A LEI DA ALIENAÇÃO PARENTAL: DA INCONSEQUÊNCIA DOS PAIS PARA O BEM-ESTAR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
João Luiz de Almeida Mendonça Noronha
Leonardo Dalto Romero
INTRODUÇÃO
O presente artigo vem debater a Lei 12.318/2010 que dispõe sobre a alienação parental, um instrumento que pretende garantir o desenvolvimento sadio da criança e do adolescente, assim como também preveem a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A prática da Lei tem demonstrado realidades em configuração jurídica do fenômeno que exigem novas reflexões e um reordenamento legal que otimize o enfrentamento, como, por exemplo, em relação à guarda compartilhada, o novo instituto jurídico (Lei nº 11.698/2008) recentemente dinamizado na Lei nº 13.058, de dezembro de 2014, que se apresenta como um importante instrumento dissuasório às práticas de alienação.
O aumento do número de divórcios e o consequente aumento das disputas pela guarda dos filhos demonstram a ocorrência dos atos de Alienação Parental com maior frequência. A desqualificação da conduta entre os genitores na presença do menor, bem como omitir informações pessoais sobre a criança (escolares, médicas, moradia), entre outros artifícios caracterizam o ato da alienação parental.
São atos que podem levar a consequências psicológicas para a vida adulta do menor, a chamada síndrome da alienação parental. Desta forma, detectá-la e combate-la se torna imprescindível. Uma vez acionada a esfera judicial, há uma ampla equipe que auxilia para identificar a alienação parental e a consequente síndrome da alienação parental, como a assistência social e a psicologia.
As jurisprudências apresentadas confirmam a utilização destes instrumentos e demonstra a preocupação da justiça para com o menor, no que diz respeito ao seu desenvolvimento sadio.
Torna-se necessário o permanente debate a respeito e a informação para que os genitores conheçam seus direitos, os direitos dos seus filhos, e, assim, proporcionar uma vida digna às crianças e adolescentes.
1 A LEI 12.318/2010
A alienação parental está disposta na Lei 12.318/2010. Em seu artigo 2 a define como sendo:
[…] ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL, 2010a).
Interferência esta que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com o genitor. A lei não se limita aos atos de alienação por parte dos genitores, mas amplia para os avós ou para todo aquele que detém a autoridade, guarda ou vigilância da criança ou do adolescente. Conforme observa o desembargador Jones Figuêiredo Alves, há que se considerar também alienação:
[…] contra genitores idosos que manipulados por um dos parentes afastam-se dos demais familiares, em virtude de interesses financeiros do alienador.
Lado outro, a experiência judiciária tem revelado bastante que a Lei 12.318/2010 não esgota as formas da alienação, quando preferiu situar, como exemplos, apenas sete hipóteses elencadas no parágrafo único do art. 2º. […] o exercício da parentalidade pode resultar comprometido por atos de pressões econômicas “que não deixam de ser uma forma de alienação. De fato. Inúmeras são as hipóteses. Inconteste, ainda, que genitor provido de melhores condições financeiras poderá induzir alienação parental contra o outro, cabendo a apuração circunstanciada e técnica nos casos concretos. (ALVES, 2015, on-line).
São exemplificados atos de alienação parental:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (BRASIL, 2010a).
Oportuna é a consideração de Almeida Júnior a respeito, quando menciona que “[…] andou bem o legislador quando definiu a alienação parental, sobretudo porque não o fez de maneira exaustiva, valendo-se de noções meramente exemplificativas”. (ALMEIDA JÚNIOR, 2010, on-line).
A lei, redigida de forma didática, pretende que não seja ferido o direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, nem que haja prejuízo nas relações de afeto com genitor e com o grupo familiar. Considera que tais atos constituem abuso moral contra a criança ou o adolescente, além de descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.
Quando é declarado o indício de ato de alienação parental, o processo tem tramitação prioritária e o juiz determina, urgentemente, ouvido o Ministério Público, as medidas necessárias para que seja preservada a integridade psicológica da criança ou do adolescente. Com isso, pretende-se assegurar a convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
No parágrafo único do artigo 4, fica assegurado à criança ou ao adolescente, e também ao genitor, garantia da visitação assistida, porém, não para casos em que possa envolver algum tipo de risco à integridade, seja física ou psicológica da criança ou do adolescente.
No caso de prática de ato de alienação parental, o juiz deverá determinar, segundo a lei, uma perícia psicológica ou biopsicossocial. Essa prática compreende uma entrevista pessoal com as partes, além do exame de documentos dos autos, o histórico do relacionamento do casal e da separação, os incidentes na sua cronologia, bem como uma avaliação da personalidade das pessoas envolvidas e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
Uma vez caracterizados os atos típicos de alienação parental, o artigo 6 estabelece que o juiz poderá:
I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III – estipular multa ao alienador;
IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII – declarar a suspensão da autoridade parental. (BRASIL, 2010a).
Nesse caso, conforme lembra Almeida Júnior, a legislação mesmo permite seja imputada ao alienador uma multa reparatória pela alienação parental. (ALMEIDA JÚNIOR, 2010). Enfim, a Lei nº 12.318/2010, conforme Lima, pretende coibir a alienação parental a partir de um embasamento legal ao judiciário. Afirma o autor que:
Na forma mais simples, alienação parental é a conduta promovida pelo alienador objetivando dificultar a convivência do menor com o genitor alienado. O exemplo mais comum é aquele em que o pai ou a mãe usa o filho para atingir negativamente o outro genitor. (LIMA FILHO, 2010, on-line).
Convém mencionar ainda, além da lei da alienação parental, que a Constituição da República dispõe em seu artigo 227 que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).
Também o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê ampla proteção aos menores.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. […]
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
[…]
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
[…]
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (BRASIL, 1990).
Portanto, o Brasil tem uma ampla legislação para a preservação da dignidade humana e do melhor interesse da criança e do adolescente. A lei que dispõe sobre a alienação parental, especificamente, vem preencher uma lacuna referente à proteção psicológica do menor, uma vez que pretende coibir esse tipo de comportamento tão nocivo à formação da criança e adolescente.
Alves considera que seja admitida em lei como crime porque a prática é um crime contra o próprio filho, que padece da síndrome da alienação parental (SAP), e vai mais além, “[…] podendo até ser reconhecida como crime de tortura […] ao colocá-lo permanente vítima psicológica dos interesses do alienador. São os filhos órfãos de pais vivos.” (ALVES, 2015, on-line).
Por isso há a necessidade da afirmação de uma nova política legal em relação ao tema.
2 SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL – SAP
A literatura a respeito da alienação parental remete ao termo Síndrome de Alienação Parental.
O termo e conceito “Síndrome da Alienação Parental” surgiu em 1985, cunhado pelo psicólogo americano Richard Gardner. Gardner definiu que se trata de um distúrbio da infância em face às disputas de custódia de crianças.
Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a ‘lavagem cerebral, programação, doutrinação’) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. (GARDNER, 1988, p. 19).
Lima destaca que a síndrome da alienação parental não é algo novo, tanto do ponto de vista médico, como do jurídico. Porém, muitos profissionais não sabiam como proceder quando se depararam com situações nas quais ela era causa de litígio, pelo simples fato, muitas vezes, de não conseguir identificá-la.(LIMA FILHO, 2012). Prossegue afirmando que o instituto não era reconhecido e as queixas eram vistas de forma insignificante.
O termo Síndrome de Alienação Parental foi delineado em 1985 pelo psiquiatra Richard Gardner, sendo descrita por ele como um distúrbio no qual uma criança (menor) é manipulada ou condicionada, normalmente por um dos genitores, para vir a romper os laços efetivos com o outro genitor. Geralmente, isso acontece, quando o casamento acaba e os filhos são usados por um dos genitores para atingir o outro. (LIMA FILHO, 2012, on-line).
De forma mais elaborada, Gardner complementa mencionando que:
A Síndrome da Alienação Parental é uma desordem que se origina essencialmente do contexto da disputa pela guarda dos filhos. Sua primeira manifestação é a campanha de denegrir um genitor, uma campanha que não possui qualquer justificativa. Ela resulta da combinação de inculcações feitas por um genitor que realiza programação (lavagem cerebral) e as contribuições da própria criança para transformar o genitor-alvo em vilão. Quando um real abuso parental e/ou uma negligência estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e então a explicação da Síndrome da Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável. (GARDNER, 1998, p. 22).
De acordo com Almeida Júnior, o fenômeno é denominado de síndrome por causa do comportamento das crianças e adolescentes, que são vítimas, e apresentam muitos dos sintomas em comum. (ALMEIDA JÚNIOR, 2010).
Felipe Niemezewski da Rosa lembra que “As separações judiciais possuem alguns tipos que podem afetar de forma distinta os filhos […]”. (ROSA, 2088, p. 4). O psiquiatra A síndrome, portanto, passa a existir a partir do momento em que é consumada a alienação parental.
Com o tempo, a criança não é capaz de discernir a realidade dos fatos inventados e passa a ter como verdade tudo àquilo que o genitor alienante coloca sobre o outro genitor e, inconscientemente ou mesmo de forma consciente, passa a sofrer a Síndrome da Alienação Parental. (LIMA, 2012, on-line).
Maria Berenice Dias discorre a respeito afirmando que o filho, ao ser levado a repetir o que lhe é afirmado, acaba sendo convencido e não consegue discernir que está sendo manipulado.
Com o tempo, nem o alienador distingue mais a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim, falsas memórias. […] É preciso ter presente que esta também é uma forma de abuso que põe em risco a saúde emocional e compromete o sadio desenvolvimento de uma criança. Ela acaba passando por uma crise de lealdade, o que gera um sentimento de culpa quando, na fase adulta, constatar que foi cúmplice de uma grande injustiça. Evidenciada tal postura por parte do genitor guardião, possível a transferência da guarda. (DIAS, 2007, p. 410).
Ou seja, o desenvolvimento da criança é colocado em risco no que diz respeito à sua saúde emocional, que pode levar a um sentimento de culpa na vida adulta. Trata-se, desta forma, de um problema que afeta as áreas do direito e da psicologia. “A psicologia jurídica se une para um melhor entendimento dos fenômenos emocionais que acontecem com os atores processuais, que no caso, seriam os envolvidos no divorcio ou separação, os filhos.” (ROSA, 2008, p. 11).
No entanto, há que se ter clareza de que a alienação parental não pode ser confundida com a síndrome da alienação parental. Conforme Fonseca, a alienação parental é o afastamento do filho ou da filha de uns pais, provocado pelo outro ou outra, geralmente o titular da custodia. A síndrome da alienação parental está relacionada às sequelas emocionais e comportamentais de quem padecer a criança vítima daquele alijamento. (FONSECA, 2006). Ou seja, “Enquanto na síndrome a criança terá condutas de recusas ao contato de um dos genitores, a alienação parental será no caso de um processo de um genitor para afastar o outro genitor da vida do filho.” (ROSA, 2008, p. 15).
Conforme Tranjan,
A Síndrome da Alienação Parental constitui, sobretudo, uma forma de abuso psicológico. A criança, completamente desprotegida, vive por anos esse paradoxo — amar e odiar — tendo de optar entre os próprios pais. A desestruturação familiar causada pela alienação parental prejudica a saúde mental da criança e, consequentemente, a formação de sua personalidade e caráter. (TRANJAN, 2015, on-line).
É por isso que a positivação da Lei da alienação parental é fundamental para mudar o contexto e evitar consequências maiores na vida da criança e do adolescente. O quanto antes a alienação parental for detectada e coibida, tanto antes a síndrome pode ser controlada e trabalhada para evitar maiores danos à criança e ao adolescente. Há que se destacar, por sua vez, que
[…] quem causar algum tipo de dano aos direitos fundamentais básicos inerentes a criança ou adolescente deverá ser punido. […] não há dúvida do cabimento de indenização por danos materiais e morais em face do alienador, pois, a prática de alienação parental ocasiona um dano de ordem moral ao alienado e a criança ou adolescente e a obrigação de reparar os danos materiais sofridos por eles. Ademais, o valor da condenação será definido pelo Juiz conforme os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como também o bom senso. (LVES, LORENCINI, 2015, on-line).
Além de perder a guarda da criança pela prática da alienação parental, cabe ao infrator reparar os danos materiais e morais.
3 JURISPRUDÊNCIA
A justiça tem se mostrado atuante no tratamento dado à alienação parental a fim de inibir a síndrome e as respectivas sequelas. Conforme a desembargadora Simone Lucindo, em caso de alienação parental, votou da seguinte forma:
A demonstração do quadro de alienação ou, ao menos, de comportamento do núcleo familiar paterno inadequado ocorrerá ao longo da ação principal, sendo que, no momento, verifico presente a verossimilhança das alegações da genitora no sentido de que a postura do genitor e de sua companheira tem deixado a criança agitada e agressiva, o que recomenda, até que sejam aprofundados os estudos psicossociais, a proibição do pernoite da criança na residência do genitor. (BRASIL, 2013).
Para fundamentar sua decisão, a relatora recorre ao trabalho da terapeuta, “que a criança possui uma imagem positiva da sua genitora e do seu atual companheiro, o que vai de encontro à postura do genitor de revanchismo e permanente rivalidade.” (BRASIL, 2013).
Após analisar os detalhes, a relatora decide:
Por tudo isso, reputo que a preservação do melhor interesse da criança, na hipótese, dá ensejo à restrição do direito de visitas do genitor, até que, com esteio em elementos de prova a serem produzidos na ação principal, sejam definidas diretrizes para uma melhor convivência da criança, o que recomendará a redução do conflito entre os genitores, bem como a criação de novos canais que viabilizem o crescimento sadio da criança. (BRASIL, 2013).
A decisão visa o melhor interesse da criança. Também decide pela clareza de diretrizes para uma melhor convivência e redução do conflito.
Em outro caso de indício de alienação parental, a desembargadora Versiani Penna decide pelas visitas supervisionadas por profissional forense, diante dos estudos psicossociais realizados: “Estudo social que concluiu que ‘existem dificuldades sérias e ainda obscuras que inviabilizam, no atual estágio de sofrimento da adolescente, o retorno à visitação a sua genitora’“. (BRASIL, 2013).
O aspecto a se considerar no referido caso é que a adolescente não pretende voltar ao convívio com a sua mãe, alegando ter sido criada pelo pai e avó paterna, além de sofrer com tios maternos. Porém, a desembargadora destaca que “não se infere dos autos nenhuma conduta grave da mãe/recorrida que tenha ocasionado essa repugnância da filha, o que corrobora a tese de alienação parental ventilada em contraminuta, praticada pelo pai.” (BRASIL, 2013).
Disto supõe-se alienação parental por parte do pai. No entanto, ainda assim, a visita supervisionada foi recomendada porque o relacionamento com a genitora estava comprometido. Também decide que é
[…] essencial para o desenvolvimento da criança que ela sinta protegida e assistida por ambos os genitores, o pai, ora agravante, e seus familiares, principalmente, a avó paterna, devem incentivar e desmistificar a convivência materna; até porque a genitora recorrida nunca desistiu da filha, insistindo em acordos com o recorrente e mesmo na busca de medidas judiciais. (BRASIL, 2013, grifo nosso).
Desta forma, a fim de vislumbrar o melhor para a adolescente, a decisão insiste na participação de ambos os genitores para o desenvolvimento da filha. Assim, sendo assistida por ambos, a chance de desenvolver os sintomas da síndrome da alienação parental são menores.
A fim de ilustrar de forma mais completa como a justiça tem tratado a questão da alienação parental, destaca-se ação contra o pai que, após a dissolução de união estável, subtrai o filho e se muda para lugar incerto. Foi localizado pela mãe apenas 5 anos depois. Nesse período, o genitor passava à criança conceitos distorcidos a respeito da figura materna com o intuito de obter a exclusividade do seu afeto, a rejeição da figura da mãe, a sua cumplicidade e consequente manutenção do seu paradeiro em segredo.
A criança, ao ser inquirida em audiência de conciliação, já na guarda da mãe, mencionou:
[…] residira na companhia do pai na Argentina, no Paraguai e no Chile, além de cidades do Estado de São Paulo e em Barra Velha, e que “prefere ficar sobre (sic) a guarda de sua mãe. Que é bem tratado pela mãe e está estudando.” Esclareceu, ainda, que “não frequentou a escola no tempo em que morou com o seu Pai” e que “não gostaria de permanecer com o seu pai em visita longa porque tem medo que o seu pai lhe bata, como o fazia, com uma cinta”. (BRASIL, 2010b).
Foi, também, realizado relatório de estudo social, no qual a Assistente Social anotou:
[…] R. adaptou-se plenamente ao convívio dos familiares maternos. Teme e repudia o contato c/ a figura paterna na atualidade. […] Dos relatos obtidos, depreende-se ainda que o infante não tinha desenvolvido hábitos básicos de higiene, não escovava os dentes, p. ex., tendo retornado ao convívio materno c/ péssima saúde bucal. […] São fortes os indicadores de que o Sr. A. provocou a ruptura do vínculo mãe-filho injustificadamente, acarretando c/ sua conduta prejuízos graves ao desenvolvimento bio-psico-social do infante. São verossímeis e dramáticos os relatos de R. acerca do período em que esteve sob a autoridade exclusiva e abusiva do genitor. […] são apresentados fatos concretos e recentes que indicam a permanência da atitude onipotente e degradadora do Sr. A. Diante disso, o infante vem rejeitando os contatos c/ a figura paterna. […]. (apenas as iniciais foram apresentadas para proteger as partes). (BRASIL, 2010b).
Também foi realizado laudo psicológico por Psicólogo Judiciário, que registrou:
[…] R. procurou a sua maneira relatar que o Sr. A. lhes passava uma imagem totalmente distorcida sobre a Sra. D. H.. R. nos quis mostrar que o seu genitor procurava introjetar ideias errôneas sobre a pessoa da Sra. D. H. com o intuito de fazer com que o mesmo pudesse ficar com ele […] e quando o infante questionava ou não aceitava algumas situações, o genitor lhe impingia castigos corporais […]. Tudo o que nos foi trazido em entrevista, tanto por parte da Sra. D. H. quanto pela colocações do infante R., nos leva a perceber que a atitude do Sr. A., trouxe um forte sentimento negativo e repulsivo por parte daqueles que poderiam compartilhar de momentos agradáveis, principalmente do filho. […] R. vem passando por momento que lhe dão prazer, mas ao mesmo tempo se vê atemorizado com a ideia de seu pai levá-lo embora, que seja permitida a sua guarda para ele e até mesmo visitas. Foi incisivo em não querer contato com a figura paterna. […]
Conclusão:
Estamos diante de um caso em que os entrevistados nos trazem situações que denotam fortes indícios de que o requerente tenha tentado através de suas ações uma ruptura dos laços afetivos do infante com a sua genitora, agindo de uma forma que na literatura referente à psicologia jurídica é chamado de “Alienação parental”, na qual um dos cônjuges tenta transformar a imagem completamente do outro, passando para o filho ou filhos conceitos distorcidos, com o intuito de ficar unicamente com o afeto deste (s), havendo consequentemente a rejeição ao outro cônjuge.
Na atualidade observamos que o infante R. vem vivenciando momentos felizes junto a sua mãe e familiares maternos, com recíproco envolvimento emocional. Todavia, apresenta forte sofrimento psíquico quando o assunto tratado é a possibilidade de contato com o Sr. A. […]. O infante se vê ameaçado por tudo o que o pai lhe fez, e que caso seja permitido o contato com ele, se vê diante de situações subjetivas e concretas que o desestabilizam emocionalmente. […] (apenas as iniciais foram apresentadas para proteger as partes). (BRASIL, 2010b).
Assim, diante dos laudos apresentados e da manifestação da criança em audiência, as visitas pelo genitor foram suspensas. Segundo o desembargador Nelson Schaefer Martins, as provas dos autos revelam que durante o longo período em que esteve sob os cuidados do pai a criança foi privada dos mais diversos direitos inerentes ao seu desenvolvimento sadio e completo, a saber: liberdade, educação, lazer, socialização, acesso à cultura, convivência familiar e comunitária. Além disso, foi submetido a tratamento desumano e a pressão psicológica, pois afastado do convívio de sua mãe desde a idade de 3 (três) anos até os quase 9 (nove) anos, sendo incutida imagem distorcida de sua genitora, com repercussões na sua identidade e em seus valores. (BRASIL, 2010b).
Por conta disso, a decisão no caso foi condicionar as visitas a serem realizadas pelo pai a prévios tratamentos psiquiátrico e psicológico por parte deste, e que estas sejam realizadas de forma gradativa e mediante acompanhamento por psicólogo com a concordância expressa e pessoal do adolescente em juízo.
Fato é que para obter sucesso no combate aos efeitos, os genitores alienados […] eram pessoas equilibradas, racionais e razoáveis, que controlavam suas emoções e tinham capacidade acima da média para serem pais. Eles tinham princípios, respeitavam a Lei e amavam seus filhos acima de qualquer coisa, não os abandonando nunca, apesar do desânimo que às vezes os acometia. (LVES, LORENCINI, 2015, on-line).
Além disso, comentam Alves e Lorencini que estes genitores alienados puderam se “recuperar” porque puderam suportar gastos necessários, ter boa assessoria jurídica, conhecimento das leis, além de acompanhamento psicológico adequado.
CONCLUSÃO
A lei que dispõe sobre a alienação parental vem a ser importante instrumento para a preservação da dignidade humana da criança e do adolescente. A Constituição Federal, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, completam esse “leque” de proteção ao menor, visando o seu melhor desenvolvimento.
Importante salientar que a Lei – ainda que seja sempre necessário contemplar novas formas de alienação, e mesmo até tipificar como crime[3], conforme defende Alves, anteriormente citado – não está sozinha. Cada vez mais atentos à questão, com a intenção de inibir a prática e prestar assistência psicológica às crianças e adolescentes vítimas de alienação parental, há Projetos de Lei (PL) no Congresso que modificam o CC e a Lei 12.318/2010. Há o PL 5.197/09, que inclui a síndrome da alienação parental como causa de perda do poder familiar; o PL 7.569/14, que dispõe sobre a implantação do programa de atendimento psicológico às vítimas de alienação parental; e, o PL 1.079/15, que institui campanhas permanentes de combate à alienação parental.
A síndrome da alienação parental, que passa a existir a partir do momento em que é consumada a alienação parental, tem profundos reflexos na vida futura do menor. Desta forma, detectá-la e combatê-la se torna imprescindível. Para isso, uma vez acionada a esfera judicial, há uma equipe que auxilia para identificar a alienação parental e a consequente síndrome da alienação parental, como a assistência social e a psicologia.
Há que se mencionar o instrumento da guarda compartilhada como meio de se evitar a ocorrência da alienação parental, uma vez que surge como opção quando não há acordo entre os pais. Assim, as crianças têm o direito fundamental de conviver com ambos os genitores, estes participando e acompanhando de perto o desenvolvimento. É bem verdade que a guarda compartilhada não evita a alienação parental, mas dá igual poder de guarda para os genitores, fazendo com que os esforços para algum destes desqualificar o outro não surtam os efeitos desejados. Afinal, a guarda igualitária foi definida em juízo.
As jurisprudências apresentadas confirmam a utilização destes instrumentos e demonstra a preocupação da justiça para com o menor, no que diz respeito ao seu desenvolvimento sadio. Desta forma, resta informar a população destes instrumentos para coibir cada vez mais esse ato de violência.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. Comentários à Lei da alienação parental. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/17351/comentarios-a-lei-da-alienacao-parental-lei-no-12-318-2010#ixzz36q3GBg6w. Acesso em 25 maio 2021.
ALVES, Adrianizio Paulo de Oliveira; LORENCINI, Fernando Cesar. Limites e Possibilidades da Identificação da Alienação Parental. JusBrasil, 16 set. 2015. Disponível em: http://adrianizio.jusbrasil.com.br/artigos/232867526/limites-e-possibilidades-da-identificacao-da-alienacao-parental?ref=topic_feed. Acesso em 19 maio 2021.
ALVES, Jones Figueiredo. Alienação parental: pais desconstruídos – Lei completa cinco anos. Disponível em: http://www.familiaesucessoes.com.br/2015/08/alienacao-parental-pais-desconstruidos-lei-completa-5-anos/. Acesso em 18 maio 2021.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.pdf. Acesso em: 10 maio 2021.
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[1] Mestrando do Programa de Mestrado em Direito da EPD – Escola Paulista de Direito. Registrador Civil e Tabelião de Notas no Estado de Minas Gerais.
[2] Mestrando do Programa de Mestrado em Direito da EPD – Escola Paulista de Direito. Tabelião de Notas e Protesto no Estado da Bahia. Especialista em Direito Notarial e Registral. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Graduado em Direito pela PUC-Campinas.
[3] O desembargador aposentado Caetano Lagrasta Neto, em entrevista ao portal Migalhas, também defende como podendo ser crime de tortura, conforme o grau de dolo: “Sempre fui defensor, em julgados ou em obras de doutrina, da aplicação da pena de acordo com a gravidade do delito praticado e não resta dúvida que a alienação parental dependendo do grau de dolo é, tipicamente, um crime de tortura”. (CAETANO, 2015).