A LEGITIMAÇÃO PELO CONTRADITÓRIO NA REALIZAÇÃO DA PERÍCIA: A NECESSIDADE DE OPORTUNIZAR A NOMEAÇÃO DE ASSISTENTE TÉCNICO
Cássio Benvenutti de Castro
Sumário: Introdução. 1 O modelo constitucional de processo. 1.1 O direito fundamental de provar. 1.2 A igualdade como posições processuais equilibradas. 1.3 O contraditório material como mais-valia da oportunidade. 2 O movimento institucional para concretizar o modelo constitucional de processo. 2.1 A gestão dos efeitos negativos ao patrimônio da parte: o processo como procedimento em contraditório. 2.2 O novo Código de Processo Civil e a reforma do Código de Processo Penal como eixos monumentais da irradiação normativa determinada pela Constituição. 2.3 O papel dos tribunais superiores e do Conselho Nacional de Justiça. Conclusão com um peso a mais. Referências.
Introdução
A perícia assinala a colocação da ciência para dentro do processo. O julgador deve estar atento a esse fenômeno tanto na fase da (a) produção da prova, com a oportunização da nomeação de assistente técnico pelo interessado, quanto na fase de (b) valoração da prova, com o escrutínio do método utilizado pelo perito.
Um perfil conceitual ou formalista da perícia, provavelmente, faz referência ao perito como um auxiliar do órgão que o nomeia. Nesse caso, as conclusões do perito poderiam assumir um impróprio argumento de razão da autoridade – e não a força da autoridade da razão. Nessa hipótese, na prática, o sistema correria o risco de delegar o veredicto para o perito, já que o operador do direito poderia se omitir em seu juízo crítico e sempre fazer valer as conclusões do laudo, por intermédio de motivações genéricas com a bricolagem das respostas periciais.[1] Um esquema que violenta a dignidade da parte, a igualdade dinâmica e o contraditório material. Enfim, arremeda o estado de coisas determinado pelo Estado Constitucional.
De outro lado, um perfil funcional (e constitucional) não admite a cristalização da decisão a partir do trabalho do perito. Em primeiro lugar, a tecnologia e a ciência relacionam um diagnóstico a um possível prognóstico. Inferese, portanto, que o laudo pericial fornece uma crítica persuasiva, que deve ser legitimada no cotejo à perspectiva apresentada pelo assistente técnico. A funcionalidade contemporânea da prova como argumento é compromissada ao debate que, institucionalmente, respeita o contraditório forte. Ou seja, no certame da produção da perícia, ela deve ser legitimada procedimental e materialmente. Após, na fase da valoração da prova, o laudo pode ser escrutinado por uma análise dos critérios que respaldam o trabalho do profissional, o que está previsto na própria literalidade do Código de Processo Civil (interpretação sistemática dos arts. 473, III, e 479).[2]
Na medida em que o juiz não conhece a técnica, para ele melhor valorar a perícia, é suposto que a produção da prova seja legitimada de maneira justa e equilibrada. Uma fase subentende a outra – ainda que se repute o perito como assistente do julgador, o operador jurídico deve sopesar as linhas do código à luz da densidade constitucional.
A justiça na produção da prova é premissa de uma boa valoração dessa mesma prova, principalmente levando em conta que o texto do art. 375 do Código de Processo Civil produz efeitos colaterais perigosíssimos caso adotado somente o texto legislado, e não a norma a ser concretizada. Um operador desavisado poderia imaginar que basta o advento de um laudo para que ele seja adotado como “definitivo” em uma decisão. Pelo contrário, tanto na produção da prova pericial como na valoração do laudo, é imprescindível ter cuidado durante a instrução e na decisão da questão de fato, aprofundando-se nas circunstâncias que conferem lisura procedimental e material ao método e ao resultado implicado.
O Código de Processo Civil refere que o julgador não está adstrito ao laudo, podendo formar o convencimento com base em outros argumentos de prova amealhados (art. 479). Ademais, deve ser cotejada a autorrestrição judicial perante a admissão e, sobretudo, na feitura da perícia,[3] o que vai ao encontro de um efetivo controle na perícia. Devem ser levadas em conta, inclusive, as responsabilidades processuais, éticas (compliance),[4] técnicas (manuseio de amostragem), dentre outras limitações que condensam o trabalho do perito por determinação constitucional – questões que devem ser examinadas como prelibatórias ao mister pericial, sempre tendo em vista o contraponto do assistente técnico.
Ao fato da colaboração das partes e de terceiros, ao fato da colaboração do juiz e do administrador, portanto, deve ser amealhada a colaboração do assistente técnico. Esse profissional é fundamental nessa tarefa, considerando que o Estado Constitucional impõe um programa de racionalidade que deve atender, com seriedade, às proposições que nem sempre são notadas na rotina massificada forense, até porque não se dispõe da capacitação para essa impugnação (art. 375 do CPC). O presente ensaio aborda a questão da produção da perícia, assinalando os fundamentos para a legitimação da produção da perícia por intermédio do contraditório material. Se o sentido da perícia trafegou do conceitualismo para o funcionalismo, é óbvio que o modo de ser ou o como se conforma a perícia, atualmente, está reestruturado na perspectiva dos comandos constitucionais, em especial, conforme a implicação do contraditório forte.
O modelo constitucional do processo enfeixa as linhas com uma marcação que institucionaliza esse estado de coisas – os movimentos do legislador, os precedentes dos tribunais e da administração, enfim, aparelham a necessária legitimação procedimental e material na produção da perícia: com base em um sistema interativo que deve viabilizar e, sobretudo, capacitar a dialética influenciadora do periciado, por intermédio de seus assistentes técnicos.
1 O modelo constitucional de processo
A força normativa da Constituição condiciona o processo civil, o processo penal, o processo administrativo e os demais expedientes institucionais que possam causar efeitos ao patrimônio jurídico alheio. O art. 1º do Código de Processo Civil assinala que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste código”. O dispositivo é meramente descritivo, tendo em vista que a implicação normativa decorre da força gestáltica do sistema jurídico posto.
O direito fundamental ao devido processo legal (art. 5º, LVI, da CF) principia e enfeixa as diretrizes processuais. A dogmática[5] reforça que ele principia porque, desde o processo legal, se extraem todas as demais normativas análogas que a própria Constituição estabelece. Ele enfeixa, na medida em que propõe a abertura do sistema a outras normas que eventualmente se façam necessárias para adequar ao caso concreto o processo justo brasileiro.
Assim, o processo justo é uma mais-valia ao devido processo legal, trata-se de fazer transcender a percepção meramente formal do devido processo legal, conferindo-lhe um conteúdo modal qualificado – Carlos Alberto Alvaro de Oliveira assinala que se impõe uma “visão dinâmica em que todos os institutos e categorias jurídicas são relidos à luz da Constituição e na qual o processo civil é materialmente informado pelos direitos fundamentais”.[6]
Se outrora a figura do código servia como base formal de acepções conceituais e herméticas, na atualidade, a Constituição é condicionante da estrutura e da função dos institutos do processo, implicando a toda a metodologia processual uma nova maneira de interpretar as linhas dos códigos. Ou seja, a jurisdição, a ação, a defesa e o processo são polarizados na perspectiva neoconcretista que focaliza a tutela jurisdicional,[7] ratificando uma coalizão de forças para o primado da proteção dos direitos.
As premissas ora analisadas concretizam a lente dinâmica do novo processo constitucionalizado, repercutindo o que o ordenamento jurídico propõe, em termos de previsões casuístas, contingentes e com a abertura valorativa,[8] uma empresa jurídica funcional-estruturalista que é reconstruída em diuturna repaginação. Se a própria criação das novas leis segue tal dever de prestação, torna-se ainda mais nítida uma dinâmica em termos de metodologia do direito – a doutrina da aplicação prática do direito que deve atender à valência objetiva e multifuncional dos direitos fundamentais.
1.1 O direito fundamental de provar
A garantia da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), no paradigma da multifuncionalidade dos direitos fundamentais, implica a prestação de alcançar uma tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva. A decisão elaborada pelo operador do direito deve atender a um programa de racionalidade que esteja aparelhado em provas constantes do processo.[9]
Portanto, o direito fundamental à tutela jurisdicional repercute e pressupõe um direito fundamental à prova. A questão chega a ser metaprocessual, porque as máximas da boa-fé e da lealdade também alinham a atividade de instrução em benefício da tutela jurisdicional.
É nesse lastro, determinado pela própria dignidade processual e pelo dever de tutelar com efetividade e segurança, que a Constituição estabelece a regra[10] da proibição da utilização de provas ilícitas (art. 5º, LVI), sendo vedado um abuso na atividade de provar. A prova ilícita encerra a violação de direito material ou processual, sobretudo, a prova que não observa a densidade dos valores e dos princípios constitucionais é marcada pela invalidade.
O vício da ilicitude em sentido largo é ainda mais facilmente identificado na fase da produção da prova. A fase de admissão da prova supõe a relevância[11] e a pertinência do meio de prova, situações que, uma vez contrariadas, já explicitam a ilicitude. Todavia, contrariedade ao direito também ocorre quando violado o procedimento da prova “plurissubsistente”, que consiste na prova que é produzida por mais de um ato – como no caso da perícia, que é prova na qual o perito elabora um laudo com a respectiva narrativa (art. 473, § 1º, CPC).
No Estado Constitucional, a prova tem a função de argumento,[12] que necessariamente sintetiza os princípios basilares do debate institucional – o contraditório e a ampla defesa. No desenrolar discursivo intrínseco à prova mesma, havendo um desvio de finalidade ou de causalidade na relação entre direito e prova, ocorre o vício de ilicitude.[13] Tendo em vista a narrativa elaborada em laudo pericial, essa peculiaridade é relevante, pois a linguagem do perito deve ser coerente ao objeto e responsável à seriedade dos questionamentos do assistente técnico. Vale dizer que o desvio argumentativo é relevante tanto no sentido de regra-vedação como na implicação da efetividade da tutela jurisdicional.[14]
O sistema jurídico conforma técnicas probatórias que subsidiam fluxo de conhecimento judicial desde a instrução até a decisão. O conhecimento auferido pelas provas também atende a normas lógicas referentes à probabilidade para o controle da comprovação das hipóteses que resolvem a dúvida judicial. O próprio texto do art. 369 do Código de Processo Civil assinala a tênue ponderação que faz oscilar a prova como elemento para “provar a verdade dos fatos” e para “influir eficazmente na convicção do juiz”. Não se trata de um descuido do legislador, mas quer dizer que a prova é matéria-prima a ser valorada e que existem limites (processuais e materiais) à tomada da decisão.
Atualmente, é certo que a valoração da prova deve levar em conta os pontos de vista auxiliares (standards[15] da prova) assimilados pelo direito material. Não se pode admitir, no atual quadrante, uma valoração intersubjetivamente incontrolável ou absolutamente livre. Daí que as provas devem ser produzidas conforme o direito, ou melhor, conforme os direitos fundamentais, o que se reflete na justiça da decisão – sob pena de absoluta nulidade da prova e da decisão que a utiliza como argumento.
1.2 A igualdade como posições processuais equilibradas
A igualdade formal estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º da CF), assegurando uma aplicação uniforme do ordenamento jurídico a todos. Para além dessa implicação de cunho negativo-garantidor, a igualdade material afirma uma noção de conteúdo, ou seja, na própria lei deve haver um estado de coisas como um princípio igualizador, na medida em que devem ser prescritas medidas para mitigar as inevitáveis desigualdades que existem entre os sujeitos no plano das relações.[16]
As relações entre igualdade e processo são inúmeras. Atualmente, em síntese, fala-se em três dimensões da igualdade: igualdade ao processo, igualdade no processo e igualdade pelo processo. Nesse ponto, interessa o desenvolvimento conceitual da dimensão que impacta nos termos da estrutura do processo – a igualdade no processo e a questão da técnica probatória.
A igualdade formal (sentido macrojurídico) está para a concepção estática da igualdade processual como paridade de armas (sentido microjurídico), assim como a igualdade material (sentido macrojurídico) está para a concepção dinâmica da igualdade como equilíbrio das posições processuais (sentido microjurídico). No sentido formal ou estático da igualdade, nenhuma das partes pode ser privilegiada, devendo ser assegurado um tratamento isonômico entre as partes, nos termos da estrita legalidade – assim é entendida a paridade de armas. Essa concepção da igualdade, em termos processuais, serve como uma regra-garantia, marcando o direito de um sujeito não ser prejudicado por diretrizes desalinhadoras da pressuposta paridade de armas.
O processo justo promove uma mais-valia dessa igualdade como mera garantia. Ou melhor, a concepção dinâmica da igualdade estabelece a necessidade de o processo organizar posições equilibradas em sentido qualitativo diferenciado.[17] O juiz deve ser proativo e assegurar uma autêntica prestação (art. 139, I, do CPC) da igualdade entre as partes no processo, verificando-se um intervencionismo que transcende a mera legalidade formal para atender às necessidades do direito material e do caso concreto. É nessa perspectiva que o art. 7º do Código de Processo Civil estipula que “é assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.
As técnicas processuais devem ser modeladas em direção à igualdade como equilíbrio das partes – uma contraface do contraditório, inclusive o texto do código refere que cabe ao juiz “zelar pelo efetivo contraditório”. A igualdade como equilíbrio das posições no processo é a linha de visada que merece atenção, em especial quanto ao aspecto probatório.
Por imperativo da proteção da igualdade material, por exemplo, o art. 373, § 1º, do Código de Processo Civil assinala a técnica da inversão do ônus da prova. O legislador refere que, “diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo” probatório, ou na medida em que uma parte disponha de “maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso” daquilo que inicialmente foi previsto pelo código. Vale dizer que a força normativa da igualdade equilibra as posições processuais concretamente, considerada a vulnerabilidade de uma das partes e a respectiva situação no cotejo ao objeto do processo. A readequação dos ônus em benefício a uma correção metodológica da técnica, então, invertendo-se o ônus da prova, é repercussão da igualdade material.
A produção da prova pericial pode ser avistada como técnica a ser equilibrada pela igualdade, como também pode ser apreendida como uma prova plurissubsistente a ser legitimada pelo contraditório. De qualquer maneira, os direitos fundamentais, no capítulo do desdobramento probatório, evidenciam que qualquer desigualdade concreta deve ser combatida verticalmente pelo julgador (art. 139, I, CPC). Logo, a oportunização da nomeação de assistente técnico deve preceder a produção da prova pericial.
A referência final é que a igualdade substancial ou dinâmica consiste em norma interligada ao contraditório – a melhor vivência do contraditório subentende a igualdade em seus desdobramentos promovedores do equilíbrio processual e vice-versa. O que denota a importância vertical da leitura convivente dos direitos fundamentais processuais em seus desdobramentos, em particular porque o direito se expressa pela linguagem, e a linguagem técnica do perito deve interagir com a narratividade do assistente técnico.
1.3 O contraditório material como mais-valia da oportunidade
O contraditório é fundamento do Estado Constitucional e tem por fundamento o processo justo.[18] Originariamente, decorreu do esquema adversarial do procedimento medieval, paradigma em que a reciprocidade do binômio ciência-participação entre as partes representava um instrumento para o atingimento de uma verdade provável.[19] A ressalva histórica é salutar, mas a participação das partes, naquele quadrante histórico, ocorria por intermédio de um procedimento abstrato e sem que se considerasse a particularidade das partes.
É por isso que advém a importância de avistar a igualdade como face sinalagmática do contraditório. O modelo adversarial ou liberal do processo consagrava um perfil estático da igualdade: dentro do processo, na estrutura do processo, isso acabou por assentar a distribuição dos poderes, das faculdades e dos ônus de uma maneira aparentemente simétrica, contudo, sacramentava a desigualdade material entre os sujeitos. Consequentemente, a figura do juiz não protegia ativamente os sujeitos, o julgador permanecia como um árbitro em posição de neutralidade e sem maior ingerência[20] para afirmar a igualdade material das partes.
Nesse cenário da igualdade estática, trabalhava-se com o contraditório no sentido formal aparelhando o binômio ciência-participação e que correspondia, em termos da evolução da igualdade, a uma igualdade formal, a uma igualdade perante a lei – um garantismo no sentido negativo (reativo) que refutava tratamento diferenciado e postulava a universalidade na aplicação da lei. Ou seja, apreendia-se o processo como uma arena em que os contendores tinham uma mera paridade de armas.[21]
As implicações constitucionais da atual desenvoltura metodológica fazem transcender o mero contraditório formal, assim como é premente uma outra dimensão da igualdade. Quando a Constituição positiva a ampla defesa e o contraditório como direitos fundamentais (art. 5º, LV, da CF), a multifuncionalidade desses princípios implica o contraditório como garantia (negativa) e como dever de prestação (garantismo proativo). É nesse diapasão que o art. 9º do CPC explicita que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. A Constituição estabelece e o Código de Processo Civil ratifica uma nova dimensão do contraditório, definitivamente, um contraditório material, que deve ser adequado ao estado de coisas cooperativo do processo civil.[22] Atualmente, o contraditório material dispensa o vetusto legado das abstrações e das generalidades – pelo contrário, ele demanda casuísmos, contingências e, sobretudo, valoração (o juiz deve valorar e afirmar com ativismo um equilíbrio entre os sujeitos, art. 139, I, CPC), porque o “juiz encontra-se igualmente sujeito ao contraditório”,[23] “ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
O magistrado deixa a utópica neutralidade da simbólica arena e deve assegurar a igualdade material entre as partes, a igualdade na lei e pelo direito – a concepção dinâmica da igualdade no sinalagma com o contraditório material. No prisma dos deveres de auxílio, prevenção, esclarecimento e assistência às partes (art. 139, I, do CPC), marca-se um processo comparticipativo que se baseia no lastro do contraditório que, nessa contemporânea modalidade, deve ser entendido como “garantia de influência e de não surpresa que se desenvolve nos deveres de informação do juiz e nos direitos de manifestação e consideração das partes”.[24]
Para além de um fundamento de isonomia de manutenção das estruturas, a nova feição do contraditório – material ou dinâmico – impõe ao juiz o dever de conferir técnicas para equalizar a posição das partes. O processo cooperativo, o modelo constitucional de processo e seus consectários possuem, no mínimo, uma dupla função: “por um lado, garantir a igualdade entre as partes; por outro, satisfazer o interesse público na descoberta da verdade e na realização da justiça. Assim concebido, não se pode deixar de reconhecer também no contraditório um poderoso fator de contenção do arbítrio do juiz”.[25]
A doutrina[26] contemporânea ressalta que o ambiente de participação alavanca um equilíbrio dinâmico entre as partes processuais porque, afinal, está se tratando do direito fundamental da igualdade na contraface desdobrada dinamicamente pelo direito fundamental do contraditório. A noção de equilíbrio confere deveres funcionais ao juiz e, em contrapartida, atribui o direito de influência, exercitável pelas partes, em todas as questões do processo, assim como também lhes assegura o direito de não surpresa. Nenhuma prova, nenhuma atividade processual pode ter o caráter de surpresa para as partes.[27]
Em termos de prova pericial, em especial, isso é ainda mais importante, porque deve ser assegurada aos sujeitos parciais a participação com a nomeação de assistentes técnicos para acompanhar o trabalho in loco ou in personam – nas mesmas circunstâncias de tempo e de local em que efetuada a perícia. O art. 466, § 2º, do CPC é fator de legitimação dessa prova, ainda mais porque muitos juízes se furtam a analisar adequadamente a perícia, valendo-se, indevidamente, da leitura apressada do art. 375 do Código de Processo Civil. Se o juiz ou o administrador, por vezes, acabam delegando impropriamente uma decisão ao perito, quando não escrutinam o método da perícia (arts. 473, III, e 479 do CPC), por outro lado, eles devem assegurar a oportunidade e a capacidade da parte de nomear assistente técnico. Inclusive porque o assistente técnico também tem o direito e o dever de colaborar com a solução da causa. A falta de legitimação desse contraditório na produção da perícia é motivo de inconstitucionalidade abissal, por fraude ao direito à prova, por violação da igualdade e do direito fundamental ao contraditório (violação do processo justo e da própria dignidade da parte prejudicada).
Ora, o conteúdo do contraditório atual não se esgota na ciência bilateral dos atos processuais. O contraditório forte não permite que um litigante seja surpreendido por uma prova oculta, por uma inconsistência processual por surpresa. Em decorrência, as partes podem influir na decisão, porque seus argumentos, reforçados pelo profissionalismo do assistente técnico, devem ser cotejados na motivação (art. 489 do CPC).
Vale dizer que a “defesa técnica” na prova pericial é efetuada pelo assistente técnico. Muitas vezes, somente tal assistente pode levantar questões que passam desapercebidas pelos operadores do direito. Assim, uma parte processual para quem não fora oportunizada essa assistência é uma parte desprovida de capacidade de contraditar, é uma parte que teve violentada a própria dignidade humana dentro do processo. Daí a importância central do assistente técnico na virtude do contraditório material – principalmente levando em conta a indelével seriedade com que o julgador deve manusear o verdadeiro sistema jurídico condensado pelos arts. 375, 473, III, e 479, todos do Código de Processo Civil.
A produção da prova pericial justa legitima-se pelo contraditório aparelhado pela participação do assistente técnico.
2 O movimento institucional para concretizar o modelo constitucional de processo
A força normativa da Constituição, ainda mais empunhada pelo framework da perspectiva objetiva[28] dos direitos fundamentais, implica um estado de coisas processuais. O direito à prova, a igualdade dinâmica e o contraditório material alavancam um dever de prestação, repercutindo em deveres para o legislador criar as leis, bem como no dever de tráfego de uma nova metodologia jurídica, investida sobre o trabalho do juiz e do administrador.
Por ocasião da densidade desses princípios, o legislador tem elaborado regras jurídicas que abarcam tais diretrizes. Por exemplo, o já citado art. 466, § 2º, do CPC e o recente art. 3º-B, XVI, do Código de Processo Penal, com a redação conferida pela Lei 12.964/19 – o Pacote Anticrime –, prescrevem com nitidez a necessidade de oportunizar a nomeação de assistente técnico na produção da perícia. Da mesma maneira, a regra prevista no art. 28 da Lei 9.784/99, verdadeiro dispositivo de “sobredireito”,[29] assinala que, quando um ato administrativo possa causar efeitos ou prejuízos na esfera jurídica do administrado, é necessária a preordenação das garantias e da efetividade do contraditório no sentido material – o texto da norma vai ao encontro do programa estabelecido pelo modelo constitucional de processo.
A tessitura aberta dos direitos fundamentais reclama a concretização com a utilização do postulado normativo da proporcionalidade. Se tradicionalmente tais direitos meramente escudavam os sujeitos com um direito de defesa, atualmente eles também encerram a vertente positiva da proporcionalidade – a vedação da proteção indeficiente.[30] No descumprimento dos direitos fundamentais (prova, igualdade e contraditório), além da crise de inconstitucionalidade e da decorrente invalidade que acarretam à perícia em que não se oportunizou a nomeação de assistente técnico, também está configurado o crime de abuso de autoridade, previsto no art. 25 da Lei 13.869/19, principalmente o parágrafo único[31]:
Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.
O operador do direito deve zelar pelo contraditório e pela igualdade (arts. 7º, 10 e 139, I, CPC). A perspectiva objetiva dos direitos fundamentais não abre espaços a uma omissão – seja do legislador, seja do juiz ou do administrador. Um dever para a tutela adequada é imposto desde a Constituição. O bem jurídico protegido é tão valioso que ensejou a tipificação de crime de abuso de autoridade, em especial, no parágrafo único do citado dispositivo.
Um fenômeno jurídico confirmado pela dogmática e pela tendência legislativa contemporânea, razão pela qual se trata de verdadeiro movimento institucional para a concreção do modelo constitucional de processo justo.
2.1 A gestão dos efeitos negativos ao patrimônio da parte: o processo como procedimento em contraditório
A compreensão do processo como relação jurídica processual foi abarcada pela fase tecnicista do processo civil, desde meados do século XIX até meados do século XX, sendo que alguma doutrina ainda resiste na defesa dessa maneira absenteísta de observar as coisas do processo. É evidente que ocorre alguma sorte de relação entre o juiz e as partes, contudo, dizer que o processo é apenas uma relação jurídica retira a sua dinamicidade e, de quebra, não permite analisar a natureza pública dos deveres, dos ônus e das funções que se desenvolvem no arco processual – principalmente quando o Código de Processo Civil emplaca um modelo colaborativo que exaspera essa noção civilista de relação jurídica.
Na época dessa maneira de trabalhar com o processo, a ação era definida como um direito público subjetivo. Atualmente, a própria ontologia da ação sublinha outra sorte de consideração. Com efeito, a ação supõe um antônimo à inércia, porque agir denota movimento, agir requer uma mecânica de dinamismo ou, pelo menos, uma sucessão de atos que retira algum objeto de seu estado de equilíbrio estático para uma tendência de velocidade. Esconder o instituto ação em uma definição situacional talvez pertença à falta de condições do homem para descrever com precisão um movimento. O empirismo positivista dos novecentos somente poderia resultar no batismo de ação como um direito subjetivo, porque uma complexidade fenomênica lhe escaparia da percepção nitidamente conceitual.
A doutrina processual reavaliou a definição de ação, que, atualmente, é uma posição subjetiva complexa de evolução progressiva. Além disso, a ação deixou de ser o polo metodológico do processo civil. O atual quadrante constitucional concede prevalência à tutela jurisdicional ou, quando muito, ao processo. De qualquer maneira, a tutela consiste no valor que subentende a justiça e a pacificação social por intermédio do processo.
As definições de ação e dos demais institutos do processo são elencadas por decorrência do primado da tutela jurisdicional, o que, portanto, retira a equívoca questão da inércia de sua essência: a ação consiste em uma série de poderes, faculdades, deveres, ônus e direitos no sentido estrito, enfim, a ação é uma posição subjetiva complexa[32] de evolução progressiva. Não basta resumir uma análise na acessibilidade à jurisdição, mas lançar a prioridade do exame à função da justiça e da pacificação, desde a tutela jurisdicional, e a partir disso observar a ação em um desenrolar complexo, tanto que Carlos Alberto Alvaro de Oliveira[33] anotava que “o agir é realizado exclusivamente por meio da ação processual, pelo exercício das faculdades e dos poderes da parte, que se concretizam em atos processuais, conforme a sequência procedimental estabelecida em lei (v.g., demanda, réplica, pedido de prova, arrazoados, recursos, etc.)”.[34]
Atualmente, é crescente a concordância em dizer que a ação é atípica por natureza e que consiste em um modus dinâmico pelo qual, instaurada pela demanda, ela se dirige para atingir a tutela jurisdicional, do que sobra evidente que a sequência de poderes, deveres, ônus, direitos e faculdades que ela emprega seja ordenada de maneira lógica e cronológica[35] por um vínculo normativo ou de diversas normas concatenadas entre si. Tal ligação é providenciada pelo procedimento, que reúne desde o primeiro ato da ação (a demanda) até o seu ato final, o provimento.[36] A questão é basilar, o que levou Elio Fazzalari a ressaltar que os extremos da série sequencial da ação – a demanda e o provimento final – também compõem o procedimento, porque são elementos essenciais a ele mesmo. O procedimento organiza os atos e as posições jurídicas com a finalidade de atingir o ato final (o provimento), assinalando um compromisso funcional.[37]
Nicola Picardi[38] define a ação como uma posição subjetiva complexa de evolução progressiva. Respeitável percepção, que não invalida a compreensão da ação como um fenômeno. Dizer que alguém age consiste em imaginar que se coloca em movimento, que houve a retirada de uma situação ou de mero status para se colocar em pontaria de combatividade.[39] Em termos empíricos (por que não, da psicologia), é possível questionar se os atos são invisíveis (?), pois, se as condutas dos sujeitos não aparecerem, o que permite observação, o que deixa rastros, enfim, é o resultado final ou mesmo o caminho percorrido para cruzar a linha de chegada. O que aparece é o objetivo final. A importância do procedimento advém desse liame organizatório. Do chamado que o provimento final – funcionalmente – verticaliza à estrutura para, então, resultar em um processo.
Aliás, o procedimento é o liame que permite visualizar uma ação que, como fenômeno, seria invisível. Ocorre que o procedimento é o vínculo que concatena os atos concretos e as posições jurídicas processuais em ordem lógica e cronológica, tanto que a doutrina assinala o procedimento como estrutura formal constante, a sequência procedimental caracterizasse por ser disciplinada por uma série de normas coligadas entre si, de tal modo que a norma sucessiva da série tem sempre o seu suporte fático constitutivo composto pelos efeitos produzidos pela atuação da norma precedente. Dessa maneira, o modelo procedimental decorre de uma sequência de normas, cada qual regulando determinada conduta e ao mesmo tempo enunciando, como pressuposto da própria incidência, o cumprimento de uma atividade regulada por outra norma da série e assim até a norma reguladora do “ato final”. Ao fim e ao cabo, o procedimento só pode ser concebido na perspectiva de conexão, antecipadamente prevista, entre as várias normas, atos e posições subjetivas da série.[40] Vale dizer que o procedimento é um corpo sensível[41] dos agires. No interior dessa espinha dorsal do formalismo processual, que nasce com a demanda e se funcionaliza em direção ao provimento final, é que se praticam os atos processuais-institucionais típicos.
O problema é que nem toda sequência de atos lógicos e cronológicos é um mero procedimento. Quando um ato desse liame pode causar efeitos nocivos ao patrimônio jurídico de alguém, é necessário inserir a metodologia interacional do contraditório para, assim, transformar o procedimento em efetivo processo.
O art. 28 da Lei 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Nacional) encerra verdadeira regra de sobredireito no umbral que separa o procedimento do processo, porque abarca uma situação que liga a dogmática à coerência do sistema normativo como um todo – trazendo a necessidade do contraditório para dentro do procedimento que ao final pode interferir com surpresa no patrimônio jurídico do interessado:
Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.
Nesse ponto, a lei não distingue a forma de abertura do processo, tampouco se a fase conceituada consiste em procedimento ou processo. Para o legislador, os eventos que “resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse”, são suficientes para a determinação da intimação do interessado.
O que isso quer dizer? A despeito de algum perfil conceitual-burocrático de que se pretenda valer, está evidente que o legislador positivou um mecanismo funcional para transmudar o procedimento em processo. Na eventual hipótese de se ferir o patrimônio jurídico do sujeito, deve haver a integração pelo contraditório – ora, procedimento em contraditório é processo.
O procedimento desenvolve um vínculo que efetua a ligação entre os diversos atos[42] e posições jurídicas subjetivas dos atores processuais – todos com direção a um provimento final previsível e que não surpreenda as partes. Por exemplo, a alienação de coisa comum quando não existe litígio. Os procedimentos de jurisdição voluntária quando não existe litígio. Agora, se houver litígio, se houver possibilidade de prejuízo, o procedimento se transfigura em processo. Exatamente como o art. 28 da LPA determina, como regra de sobredireito, aplicável a todo o sistema jurídico.
O processo contemporâneo é uma espécie de procedimento[43] que se torna imprescindível quando o provimento avistado pelo procedimento for capaz de interferir na esfera jurídica de algum dos sujeitos processuais. É necessário repetir que a regra de sobredireito determina que o administrado seja informado com a intimação dos “atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividade” e dos “atos de outra natureza, de seu interesse”.
Não tem cabimento tentar fazer essa regra incidente apenas ao processo administrativo instaurado – e não aplicável ao procedimento administrativo que pode ensejar o processo. Em primeiro lugar, porque o contraditório forte não permite essa distinção. Em segundo lugar, porque na própria LPA, em sua apreensão sistemática, a referida regra não permite dividir fase preambular e fase delibatória, considerando que tal dispositivo assume o caráter de regra de sobredireito, pertinente, inclusive, ao marco dogmático da identificação do processo: o momento em que o procedimento pode gerar efeitos ao patrimônio jurídico do administrado é de natureza funcional – e não meramente conceitual.
A fortiori, no próprio inquérito policial, que, classicamente, fora denominado de expediente “inquisitório” e sem direito ao contraditório, com a redação do Pacote Anticrime, prevê o art. 3º-B, XVI, do Código de Processo Penal que a nomeação de assistente técnico deve ser oportunizada para a produção da perícia. Então, o mais “inquisitório” dos expedientes se processualiza, logo quando pode gerar efeitos contra o patrimônio jurídico do sujeito. Isso quer dizer que o art. 28 da LPA deve ter aplicação irrestrita, a todas as fases dos trâmites administrativos.
Na hipótese do provimento final, alocado ao cabo do procedimento, para poderem produzir-se os efeitos na esfera jurídica de um dos sujeitos parciais, é necessário que o liame entre a demanda e o ato final se organize de maneira paritária e simétrica, assim permitindo uma plena discussão entre os destinatários ou interessados pelos efeitos jurídicos gerados e sofridos. Por isso, o processo é um procedimento em contraditório,[44] no qual se estrutura um esquema dialético que permite a participação e a discussão das questões pelos sujeitos processuais.[45]
Questões dogmáticas, científicas e até literais alavancam o art. 28 da LPA em regra de sobredireito. A dogmática refere que o processo é uma subespécie do gênero procedimento de estrutura policêntrica e desenvolvimento dialético, necessariamente com observância do contraditório. O processo é policêntrico porque envolve sujeitos diversos, cada um dos quais tem uma posição particular e desenvolve um papel específico. A essa estrutura subjetivamente complexa corresponde um desenvolvimento dialético. O tecido conectivo do necessário equilíbrio dinâmico entre as partes (igualdade de chances; paridade de armas) é estabelecido pelo contraditório.[46], [47]
Portanto, seja a fase do “procedimento”, seja o nome que se conferir à “sequência de atos” – administrativa ou judicial –, se essa ordem lógica e cronológica de atos pode conferir danos ou efeitos ao patrimônio jurídico alheio, esse sujeito deve ser informado-intimado, bem como a ele deve ser assegurado o direito de não surpresa e a garantia de influência na decisão.
O contraditório material é imprescindível, sob pena de inconstitucionalidade do arremedo de procedimento que está tramitando ao arrepio da Constituição – e tendo em vista o próprio texto do art. 28 da Lei do Processo Administrativo.
2.2 O novo Código de Processo Civil e a reforma do Código de Processo Penal como eixos monumentais da irradiação normativa determinada pela Constituição
O modelo constitucional de processo emplaca, já em suas normas de abertura do Código de Processo Civil, o dever de prestação da tutela jurisdicional efetiva, a consagração da igualdade dinâmica e a obediência ao contraditório material. O sistema jurídico brasileiro não permite decisões surpresa e garante às partes o direito de influência por meio de um debate transparente.
O assistente técnico desenvolve uma autêntica erística profissional na produção da perícia, analisando a narração do expert, bem como contraditando e oferecendo quesitos para colaborar e enriquecer a decisão com pretensão de correção material. Portanto, o art. 466, § 2º, do Código de Processo Civil estabelece a necessidade da presença do assistente técnico na produção dessa prova plurissubsistente:
Art. 466. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso.
(…)
- 2º O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.
O assistente técnico – como o próprio predicado implica – desenvolve duas funções essenciais: a defesa eminentemente técnica do periciado ou do sujeito interessado na perícia (art. 375), bem como o controle da metodologia do trabalho do perito, que deve atender aos parâmetros dos arts. 473, III, e 479 do Código de Processo Civil.
Tais parâmetros metodológicos foram consagrados em casos emblemáticos julgados nos Estados Unidos ao largo do século XX. Na rotina desses verdadeiros testes científicos que foram adotados pelas decisões, divulgou-se o parâmetro de critérios Daubert-Kumho-Joiner. Com base nessa evolução, o julgador assume o papel de guardião da prova técnica desde a produção até a valoração, sendo que ele deve cuidar dos parâmetros metodológicos utilizados pelo perito. Um dever muito facilitado pela colaboração do assistente técnico, inclusive porque esse profissional dispõe de conhecimento especializado para reportar a crítica em juízo. No Brasil, em voto-vista conduzido pelo Ministro Luiz Fux no Recurso Especial 363.889/DF, relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJ 15.12.2011, o Supremo Tribunal Federal marcou o precedente sobre a valoração da prova pericial, que deve escrutinar o trabalho do perito nos seguintes termos: (a) a controlabilidade e a falsificabilidade da teoria que se encontra na base da técnica empregada; (b) a explicitação do percentual de erro relativo à técnica empregada; (c) a aceitação da técnica e do método pela comunidade científica especializada; (d) a publicação dos achados em revista especializada.
Isso toca à valoração da prova pericial. O foco do presente é a produção dessa prova, mas, como se salientou, para melhor valorar é preciso otimamente produzir. Sem a narrativa e a argumentação dos assistentes técnicos, o trabalho do juiz torna-se muito dificultado.
O legislador do Pacote Anticrime (Lei 13.964/19) também não deixou escapar a chance de positivar a questão da produção da prova pericial conforme a Constituição. Atualmente, embora ainda alguns setores defendam a natureza inquisitória do inquérito policial, durante esse próprio expediente deve ser oportunizada – ao investigado – a nomeação de assistente técnico para influir e não ser surpreendido por perícia:
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle de legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:
(…)
XVI – deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia.
Isso reflete o próprio regime de conformidade (compliance) aplicável ao inquérito policial.[48] O art. 159, § 4º, do Código de Processo Penal, portanto, deve ter a interpretação adequada ao programa estabelecido pelo legislador reformista. Comentando uma possível antinomia, Rogério Sanches Cunha refere que “o legislador do processo penal, no ano de 2008, trilhou outro caminho, ao que parece equivocado, pois, ao permitir a atuação do assistente somente após a elaboração do laudo, este último auxiliar se privou da possibilidade de acompanhar o trabalho oficial”.[49] O autor festeja a reforma elencada pelo art. 3º-B, XVI, do CPP, que assinala a efetivação da igualdade material e do contraditório forte, de uma vez por todas, tanto no inquérito quanto no desenrolar do processo penal.
A partição do assistente técnico não é passível de contraditório diferido (hipóteses previstas no art. 9º do CPC). Aliás, o referido art. 159, § 4º, do CPP é diretriz inconstitucional. O assistente técnico deve participar ativamente na produção in loco da perícia. Em realidade, para além da inconstitucionalidade do art. 159, § 4º, do CPP, parece que a antinomia pode ser resolvida com uma interpretação sistemática, consoante assinala Guilherme Nucci.[50] Afinal, se o investigado já pode nomear assistente técnico na fase do inquérito policial, é lógico que não haverá contraditório diferido consoante o vetusto art. 159 do CPP – porque o perito já está nomeado e acompanhará o trabalho concomitantemente à respectiva produção (nos análogos moldes do previsto no CPC).
Ambos os códigos monumentais dos processos brasileiros acolhem, portanto, a necessidade de ratificar o que a Constituição já determina – um contraditório com a oportunização da presença do assistente técnico na produção da perícia. Aliás, o art. 28 da LPA, o art. 466, § 2º, do CPC e o art. 3º-B, XVI, do CPP refletem a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais. O legislador cumpriu o dever de prestação ao criar regras jurídicas estabelecidas pelo estado de coisas constitucional. Logo, para além da criação das leis, a metodologia jurídica – por parte dos aplicadores do direito (juiz e administrador) – também deve obedecer aos comandos superiores.
2.3 O papel dos tribunais superiores e do Conselho Nacional de Justiça
O art. 926 do CPC refere que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”, o que ensejou diversos estudos sobre a definição e sobre a funcionalidade do que é vinculante em termos de tomada de decisão judicial ou administrativa. Não somente os remédios especiais – como o controle de constitucionalidade, o IRDC, a assunção de competência ou a repercussão geral, dentre outros – possuem efeitos vinculantes.
A questão dos precedentes toca à função do processo e ao esquema de organização das cortes jurisdicionais ou administrativas. Com efeito, o processo tem dupla funcionalidade: resolver o problema do caso concreto e elaborar uma decisão que seja uniforme para os demais casos. É nesse último sentido que se fala em igualdade perante o direito,[51] já que a segurança jurídica não é decorrente dos meros textos legais, mas também (e principalmente) da consistência das decisões. Portanto, um precedente não é qualquer decisão ou um punhado de decisões similares, ele consiste em uma decisão qualificada materialmente.
Em primeiro lugar, por abarcar um caso relevante no qual tenham sido exploradas cuidadosamente as questões implicadas pelo sistema jurídico em sentido amplo.[52] Em segundo lugar, por ser exarado por corte suprema ou pela mais alta corte administrativa, justamente porque o precedente produz efeitos prospectivos aos demais órgãos da administração da justiça.
A referência a um precedente reproduz essa holding (ratio decidendi ou princípio vinculante) informativa e vinculativa que exaspera a descrição de uma mera jurisprudência. O papel das cortes superiores – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, bem como do Conselho Nacional de Justiça (na esfera administrativa) – é peremptório, no sentido de dirimir os percalços interpretativos que um ou outro dispositivo do ordenamento pode suscitar, perante o manejo dos textos pelos órgãos inferiores. Os órgãos de cúpula determinam interpretações a serem empregadas, como vértices de coerência do sistema jurídico.
A efetivação do contraditório material é questão latente na interpretação exarada por tais órgãos de cúpula. A referência de decisões lapidares fundamenta e ratifica os argumentos até então ensaiados. A primeira decisão é um julgamento efetuado pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual se explicita que o exercício do contraditório, na produção da prova pericial, é efetuado pela oportunização da nomeação do assistente técnico:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. DEMISSÃO. UTILIZAÇÃO DE INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL INSTAURADO EM OUTRO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, SEM OPORTUNIZAÇÃO DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. NULIDADE CONFIGURADA. SEGURANÇA CONCEDIDA. (…) 3. Com razão o impetrante, uma vez que não consta dos autos do incidente de sanidade mental notificação para que pudesse exercer o contraditório e a ampla defesa, especialmente indicar assistente técnico e apresentar quesitos; ademais, a junta médica – cujos membros foram identificados sem a indicação de suas áreas de especialidade médica – concluiu pela sanidade mental do acusado sem apresentar fundamentação apropriada.” (MS 20.336/DF, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 01.04.2014)
Um procedimento que efetua uma perícia pode causar dano ao periciado, lembrando a regra de sobredireito do art. 28 da LPA. Portanto, já não se trata de mero procedimento, mas se tem um autêntico processo. O processo é um procedimento em contraditório, sendo necessário preservar os direitos fundamentais implicados pelo modelo constitucional de processo cooperativo.
O Conselho Nacional de Justiça pacificou o caráter de regra de sobredireito ao art. 28 da Lei 9.784/99 ao referir que, em qualquer situação que cause ou possa causar prejuízo ao administrado, o expediente deve ser desenvolvido ao largo da metodologia do contraditório. No Procedimento de Controle Administrativo 0007494-91.2010.2.00.0000, o Conselho Nacional de Justiça foi didático ao asseverar a cogência dessa metodologia:
“PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO ORIGINALMENTE PROTOCOLADO COMO PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONTROLE DA DECISÃO DE ABERTURA DO PROCEDIMENTO DESTINADO A AVALIAR A INVALIDEZ PERMANENTE PARA FINS DE APOSENTADORIA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO/INTIMAÇÃO PARA A SESSÃO EM QUE PROFERIDA. EXISTÊNCIA DE NULIDADE. 1 – O princípio do devido processo legal, indicador notório de elevado padrão de civilidade nas relações jurídicas, foi descumprido. Com efeito, se correto o entendimento do relator de que o processo para verificação de invalidez não pode ser qualificado como sancionador ou disciplinar, deve ele, no entanto, ser classificado como restritivo, porquanto implica a redução da esfera jurídica protegida do interessado. 2 – Incide na espécie a Lei nº 9.784, de 1999, aplicável aos órgãos do Judiciário por força do que dispõe o artigo 1º, § 1º, que, especificamente no artigo 28, preceitua que “devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse”. 3 – A circunstância de o art. 76, I, da Loman possibilitar ao Tribunal iniciar de ofício o processo para verificação de invalidez do magistrado não afasta a nulidade, porque, no caso, o Tribunal optou por que o início do processo decorresse de deliberação do Tribunal, designada, para tanto, sessão da qual o requerente não foi intimado. 4 – O prejuízo ao requerente foi manifesto. Conforme consta dos autos e reiterado na tribuna pelo advogado, naquela sessão ele foi afastado do cargo, de modo que não se aplica a regra ou a parêmia de que não existe nulidade sem prejuízo. 5 – A Loman deve ser interpretada à luz da Constituição Federal – e não o contrário –, e essa, de fato, indiscutivelmente, consagrou como princípio basilar do sistema jurídico o devido processo legal e o contraditório. 6 – Procedimento julgado procedente, por maioria, para declarar a nulidade do procedimento administrativo verificatório de invalidez desde o início, isto é, desde a sessão realizada em 04.10.2010, inclusive, na qual restou deliberada a abertura de procedimento administrativo para apurar a invalidez do requerente por incapacidade mental, e, consequentemente, todos os atos posteriores que resultaram na aposentadoria do requerente por invalidez.”
Não basta alegar-se que um “procedimento” foi instaurado de ofício por determinado órgão, tampouco referir que se tratou de inspeção de rotina em administrado. Todo e qualquer evento probatório ou decisório que, de alguma forma, cause prejuízo ao sujeito deve ser instrumentalizado pela metódica do contraditório material. Portanto, mais que a ciência-participação, é necessário garantir o direito de influência e o direito de não surpresa – para a tutela constitucional do administrado. No tocante à prova pericial, isso consiste em oportunizar e efetivamente verificar se o administrado teve as condições para nomear um assistente técnico. Conclusão com um peso a mais
Os direitos fundamentais irradiam o dever de prestação ao legislador, ao juiz e ao administrador. É nesse paradigma que o modelo constitucional de processo institucional vincula o operador do direito tanto na criação como na aplicação do ordenamento jurídico brasileiro.
O art. 28 da Lei 9.784/99 é norma de sobredireito que abarca a dogmática do processo como procedimento em contraditório, ao assinalar que “devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse”.
O direito positivo legitima, pelo contraditório material, o procedimento que repercute efeitos no patrimônio jurídico do interessado. Assim como o legislador também esteve atento para descrever que o julgador deve “assegurar às partes igualdade de tratamento” (art. 139, I, CPC).
O assistente técnico deve participar efetivamente da produção da perícia. Afinal, ele desempenha uma dupla função: o profissional habilitado assegura a observação do método de trabalho por parte do perito, da mesma forma que ele assegura a melhor correção material das conclusões técnicas.
O profissional da área especializada é que dispõe de uma ótima propriedade para fomentar o debate sério e leal ao largo das fases probatórias, inclusive no tocante à valoração final. O direito fundamental à prova, o direito fundamental à igualdade dinâmica e o direito ao contraditório material, portanto, são bens jurídicos de tamanha grandeza que devem ser observados na produção da perícia. Tanto que, na perspectiva da máxima da vedação da proteção indeficiente, o art. 25 da Lei 13.869/19 tipificou como crime a utilização de perícia contrária à Constituição, enfim, contrária ao sistema jurídico como um todo – um crime formal que se consuma com a utilização de perícia que não assegurou a participação de assistente técnico.
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[1] ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A prova pericial no processo civil: o controle da ciência e a escolha do perito. Rio de Janeiro: Renovar, 2011 p. 60. As ideias do autor são de vanguarda. Portanto, a citação não quer dizer que ele é corifeu de uma percepção conceitual da perícia, inclusive porque, no desenvolver do livro, ele critica a fórmula do então CPC/1973 e propõe mudanças nos critérios de eleição do perito. Acaba por fomentar o escrutínio da metodologia expressa no laudo. A citação referenciada ocorre para fins didáticos, na medida em que ele situa ceticamente uma realidade que supervivia desde o código Buzaid.
[2] KNIJNIK, Danilo. Prova pericial e seu controle no direito processual brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 94.
[3] “Perante” a perícia é redigido em oposição ao enunciado “na” perícia. Em derivação à igualdade “perante ou na” lei. Ressalta-se que “perante” a perícia se refere à fase da admissão da prova, que na prática quer dizer que tudo o que não é contrário ao direito pode ser inserido no processo. Diferentemente, quando se fala “na” perícia, leva-se em conta um procedimento a ser legitimado pelo contraditório, com o poder igualizador implicado pelo modelo constitucional de processo – igualização ou equipolação que o juiz deve tutelar (art. 139, I, CPC).
[4] O controle de conformidade não é predicado apenas da verificação de desvio de dinheiro. A corrupção é fenômeno amplíssimo, daí que se desviar de código de ética, de normas técnicas, de critérios científicos experimentados, enfim, pode estar encerrado na indignidade do compliance para, em decorrência, descredenciar a metodologia eleita pelo perito (art. 473, III, do CPC). Em última análise, inclusive, a desatenção a esses rasgos acaba gerando prejuízos econômicos à coisa pública.
[5] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. v. 1. São Paulo: Atlas, 2010. p. 26.
[6] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Teoria e prática da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 131.
[7] CASTRO, Cássio Benvenutti de. A tutela jurisdicional como polo metodológico do processo civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 107, v. 995, set./2018. p. 439 e seguintes.
[8] O neoconstitucionalismo estabelece uma nova teoria das normas, sem as abstrações herméticas de outrora. Também ocorre uma renovação da técnica legislativa, porque esse mecanismo, agora, casuísta e contingencial, somente funciona com cláusulas gerais e conceitos indeterminados. Em termos hermenêuticos, o formalismo de somente cuidar dos textos da legislação é revolucionado para um ceticismo que transforma a norma no resultado da interpretação. Por decorrência, o texto da norma é mera condição de possibilidade dessa holding de possibilidades da metodologia jurídica. Ver MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 15-6.
[9] Fofocas, conhecimento privado, provas de Internet sem um contraditório prévio, todas são hipóteses de provas vedadas pelo ordenamento jurídico. A lealdade e a boa-fé determinam a transparência no debate processual. STEIN, Friedrich. El conocimiento privado del juez. Traduzido por Andrés de la Oliva Santos. Madrid: Centro de Estudos Ramón Areces, 1990. p. 71 e seguintes.
[10] O referido inciso é uma regra, até porque é imediatamente descritivo e mediamente finalístico. Tanto que, prima facie, se afasta a utilização de prova ilícita, sem uma abstrata previsão de derrotabilidade (embora isso possa ocorrer em concreto).
[11] TARUFFO, Michele. A prova. Traduzido por João Gabriel Couto. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 39.
[12] GIULIANI, Alesandro. Prova: prova in generale. Enciclopedia del Diritto. v. XXXVII. Milano: Giuffrè. p. 526. O autor salienta o pêndulo assimétrico entre prova demonstrativa e prova persuasiva, o que permite concluir que o modelo contemporâneo, retórico por essência e incerto por excelência, se vale de um tertium genus, ou seja, a prova como argumento – que se trata de uma atividade voltada a partir de probabilidades e chegar em um resultado próximo da verdade por correspondência.
[13] “Durante a instrução, a importância do contraditório cresce. É nesse momento que os direitos de ação e de defesa têm maiores possibilidades de influir no resultado do processo e que, portanto, a participação das partes deve ser mais incentivada pelo juiz”. Aliás, o julgador é o principal obrigado para atender e incentivar o contraditório. “Na verdade, o contraditório está inserido dentro da ideia de direito à prova, pois garantir meios adequados para que as partes façam prova de suas alegações (direito à prova) significa assegurar a elas o direito de participar na formação do convencimento do magistrado (contraditório)”. Em prova que encerra narrativa, linguagem e resposta a quesitos, isso é muito evidente, a necessidade de oportunizar o debate entre perito e assistente técnico, que também é colaborador do juízo. Ver COSTA, Susana Henriques. A influência do contraditório na valoração dos elementos de prova produzidos no inquérito. In: ZUFELATO, Camilo; YARSHELL, Flávio Luiz (org.). 40 anos da Teoria Geral do Processo no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 721.
[14] O Estado já não é um inimigo do jurisdicionado, considerado o modelo colaborativo de processo. Ao encontro dessa nomenclatura, inclusive, a dupla face dos direitos fundamentais encerra garantia (sentido de negar uma intervenção externa) e vedação da proteção indeficiente (sentido proativo de criar as condições bastantes para o sujeito fazer valer a respectiva expectativa de direito). Ver FERRAJÓLI, Luigi. Direitos fundamentais. In: FERRAJÓLI, Luigi. Por uma teoria dos direitos e dos bens fundamentais. Traduzido por Alfredo Copetti Neto. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 16.
[15] O ensaio adota a natureza de pontos de vista auxiliares na valoração da prova – no referente aos standards da prova. O que não chega a destoar da doutrina que se vale da natureza de critério ou de parâmetros de valoração para esse instituto. Ambas as maneiras de pensar refletem a dupla problemática da filosofia do direito: o conceito do direito que reclama uma inserção da moral (pretensão de correção que a justiça encerra) e a aplicação do direito por intermédio de uma metodologia lógica-argumentativa (ao contrário da perfectibilidade kantiana do sistema completo e unívoco de regras). O que importa é consignar que os standards encerram diretrizes adensadas pelo direito material, que compensam os danos colaterais do erro no julgamento. Ver ALPA, Guido. I principi generali. 2. ed. Milano: Giuffrè, 2006. p. 132 e seguintes.
[16] ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 73-4.
[17] ABREU, Rafael Sirangelo de. Igualdade e processo: posições processuais equilibradas e unidade do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 79. A segurança jurídica implica a igualdade. Igualdade em sentido negativo ou igualdade formal; igualdade em sentido de prestação de condições para combater a disparidade material, ou igualdade material; igualdade pelo direito – esta última quer dizer a validação da segurança jurídica pela consistência dos precedentes e dos julgados vinculativos, para além da mera segurança pelo texto da lei. A segurança jurídica não aparece descolada da justiça, ainda que uma justiça formal. Portanto, é válido ponderar as discriminações positivas como marcos dessa imposição, dessa prestação que cria novas condições insertivas para tutelar um equilíbrio dinâmico entre os sujeitos. Ver DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. Traduzido por Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes. p. 249.
[18] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 177. O juiz tem o dever de zelar pelo contraditório e equilibrar as partes nessa participação. Por se tratar de direito fundamental que decorre do processo justo, não apenas o juiz, mas o legislador e o administrador também devem se orientar por esse verdadeiro método de trabalho, cuja ausência fulmina de nulidade qualquer experiência processual.
[19] PICARDI, Nicola. Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório. Traduzido por Luis Alberto Reichelt. In: PICARDI, Nicola. Jurisdição e processo. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 129.
[20] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 158. O perfil estático da igualdade acarretou a aceitação pela ordinarização do procedimento, pela abstração dos sujeitos e pela aparição avalorativa do juiz. Algo que se modifica com a dinamização da igualdade, o que também se repercute na concepção formal e na concepção material do contraditório – em estreita harmonia. Ver ABREU, Rafael. Igualdade e processo…, op. cit., p. 77 e seguintes.
[21] ABREU, Rafael. Igualdade e processo…, op. cit., p. 75.
[22] BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
- p. 100.
[23] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 178.
[24] TORRES, Amanda Lobão. A cooperação processual no novo Código de Processo Civil brasileiro. In: ALVIM, Thereza et al. (coord.). O novo Código de Processo Civil brasileiro. Estudos dirigidos: sistematização e procedimentos. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 15-6.
[25] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo…, op. cit., p. 159.
[26] ABREU, Rafael. Igualdade e processo…, op. cit., p. 95 e seguintes. O autor ainda completa a respectiva dissertação de mestrado com a dimensão da igualdade pelo processo – que certamente emplaca a necessidade de catalogar práticas que se tornam consistentes de acordo com os precedentes judiciais. De qualquer maneira, focando na estruturação do processo – civil, penal ou administrativo –, as remissões auferidas são por ora suficientes para localizar a relação entre igualdade e suas implicações ao processo. No tocante ao contraditório como face emblemática da igualdade dinâmica, ressalta-se a mais-valia da capacidade de agir, que é uma dimensão aprimorada da oportunidade de agir. Logo, devem ser conferidas todas as ferramentas e os suportes técnicos para os sujeitos dialogarem com efetividade nos parâmetros do processo.
[27] Nem mesmo as questões de direito podem ser suscitadas sem o crivo do contraditório, porque denotariam uma surpresa indigesta aos contendores. Ocorre uma relativização do clássico sentido da máxima do iura novit curia, na medida em que não basta que o juiz saiba o direito, é preciso que o direito a ser aplicado, o direito a ser concretizado, enfim, passe pelo crivo do contraditório. Ver DOMIT, Otávio Augusto Dal Molin. Iura novit curia e causa de pedir: o juiz e a qualificação jurídica dos fatos no processo civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. Passim.
[28] A tese da irradiação dos efeitos dos direitos fundamentais a todos os desdobramentos jurídicos – eficácia vertical, horizontal e vertical com repercussão horizontal. Ver ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Traduzido da 5. ed. alemã por Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 524 e seguintes.
[29] Um dispositivo de sobredireito apreende as determinações constitucionais, embora topologicamente esteja positivado em determinado conjunto de regras. Nem por isso deixa de ter aplicação a todos os casos similares, porque a força normativa dessa regra transcende os limites da lei na qual está inserida – pela assertividade prestacional, pelo caráter instrumental e tendo em vista a consecução da finalidade constitucional que a regra abarca.
[30] FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e Direito Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 73 e seguintes. A vedação da proteção indeficiente abaliza o dever do legislador infraconstitucional de tipificar como crimes determinadas condutas ilícitas. A própria Constituição discrimina o que é mais importante, quais os bens jurídicos a serem consagrados, a ponto de se considerar criminosa determinada conduta. No caso, a violação do contraditório é de tamanha grandeza, que a não oportunização da nomeação de assistente técnico, em perícia, atualmente, é reputada figura criminal prevista na lei de abuso de autoridade.
[31] O tipo do parágrafo único não exige dolo específico, tampouco alguma alegação referente ao erro de tipo. Afinal, o operador jurídico deve saber lidar com o direito, ainda mais em se tratando de direito fundamental violado. Ver MARQUES, Gabriela; MARQUES, Ivan. A nova Lei de Abuso de Autoridade: Lei 13.869/19 comentada artigo por artigo. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019. p. 116-7.
[32] Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, no livro Teoria e prática…, op. cit., p. 70, pontualmente, discordava do entendimento de Elio Fazzalari. Carlos Alberto expressava que realizou algumas adaptações de percepção (nota de rodapé da fl. 70). Apesar de o professor da Sapienza de Roma atribuir uma natureza normativa ao procedimento, parece que ele deslocou elementos pertencentes à “ação” para dentro da realidade jurídica do procedimento. Uma questão acadêmica, mas digna de nota. Com efeito, o procedimento é um vínculo que organiza lógica e cronologicamente a sequência de normas, atos e posições jurídicas, podendo até ser entendido como uma “norma total”, porque o vínculo em si mesmo possui uma força deontológica. Nesse sentido, o procedimento é um link, um fio condutor que, para além de uma “norma total”, também pode ser compreendido como uma corrente de normas concatenadas e que, assim, passa a conectar os atos e as posições subjetivas. A discussão poderia levantar que o procedimento não é o conjunto de atos e posições em série, porque isso seria uma definição da “ação” como posição subjetiva complexa em evolução progressiva. A “ação” consistiria no conjunto serial a reunir as faculdades, os direitos, os deveres, os poderes e os ônus. A discussão é interessantíssima, mas se entende ser mais acadêmica que pragmática, inclusive porque a atual compreensão sobre a “ação” é de se lhe conferir uma dinamicidade que, possivelmente, talvez obscureça uma sua qualificação de verdadeira “posição subjetiva complexa”. Não se despreza a possibilidade de a “ação” ser invisível a uma descrição e somente passível de uma exposição, pois o que realmente se define, em último caso, é o resultado do ato concreto ou da posição a que a conduta explicitada pela “ação” se refere, e não a “ação” em si mesma. Uma discussão acadêmica da melhor cepa. Ver FAZZALARI, Elio. Procedimento e processo (teoria generale). Enciclopedia del Diritto. v. XXXV. Milano: Giuffrè, 1986. p. 824. Em outro escrito, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira chegou a dizer: “ante a constitucionalização das normas fundamentais sobre o acesso ao processo e o agir em juízo, bem como sobre o resultado da atividade jurisdicional, perde consistência teórica a velha e superada categoria da ‘ação’”. Ver: Os direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva dinâmica. Revista da Ajuris, n. 109, p. 64.
[33] Em palestra promovida no Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira reforçou: “(…) ação processual é, afinal de contas, agir. Garantia de ação, o direito fundamental de ação é algo que não diz respeito à ação processual, é algo pré-processual, vem antes da ação. E a ação é o agir. E como é que eu ajo? Ajo exercendo os poderes que me são concedidos abstratamente pelo ordenamento, por atos concretos. E isso é ação. Ação não é, como dizia Liebman, só o poder de provocar a jurisdição, mas de exercer todos os poderes até o fim do processo, até o último ato do processo; isso é ação processual. Poderes que são abstratamente concedidos; por exemplo, o poder de recorrer, o poder de demandar, o poder de pedir provas, o poder de arrazoar, poderes que são abstratamente concedidos e que são exercidos concretamente por atos processuais: recorrer, arrazoar, etc.”. Ver OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Da sentença: Lei nº 11.277/06 e nova redação dada aos arts. 162, 267, 269, 463 e introdução dos arts. 466A, 466B e 466C pela Lei nº 11.232/05. In: As recentes reformas processuais: Leis 11.187, de 19/10/05; 11.232, de 22/12/05; 11.276, de 07/02/06; 11.277, de 07/02/06; 11.280, de 16/02/06. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Departamento de Artes Gráficas, 2006. (Cadernos do Centro de Estudos, v. I). p. 36.
[34] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Efetividade e tutela jurisdicional. In: MACHADO, Fábio Cardoso; AMARAL, Guilherme Rizzo (org.). A polêmica sobre a ação: a tutela jurisdicional na perspectiva das relações entre direito e processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 102.
[35] PICARDI, Nicola. Manuale del processo civile. 3. ed. Milano: Giuffrè, 2012. p. 230.
[36] FAZZALARI, Elio. Procedimento e processo: teoria generale. Enciclopedia del Diritto. v. XXXV. Milano: Giuffrè, 1986. p. 819. Esse texto, na verdade, parece uma resenha de Note in tema di diritto e processo. Milano: Giuffrè, 1957. p. 111 e ss.
[37] FAZZALARI, Elio. Processo: teoria generale. Novissimo digesto italiano. v. XIII. Torinese, 1957. p. 1.068.
[38] Manuale del processo civile. 3. ed. Milano: Giuffrè, 2012. p. 149.
[39] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Tomo 1. p. 103.
[40] Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 156-7. Uma definição que, na verdade, traduz os dizeres da doutrina italiana – de Fazzalari a Nicola Picardi.
[41] Pensamento análogo ao dizer que “ação” processual “consiste apenas no agir das partes em juízo, por meio do exercício dos poderes e das faculdades que lhes correspondem abstratamente, concretizados em atos processuais, e correspondentes posições subjetivas processuais, conforme a sequência procedimental estabelecida em lei (v.g., demanda, réplica, pedido de prova, arrazoados, recursos etc.). Nada tem a ver, assim, com a tutela jurisdicional prestada pelo órgão judicial, que decorre não do meio, mas do resultado do processo, da imperatividade e da soberania do Estado-juiz”. Ver Teoria e prática da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 73.
[42] Impende recordar que as partes e os sujeitos intervenientes praticam atos no processo, enquanto o juiz desempenha uma função regulamentada pelo direito público.
[43] FAZZALARI, Elio. Processo: teoria generale. Novissimo digesto italiano. v. XIII. Torinese, 1957. p. 1.069.
[44] FAZZALARI, Elio. Procedimento e processo: teoria generale. Enciclopedia del Diritto. v. XXXV. Milano: Giuffrè, 1986. p. 827.
[45] Uma leitura atenta de Fazzalari deixa escapar interessante curiosidade sobre a ordem dos acontecimentos. É notável que ele comenta o fato de não terem sido os processualistas que identificaram existirem procedimentos estranhos ao iudicium. Esse mérito é atribuído aos estudiosos do direito administrativo. Os respectivos ensinamentos foram trazidos para o processo civil apenas em um segundo momento, como que de fora para dentro. Vale dizer que o procedimento, após nascer, voltou ao seu pretenso habitat natural: o processo civil. Isso permite constatar que o processo, na sua essência mais evoluída da leitura constitucionalista (formalismo-valorativo), não fora produto de uma análise estrutural, consoante ocorre com a grande maioria dos institutos jurídicos e se coaduna ao pensamento do século XIX. Pensar de maneira estrutural chega a ser uma abreviação, resume grande parte da visão à técnica. O processo – por meio do seu gênero procedimento – primeiramente fora visualizado por Fazzalari em um universo funcional, quando o provimento seria o ato finalizado pelos sujeitos, com um evidente nexo teleológico. Apenas em um posterior momento, após consolidado o raciocínio sobre o procedimento, é que o contraditório forte puxa para dentro do processo uma esquematização paritária e que reclama a simetria entre os sujeitos. Ou seja, primeiro a função e, após, uma depreensão estrutural do fenômeno. Quer dizer que Fazzalari pensou de fora para dentro do processo, como se a partir dos efeitos se raciocinasse em direção à eficácia, o que é humanamente mais plausível – trata-se de um raciocínio funcional, como se verifica no art. 28 da LPA. Como salientado em termos da “ação”, o ser humano somente consegue visualizar o concreto, o palpável. O fenômeno não pode ser definido, apenas sentido ou matéria de exposição – não definição. Entretanto, ainda no pós-kantismo, isso tudo parece causar certa surpresa a significativa parcela de pensadores. Ver FAZZALARI, Elio. Processo: teoria generale. Novissimo digesto italiano. v. XIII. Torinese, 1957, em especial, p. 1.069-1.070. Dinamarco chega a comentar a influência dos administrativistas para a definição do procedimento e do processo (inclusive por existir relação de gênero e espécie), ver A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 82. A origem publicista de uma concepção de procedimento em confronto com o processo pode ser observada no precursor ensaio de BENVENUTI, Feliciano. Funzione amministrativa, procedimento, processo. Rivista Trimestale di Diritto Pubblico, a. II, 1952, em especial, p. 126-7. Se o leitor quiser se aprofundar para muito além do processo civil, a filosofia empresta uma distinção entre os pensamentos de Parsons e Luhmann que talvez descortine a transição de um raciocínio estrutural-funcionalista para o funcional-estruturalista, na teoria dos sistemas.
[46] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; MITIDIERO, Daniel Francisco. Curso de processo civil: teoria geral do processo civil e parte geral do Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2010. p. 99.
[47] Uma definição manuseada em PICARDI, Nicola. Manuale…, op. cit., p. 230-1.
[48] VIOLANTE, Sarah Furtado; SANTOS, José Eduardo Lourenço. Compliance, investigação criminal e a observância dos direitos fundamentais. Revista Jurídica Unigran, Dourados, v. 21, n. 41, jan./jun. 2019, p. 56-7.
[49] CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 95.
[50] NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 45.
[51] ABREU, Rafael. Igualdade…, op. cit., p. 60. 52
[52] SCHAUER, Frederick. Il ragionamento giuridico: una nuova introduzione. 1. ed. italiana. Traduzido por Giovanni Battista Ratti. Roma: Carocci, 2018. p. 93.