LIMITES NA FORMAÇÃO DO VÍNCULO PARENTAL EM RAZÃO DO AFETO
Maici Barboza dos Santos Colombo
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Panorama da Filiação no Direito Civil Brasileiro. 3 A Parentalidade Socioafetiva; 3.1 O Contexto do Afeto no Século XXI; 3.2 Afeto e Cuidado; 3.3 A Posse de Estado de Filho. 4 O Papel da Vontade no Estabelecimento da Parentalidade Socioafetiva. 5 Considerações Finais. Referências.
1 Introdução
João Baptista Villela, em magistral exposição na Universidade Federal de Minas Gerais no ano de 1979, alertou para o fenômeno que designou de “desbiologização da paternidade“, empenhado na diferenciação entre a responsabilidade pela procriação e o exercício efetivo da paternidade. Para o professor mineiro, seria necessário estremar “os domínios da causalidade material e da autodeterminação, para o fim de se obter uma justa resposta aos movimentos da vontade” [1]. A relação de causalidade material liga a prole a seus genitores e revela-se fato biológico, mas é o status de pai ou mãe que determina a parentalidade como fato cultural.
As afirmações de João Baptista Villela foram propaladas sob a égide da Constituição brasileira de 1967 com sua Emenda Constitucional nº 1, de 1969, e sob a vigência do Código Civil de 1916, quando a filiação era ainda qualificada a partir da legitimidade e a verdade biológica por meio do exame genético não passava de uma realidade distante, o que sobreleva ainda mais o valor da exposição do professor mineiro.
As mudanças que se seguiram no ordenamento jurídico brasileiro motivaram o desenvolvimento do tema. A Constituição Federal de 1988 proclamou a igualdade entre os filhos [2], independentemente da origem da filiação [3], afastando-se desse modo a odiosa distinção até então propugnada. A Convenção da Organização das Nações Unidas para a proteção das crianças, recepcionada com estatura constitucional pelo Decreto nº 99.710/90, instituiu o princípio do melhor interesse da criança [4], que deve servir de diretriz em qualquer ação legislativa, administrativa ou decisão judicial. Mais recentemente, o art. 1.593 do Código Civil de 2002, segundo o qual “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem“, rompeu a dicotomia da filiação, antes baseada apenas nos laços sanguíneos ou na adoção.
Portanto, o fenômeno da desbiologização da paternidade, cunhado pelo professor mineiro, encontra no arcabouço jurídico inaugurado pela Constituição Federal de 1988 o suporte para fixar a paternidade ou a maternidade, como fato cultural, a partir de outra forma que não seja necessariamente a ascendência genética, como permite o diploma civil vigente, desde que atenda ao princípio do melhor interesse da criança e de modo que a relação filial daí oriunda receba igual tratamento jurídico, pois vedada qualquer forma de discriminação.
No entanto, a impossibilidade de se obter por meio de uma operação lógico-dedutiva o conceito de socioafetividade tem levado a uma hipertrofia aplicativa e a um entusiasmo retórico por parte da doutrina e da jurisprudência brasileiras, que, não raras vezes, revelam a ausência de reflexão acerca de suas consequências. A socioafetividade opera de forma relacional intersubjetiva e perene no campo comportamental humano. O método subsuntivo não seria, então, capaz de traduzir o significado preciso da socioafetividade, mas, de outro lado, a postura irreflexiva diante do tema ignora os paradoxos da convivência da lógica racional cartesiana, típica da modernidade, ainda presente na atividade científica, com o pensamento pós-moderno, que possibilitou a inserção dos valores humanos nos estudos sociais, inclusive no direito [5].
Em tempos de modernidade líquida [6], de efemeridade das relações e de desconstrução das instituições sociais, como atribuir ao afeto o encargo de estabelecer a paternidade? Está, então, abandonada a antiga fórmula biológica de constituição da paternidade? Como dirimir os conflitos da filiação? Não se pode escapar ao enfrentamento dessas e das inúmeras questões decorrentes da família pós-moderna, tampouco se deva incorrer nos sedutores erros reducionistas do discurso entusiástico do afeto. Propõe-se, portanto, uma singela reflexão sobre a filiação na contemporaneidade, sem a pretensão de alcançar definições exauridas, incompatíveis com a complexidade do tema.
2 Panorama da Filiação no Direito Civil Brasileiro
A filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco de primeiro grau que se estabelece em linha reta [7]. Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, a liberdade de se estabelecer a filiação pode ser realizada por meio de mecanismos biológicos (relações sexuais), de adoção, de reprodução humana medicamente assistida ou por meio do afeto da relação paterno-materno-filial [8].
Mas nem sempre foi assim. O paradigma de proteção do modelo patriarcal de família encontrou nas presunções o critério de estabelecimento da parentalidade, reforçado pela impossibilidade de se estabelecer de forma segura a paternidade biológica. A maternidade regrava-se pela presunção mater semper certa est, enquanto a paternidade, pela presunção pater is est quem nuptiae demonstrat, segundo a qual o pai do filho da mulher casada era o marido dela. Conforme a precisa lição da professora da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Giselda Fernandes Novaes Hironaka, as presunções servem ao direito para dirimir questões que dependam de fatos cuja cognoscibilidade seja dificultosa ou impossível [9]. Quando absolutas, não admitem prova em contrário e, quando relativas, invertem o ônus probatório.
As condições para a presunção da paternidade constavam no Código Civil brasileiro de 1916[10] e permanecem no Código Civil vigente [11], embora a possibilidade de exame genético por meio da análise do DNA tenha facilitado a prova da consanguinidade, até então inapreensível de forma segura, e, portanto, reduzido a relevância das presunções de paternidade. A ressalva reside na impossibilidade de questionamento sobre a paternidade consanguínea pelo pai que concordou com a reprodução assistida heteróloga, representando, nesse caso, presunção absoluta, inovação do diploma cível vigente que contemplou essa nova forma de filiação.
E foi justamente o exame genético que revolucionou a paternidade na década de 1990. O alto percentual de certeza que o método oferece alcançou a verdade biológica e dirimiu qualquer possível dúvida com relação à paternidade consanguínea. Mas nem sempre aquele que gera assume as funções de pai ou de mãe. Nesse terceiro momento, a socioafetividade surge para conferir proteção jurídica a uma situação de fato recorrente, quando a ausência de vínculo de sangue não impede o tratamento recíproco como pai ou filho.
O fundamento legal da paternidade socioafetiva reside no art. 1.593 do Código Civil pátrio, em cujo texto determina que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem“. A professora de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Heloisa Helena Barboza, afirma que a inserção da expressão “outra origem” visou contemplar as novas situações ditadas pelo avanço biotecnológico, sobretudo decorrentes da reprodução humana assistida heteróloga, pois nesses casos inexiste vínculo sanguíneo que autorize a classificação como filiação natural, mas também não decorre da adoção, e sim do consentimento expresso do marido.
3 A Parentalidade Socioafetiva
3.1 O Contexto do Afeto no Século XXI
A parentalidade estabelecida em razão do afeto, sem vínculo genético com a prole, não é novidade da sociedade pós-moderna. Menciona o professor José Fernando Simão, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, caso de paternidade socioafetiva na família real russa [12], pois a impossibilidade de o monarca Pedro procriar com sua esposa Catarina levou-o a assumir como filho o primogênito da esposa, fruto de relação sexual extraconjugal. A socioafetividade, nesse caso, resolveu o problema da sucessão ao trono russo, em pleno século XVIII.
Os estudos empreendidos pela psicanálise, desenvolvidos a partir do século XIX, indicaram que o afeto é indispensável ao desenvolvimento emocional de todos os indivíduos. O estudo empírico de René Spitz, com foco nas condições de abrigamento de crianças, constatou que a privação afetiva pode causar atraso no desenvolvimento corporal, incapacidade de adaptação, mutismo, psicoses, marasmo e até a morte [13]. John Bowlby relaciona a privação afetiva à psicopatia e à delinquência juvenil [14].
As pesquisas da psicanálise, contudo, não seriam suficientes para a atribuição de valor jurídico ao afeto, a despeito de sua relevância social, se não fossem superados os paradigmas da modernidade, sob a qual se desenvolveu o positivismo jurídico, inspirado na lógica cartesiana e responsável por extirpar do direito qualquer elemento extrajurídico, com base na dissociação da razão e da emoção.
Levado a efeito o positivismo jurídico no século XX, foram reveladas as suas insuficiências e fracassos. Como saldo, duas grandes guerras mundiais, corrida armamentista, holocaustos, enfim, inúmeras atrocidades albergadas pela supremacia da segurança jurídica e legitimadas, portanto, pelo direito.
A reação da doutrina jurídica embasou-se na centralidade da pessoa como sujeito de direito, a partir do resgate da moral kantiana, para conferir proteção às situações existenciais. Nisso consiste a viragem axiológica que alterou as bases do direito, transcendendo-se os limites entre razão e emoção, impostos pela lógica cartesiana.
Zygmunt Bauman, sociólogo polonês com franca produção durante a segunda metade do século XX e início do século XXI, atenta para as profundas mudanças sociais que afetam as interações humanas, diante do intenso fluxo informativo possibilitado pelo avanço tecnológico, o que o leva a designar a era atual de modernidade líquida [15], na qual a autonomização do indivíduo acarreta a fragilidade dos laços afetivos, cada vez mais raros ou fugazes. Para o professor Eduardo C. B. Bittar, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, “nesse mercado da afetividade volátil, alter aparece como um outro-mercadoria, que é consumido e de quem se dispõe transitoriamente como objeto, até quando outro produto mais útil aparece em sua substituição. O ritmo da afetividade vem marcado pelo timing de mercado” [16].
A resistência ao afeto como valor jurídico poderia, então, verificar-se como o resultado da volatilidade dos vínculos pessoais na era pós-moderna, na qual, paradoxalmente à atenção conferida à pessoa na condição de sujeito de direitos, o processo de reificação mercadológica alcança as relações interpessoais, dissipando os vínculos subjetivos.
Por essa razão, o conceito jurídico de afeto não pode confundir-se com o amor, o carinho ou a afeição, embora possam guardar sinonímia em outras áreas do conhecimento. Para o direito, no campo da filiação, importam as relações afetivas que estabelecem vínculos de identificação à figura materna ou paterna, exteriorizadas socialmente e, por isso, merecedores de tutela jurisdicional.
Ademais, diante desse contexto, o afeto, reconhecido pela sociologia e objeto de estudo na psicanálise, encontra campo fértil de desenvolvimento no direito de família, como resultado da multidisciplinaridade permitida pelo direito da pós-modernidade. Tem-se, então, a conciliação do mundo fenomênico com o direito.
Portanto, a psicanálise auxilia na constatação da relevância social do afeto, por meio da identificação das repercussões pessoais decorrentes de sua privação total ou parcial no desenvolvimento emocional, enquanto as contribuições da sociologia importam para a consideração da socioafetividade como fato social juridicamente relevante.
3.2 Afeto e Cuidado
O poder familiar [17] exercido pelos pais em relação aos filhos menores expressa o conjunto de deveres, direitos e responsabilidades que compreendem o exercício da parentalidade em benefício da família. Trata-se de empreender os cuidados necessários à pessoa em desenvolvimento.
As crianças não mais podem ser vistas como objeto de tutela, mas, sim, como sujeito de direitos, e, diante da vulnerabilidade que lhes é própria, em razão da condição de pessoas em desenvolvimento, são titulares do direito à proteção integral em face da família, da sociedade e do Estado [18].
Segundo leciona a professora Heloisa Helena Barboza, “a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças confere bases constitucionais ao cuidado como valor, que constitui um componente significativo das regras vigentes no ordenamento jurídico brasileiro” [19]. A autora aduz, ainda, que “a presença do cuidado como valor pode ser identificada em diversos direitos fundamentais consagrados pela Constituição da República e constitui a base dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, indicados no art. 227 da Lei Maior” [20].
Portanto, como valor jurídico, o cuidado impõe a proteção das vulnerabilidades da pessoa em desenvolvimento, o que, embora seja dever de todos – família, sociedade e Estado -, manifesta-se em face dos pais por meio do poder familiar.
Essa base axiológica pautada no cuidado e voltada à proteção dos menores embasa também o princípio do melhor interesse da criança, contemplado expressamente na Convenção Internacional dos Direitos da Criança [21], segundo o qual todas as ações em âmbito administrativo, legislativo ou judicial devem direcionar-se ao atendimento dos interesses das crianças primordialmente, de modo que qualquer situação a envolvê-las deve ser dirimida de acordo com o que lhes seja melhor, afastando-se as razões meramente egoísticas das demais pessoas envolvidas, inclusive dos pais, se for o caso.
João Baptista Villela, em 1980, mais uma vez atento às mudanças sociais que repercutiram na família, ainda sob a vigência do Código de Menores e do Código Civil de 1916, portanto antes da vigência da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Civil de 2002, apontou a mudança da posição do filho na família, pois ele deixa de ser objeto exclusivo do arbítrio dos pais no exercício do poder familiar para assumir um papel de interlocutor, “enquanto as prerrogativas dos pais, tutores e guardiães sofrem todas as limitações que se revelem necessárias à preservação daquele valor [bem do menor] [22]“.
A ética do cuidado, norteadora da legislação vigente, em benefício das crianças e dos adolescentes 23 como pessoas em desenvolvimento, impõe à relação paterno-materno-filial que as funções parentais sejam exercidas com a finalidade de atender ao melhor interesse da criança e, por consequência, proporcionar-lhes as melhores condições possíveis para alcançar a vida adulta.
Importante realçar que, segundo dispõe o art. [23] do Estatuto da Criança e do Adolescente, as condições materiais não podem representar motivo para a perda ou suspensão do poder familiar, do que se depreende que não são razões econômicas que determinarão as melhores condições de desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, mas, sim, o cuidado despendido pela família.
O exercício das funções parentais, como manifestação de afeto, portanto, implica ações de cuidado na direção do melhor interesse das crianças e dos adolescentes, em razão da vulnerabilidade dessas pessoas em desenvolvimento. O conjunto de direitos, deveres e responsabilidades entre pais e filhos no seio da família constitui o poder familiar como expressão do cuidado dos filhos. Segundo Luiz Edson Fachin, professor da Universidade Federal do Paraná e ministro do Supremo Tribunal Federal, o relacionamento recíproco entre pais e filhos recebe um viés dialógico, no qual os pais também se beneficiam da educação e da criação ministrada aos filhos [24], evidenciando-se as mudanças da família pós-moderna.
A concepção do poder familiar consentânea com o ordenamento jurídico vigente, que inaugurou uma série de medidas em prol da proteção integral da criança e do adolescente, a partir da Constituição Federal de 1988, associa-se ao dispêndio de ações de cuidado em prol dos filhos que transcende os deveres legalmente elencados no art. 1.634 do Código Civil, referentes à criação e à educação, à guarda, à representação e ao suprimento de consentimento, à obediência e à sequela [25].
No entanto, considerando-se que o cuidado das crianças e dos adolescentes é dever de todos – família, sociedade e Estado, conforme preceitua o art. 227 da Carta Magna -, é necessário conjugar as ações de cuidado ao afeto parental para extrair-se o conceito da parentalidade socioafetiva.
Salienta-se que neste breve estudo importam as relações parentais socioafetivas que não coincidem com a paternidade registral, com a finalidade de serem fixados critérios para o estabelecimento daquelas, de modo a surtir todos os efeitos de direito próprios da relação materno-paterno-filial. Portanto, não seria crível caracterizar-se a parentalidade socioafetiva a partir do exercício fático do poder familiar, eis que alguns dos direitos, deveres e responsabilidades decorrentes do art. 1.634 do Código Civil dependem da prova jurídica da filiação por meio do registro civil, sob pena de ausência de legitimidade.
Ademais, com relação às pessoas não sujeitas ao poder parental e que, por essa razão, não são aplicáveis as normas protetivas referentes às crianças e aos adolescentes, pois alcançada a maioridade civil, não se vislumbra óbice apriorístico no estabelecimento da parentalidade socioafetiva, pois, embora a vulnerabilidade seja acentuada nas pessoas em desenvolvimento, ela não cessa em termo certo, uma vez que consiste em condição ontológica de todo o ser humano [26]. Nesses casos, embora não se possa limitar a parentalidade socioafetiva pelo princípio do melhor interesse da criança, mostra-se aplicável o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum“.
Conclui-se, portanto, que o cuidado parental com relação aos filhos caracteriza a relação materno-paterno-filial socioafetiva. O exercício fático dos direitos, deveres e responsabilidades próprios do poder familiar serve de diretriz para o estabelecimento da parentalidade socioafetiva, embora a ausência de legitimidade para exercê-los na integralidade não seja prejudicial à formação do vínculo filial. Por isso, parece mais consentâneo afirmar-se que a relação parental socioafetiva depende das ações de cuidado, entre as quais a criação e a educação dos filhos menores e todos os demais consectários do poder familiar que não sejam incompatíveis com o exercício fático da parentalidade.
3.3 A Posse de Estado de Filho
As reformas do direito civil francês de 1972 e 1982 acarretaram substanciais mudanças no direito de família daquele país, entre as quais a possibilidade de estabelecimento da filiação por meio da posse de estado de filho, de acordo com o art. 311-1 [27], que, para a formação do vínculo parental, considera a reunião de fatos que revelam a parentalidade entre uma pessoa e a família a que se diz pertencer. Além disso, a posse de estado exerce também a função de reforçar a filiação registral, tornando-a inacatável pelas partes.
No direito brasileiro vigente, a posse de estado de filiação não está expressamente prevista no direito positivo, embora se depreenda do art. 1.605 do Código Civil [28] a possibilidade de produção de prova da filiação por qualquer meio, nas hipóteses de falta ou registro do termo de nascimento.
Portanto, diferentemente do direito francês, o direito positivo brasileiro não se ocupou expressamente do estabelecimento da filiação por meio da posse de estado, embora tenha admitido outras formas de constituição de vínculo parental além da consanguinidade e da adoção, dando margem ao reconhecimento da filiação socioafetiva.
A ausência de previsão expressa, entretanto, não revela óbice a que se reconheça a posse de estado de filiação como forma autônoma de estabelecimento da relação parental socioafetiva, com fundamento na cláusula geral instituída pelo art. 1.593, ao indicar pela expressão “outra origem” a não taxatividade das formas de filiação expressas no diploma civil.
Eis a interseção entre a filiação socioafetiva e a posse de estado de filiação.
A socioafetividade parental consiste na apropriação de deveres, direitos e responsabilidades decorrentes do vínculo materno-paterno-filial voltada ao cuidado das vulnerabilidades da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. O exercício, portanto, da parentalidade socioafetiva não se condiciona ao vínculo biológico prévio ou à incidência de presunção de parentalidade; revela-se nas ações do cotidiano, que firmam a identificação do estatuto parental e filial dos sujeitos envolvidos: como conceito relacional, incute o estado familiar no pai, na mãe e no filho perante a sociedade e perante a própria família.
Desse modo, a posse de estado atua como exteriorização da parentalidade socioafetiva, desvelada na tríade nominatio, que “implica a utilização pelo suposto filho do patronímico, tratactio, que se revela no tratamento a ele deferido pelos pais, assegurando-lhe manutenção, educação e instrução, e reputatio representando a fama e a notoriedade social de tal filiação” [29]. É por meio da posse de estado de filho que a socioafetividade da relação paterno-materno-filial torna-se objetivamente cognoscível.
O requisito nominatio como sinal exterior da parentalidade socioafetiva deve ser mitigado ante a incompatibilidade com o sistema filial, pois prevalecente o registro civil para a identificação pessoal, além da maior relevância do prenome sobre o patronímico na cultura brasileira [30].
A posse de estado como forma de estabelecimento da filiação socioafetiva foi tratada no Projeto de Lei nº 470/2013, que pretende instituir o Estatuto das Famílias, por iniciativa da senadora Lídice da Mata e elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam). Caso seja aprovado o Projeto de Lei, a posse de estado, à semelhança do direito francês, além de constituir prova da filiação na ausência ou no defeito do registro, quando associada à filiação registral, terá o efeito de tornar a parentalidade inatacável, tanto pelos pais quanto pelo filho [31].
Nesse sentido, a parentalidade socioafetiva estabelecida por meio da posse de estado de filho poderá prevalecer sobre o critério biológico da parentalidade, quando somada à filiação registral, casos em que o pai ou a mãe assim o é de direito e de fato, razão pela qual descaberia a impugnação fundada no fato biológico.
4 O Papel da Vontade no Estabelecimento da Parentalidade Socioafetiva
O nascimento com vida, segundo a classificação de Pontes de Miranda, corresponde a fato jurídico em sentido estrito, por ser fato biológico apto a surtir efeitos jurídicos. A adoção, por outro lado, estabelece a filiação por meio de ato jurídico em sentido estrito, cuja vontade é elemento determinante para sua existência. Indaga-se, portanto, sobre a socioafetividade: a vontade influencia o vínculo parental socioafetivo em sua constituição e desconstituição?
A jurisprudência brasileira tem caminhado no sentido de conceber a filiação como ato de vontade e, quanto à socioafetividade, algumas decisões tratam a determinação do critério da parentalidade como direito potestativo do filho, o que merece duras críticas.
Basta analisar o seguinte trecho do Recurso Especial 1.203.874/PB, de relatoria do Ministro Massami Uyeda, para quem assiste ao filho “o direito de, a qualquer tempo, vindicar judicialmente a nulidade do registro em vista à obtenção do estabelecimento da verdade real, ou seja, da paternidade biológica“. O caso refere-se ao que se convencionou denominar pela doutrina e pela jurisprudência de “adoção à brasileira“, que consiste no ato de reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade registral por aquele que não guarda vínculos biológicos com quem assume como filho, sem passar pelos trâmites burocráticos da adoção. O adotado em questão descobriu a inverdade biológica da parentalidade depois de alcançada a maturidade e, descobertos os pais biológicos, pretendeu a retificação de seu registro civil, de forma a ignorar patentemente qualquer vínculo socioafetivo mantido com os pais de criação. O Superior Tribunal de Justiça, então, em lamentável decisão, firmou o entendimento de que o filho pode, a qualquer tempo, optar pela retificação do registro para fazer constar a parentalidade biológica. Desse modo, houve o desprestígio da parentalidade socioafetiva em relação ao vínculo biológico no caso em que a convivência familiar e a formação do indivíduo já restavam consolidadas.
A decisão prolatada ainda é passível de reforma pelo Supremo Tribunal Federal, que reverá a matéria por meio da apreciação do Recurso Extraordinário 692.186/PB, ainda pendente de julgamento.
Ao julgar o Recurso Especial 1.330.404/RS, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Belizze, o mesmo Superior Tribunal de Justiça decidiu que “o estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido como tal. É dizer: as manifestações de afeto e carinho por parte de pessoa próxima à criança somente terão o condão de convolarem-se numa relação de filiação se, além da caracterização do estado de posse de filho, houver, por parte daquele que despende o afeto, a clara e inequívoca intenção de ser concebido juridicamente como pai ou mãe daquela criança. Portanto, a higidez da vontade e da voluntariedade de ser reconhecido juridicamente como pai, daquele que despende afeto e carinho a outrem, consubstancia pressuposto à configuração de toda e qualquer filiação socioafetiva. Não se concebe, pois, a conformação desta espécie de filiação, quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de consentimento (…). Encontrar-se-ia, inegavelmente, consolidada a filiação socioafetiva se o demandante, mesmo após ter obtido ciência da verdade dos fatos, ou seja, de que não é pai biológico do requerido, mantivesse com este, voluntariamente, o vínculo de afetividade, sem o vício que o inquinava” (grifos nossos). Nesse caso, a parentalidade socioafetiva foi desconstituída por ter havido, segundo o relator, vício de consentimento no ato de reconhecimento do filho, pois o suposto pai teria sido enganado pela mãe, que o fez crer na existência de vínculo biológico.
O risco de se delegar a fixação do critério da parentalidade ao alvedrio da parte consiste na submissão da escolha a juízos de conveniência que levam em consideração as prioridades pessoais nem sempre compatíveis com o direito civil contemporâneo. Em suma, a possibilidade de estabelecimento da parentalidade civil por outras origens, além da adoção, pode desvirtuar a relação paterno-materno-filial, segundo interesses meramente patrimoniais, caso não sejam construídos critérios sólidos, o que violaria frontalmente os valores jurídicos do afeto e do cuidado, que permitiram a inserção da socioafetividade como forma de estabelecimento da parentalidade.
Nesse sentido, é louvável o Projeto de Lei do Estatuto das Famílias, o qual, se aprovado, albergará situações como aquela julgada pelo Superior Tribunal de Justiça para tornar impassível de impugnação a filiação registral somada à posse de estado de filiação, à semelhança do direito francês.
Restaria clara, portanto, a classificação da filiação socioafetiva como ato-fato jurídico, pois a vontade, embora possa fazer-se presente na autodeterminação do indivíduo ao assumir para si filho de outrem, não constitui pressuposto para o estabelecimento do vínculo parental fático, baseado no afeto. Essa afirmação é corroborada pela impossibilidade de impugnação da parentalidade pelos pais ou pelo filho, quando somado ao registro evidenciar-se a posse de estado, como exteriorização do vínculo paterno-materno-filial. Por essa razão, ambos os casos acima colacionados seriam decididos em sentido diametralmente oposto àquele firmado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Como ato-fato, os sujeitos devem curvar-se à relação consolidada no tempo de forma inexpugnável, não sujeita a arrependimentos ou a vícios de vontade.
As afirmações acima não devem conduzir à conclusão de que a parentalidade socioafetiva deve prevalecer de forma apriorística sobre os demais critérios de estabelecimento da parentalidade, mas apenas conclui-se que a solução do direito francês e do Projeto de Lei nº 470/2013 parece consentânea com fundamentos do direito civil contemporâneo para dirimir os conflitos entre o critério afetivo e biológico quando aquele estiver reforçado pela parentalidade registral.
Aliás, não se pode ignorar que, pelo princípio da parentalidade responsável, estampado no § 7º do art. 226 da Constituição Federal, os pais biológicos devem responsabilizar-se pelo resultado do exercício da liberdade sexual que lhes é garantida [32]. Retomando-se a lição de João Baptista Villela, vislumbra-se uma tendência à cisão entre a responsabilidade pela procriação e o exercício efetivo da função parental, de modo que o pai fornecedor do material biológico pode não coincidir com aquele que constrói a relação parental com base no afeto. Deve-se ter cuidado, entretanto, para que a socioafetividade não gere como efeito a irresponsabilidade pela prole biológica [33].
Por derradeiro, descartar-se o papel da vontade na constituição e, principalmente, na desconstituição do vínculo parental socioafetivo, exigindo-se tão somente a posse de estado de filiação, resolve juridicamente o problema social da fragilidade dos vínculos na pós-modernidade, já apontado pelo sociólogo Zygmunt Bauman [34]. É necessário reforçar, também, que, na acepção jurídica, afeto e amor não se confundem. O afeto que nucleia as relações parentais socioafetivas é o vínculo de identificação da função parental na interação materno-paterno-filial, que gera efeitos jurídicos a partir de sua exteriorização por meio da posse de estado. Embora esse vínculo possa estar fragilizado na pós-modernidade, como estão, na visão do sociólogo polonês, todos os vínculos pessoais, a perenidade de seus efeitos jurídicos deve ser tutelada pelo direito, afinal, os deveres, os direitos e as responsabilidades decorrentes da parentalidade de fato não estão condicionados à existência de amor, ou seja, da carga positiva do afeto. Assim, impor a vontade como elemento de constituição da parentalidade socioafetiva é aproximar perigosamente o afeto do amor e, portanto, pôr em risco a juridicidade daquele.
5 Considerações Finais
O afeto como valor jurídico constitui pressuposto do estabelecimento do vínculo parental socioafetivo, cujo fundamento legal imediato remete ao art. 1.593 do Código Civil brasileiro, que permite o estabelecimento da parentalidade por outra origem que não a biológica ou a adotiva.
A construção da parentalidade socioafetiva como categoria jurídica empresta da posse de estado os requisitos para o seu estabelecimento, que são a nominatio, a tractatio e a reputatio, nada obstante a relativização do uso do nome, diante das peculiaridades culturais brasileiras, bem como da identificação da pessoa pelo registro de nascimento. É a posse de estado de filho, portanto, que torna a socioafetividade objetivamente cognoscível, como manifestação dos valores jurídicos do afeto e do cuidado.
Além da constatação da socioafetividade por meio da posse de estado de filiação, o estabelecimento da parentalidade fundada no afeto deve condicionar-se ao atendimento do melhor interesse da criança e do adolescente, segundo as normas protetivas das pessoas em desenvolvimento, entre as quais se cita a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro com estatura constitucional. Assim, não são os interesses dos pais que deverão nortear a socioafetividade, mas, sim, os interesses dos filhos enquanto pessoas em desenvolvimento.
Por interpretação sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente, deflui-se que não são as condições materiais proporcionadas pelos pais que correspondem ao melhor interesse da criança e do adolescente, mas, sim, as condições existenciais que favorecem o desenvolvimento de suas potencialidades.
Portanto, quando a socioafetividade manifestar-se em relações paterno-materno-filiais com pessoas consideradas crianças ou adolescentes, o limite para o estabelecimento da parentalidade é o princípio do melhor interesse da criança, aliado aos requisitos da posse de estado de filiação.
Com relação ao estabelecimento da parentalidade socioafetiva entre maiores, não se verifica óbice jurídico apriorístico, mas deve o juiz, por mandamento do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, observar os fins sociais e as exigências do bem comum na aplicação da lei, a fim de evitar o desvirtuamento do afeto e do cuidado como valores jurídicos em detrimento de interesses meramente patrimoniais.
Em qualquer dos casos, no entanto, a vontade não constitui elemento indispensável para o estabelecimento da relação parental socioafetiva, porque nessa modalidade de filiação importa ao direito apenas a exteriorização do afeto, como requisito, por meio da posse de estado de filho, o que caracteriza a parentalidade socioafetiva como ato-fato jurídico e a distância da adoção, instituto correlato por ser também uma das formas de estabelecimento da parentalidade, mas baseado na vontade, classificado, pois, como ato jurídico em sentido estrito.
Referências
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[1] VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade, p. 402.
[2] Assim como já havia proclamado o art. 17.5 do Pacto de San Jose da Costa Rica, que, embora com vigência internacional desde 1978, foi recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro com o Decreto nº 678, em 6 de novembro de 1992.
[3] Art. 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
[4] Convenção da ONU sobre os direitos das crianças (Decreto nº 99.710/90):
“Art. 3.1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.”
[5] Para Eduardo C. B. Bittar, razão e afeto complementam-se, ao contrário do que propugnava o positivismo baseado na lógica cartesiana, que isolava o direito de qualquer elemento não jurídico: “(…) a reflexão filosófica contemporânea deve ser sensível à questão de que a razão não se substitui pelo afeto, mas incorpora o afeto como um modo de praticar uma ética do cuidado. O afeto não exclui a reflexão nem a reflexão exclui o afeto; como instâncias complementares, ambas sobrevivem lado a lado após os longos percursos modernos de expurgos em que lógos soterra éros. Para isso, foram necessárias experiências que demonstraram o desenfreado caráter logomaníaco da razão, que aporta na barbárie” (Democracia, justiça e direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 106).
[6] BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2007
[7] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. In: DIDIER Jr., Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. Salvador: Juspodivm, 2011. p. 435.
[8] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 2012. v. 6. p. 619.
[9]HIRONAKA, Giselda Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta, p. 247.
[10] “Art. 338. Presumem-se concebidos na constância do casamento:
I – Os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal (art. 339).
II – Os nascidos dentro nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação.”
[11] “Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1.597.”
[12] SIMÃO, José Fernando. Catarina, a grande e as inquietações de Zeno Veloso. Disponível em: <http://www.professorsimao.com.br/artigos_simao_cf0513.html>.
[13] GROENINGA, Giselle Câmara. Direito à convivência entre pais e filhos, p. 44.
[14] GROENINGA, Giselle Câmara. Direito à convivência entre pais e filhos, p. 126.
[15] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida, passim.
[16] BITTAR, Eduardo C. B. Democracia, justiça e direitos humanos, p. 86.
[17] “Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I – dirigir-lhes a criação e a educação; II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.”
[18] A Lei Federal nº 8.069/90 dispõe: “Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
[19] BARBOZA, Heloisa Helena. Paternidade responsável: o cuidado como dever jurídico. In: PEREIRA, Tânia. Cuidado e responsabilidade, p. 88.
[20] BARBOZA, Heloisa Helena. Idem, ibidem.
[21] Embora na versão em português internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 99.710/90 conste a expressão “interesse maior da criança”, o que poderia induzir à compreensão do interesse infantil em um aspecto quantitativo de forma equivocada, as versões em língua inglesa e francesa recomendam o entendimento do princípio como o “melhor interesse”, opção adotada por esta articulista, ou “interesse superior”, igualmente compatíveis com a orientação da Convenção.
No original em inglês: “1. In all actions concerning children, whether undertaken by public or private social welfare institutions, courts of law, administrative authorities or legislative bodies, the best interests of the child shall be a primary consideration”. Em francês: “1. Dans toutes les décisions qui concernent les enfants, qu’elles soient le fait des institutions publiques ou privées de protection sociale, des tribunaux, des autorités administratives ou des organes législatifs, l’intérêt supérieur de l’enfant doit être une considération primordiale”.
[22] VILLELA, João Baptista. Liberdade e família, p. 30.
[23] De acordo com o artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, são crianças as pessoas com idade inferior a 18 anos, a menos que, pela legislação de cada país signatário, a maioridade seja alcançada antes. No Brasil, a despeito das discussões sobre a redução da maioridade penal, promovidas em razão da Proposta de Emenda à Constituição nº 171/93, ainda não votada, a maioridade penal é atingida aos 18 anos. No entanto, a Lei Federal nº 8.069/90, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, distinguiu crianças, pessoas com até 12 anos incompletos, de adolescentes, pessoas com idade entre 12 e 18 anos, razão pela qual foram mencionados no texto “crianças e adolescentes”.
[24] FACHIN, Luiz Edson. As relações paterno-filiais à luz do direito civil contemporâneo: reflexões sobre o poder familiar e autoridade parental. In: CASSETARI, Christiano. 10 anos de vigência do Código Civil brasileiro de 2002, p. 562.
[25] Verificar nota 17.
[26] BARBOZA, Heloisa Helena. Vulnerabilidade e cuidado, p. 110.
[27] Art. 311-1 do Código Civil francês:
“La possession d’état s’établit par une réunion suffisante de faits qui révèlent le lien de filiation et de parenté entre une personne et la famille à laquelle elle est dite appartenir.
Les principaux de ces faits sont:
1º Que cette personne a été traitée par celui ou ceux dont on la dit issue comme leur enfant et qu’elle-même les a traités comme son ou ses parents;
2º Que ceux-ci ont, en cette qualité, pourvu à son éducation, à son entretien ou à son installation;
3º Que cette personne est reconnue comme leur enfant, dans la société et par la famille;
4º Qu’elle est considérée comme telle par l’autorité publique;
5º Qu’elle porte le nom de celui ou ceux dont on la dit issue.”
[28] “Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: I – quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.”
[29] FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida, p. 54.
[30] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito de família. v. 6. p. 625.
[31] “Art. 83. O filho registrado ou reconhecido pode impugnar a paternidade, desde que não caracterizada a posse do estado de filho em relação àquele que o registrou ou o reconheceu.
(…)
Art. 85. (…)
- 2º Não cabe a impugnação da paternidade ou maternidade: (…)
II – caso fique caracterizada a posse do estado de filho;”
[32] “A parentalidade responsável representa a assunção de deveres parentais em decorrência dos resultados do exercício dos direitos reprodutivos – mediante conjunção carnal ou com recurso a alguma técnica reprodutiva.” (GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A parentalidade e o cuidado, p. 30)
[33] O Código Civil francês, no art. 342, prevê a ação para fins de subsídios, que autoriza ao filho com paternidade desconhecida demandar as pessoas que mantiveram relações sexuais com a mãe à época de sua geração para obter auxílio em seu sustento. Ou, como preceitua o texto legal, “tout enfant dont la filiation paternelle n’est pas légalement établie, peut réclamer des subsides à celui qui a eu des relations avec sa mère pendant la période légale de la conception”. Essa ação não tem o condão de estabelecer a paternidade, mas apenas de responsabilizar aquele que exerceu a liberdade sexual. No direito brasileiro, entretanto, não há mecanismo específico para a responsabilização dos genitores pela procriação, aplicando-se os princípios da responsabilidade civil em geral.
[34] BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido.