JULGAMENTO VIRTUAL: MECANISMO DE DESAFOGO DO JUDICIÁRIO OU OFENSA AO DIREITO DA PARTE
Werner Grau Neto
Não faz muito, escrevi nesta mesma ConJur acerca da questão da prestação jurisdicional adequada, a partir de prisma diverso do que trago agora. O ponto que agora trago, sempre buscando sopesar a sobrecarga e o desumano volume de recursos que cada magistrado se impõe julgarem com a preservação dos direitos das partes a uma prestação jurisdicional adequada, toca ao julgamento virtual de recursos pelas nossas cortes colegiadas.
O julgamento virtual é prática recente, na qual o recurso, ao invés de pautado e submetido a julgamento presencial, dada às partes a possibilidade daquilo que já denominei aqui de direito ao vivo, é posto à disposição dos magistrados que compõem a turma julgadora para que estes, de forma isolada, realizem cada um sua análise do conjunto do processo — em todos os casos com o voto de relatoria já posto, como sói acontecer também nos julgamentos presenciais, excetuados casos como aquele que também citei aqui, de iniciativa do ministro Barroso, presidente do STF — e exarem seus votos.
Frio e distante, essa espécie de julgamento colegiado, a um lado, afasta-se de iniciativas como esta última da Presidência do STF, noticiada recentemente, de uso de linguagem simples no processo e nos julgamentos.
Com efeito, desde que se tomou a iniciativa de transmissão dos julgamentos de nossas cortes, especialmente aqueles do STF, em tentativa de aproximar a corte da população, o que se vê é uma tentativa de tornar o ordenamento e seus mecanismos algo de domínio comum, real, de nosso dia a dia.
Deixadas de lado opiniões sobre o ponto, o fato, insofismável, é que o julgamento virtual é mecanismo que opera em sentido oposto à dita “popularização” do sistema.
Mas não só no que toca a essas questões de ordem institucional e de “inserção” do Judiciário no dia a dia da sociedade vê-se pontos negativos do julgamento virtual
A uma, o salutar — e público — debate entre os julgadores, que se tem nas sessões presenciais, perde-se no julgamento virtual. Inúmeras vezes, quando presencial o julgamento, pode o advogado, atentando ao teor do debate entre os julgadores, encontrar pontos, no raciocínio expressado pelos magistrados, para os quais possa advogar interpretação diversa no próprio julgamento, manifestando-se na forma regimental, ou ainda ao depois, em recursos subsequentes. Tal oportunidade, que contribui para a adequada e completa, rica prestação jurisdicional, perde-se no julgamento virtual.
A duas, e de todo relevante, suprime-se, no julgamento virtual, a oportunidade, nos casos em que o regimento admite, de realização de sustentação oral pelos causídicos que as partes representam.
Este ponto, a meu ver, e já defendi tal visão aqui, é de fundamental relevância. A sustentação oral, o direito ao vivo, permite interação e cor únicas ao julgamento, otimizando a prestação jurisdicional.
A necessidade de se dar preferência pelo julgamento presencial, em detrimento do virtual, parece evidente. A meu ver, o julgamento virtual caberá apenas e tão comente, a uma, nos casos em que não seja possível a realização de sustentação oral e, a duas, quando as partes chamadas a manifestarem oposição ao julgamento virtual, aquiesçam a tanto.
E este o ponto que trago aqui, como provocação, aos leitores desta ConJur: a oposição ao julgamento virtual, em meu sentir, deve ser vinculante e manifestação livre de qualquer das partes. Por outros termos, manifestada a oposição ao julgamento virtual, não se justifica que seja negado o pedido, que, na verdade, não é um pedido em sua essência, mas manifestação pelo exercício de um direito, enquanto que exatamente porque um direito que às partes se garante dispensa justificativa a manifestação pelo julgamento presencial.
Ocorre que, em situações distintas, duas sortes de entendimento se verificaram. De um lado, imposição do julgamento virtual, mesmo diante de manifestação expressa da parte pelo julgamento presencial, e, de outro lado, exigência de que a parte justifique a manifestação pelo julgamento presencial.
O que a mim parece é que, afundadas em um mar sem fim de recursos, fruto entre outros fatores de um sistema em tudo garantidor de um extenso direito ao contraditório e à ampla defesa, e muitos deles ultrapassando a fronteira do absurdo, nossas cortes vêm buscando formas de responder à demanda social e do CNJ por eficiência.
Assim como em manifestações anteriores nesta ConJur, vejo aqui o pecado de se gerar distanciamento da essência do que deve ser um provimento jurisdicional completo pela busca de uma eficiência temporal.
Frase que ouço vinda de diversos profissionais de alto calibre, e que repito a meus alunos, é a de que o fato e sua consequência jurídica devem ter identidade, e isto pressupõe contemporaneidade. Não há sistema que entregue pacificação eficiente de conflitos quando a consequência jurídica se desprende do fato pelo decorrer do tempo. A noção de impunidade vem, entre outras razões, desse desvio.
Mas há que se ponderar que a busca pela eficiência não pode sacrificar a qualidade da prestação jurisdicional e, mais ainda, o direito que às partes assiste de participar do procedimento que integra o processo de forma ampla e dialética. Os caminhos para uma prestação jurisdicional eficiente e completa estão, a meu ver, longe do julgamento virtual a que se oponha qualquer das partes.