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LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO- LINDB E ALTERAÇÕES PELA LEI 13.675

LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO- LINDB E ALTERAÇÕES PELA LEI 13.675

 Rénan Kfuri Lopes

 

A LINDB, inicialmente conhecida como Lei de Introdução ao Código Civil [LICC], promulgada pelo Decreto-Lei nº 4.657 de 1942, era tratada como um conjunto de normas de introdução ao Direito Civil/Privado, entretanto as normas contidas não versavam apenas sobre o direito provado. Por essa razão sofreu alteração do seu nome através da Lei 12.376/2010 que entrou em vigor em 31 de dezembro do mesmo ano, passando a vigorar com a seguinte redação: “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, afastando qualquer dúvida acerca da amplitude do seu campo de aplicação.

A LINDB é uma norma jurídica que visa regulamentar outras normas, composta por apenas 30 artigos nos quais aborda a vigência da lei, a aplicação da norma jurídica no tempo e no espaço e as fontes do direito, tendo como objetivo orientar a aplicação do código civil, diminuindo controvérsias que foram surgindo desde a sua primeira edição, em 1916. Vale pontuar que se trata de uma norma ATEMPORAL visto que serviu para introduzir diversos códigos e leis.

Dentre as principais finalidades da LINDB, encontra-se:

 

 Estabelecer a Vigência e eficácia das normas jurídicas:

Vacatio Legis é o prazo entre a publicação da norma e a sua vigência, isto é um prazo razoável para que se tenha conhecimento da lei. Caso a Lei não traga em seu próprio texto a data de vigência, será aplicado o art. 1º da LINDB [45 dias].

 

Estabelecer o caso de conflitos das leis no tempo:

As leis modificam com o tempo. O direito é dinâmico, acompanha a sociedade e é necessário uma “regra geral” de funcionamento, para obter um controle organizacional.

 

Estabelecer o caso de Conflito de leis no espaço:

Em casos de dúvidas e conflitos de interpretação de Lei estrangeira x lei brasileira . A LINDB soluciona, tratando sobre tal competência.

 

Critérios hermenêuticos/ Critérios de integração do ordenamento jurídico:

Nem sempre o legislador consegue prevê a totalidade dos fatos, desta forma, para chegar a uma “conclusão” caberá assim uma interpretação.

 

Normas de direto internacional privado

 INTRODUÇÃO DE DEZ ARTIGOS NA LINDB. O QUE MUDA?

A Lei 13.675 de 2018, sancionada em 25 de abril, alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, inserindo dez novos artigos.

Começando do artigo 20, que exige, nas esferas administrativas [órgãos da administração direta], de controle [tribunais de contas e outros] e judiciais [todos os ramos e órgãos de qualquer instância do Judiciário], que não justificam suas decisões com valores jurídicos abstratos sem avaliar os efeitos práticos da decisão.

Em geral, os valores humanos são “valores morais que afetam a conduta das pessoas. Esses valores morais podem também ser considerados valores sociais e éticos e constituem um conjunto de regras estabelecidas para uma convivência saudável dentro de uma sociedade”.

O art. 21 determina que a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar as consequências, ou seja, justificar a decisão. O parágrafo único reclama que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime, para que haja um equilíbrio e um controle maior.

O art. 22 menciona que, na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. O intuito é evitar, que ao gestor sejam impostas ações de cumprimento impossível. Desta forma, agora a decisão deverá inteirar-se da situação do gestor e considerar a realidade, não sendo suficiente a alegação imprecisa que a ele cabe dar efetividade a políticas públicas.

art. 23 requer que a decisão que venha estabelecer novas orientações devem futurar regime de transição. Mudanças administrativas dependem de atos complexos, por vezes licitações que não se fazem em dez dias. Imagina-se uma ordem judicial que determina a retirada de famílias de área de risco. Indubitavelmente o município terá que realocar as pessoas e isto não é possível com facilidade. Desta forma assegurar prazo para que a transição seja feita não é apenas questão de bom senso, mas também uma lei.

O art. 24 torna necessário que as decisões administrativas que retifiquem atos anteriores, devem considerar as orientações gerais da época. A medida é adequada, porque o administrado não pode ser surpreendido pela proibição de algo que antes era permitido. É essencial que haja respeito à boa-fé nos atos administrativos, é necessário que o administrado possa confiar no administrador.

O art. 26 permite que a administração realize os termos de Ajustamento de Conduta, que já são bastante utilizados, e que agora, ganha fundamento legal para poder adotá-los. Isso quer dizer que a administração poderá celebrar compromisso com os interessados em situações irregulares, incertas ou litigiosas.

O art. 27 concede ao administrador impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos. Ou seja, o artigo tem intuito de corrigir situações em que o erro é irreversível, valendo-se a autoridade da compensação como forma de alcançar o interesse público.

O art. 28 foi motivo de grande questionamento, visto que responsabiliza o agente público em caso de dolo ou erro grosseiro. Mas vale enfatizar que esta responsabilização pessoal, não retira a responsabilidade do Estado por atos de seus agentes, conforme prevê o artigo 37,§ 6ºda Constituição.

O art. 29 tem intuito de dar voz a comunidade, ou seja, através da governança participativa é facultado a consulta pública.

O art. 30 por sua vez, busca a segurança jurídica e para isso orienta a administração diversas medidas, entre elas adoção de súmulas administrativas.

De acordo com as pontuações acima, nota-se que a insegurança afasta investidores das atividades econômicas, o que gera consequências sociais graves. E justamente por isso a nova redação da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, visa trazer ao Brasil maior responsabilidade aos atos do Poder Público e às relações entre a administração e o administrado, evitando que hajam medidas fora da realidade que, muitas vezes nem existem possibilidade de serem cumpridas.

 

RESPONSABILIDADE DO GESTOR

Nos últimos tempos houve um notável crescimento de atuação do controle externo, isso causado pela profissionalização e especialização dos Tribunais de Contas, o que causou uma transformação na gestão pública. Apesar de ainda ser falho perante a sociedade, na generalidade, percebe-se uma maior cautela dos gestores públicos no desempenho de suas atividades.

A Lei de Responsabilidade Fiscal foi sancionada nos anos 2000 e é considerada um código de conduta para os administradores públicos, que deverão obedecer normas e limites para administrar as finanças, gerando o dever de prestar contas de quanto e como foram gastos os recursos públicos. Um dos princípios norteadores da lei em questão é o da responsabilidade, onde é imposto ao gestor público cumprir as normas e limites presentes nos dispositivos legais, sob pena de responder por seus atos e sofrer sanções inseridas na própria lei.

Devido a especialização das funções na administração pública, onde gestores de escalões inferiores passam a ter certa autonomia, gerou uma natural descentralização do poder, estimulando o debate sobre a responsabilidade do superior hierárquico de órgão ou ente público.

Houve casos em que o Tribunal de Contas da União ignorou leis que conferiam plena autonomia, inclusive financeira, a secretários municipais, o que previa de certa forma a descentralização da gestão pública. Desta forma, responsabilizavam os prefeitos, sob argumento da culpa in vigilando [que é quando ocorre a culpa por vigiar a execução de que outrem ficou encarregado] e da culpa in elegendo [que a culpabilidade pela escolha de seus prepostos].

Apesar dessa ser a corrente majoritária, houve casos em que a jurisprudência foi contrariada pelo próprio Tribunal de contas da União, considerando a complexidade das situações que estão envolvidas no universo da administração pública, não sendo possível que o superior hierárquico tenha conhecimento de todos os atos de seus subalternos.

Diante do exposto, a Lei 13.655/18 acrescentou dez artigos à Lei de introdução ao Direito brasileiro, trazendo novidades para o meio jurídico em geral, entretanto, inaugurou discussões sobre a possibilidade de responsabilização pessoal do agente público apenas pelos atos praticados em caso de dolo ou erro grosseiro.

Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.

O conceito de erro grosseiro é vago e indefinido, porém, no contexto pode ser entendido como desleixo, desprezo à coisa pública, o que ultrapassa a simples delegação de competências e da culpa in vigilando e in elegendo, como citado anteriormente. Percebe-se que a intenção do legislador foi introduzir uma expressão que exige uma conduta mais grave do que a necessária para caracterizar a mera culpa fundada na teoria da responsabilidade civil, que era o parâmetro de antes.

 

O PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

O controle da administração pública reproduz o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos pelo qual se exerce o poder da fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer umas das esferas do poder. Fiscalizar significa verificar as atividades dos órgãos e agentes administrativos, é examinar se as atividades públicas estão cumprindo suas finalidades. Revisar é corrigir as condutas administrativas, seja por haver vícios de legalidade ou em função de mudanças nas políticas públicas.

No aspecto financeiro, existe uma relação de cooperação entre os Tribunais de Contas e o poder Legislativo, o que está expresso nos artigos 70 a 75 da Constituição Federal de 1988.

Percebe-se dessa forma que o Tribunal de Contas é órgão independente que auxilia os poderes da federação e também à comunidade. Presta informações, pareceres e relatórios ao Poder Legislativo e orienta o Judiciário e Executivo na atuação do controle interno e autotutela da legalidade. Além disso, de acordo com o previsto no §2 do art. 74 da CF/1988, qualquer cidadão poderá denunciar irregularidades e ilegalidades aos Tribunais de Contas, efetivando a participação popular no controle do patrimônio público, o que evidencia o serviço das Cortes de Contas para com a sociedade.

A referida alteração na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, trouxe consequências evidentes para a atuação dos Tribunais de Contas. Por exemplo, as aplicações de sansões com base na simples motivação legal e sem considerar as circunstâncias de fato que motivam uma conduta, não atende mais os propósitos e as finalidades previstas em leis. Além disso, questões relacionadas à figura do próprio agente que praticou a conduta, para desta forma, haverem julgamentos coerentes com a realidade.

Sendo assim, essas mudanças já refletem nas decisões dos tribunais, que passaram a apreciar casos concretos com base no princípio da realidade, assim denominado brilhantemente pelo advogado e pós-doutor em Direito público Rodrigo Pironti, referindo-se ao previsto no artigo 22 da lei que alterou a LINDB: “Decisões como essa remontam a esperança em país tão desacreditado como o Brasil. Que a onda de coerência seja disseminada pelos Tribunais brasileiros pelo princípio da realidade.” [PIRONTI, 2018].

Com o advento da Lei 13.655/18 percebe-se uma nova atuação dos tribunais perante os julgamentos para com os gestores públicos, ou seja, as alterações na lei que rege o Direito brasileiro, consagra de forma definitiva o controle consensual da Administração Pública, estabelecendo mecanismos que visam predominar a noção de consensualidade e justiça.