serão feitas levando em consideração a técnica processual moderna, qual seja aquela que “importa na superação do critério de aplicação da justiça do tipo salomônico, inspirada apenas na sabedoria, no equilíbrio e nas qualidades individuais do julgador, ou na sensibilidade extremada do juiz […][2]. Isso significa que buscaremos estabelecer parâmetros processuais, mediante uma técnica processual, que possibilite uma qualidade nas decisões e uma repressão ao abuso processual, mesmo não estando diante de um juiz que concentre os melhores dotes intelectuais.

A expressão abuso de direito é atualmente considerada pelos juristas como sendo o mau uso ou uso excessivo ou extraordinário do direito. Isso significa que a expressão abuso do direito nos remete à ideia de que alguém está exercendo um ato ilícito em razão de um excesso. Assim, a expressão, de forma isolada, quer informar ao intérprete que o justo é exercer o direito, nem mais (abuso), nem menos (aquém).

Etimologicamente, a expressão em latim abusos e abuti não possuíam a ideia de mau uso, mas significava um uso intenso, um aproveitamento completo da coisa ou do direito [3]. Falar em abuso de direito, etimologicamente, significa o uso completo do direito, em todas as suas formas e modalidades. Ou seja, o uso intenso do direito. Isso não sofria punição e nem era considerado ilegal.

Em termos atuais, a expressão abuso do direito obteve nova conotação, significando o excesso dos limites do poder da faculdade (facultas agendi) que o direito objetivo (normas agendi) confere ao indivíduo, na qualidade de sujeito de direito (sui iuris) [4].

Segundo sustenta Helena Najjar Abdo, muitos doutrinadores enxergam na consagrada locução “abuso do direito” uma contradição intrínseca. De fato, a combinação não é das mais felizes, pois dá margem a variadas interpretações, tanto em razão da imprecisão técnica do termo abuso quanto da amplitude do termo direito. Todavia, quando se atenta para o fato de que o direito de que se abusa é evidentemente o direito subjetivo, a contradição tende a desaparecer: abusa-se do direito subjetivo, ou seja, da faculdade que a norma (direito objetivo) confere ao indivíduo (sujeito de direitos). [5]

No Direito brasileiro, a expressão abuso do direito já se encontra sedimentada e consagrada, querendo informar aquele que extrapola os limites de atuação do direito subjetivo, ou seja, o abuso da faculdade ou ao poder conferido ao indivíduo pela norma de direito positivo, a qual reconhece a prevalência de um interesse juridicamente protegido.

I – ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO ABUSO DO DIREITO

Colocada a questão sobre a utilização da expressão abuso de direito, verificamos a necessidade de indicar quais são os elementos que concorrem para a verificação da existência do abuso do direito.

São três os elementos que concorrem para a caracterização do abuso do direito, quais sejam: (a) a aparência de legalidade, (b) preexistência de um direito subjetivo e (c) o fato de o abuso do direito se referir ao exercício do direito e não ao direito em si[6]. O que fica em discussão, essencialmente, sobre o abuso do direito é justamente a questão do elemento subjetivo, qual seja o dolo ou a culpa para a sua verificação. Para quem defende a teoria subjetiva do abuso do direito, os elementos dolo ou culpa são indispensáveis, já para quem defende a teoria objetiva do abuso do direito, esses elementos subjetivos são desnecessários ou irrelevantes.

O atual Código Civil brasileiro, em seu art. 187, elegeu a opção pela teoria objetiva do abuso do direito. A sua redação é nesse sentido: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes“.

O art. 187 do Código Civil indica outro elemento para a caracterização do abuso do direito, qual seja aquele que age excedendo os limites impostos pela lei, no que tange aos fins econômicos e sociais, pela boa-fé e pelos bons costumes. Esse artigo, na verdade, é uma cláusula geral do direito civil.

A boa-fé também se encontra constitucionalmente prevista no Brasil, no inciso I do art. 3º, o qual prevê, expressamente, que a República Federativa do Brasil tem por objetivo “construir uma sociedade livre, justa e solidária“. Interpretando-se tal dispositivo constitucional, pode-se dizer que ele está “elevando a um grau máximo o dever de cooperação e lealdade no trato social[7].

O abuso de direito está relacionado diretamente com o combate à aparência de licitude. Isso significa que o caminho para aferir um ato abusivo é mais complexo, pois, em um primeiro momento, deve-se quebrar a falsa ideia de licitude que paira sobre o referido ato.

Pela leitura do referido art. 187 do Código Civil, verificamos que o Direito brasileiro estabelece critérios para a configuração do abuso do direito, quais sejam: (a) que o abuso do direito é um ato ilícito; (b) esse ato ilícito deve ser praticado pelo titular do direito subjetivo; (c) que tenham sido excedidos os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes; e (d) que tenha sido o ato ilícito abusivo manifesto.

Assim, verificando a ocorrência desses elementos anteriormente indicados, o agente (titular do direito subjetivo) causador ficará com a obrigação de indenizar, nos termos dos arts. 187 [8] e 927 [9] do Código Civil, lembrando que tal indenização deve ser medida pela extensão do dano, nos termos do art. 944 do Código Civil [10].

II – ABUSO DO DIREITO PROCESSUAL

O abuso do direito processual é uma variação do abuso de direito. As normas de direito material e as normas processuais possuem objetos diferentes. Enquanto as primeiras buscam estabelecer direitos e deveres para as pessoas, sujeitos de direitos, as normas processuais, no entendimento de Aroldo Plínio Gonçalves, é justamente aquela “que disciplina a jurisdição e seu instrumento de manifestação, o processo […][11].

Assim, levando em consideração os parâmetros para a fixação do abuso de direito, podemos estabelecer também parâmetros para a verificação do abuso de direito processual, bem como a melhor técnica para sua repressão.

O Código de Processo Civil brasileiro de 1939 já demonstrava a preocupação com o abuso do direito processual em suas linhas gerais. Conforme se verifica na análise conjunta dos arts. 3º e 63 desse Código (1939), o abuso era caracterizado pela verificação dos seguintes elementos: dolo, temeridade, fraude, emulação, capricho, erro grosseiro, violência, protelação da lide, falta do dever de dizer a verdade e o anormal uso do poder de disposição do processo [12].

Pelo que se verifica no CPC de 1939, constata-se a presença do elemento subjetivo, ou seja, a intenção do sujeito para a prática do ato processual abusivo. No entanto, tal necessidade do elemento subjetivo foi revogada pelo Código de Processo Civil de 1973, sugerindo critérios objetivos para a verificação do abuso do direito processual [13].

O Código de Processo Civil de 1973 aboliu a expressão abuso do direito processual e utilizou as expressões litigância de má-fé e responsabilidade processual. Assim, passou a disciplinar do mesmo modo do CPC anterior (1939) o caráter reprovável dos sujeitos processuais que abusam dos direitos processuais [14].

É importante lembrar que violar uma regra de direito processual não é abusivo per se. Isso significa que a violação de uma norma processual não significa o mau uso do direito processual e muito menos pode ser caracterizado como um ato abusivo. Ou seja, se o recorrente interpõe um recurso ao invés de outro, isso por si só não é um ato abusivo, mas somente um ato equivocado, um erro grosseiro, que não causa prejuízo à parte contrária e nem impede o regular andamento do processo. No entanto, um ato processual passa a ser abusivo quando o mesmo recurso é interposto não com o fim específico de alterar a decisão jurisdicional, mas simplesmente para retardar ou impedir a execução ou cumprimento da sentença, com manifesto propósito protelatório.

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias entende que o abuso do direito processual possui semelhanças com a fraude processual, mas com ela não se confunde. O abuso do direito distingue-se da fraude à lei, embora, se comparadas, certos traços semelhantes sejam percebidos. Há fraude com a realização, por meios lícitos, de fins que a lei não permite sejam atingidos diretamente, porque contrários ao seu preceito. No abuso de direito sobressai apenas irregularidade no exercício de direito, aí resultando dano ou constrangimento para terceiro. Enquanto a sanção, na hipótese de fraude, necessariamente será a nulidade do ato, no abuso do direito consistirá principalmente na obrigação de indenizar o prejuízo [15].

Pedro de Albuquerque sustenta que o abuso do direito e a litigância de má-fé não se confundem. Segundo ele, as principais diferenças estariam no fato de que o abuso do direito possui natureza objetiva e pressupõe a existência de dano, enquanto para a verificação da má-fé é imprescindível o elemento subjetivo, e a aferição de dano não é essencial [16]. Isso significa dizer que, no caso de litigância de má-fé, o importante é a verificação de uma conduta reprovável, do ponto de vista processual e da lealdade processual e da boa-fé, mas se houver ainda danos ou prejuízos, os mesmos devem ser indenizados. A litigância de má-fé permite a punição pelo Judiciário por meio de multa processual, mas em casos excepcionais, também a condenação em indenização por danos morais e materiais, nos termos do Código Civil (art. 927 do CC).

Abusa do direito processual o sujeito que aparentemente exerce o contraditório e a ampla defesa, mas busca com isso simplesmente causar prejuízos à dignidade da prestação jurisdicional e aos interesses da parte contrária no cumprimento das decisões jurisdicionais e das normas processuais, em flagrante deslealdade processual.

O dever de lealdade processual não deve ser levado em consideração, apenas entre as partes litigantes, mas, sobretudo, por todos os sujeitos processuais, incluindo os Juízes, membros do Ministério Público e terceiros, isso pode ser lido pelo art. 4º do CPC/2015.

Cândido Rangel Dinamarco afirma que o Código de Processo Civil brasileiro, que se mostra particularmente empenhado em cultuar a ética no processo, traz normas explícitas quanto aos limites da combatividade permitida e impõe sanções à deslealdade; o dever de manter comportamentos condizentes com os mandamentos éticos está sintetizado na fórmula ampla e genérica proceder com lealdade e boa-fé, […].[17]

As partes, assim, devem exercer o contraditório e a ampla defesa, mas não podem, em nome desse exercício, abusar em flagrante e manifesta intenção de protelar a prestação jurisdicional ou atrapalhar que as decisões sejam devidamente cumpridas e executadas.

Celso Hiroshi Iocohama explica que a expressão lealdade se confundirá com a boa-fé objetiva, pois que ser leal significa estar de acordo com determinados padrões de conduta que independem da concepção particular do sujeito. Isto quer dizer que ninguém é honesto somente porque acredita sê-lo. É preciso que tal concepção se projete na visão social e, diante dela, sejam observados os elementos existentes para o preenchimento do modelo padrão de honestidade/lealdade. Logo, a boa-fé subjetiva não pode ser confundida com a noção de lealdade, pois, se há importância para o estudo da primeira e sua conotação jurídica, a lealdade vista do ângulo exclusivo do sujeito para o qual é atrelada não tem qualquer relevância. [18]

Infelizmente, não coadunamos com Celso Hiroshi sobre o princípio da lealdade processual e boa-fé. Quando se procura por padrões de lealdade processual e boa-fé processual, devemos encontrar as respostas justamente com a observância do respeito às normas processuais e o procedimento, e com o seu devido desenvolvimento previsto em lei. Isso significa dizer que a lealdade processual e boa-fé processual são conceitos que devem estar intimamente ligados à observância do devido processo legal (constitucional) e nunca a questões de moralidade ou eticidade. Defender a lealdade processual e a boa-fé processual não tem o objetivo de proteger a parte inocente da parte faltante, mas o de proteger o processo e a dignidade da prestação jurisdicional.

O abuso do direito processual aparece no momento em que o sujeito processual age dissimuladamente; sob a aparência de um exercício regular de seu direito, o resultado que pretende é ilícito ou reprovável, uma vez que posterga a prestação jurisdicional, causando prejuízos inimagináveis à parte contrária e à dignidade do Judiciário e de sua atividade.

É bom ressaltar que, na violação de uma norma processual, a sanção será aquela prevista no próprio ordenamento jurídico processual. Isto significa que, se houver a interposição de uma defesa fora do prazo, verificamos a violação de uma norma processual, e tal violação acarreta a revelia do réu, com a presunção de verdade sobre os fatos narrados na petição inicial. No entanto, quando verificamos o abuso do direito processual, estamos diante de uma prática processual que se afasta de sua finalidade com o manifesto propósito de retardar a prestação jurisdicional e interferir no direito da parte contrária [19]. No ato processual abusivo não há qualquer direito sendo exercido, é somente um ato aparentemente lícito, mas com propósitos de causar prejuízos ao regular andamento processual e à prestação jurisdicional, bem como aos interesses da parte contrária. Assim, o agente abusador dos direitos processuais deve, a um só tempo, ser sancionado com pena pecuniária (multa), assim como reparar os danos causados à parte contrária, se assim ficar constatado o dano. É o que o Código de Processo Civil chama de responsabilidade processual por litigância de má-fé.

III – RESPONSABILIDADE PROCESSUAL POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

A responsabilidade processual por litigância de má-fé[20] se constitui no dever de reparar os danos causados a uma parte pela outra em razão de prática de atos processuais abusivos e que atrasam a prestação jurisdicional.

Verificada qualquer atitude dos sujeitos no sentido de evitar a atuação jurisdicional eficiente, efetiva e eficaz, poderá a parte faltante (litigante de má-fé) ser multada e responsabilizada civilmente, com a condenação em pagamento de indenização por sua conduta antijurídica.

O ato abusivo, no âmbito processual, é aquele que possui a aparência de normalidade e legalidade, mas o objetivo pretendido não é lícito se não causar prejuízo a outra parte ou ao andamento regular do procedimento e da dignidade da prestação jurisdicional. É o que chamamos de desvio de finalidade do ato processual. O abuso do direito processual, segundo estudos de Cordopatri, seria a violação do dever de lealdade e probidade, isto é, na distorção cometida pela parte ao empregar o instrumento processual ou ao praticar ato processual válido [21].

Segundo podemos verificar no Código de Processo Civil brasileiro (1973), seu art. 16 determina que responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente. Esse artigo estabelece o que a teoria da responsabilidade processual em razão da litigância de má-fé, ou seja, da possibilidade de determinar, pelo próprio juízo da demanda, a condenação da parte que litiga de má-fé, em pagamento de indenização pelo seu ato processual abusivo, bem como, em multa, para indicar que sua atitude é reprovável do ponto de vista processual.

O Código de Processo Civil brasileiro (1973) utilizou da metodologia discriminatória e enumerativa para indicar quais são os atos processuais considerados de má-fé e, portanto, passíveis de sancionamento processual e de reparação. Assim, segundo verificamos no art. 17 do CPC, reputa-se litigante de má-fé aquele que: (a) deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; (b) alterar a verdade dos fatos; (c) usar do processo para conseguir objetivo ilegal; (d) opuser resistência injustificada ao andamento do processo; (e) proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (f) provocar incidentes manifestamente infundados; (g) interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório [22].

Verificamos que o art. 17 do CPC (1973) foi repetido no novo Código de Processo Civil de 2015, nos arts. 79 e 80 [23].

O art. 80 do Código de Processo Civil brasileiro de 2015 estabelece diversos comportamentos processuais reprováveis, e que, se verificarmos a presença do elemento dolo, devemos punir o agente, do ponto de vista processual como também do ponto de vista de direito material, com a reparação dos prejuízos, nos termos do art. 927 do Código Civil.

É bom ressaltar que as condutas processuais previstas no art. 80 do Código de Processo Civil de 2015 podem simplesmente gerar uma sanção pecuniária, com a aplicação apenas de multa, e também, se verificado o dano, aplicar a teoria da responsabilidade civil e determinar o ressarcimento pelos prejuízos materiais e morais causados à parte contrária. Assim, um ato processual pode ser apenas um ilícito processual e gerar a aplicação de multa, mas não causar prejuízos à parte contrária, o que, portanto, não justificaria a condenação em indenização por danos morais e materiais. É o que está previsto no art. 81 do Código de Processo Civil brasileiro.

Informa sobre o tema litigância de má-fé e abuso de direito Cândido Rangel Dinamarco:

Ao disciplinar a repressão à deslealdade das partes mediante normas referentes à litigância de má-fé (arts. 16-18) e ao contemp of court (arts. 600-601), o Código de Processo Civil arrola algumas condutas ilícitas e estabelece sanções à sua prática (arts. 16-18 e 600-601). Depreende-se de cada uma dessas figuras o dever de comportar-se de modo contrário, porque cada uma delas contém em si, pelo lado negativo, a especificação de um aspecto inerente ao dever de lealdade. [24]

Deve se tratar, pois, que as condutas tipificadas como de má-fé podem ser realizadas de modo ativo ou passivo (omissivo, portanto), e optou, nosso legislador, por numerar de forma taxativa as hipóteses de litigância de má-fé, diferentemente do que ocorre no Código de Processo Civil alemão (art. 138) e do Código de Processo Civil italiano (art. 88).

O art. 80, inciso I, do CPC/2015 traz a indicação de vedação das partes de deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso. Isso significa que as partes têm, constitucionalmente, o direito de ação e de defesa para movimentar a jurisdição e a aplicação do direito material. No entanto, não é permitido buscar tal direito de ação ou de defesa, sabidamente, quando a lei não acoberta ou protege tal pretensão ou quando o fato que se opõe é um fato cujo o qual não existe contradição pelas partes. Assim, litiga de má-fé o sujeito que busca a declaração ou condenação de outrem, ou reconhecimento de algum direito, em juízo, com texto de lei claramente se posicionando ao contrário do pretendido. Talvez, um exemplo simples sobre tal hipótese de litigância de má-fé seria o ajuizamento de ação para buscar receber dívidas de jogo, que são, pelo ordenamento jurídico brasileiro, impossíveis de ser exigidas. Lado outro, há uma linha bastante tênue entre a caracterização da litigância de má-fé por dedução ou apresentação de defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso, e a questão de interpretação de lei diversa do que entende a maioria dos Tribunais. Isso significa que a dedução de ação ou a apresentação de defesa que busque uma interpretação diferente para determinado artigo de lei não pode ser considerado um ato processual abusivo. Apenas estamos diante do livre exercício do direito de ação.

O art. 80, inciso II, do CPC indica que reputa litigante de má-fé aquele que no processo alterar a verdade dos fatos. Nesse ponto, precisamos em primeiro lugar indicar que estamos diante de uma cláusula de litigância de má-fé geral e muito aberta, do ponto de vista hermenêutico. A verdade a que se refere o presente inciso do art. 80 é a verdade processual. A verdade processual significa a dedução de pretensão ou defesa com a devida demonstração dos mesmos com provas. Quanto às partes, no momento de dedução de pretensão ou de defesa, alteram a verdade dos fatos, significa dizer que estão buscando provar algo que não existiu ou que não ocorreu efetivamente, e que as provas foram feitas mediante fraude, emulação, erro ou vício. Altera a verdade dos fatos, por exemplo, quem instrui as testemunhas para que informe fatos que nunca ocorreram, em um claro objetivo de buscar o reconhecimento dos argumentos deduzidos na pretensão na defesa. Cândido Rangel Dinamarco afirma que “o inc. II do art. 80 sanciona transgressão intencional do dever de veracidade quanto aos fatos. As inveracidades só são contrárias à ética quando acompanhadas da intenção de falsear os fatos, caracterizando-se assim como mentiras[25].

O art. 80, inciso III, do CPC estabelece que atua em litigância de má-fé as partes que usam o processo para conseguir objetivo ilegal. Verifica-se, nesse inciso, a preocupação do legislador com o desvio de finalidade da norma. Assim, esse inciso busca reprimir aqueles que se utilizam do processo com o objetivo de obter direito ou vantagem que a norma proíbe.

O art. 80, inciso IV, do CPC determina que litiga de má-fé a parte que opuser resistência injustificada ao andamento do processo. Trata-se de um dispositivo normativo processual que reprime as condutas comissiva e omissiva das partes que impedem a duração razoável do processo, conforme estabelece o art. 6º do CPC/2015 e o art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República do Brasil. Opor resistência injustificada ao andamento do processo significa colocar obstáculos ao regular curso do processo. Isso significa que manifestações impertinentes e fora do prazo são exemplos e formas de se opor ao regular andamento do processo e atentam contra a celeridade processual e contra a dignidade da justiça.

O art. 80, inciso V, do CPC determina que a parte responde por litigância de má-fé quando proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo. Temerário é o ato da parte contrária imprudente, que não se observa nas normas processuais e legais. Age de forma temerária quem provoca um incidente processual apenas para paralisar o processo ou para impedir os efeitos da preclusão. Age de forma temerária quem não pratica ato proces­sual irresponsável, apenas para evitar prejuízos processuais para as partes. Assim, um bom exemplo de ato temerário seria a interposição de dois recursos contra a mesma decisão, sendo que a primeira já havia se pronunciado sobre o seu não cabimento e a segunda é uma conduta temerária, que busca desviar a finalidade da norma e evitar a preclusão.

O art. 80, inciso VI, do CPC determina que responde por litigância de má-fé a parte que provocar incidentes manifestamente infundados. Incidentes infundados são incidentes inexistentes, do ponto de vista formal e legal. Podemos informar que a palavra incidente, indicada nesse inciso, é utilizada de forma genérica, querendo referenciar, ainda, qualquer conduta ativa ou passiva das partes no objetivo de atrasar a prestação jurisdicional. Isso significa que a oposição de embargos de terceiros, por exemplo, que, obviamente, pode paralisar o procedimento principal, pode ser caracterizado como sendo um incidente manifestadamente infundado, se, ao final, for considerado um ato apenas com o intuito de evitar a prestação jurisdicional ou retardar seu julgamento.

Por fim, o art. 80, inciso VII, do CPC estipula que responde por litigância de má-fé a parte que interpõe recurso manifestadamente protelatório. Recurso protelatório é aquele que não tem o objetivo de reformar a decisão, mas sim apenas de protelar o trânsito em julgado ou a preclusão de uma decisão. O recurso protelatório é apresentado como um recurso destituído de fundamentos para reformar a decisão e em flagrante comportamento da parte em evitar e impedir a execução e o cumprimento da decisão judicial.

As condutas previstas no art. 80 do CPC são condutas objetivas e possuem o objetivo de balizar o julgador no objetivo de reprimir as condutas antijurídicas em claramente contrárias aos interesses processuais e a duração razoável do processo, nos termos do art. 6º do CPC/2015. No entanto, verificando a ocorrência de uma das hipóteses indicadas no art. 80 do CPC/2015, surge a seguinte questão a ser enfrentada, qual seja: qual seria a melhor técnica para que o processo possa reprimir as condutas antijurídicas praticadas pelos sujeitos processuais, em litigância de má-fé? Tentaremos responder a seguinte indagação no próximo capítulo.

 

IV – TÉCNICA DE REPRESSÃO AO ABUSO DE DIREITO PROCESSUAL (LITIGÂNCIA DE Má-Fé)

Segundo afirma Rosemiro Pereira Leal, a técnica é essa atividade humana que abrange a capacidade de conjunção do mundo da realidade com o mental e a consequente expressão de pensamentos abstratos organizados (teoria) sobre o contexto dessa realidade [26].

Assim, quando nos referirmos à técnica de repressão ao abuso de direito processual, estamos querendo indicar o conjunto de procedimentos pelos quais o direito transforma em regras claras e práticas as diretivas da política jurídica de repressão à litigância de má-fé.

Nesse sentido, para que possamos responder a indagação sobre a melhor técnica para a repressão do abuso de direito processual, precisamos antes de tudo estabelecer os seguintes pressupostos para nossas reflexões.

Primeiro. É o processo um instrumento de garantias processuais fundamentais, isso significa dizer que o mesmo se constitui de um espaço de discussão e debate, e o contraditório e ampla defesa são princípios estruturantes, e que não podem ser suprimidos.

Segundo. O princípio do contraditório é elemento indispensável à existência do processo e, portanto, não é possível a ocorrência do exercício da jurisdição e da repressão do abuso de direito processual sem a sua observância.

Na palavras de Fazzalari, o processo é um procedimento com a garantia de participação das partes para a obtenção do ato final, em contraditório, devendo os participantes do processo se entenderem como autores da decisão judicial (provimento) [27].

É bom ressaltar, nas palavras de Aroldo Plínio Gonçalves, que o contraditório não é apenas “a participação dos sujeitos do processo. O contraditório é a garantia de participação, em simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença, daqueles que são interessados“, ou seja, aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos do provimento e da medida jurisdicional que o Estado vier a impor. [28]

Explicando melhor, reforça o autor supracitado que o contraditório não é o “dizer” e o “contradizer” sobre matéria controvertida, não é a discussão que se trava no processo sobre a relação de direito material, não é a polêmica que se desenvolve em torno dos interesses divergentes sobre o conteúdo do ato final. Constitui-se, necessariamente, da igualdade de oportunidade no processo, é a igual oportunidade de tratamento, que se funda na liberdade de todos perante a lei. É essa igualdade que compõe a essência do contraditório enquanto garantia de simétrica paridade de participação no processo. [29]

Elio Fazzalari caracteriza a estrutura do contraditório com os seguintes elementos: (a) participação dos destinatários do ato final na fase preparatória do processo; (b) simétrica paridade destes interessados; (c) mútua implicação de seus atos; relevância de tais atos para o ato final [30].

Nesse sentido, o contraditório é a garantia da participação das partes, em simétrica igualdade, é a igual oportunidade de igual tratamento, que se funda na liberdade de todos perante a lei. E tal participação das partes não significa que tenha de ser atual, mas uma participação potencial, convertendo, assim, o direito em ônus. Tanto é assim que Marcelo Galuppo lembra a possibilidade de o interessado, na produção do provimento, deixar de participar, por vontade própria, da formação deste ato. Bem como o fato de não se exigir a existência de controvérsia, sendo possível, por exemplo, que o réu (contrainteressado) concorde com a pretensão do autor. Aliás, o próprio direito brasileiro prevê e estimula essa possibilidade, ao tornar obrigatória, na maioria dos processos, a tentativa de conciliação por parte do juiz. Pode-se mesmo afirmar que a nova sistemática brasileira erige em primeiro dever do juiz a tentativa de, na qualidade de “mediador”, fazer com que se restabeleça racionalmente, no âmbito de uma comunidade real de comunicação, o diálogo, ou seja, o discurso entre autor e réu [31].

Sobre o assunto, assevera Didier Junior:

Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe do processo; que ela seja ouvida. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado. Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do magistrado – e isso é poder de influência, poder de interferir na decisão do magistrado, interferir com argumentos, interferir com ideias, com fatos novos, com argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isso, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se implementa, pura e simplesmente, com a ouvida, com a participação; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão. [32]

Na verdade, o contraditório significa a garantia da proibição da decisão surpresa, ou seja, decisões que não sofreram o devido debate pelas partes. Que não foi garantido o efetivo direito de participação, que é muito mais do que apenas dizer e contradizer nos autos, mas, sobretudo, o direito de influenciar o resultado da decisão com argumentações, fatos e provas.

Lebre de Freitas afirma que a proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade. [33]

Assim, entendendo o contraditório como um princípio que veda uma decisão surpresa, temos que entender que o art. 81 do CPC deve ser aplicado de outra maneira pelos Tribunais. Segundo, estabelece o artigo, o juiz, de ofício, ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

Uma leitura descomprometida do princípio do contraditório pode levar o intérprete e julgador a entender que bastaria, em suas convicções pessoais, a verificação de um comportamento das partes caracterizado como litigante de má-fé para lhe impor a pena de multa e condenação em perdas e danos apresentados e permitidos pelo art. 81 do CPC brasileiro.

No entanto, a melhor técnica para a repressão do abuso de direito processual e consequentemente a litigância de má-fé não seria a aplicação de ofício pelo julgador das hipóteses previstas enumerativas e exaustivas no art. 80 do CPC, pois assim estaria vedando o contraditório, entendido como garantia de vedação a uma decisão surpresa, e contrariando os arts. 6º e 10 do CPC/2015.

Em nome da garantia do contraditório, verificando o juiz que ocorreu algumas das hipóteses previstas no art. 80 do CPC/2015, deve abrir, ainda que incidentalmente, nos próprios autos do procedimento ou em procedimento próprio, uma discussão paralela entre as partes, sobre a ocorrência ou não de algumas das hipóteses de litigância de má-fé e seus eventuais danos. Isso significa dizer que, se o julgador tomar a decisão pela aplicação de alguma punição por litigância de má-fé sem que haja o devido respeito ao contraditório, essa decisão estaria vedando a participação em contraditório, e seria, do ponto de vista constitucional-democrático, uma decisão passível de anulação, por absoluta falta de garantia do contraditório e da ampla defesa.

É claro que não basta apenas que o julgador, no momento da verificação da litigância de má-fé, oportunize às partes vista dos autos para que possam sobre ela se pronunciar, há a necessidade, também, atendendo ao disposto no art. 5º, inciso LV, da Constituição da República, da ampla defesa, com a garantia de produção de todas as provas necessárias para demonstrar ou não a ocorrência de umas das hipóteses previstas no art. 80 do CPC/2015.

Assim, a melhor técnica para a repressão do abuso do direito proces­sual pode ser indicada pela abertura de uma discussão profunda e dialógica sobre a sua ocorrência e os eventuais danos que tal conduta ocasionou. Somente assim seria possível aplicar com eficiência todas as repercussões que estão previstas no art. 81 do CPC/2015. O que não pode faltar é o devido respeito ao contraditório e à ampla defesa, bem como é vedado ao julgador, de ofício, aplicar penas processuais pelas hipóteses verificadas no art. 80 do CPC/2015, sem oportunizar a devida manifestação e provas pelas partes interessadas no resultado do julgamento, por estar em contrariedade com as normas fundamentais do novo Código de Processo Civil e dar cabo ao cumprimento do art. 5º, inciso LV, da Constituição da República.

A aplicação automática, de ofício, isolada do julgador de uma das condutas ilícitas praticadas pelas partes no processo e previstas no art. 80 do CPC/2015 fica muito difícil ao julgador aplicar efetivamente o art. 81 do CPC/2015. Portanto, não se consegue outra coisa sem o contraditório do que a aplicação da multa. Indenização e danos morais e materiais são impossíveis de ser fixados sem a devida discussão e produção de prova, pois, como determina o art. 944 do Código Civil, o dano se mede pela sua extensão.

Estamos defendendo o contraditório e a ampla defesa em nome do processo democrático. Sem o devido contraditório, fica praticamente impossível, que tal condenação em indenização se realize, bem como a quantificação dos prejuízos causados pela parte infratora ou litigante de má-fé.

No Código de Processo Civil de 1973 e nos Tribunais brasileiros não verificamos a preocupação para evitar a decisão-surpresa e resguardar a garantia do contraditório e da ampla defesa. Pelo contrário, o que notamos na prática cotidiana forense brasileira é que, em nome da celeridade, decisões surpresas são proferidas a todo momento sem o devido contraditório, o que entendemos estar violando diretamente a Constituição. Apenas para demonstrar o que informamos, citamos algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça que aplicam, de forma automática e autoritariamente, o art. 17 do CPC/1973, correspondente ao art. 80 do CPC/2015, se entender sobre a necessidade de oportunizar as partes, o necessário contraditório, com base apenas na convicção pessoal do julgador. Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – LOCAÇÃO – PRORROGAÇÃO DO PRAZO – FIANÇA – NOVAÇÃO – RATIFICAÇÃO DA GARANTIA PELO FIADOR – EXONERAÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – CONFIGURAÇÃO – AFASTAMENTO – SÚMULA Nº 7/STJ – 1. Na prorrogação do contrato de locação, havendo cláusula expressa de responsabilidade do garante após a prorrogação do contrato, este deverá responder pelas obrigações posteriores, a menos que tenha se exonerado na forma dos arts. 1.500 do Código Civil de 1916 ou 835 do Código Civil vigente.

  1. Na hipótese, o Tribunal de origem identificou a ratificação expressa do fiador para estender a garantia fiduciária quando da novação. Não incidência da Súmula nº 214/STJ. Precedentes. 3. A aplicação das penas do art. 17, I e II, do CPC, deu-se pela manifestação de fatos comprovadamente inverídicos, situação que não guarda semelhança com o simples exercício do direito de defesa. Rever tais fundamentos fáticos, somente com reexame do conjunto probatório, medida de impossível realização no âmbito do recurso especial, haja vista o óbice do Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. [34]

Repare que, na presente decisão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a aplicação do art. 17 do CPC/1973 (correspondente ao art. 80 do CPC/2015) não necessita da observância do contraditório e da ampla defesa, bastando, para tanto, que o julgador, em análise discricionária e solipsista, decida sobre a ocorrência ou não de litigância de má-fé.

Outra decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a aplicação automática do art. 17 do CPC (correspondente ao art. 80 do CPC/2015) à parte faltante é essa:

RECONSIDERAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO – RECURSO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA – NÃO CONHECIMENTO – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – INTENÇÃO PROTELATÓRIA – MULTA – 1. Nos termos do art. 105, II, b, da Constituição Federal, não cabe interposição de recurso em mandado de segurança no âmbito desta Corte Superior contra decisão monocrática de relator. 2. Sendo evidente a intenção protelatória do exercício da jurisdição, mediante a interposição de recursos e petições desprovidos de razão e notoriamente incabíveis, cabível a cominação de multa nos termos do art. 18 c/c o art. 17, VI e VII do CPC. 3. Pedido de reconsideração improvido. [35]

Neste acórdão do Superior Tribunal de Justiça, mais uma vez verificamos o desrespeito ao contraditório e à ampla defesa na condenação em litigância de má-fé, por parte do Superior Tribunal de Justiça. Entendemos que, mesmo nos casos em que os autos já se encontrarem em sede recursal, o cumprimento ao contraditório deve ser observado. Isso significa que, neste aspecto, não poderia o relator ter aplicado a pena prevista no art. 18 do CPC, com similar correspondência no art. 81 do CPC/2015, apenas com base em entendimento formado e consolidado pelos anteriores votos e convicções formadas em seu trabalho junto ao Tribunal. Deveria, mesmo em sede recursal, instaurar, um microprocedimento de discussão e de demonstração de ocorrência ou não da litigância de má-fé. Do contrário e da forma que foi feita, mesmo informando a evidência de que houve a interposição de recurso manifestamente protelatório, entendemos que estamos diante de uma decisão arbitrária e inconstitucional, em bases democráticas.

Portanto, dentro da constitucionalidade democrática e pelo novo Código de Processo Civil de 2015, especialmente os arts. 6º e 10, e para o respeito ao contraditório e à ampla defesa, é preciso que o debate sobre o abuso do direito processual seja efetivamente discutido. Além disso, devemos permitir a amplitude de produção de prova e as discussões sobre a prática de atos de má-fé e de dolo pelas partes, bem como os prejuízos causados, para fins de indenização. Do contrário, qualquer condenação em litigância de má-fé é um ato de autoritarismo e antidemocracia, o que desrespeita frontalmente a Constituição da República do Brasil.

Os Tribunais brasileiros terão que mudar sua postura solipsista e conservadora, não podendo aplicar o art. 81 do CPC/2015 ex officio sob pena de violação ao contraditório, à ampla defesa, ao estado democrático, à cooperação judicial e à vedação de decisão surpresa, o que, em nosso entendimento, impede a decisão sobre a responsabilidade processual sem o devido debate e produção de prova necessários para tal. Ou se garante o art. 10 do CPC/2015 e o aplica em conjunto com o art. 81 do CPC/2015, ou teremos o desvirtuamento do novo Código de Processo Civil, que irá repetir práticas antigas e antidemocráticas, o que não se espera com esse novo instrumento normativo processual e pela vigência incondicional do art. 1º da CR/1988.

 

CONCLUSÃO

Pelas considerações anteriormente expostas, podemos afirmar as seguintes conclusões sobre o abuso do direito processual e a sua técnica de repressão, quais sejam:

  1. a) A expressão abuso de direito é atualmente considerada pelos juristas como sendo o mau uso ou uso excessivo ou extraordinário do direito. Isso significa que a expressão abuso do direito nos remete à ideia de que alguém está exercendo um ato ilícito em razão de um excesso. Assim, a expressão, de forma isolada, quer informar ao intérprete que o justo é exercer o direito, nem mais (abuso), nem menos (aquém). Etimologicamente, a expressão em latim abusos e abuti não possuíam a ideia de mau uso, mas significava um uso intenso, um aproveitamento completo da coisa ou do direito. Em termos atuais, a expressão abuso do direito obteve nova conotação, significando o excesso dos limites do poder da faculdade (facultas agendi) que o direito objetivo (normas agendi) confere ao indivíduo, na qualidade de sujeito de direito (sui iuris).
  1. b) Pelo Código Civil, arts. 187 e 188, verificamos que o direito civil brasileiro estabeleceu os critérios para que possa ser configurado o abuso do direito, quais sejam: (a) que o abuso do direito é um ato ilícito; (b) esse ato ilícito deve ser praticado pelo titular do direito subjetivo; (c) que tenham sido excedidos os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes; e (d) que tenha sido o ato ilícito abusivo manifesto.
  1. c) Violar uma regra de direito processual não é abusivo per se. Isso significa que o mau uso do direito processual não é um ato abusivo. Ou seja, caso o recorrente interpõe um recurso ao invés de outro, isso, por si só, não é um ato abusivo, mas somente um ato equivocado, um erro grosseiro, que não causa prejuízo à parte contrária e nem impede o regular andamento do processo. No entanto, um ato processual passa a ser abusivo quando o mesmo recurso é interposto, não com o fim específico de alterar a decisão jurisdicional, mas simplesmente para retardar ou impedir a execução ou cumprimento da sentença.
  1. d) Violar uma regra de direito processual pode ter duas consequências. A primeira é uma consequência eminentemente processual, uma punição para a parte faltante estritamente dentro dos limites das faculdades, poderes e possibilidades das normas processuais. Assim, a ausência de apresentação de defesa no prazo correto é uma violação de norma processual e gera ônus processual, quais sejam a revelia e a presunção de verdade sobre os fatos articulados pelo autor. No entanto, ocorre o abuso do direito proces­sual quando temos um ato aparentemente lícito, mas seus objetivos são reprováveis do ponto de vista da lealdade processual e boa-fé. Assim, abusando do direito processual, temos a possibilidade de aplicação de multa ou ainda a reparação dos danos.
  1. e) A boa-fé e lealdade processual não são elencos caracterizadores de uma moralidade ou eticidade processual, mas sim de elementos vinculados à observância do devido processo legal. Abusa do direito processual quem, de má-fé, busca empregar uma conduta processual com o objetivo de causar contrariedade à marcha processual, à eficácia das decisões e até mesmo à dignidade da justiça e da prestação jurisdicional. Toda litigância de má-fé é um abuso do direito processual. O abuso é gênero e a litigância é espécie. O dever de lealdade processual não deve ser levado em consideração, apenas entre as partes litigantes, mas, sobretudo, por todos os sujeitos processuais, incluindo os juízes, membros do Ministério Público e terceiros.
  1. f) O Código de Processo Civil brasileiro (1973) utilizou da metodologia discriminatória e enumerativa para indicar quais são os atos processuais considerados de má-fé, e, portanto, passíveis de sancionamento processual e de reparação. É a mesma adotada pelo Código de Processo Civil de 2015.
  1. g) A melhor técnica para a repressão do abuso de direito proces­sual e consequentemente a litigância de má-fé não seria a aplicação de ofício pelo julgador, pois assim estaria vedando o contraditório como garantia de vedação a uma decisão surpresa. Em nome da garantia do contraditório, verificando o juiz que aconteceu algumas das hipóteses previstas no art. 80 do CPC/2015, deve abrir, ainda que incidentalmente, nos próprios autos do procedimento uma discussão paralela, entre as partes, sobre a ocorrência ou não da litigância de má-fé e seus eventuais danos. Isso significa dizer que, se o julgador tomar a decisão pela aplicação de alguma punição por litigância de má-fé sem que haja o devido respeito ao contraditório, essa decisão estaria vedando a participação e seria, do ponto de vista democrático, uma decisão passível de anulação por absoluta falta de garantia do contraditório e da ampla defesa. É claro que não basta apenas que o julgador, no momento da verificação da litigância de má-fé, abra às partes vista dos autos para que possam sobre ela se pronunciar; há a necessidade, também, atendendo ao disposto no art. 5º, inciso LV, da Constituição da República, à ampla defesa, com a garantia de produção de todas as provas necessárias para demonstrar ou não a ocorrência de uma das hipóteses previstas no art. 80 do CPC. Não vislumbramos a necessidade de abertura de um incidente processual para a caracterização e verificação da ocorrência da litigância de má-fé, no entanto, se isso for necessário para evitar prejuízo às partes e as argumentações, verificamos que não existe nada no ordenamento jurídico brasileiro que desaconselhe tal prática. Se a discussão será feita nos próprios autos ou em incidente processual, isso revela uma preocupação com a economia processual. No entanto, o que não pode faltar é o devido respeito ao contraditório e à ampla defesa, bem como é vedado ao julgador, de ofício, aplicar penas processuais, pelas hipóteses verificadas no art. 80 do CPC, sem a oportunizar a devida manifestação e provas pelas partes interessadas no resultado do julgamento.
  1. h) Quando temos a verificação de um ato processual abusivo, com intuito de atrasar o processo e ferir a dignidade da justiça e sua prestação jurisdicional, estamos diante de uma violação de um direito fundamental, e a violação de um direito fundamental deve ser punido de forma enérgica, com a aplicação de multa e indenização para ser pago pelo agressor, pois é inconcebível que direitos fundamentais sejam flagrantemente violados pelas partes com o objetivo escuso de lesar a credibilidade do Judiciário e da parte contrária. Infelizmente, o que observamos no Brasil é que a presente discussão sobre a violação de direitos fundamentais e a possibilidade de reparação e aplicação de multa processual ainda está caminhando bem devagar, do ponto de vista prático. Apesar de grande parte da doutrina defender a possibilidade e até necessidade de responsabilizar o Estado pelas violações da garantia constitucional da duração razoável do processo, no Brasil ainda há grande resistência dos tribunais em condenar o Estado a indenizar o jurisdicionado nos casos.
  1. i) Os Tribunais brasileiros terão que mudar sua postura solipsista e conservadora, não podendo aplicar o art. 81 do CPC/2015 ex officio sob pena de violação ao contraditório, à ampla defesa, ao estado democrático, à cooperação judicial e à vedação de decisão surpresa, o que, em nosso entendimento, impede a decisão sobre a responsabilidade processual sem o devido debate e produção de prova necessários para tal. Ou se garante o art. 10 do CPC/2015 e o aplica em conjunto com o art. 81 do CPC/2015, ou teremos o desvirtuamento do novo Código de Processo Civil, que irá repetir práticas antigas e antidemocráticas, o que não se espera com esse novo instrumento normativo processual e pela vigência incondicional do art. 1º da CR/1988.

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[1] Este texto foi adaptado do escrito por Carlos Henrique Soares, no capítulo 8, intitulado Abuso del Derecho Procesal Brasileño, publicado no livro Processo Democrático y Garantismo Procesal, Coordenado por Carlos Henrique Soares, Glauco Gumerato Ramos, Guido Aguila Grados, Mónica Bustamante Rúa y Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, publicado entre as páginas 134/151, pela Editora Arraes, em coparceria com a Editora Astrea, 2015.

[2] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 45.

[3] ROTONDI, Mario. L’abuso di diritto – “AEmulatio”. Padova: Cedam, 1979. p. 37/38

[4] ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 32.

[5] Idem, ibidem.

[6] Idem, p. 37.

[7] VICENZI, Brunela Vieira de. A boa-fé no processo civil. São Paulo: Atlas, 2003. p. 163.

[8] Brasil. Código Civil: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

[9] Brasil. Código Civil: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

[10] Brasil. Código Civil: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.”

[11] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Op. cit., p. 58.

[12] CASTRO FILHO, José Olímpio de. Abuso do direito no processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 88.

[13] No direito estrangeiro, verificamos que os países tratam de forma diferenciada a questão do abuso de direito processual. Na França, por exemplo, existem regras claras e gerais concernentes ao abuso de direito processual e investindo a corte com o poder de sancionar abusos. Na extremidade oposta, há sistemas jurídicos internacionais nos quais o direito não fala abertamente do abuso de direito processual, mas algumas disposições gerais falam de lealdade e honestidade como padrões para a conduta processual das partes (ver, e.g., art. 88 do Código de Processo Civil italiano) [TARUFFO, Michele. Abuso de direitos processuais: padrões comparativos de lealdade processual (relatório geral). Revista de Processo, São Paulo, a. 34, n. 177, nov. 2009, p. 155].

[14] Conforme esclarece Patrícia de Deus Lima, o novo Código de Processo (1973) demonstra a preocupação do legislador em conferir eticidade ao processo, para ela, “as regras processuais éticas delineariam esboço muito nítido do princípio da probidade processual, cujos desdobramentos, no processo, fariam de todos os sujeitos processuais (isto é, juiz, partes, terceiros, auxiliares da justiça, ministério público, etc.) seus legítimos destinatários” (LIMA, Patrícia Carla de Deus. Abuso do direito e tutela ética do processo. 231 f. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico e Social) – Centro de Ciências Jurídicas e Sociais, Pontifícia Universidade Católica, Orientador: Francisco Carlos Duarte. Curitiba, 2006, p. 180).

[15] DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fraude no processo civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 34.

[16] ALBUQUERQUE, Pedro de. Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo. Coimbra: Almedina, 2006. p. 92.

[17] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

  1. 56.

[18] IOCOHAMA, Celso Hiroshi. Litigância de má-fé e lealdade processual. Curitiba: Juruá, 2006. p. 45.

[19] TARUFFO, Michele. Abuso de direitos processuais: padrões comparativos de lealdade processual (relatório geral). Op. cit., p. 166.

[20] Cf. explica D’Plácido e Silva, “a expressão derivada do baixo latim malefacius [que tem mau destino ou má sorte], empregada na terminologia jurídica para exprimir tudo que se faz com entendimento da maldade ou do mali que nele se contém. A má-fé, pois, decorre do conhecimento do mal, que se encerra no ato executado, ou do vício contido na coisa, que se quer mostrar como perfeita, sabendo-se que não o é […] A má-fé opõe-se à boa-fé, indicativa dos atos que se praticam sem maldade ou contravenção aos preceitos legais. Ao contrário, o que se faz contra a lei, sem justa causa, sem fundamento legal, com ciência disso, é feito de má-fé” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atual. Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 131).

[21] CORDOPATRI, Francesco. L’abuso del processo. Padova: Cedam, v. 2, 2000. p. 487/488.

[22] “PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – INTERPOSIÇÃO DE RECURSO – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO VERIFICADA – MULTA AFASTADA – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO – 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que não se presume a litigância má-fé quando a parte se utiliza dos recursos previstos em lei, sendo necessária, em tais hipóteses, a comprovação da intenção do recorrente de obstruir o trâmite regular do processo, nos termos do art. 17, VI, do CPC. 2. Incabível a condenação por litigância de má-fé quando a parte, na primeira oportunidade que lhe é conferida, interpõe agravo de instrumento contra decisão que fixou honorários advocatícios em execução não embargada. 3. Recurso especial conhecido e provido para afastar a condenação da recorrente ao pagamento de multa por litigância de má-fé.” (REsp 749629/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, J. 16.05.2006, DJ 19.06.2006, p. 193)

[23] CPC/2015: “Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente. Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidente manifestamente infundado;

VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.”

[24] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, v. 3, 2009. p. 265.

[25] DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 268.

[26] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo – Primeiros estudos. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 43/44.

[27] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 6. ed. Padova: Cedam, 1992. p. 82-83.

[28] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Op. cit., p. 120-124.

[29] Idem, p. 127.

[30] FAZZALARI, Elio. Op. cit., p. 82.

[31] GALUPPO, Marcelo Campos. Elementos para uma compreensão metajurídica do processo legislativo. Disponível em: <http://marcelogaluppo.sites.uol.com.br/elementos_para_uma_compreensão_met.htm>. Acesso em: 5 maio 2003.

[32] DIDIER, Jr. Fredie. Curso de direito processual civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 45.

[33] LEBRE DE FREITAS, José. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais à luz do código revisto. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 103.

[34] Superior Tribunal de Justiça, AgRg-AREsp 242.123/SP, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, J. 08.10.2013, DJe 23.10.2013.

[35] Superior Tribunal de Justiça, RCD-RMS 39.985/PA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, J. 01.10.2013, DJe 11.10.2013.