INVENTÁRIO E PARTILHA NO PROJETO DE NOVO CPC: PONTOS DE DESTAQUE NA RELAÇÃO ENTRE OS DIREITOS MATERIAL E PROCESSUAL
Fernanda Tartuce
Rodrigo Mazzei
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Temas de Natureza Eminentemente Processual? 3 Ação Rescisória de Partilha (CPC) e Ação de Petição de Herança (Código Civil): Diferenciação Necessária. 4 Regras para a Fixação da Partilha: Alcance do Art. 663 do Texto Projetado (art. 2.017 do Código Civil). 5 Hipossuficiência e Ultimação da Partilha. 6 Fruição Antecipada do Bem pelo Legatário. 7 Breve Fechamento. 8 Referências Bibliográficas.
1 Introdução
Como é de conhecimento geral, o Ato nº 379/09, de lavra do Presidente do Senado Federal, (Senador José Sarney) instituiu uma Comissão de Juristas – presidida pelo então Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Fux – para elaborar Anteprojeto do novo Código de Processo Civil.
Em curtíssimo espaço de tempo [1], a Comissão apresentou ao Senado Federal – janeiro de 2010 – o fruto de seu labor, vindo o texto base a dar ensejo ao PLS nº 166/2010. Com a remessa para Câmara, o projeto tomou o nº 8.046/2010 e, depois de passar por Comissão Especial – com conduções dos Deputados Sérgio Barradas Carneiro e Paulo Teixeira – aprovou-se texto final na Câmara dos Deputados em março de 2014 [2].
Feita a apertada resenha, o ensaio que segue tem foco em algumas questões que envolvem o inventário e a partilha segundo a redação do projeto de novo CPC, partindo-se do texto que foi aprovado na Câmara em março de 2014.
Registre-se, por deveras relevante, que não se trata de estudo horizontal amplo. O trabalho em voga examina questões pontuais que chamaram a atenção da doutrina, algumas, inclusive, chegando a ser alvo de debate no II Encontro de Jovens Processualistas de Salvador [3] e no III Fórum Permanente de Processualistas Civis (eventos ocorridos em novembro de 2013 [4] e abril de 2014 em Salvador e no Rio de Janeiro [5], respectivamente).
A apresentação de enunciados sobre o novo Código de Processo Civil busca municiar os aplicadores do direito de vetores interpretativos para a devida compreensão da nova legislação de modo a esclarecer o alcance e o conteúdo das novas previsões.
2 Temas de Natureza Eminentemente Processual?
Antes de enfrentar as questões propriamente ditas, é de se notar que situações legais afetas ao inventário e à partilha sofrem, muitas vezes, um duplo influxo, recebendo regulação tanto do direito material quanto do direito processual. Não é à toa, portanto, que as regras sobre o inventário e a partilha estão previstas tanto no corpo do Código Civil [6] como no ventre do Código de Processo Civil atual [7], sendo a medida repetida no Projeto de novo CPC (arts. 625 a 688).
Tal fato permite facilmente verificar que no tratamento do tema é possível localizar dispositivos com feição bifronte[8], bem assim heterotópicos, sendo fundamental a busca de simbiose interpretativa entre os diplomas de direito material e de processo.
A análise do fenômeno acima permite observar com maior facilidade que alguns dispositivos trazidos no Projeto de novo CPC não devem ser vistos apenas a partir da matriz processual; como possuem superfície e/ou consequências de direito material, reputa-se necessária a verificação de sua compatibilidade com as previsões legais de direito material, notadamente as inseridas no bojo Código Civil em vigor.
Como bem aponta Barbosa Moreira, ao cotejar as diferentes previsões, “descobrem-se superposições, nem sempre harmoniosas: devemos dar-nos por felizes quando os dois códigos, no tratamento desta ou daquela matéria, adotam posições coincidentes” [9].
Dessa forma, ao se analisar o Projeto de novo CPC na parte de inventário e partilha não se deve fixar a empreitada apenas na comparação da codificação processual de 1973 com o texto projetado, sendo de capital importância a incursão no direito material, em especial no trecho que trata da temática no Código Civil de 2002[10].
3 Ação Rescisória de Partilha (CPC) e Ação de Petição de Herança (Código Civil): Diferenciação Necessária
Como é de trivial sabença, a ação de petição de herança passou a receber status diferenciado no Código Civil de 2002 com regulamentação em capítulo próprio[11] – ao contrário do que ocorria na codificação de 1916, na qual a ação era extraída apenas do disposto no art. 1.580[12] e seu parágrafo único[13].
Vale destacar que tanto na vigência do revogado Código Civil de 1916 como no espectro do atual diploma de 2002, a ação de petição de herança não tem piso na codificação processual.
Ocorre que, nada obstante a situação peculiar, o Código de Processo Civil em vigor prevê ação rescisória de partilha em favor do herdeiro preterido[14]. O uso da expressão “herdeiro preterido” pela legislação processual pode levar a uma confusão com a ação de petição de herança, pois, como é curial, a legitimidade ativa para a segunda ação, consoante se infere do art. 1.824 do Código Civil, é do herdeiro que postula o reconhecimento de seu direito sucessório[15], sendo, por tal passo, tratado pela doutrina como herdeiro preterido[16]. Nesse sentido, Ney de Mello Almada afirma que “a petição de herança é o meio-padrão de tutela do herdeiro que, provido de vocação sucessória atual, sofrerá preterição em seu direito por estranho“[17]–[18].
Assim, o art. 1.030, III, do Código de Processo Civil em vigor parece disputar espaço com o disposto nos arts. 1.824 a 1.828 do Código Civil – e, o que é pior, a situação continua sem contar com uma resolução clara no texto projetado. O problema apresentado – de possível incompatibilidade entre o Código de Processo Civil e o Código Civil, que repercutiu em debates judiciais [19] – está renovado no Projeto de novo CPC, já que seu art. 673, III, repete a bússola do art. 1.030, III, da codificação de 1973. Confira-se, no sentido, o quadro comparativo:
CPC/73
Projeto de novo CPC
Art. 1.030. É rescindível a partilha julgada por sentença:
I – nos casos mencionados no artigo antecedente;
II – se feita com preterição de formalidades legais;
III – se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.
Art. 673. É rescindível a partilha julgada por sentença:
I – nos casos mencionados no art. 672;
II – se feita com preterição de formalidades legais;
III – se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.
Como a ação de rescisão de partilha prevista na legislação processual possui estrutura diferente da ação e petição de herança (inclusive quanto ao prazo para ajuizamento [20] e em relação à consequência jurídica da sentença em cada uma das ações[21]), a situação em voga não configura uma simples questão acadêmica, já que, sem rebuços, enseja repercussões práticas relevantes.
Pois bem: muito embora a legislação processual pudesse ser mais clara, tem-se que o escopo da ação rescisória de partilha prevista no Código de Processo Civil (e agora repetida no texto projetado) em nada se confunde com a ação de petição de herança.
A legitimidade ativa, consoante se infere do art. 1.824 do Código Civil, é do herdeiro (preterido) que não participou do processo do inventário. É importante fixar tal premissa, pois a legislação processual e o texto do Projeto de novo CPC tratam da hipótese de herdeiro preterido que participa do inventário. A diferenciação aqui ultimada pode ser tirada facilmente a partir da leitura dos arts. 1.000, III [22], e 1.001 do Código de Processo Civil [23], que são repetidos (ainda que com outros desenhos) nos arts. 642 e 643 do texto projetado [24]– [25].
Em suma, o ponto de diferenciação mais evidente das ações [26] está, como se percebe, no fato de a ação rescisória (prevista na legislação processual) somente ter espaço quando aquele que se julgar preterido venha postular a sua admissão no inventário, requerendo-o antes da partilha [27]. Tal não ocorre na petição de herança que, por sua vez, pressupõe de modo mais vulgar justamente a não participação do herdeiro no inventário, pois a postulação principal é justamente o “reconhecimento do direito sucessório” do autor, segundo se extrai do disposto no art. 1.824 do Código Civil [28].
O Projeto do novo Código de Processo Civil, portanto, poderia ter tido redação mais hígida de modo a dissipar a confusão que cria ambiente de certa insegurança em relação às demandas referidas (petição de herança e ação rescisória de partilha).
Com objetivo de eliminar o enleio, no III Fórum Permanente de Processualistas Civis (ocorrido na sede da OAB do Rio de Janeiro em abril de 2014), foi apresentado pelo coautor deste artigo e aprovado por unanimidade um enunciado para propiciar a correta compreensão do texto projetado e dos limites da ação rescisória de partilha prevista na legislação processual; confira-se seu teor:
“Enunciado nº 183. A ação rescisória de partilha com fundamento na preterição de herdeiro, prevista no inciso III do art. 673, está vinculada à hipótese do art. 643, não se confundindo com a ação de petição de herança (art. 1.824 do Código Civil), cujo fundamento é o reconhecimento do direito sucessório e a restituição da herança por aquele que não participou, de qualquer forma, do processo de inventário e partilha.” (Grupo: Procedimentos Especiais)
A ação de rescisão de partilha não pode ser confundida com ação de petição de herança. Logo, o Projeto de novo CPC não gera qualquer invasão em relação ao que está previsto no Código Civil nos arts. 1.824 a 1.828 em relação ação de petição de herança [29]. A ação cogitava no art. 673, III [30], do texto projetado está intimamente vinculada (e limitada) ao disposto no art. 643 [31] do Projeto.
4 Regras para a Fixação da Partilha: Alcance do Art. 663 do Texto Projetado (art. 2.017 do Código Civil)
Como ressaltado anteriormente, quando tratamos de inventário e/ou partilha, há momentos em que determinados assuntos são regulados simultaneamente pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil.
O exemplo mais conhecido está no prazo para abertura do inventário, tema disposto de forma conflitante pelos arts. 1.796 do Código Civil e 983 do Código de Processo Civil em vigor, já que o primeiro indica que o prazo deverá ser de 30 dias e o segundo de 60 dias [32]– [33].
O Projeto de novo CPC traz novo exemplo de disposição simultânea entre o Código Civil e o Código de Processo Civil, eis que o texto projetado, em seu art. 663, dispõe de forma parelha ao desenhado no art. 2.017 do Código Civil no que se refere à fixação de regras para o julgamento da partilha. Confira-se:
Código Civil
Projeto de novo CPC
Art. 2.017. No partilhar os bens, observar-se-á, quanto ao seu valor, natureza e qualidade, a maior igualdade possível.
Art. 663. Na partilha, serão observadas as seguintes regras:
I – a maior igualdade possível, seja quanto ao valor, seja quanto à natureza e à qualidade dos bens;
II – a prevenção de litígios futuros;
III – a maior comodidade dos coerdeiros, do cônjuge ou do companheiro, se for o caso.
Considerando que o Projeto de novo CPC traz dispositivo que – ainda com redação mais detalhada – já possui espaço no ordenamento legal (art. 2.017 do Código Civil), poderia se indagar se a “novidade” irá causar algum impacto no sistema.
A resposta parece ser positiva, na medida em que faz ressurgir discussão sobre o âmbito de aplicação da regra legal: é ela aplicável a qualquer tipo de partilha (amigável ou “judicial“) ou apenas quando o juiz tiver que decidir sobre a partilha (“judicial“)?
Pensamos que a regra legal – reafirmada pelo art. 663 do texto proposto – tem aplicação restrita às partilhas efetuadas de forma judicial em que não há consenso quanto aos herdeiros (e até meeiros) capazes e/ou quando tratar de partilha que envolva incapaz. Em outras palavras, tratando-se de partilha amigável entre pessoas capazes, os arts. 2.017 do Código Civil e 663 do Projeto de novo CPC devem ser recepcionados como orientações e não imposições aos interessados, tendo, em tal situação, natureza dispositiva a permitir que a divisão não se dê na forma desenhada nos dispositivos, notadamente no que tange “a maior igualdade possível” (seja quanto ao valor, seja quanto à natureza, seja quanto à qualidade dos bens).
Embora a assertiva possa parecer óbvia para alguns, não há consenso geral quanto ao tema – tanto assim que o enunciado sobre o tema, apesar de aprovado de forma unânime no Grupo de Procedimentos Especiais, restou vetado quando da votação Plenária (que reúne todos os participantes do encontro) no III Fórum Permanente sobre o novo Código de Processo Civil (Rio de Janeiro, abril de 2014, IBDP) [34].
Cremos que não há como se prestigiar o veto e a interpretação contrária em relação à posição aqui defendida, bastando um breve passeio pelos regramentos que tratam do inventário e da partilha para aferir que os arts. 2.017 do Código Civil e 663 do Projeto de novo CPC não devem ser aplicados como norma cogente em partilhas amigáveis envolvendo capazes.
Com efeito, nos termos da redação do art. 982 do Código de Processo Civil atual [35]– [36], as partes podem ultimar inventário e partilha, com livre deliberação sobre os termos desta, bastando que não sejam incapazes, ou ainda, se capazes, que não haja testamento vinculado à herança.
Assim, no sistema em vigor, só há inventário judicial obrigatório em três situações: (1) havendo testamento; (2) havendo herdeiro incapaz e (3) mesmo sem testamento ou sem herdeiro incapaz, os herdeiros capazes – devidamente assistidos por advogado – não apresentarem de forma conjunta a partilha amigável.
De outra banda, a partir da análise dos dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil, percebe-se claramente que há duas espécies de partilha: (1) a amigável e (2) a judicial (que é assim tratada por depender de deliberação judicante, não sendo a dicção judicial apenas a homologação da livre vontade das partes). A segunda é fixada judicialmente pelo julgador e a primeira é apresentada de forma consensual pelas partes (capazes) para que o juiz a homologue; como é fácil perceber, a atividade judicante é diferente nas duas situações [37].
A diferenciação aqui apresentada é facilmente compreendida quando se examina com atenção os dispositivos do Código Civil que tratam do tema: (a) art. 2.015 (partilha amigável [38]) e (b) art. 2.016 (partilha judicial [39]).
Nada obstante a clareza do Código Civil, mister realçar que o fato de ser feito inventário judicial não impede a apresentação de partilha amigável, pois tal situação está vedada em lei, ou seja, partilha amigável não é figura que ocorre apenas no âmbito do inventário extrajudicial (art. 982 do Código de Processo Civil atual [40]). A análise da codificação processual (em vigor e proposta) confirma a posição acima.
A colocar uma pá de cal no debate, é evidente que o art. 663 do texto projetado não pode ser lido desapegado da sua posição lógica e geográfica. Isso porque a regra processual antecedente – o art. 662 do Projeto (que substitui o atual 1.022) – indica que o art. 663 está tratando de situação em que a partilha será feita por decisão do juiz (substitutiva da vontade das partes), pois os herdeiros postulam o seu quinhão próprio, não havendo consenso sobre a partilha. Justamente pelas razões dispostas no art. 662 que o juiz interferirá na situação (sem consenso geral) e, com a orientação, no art. 663 do projeto (que refina a redação do art. 2.017 do Código Civil), fará a divisão que deverá (I) contemplar a maior igualdade possível (seja quanto ao valor, seja quanto à natureza, seja quanto à qualidade dos bens), (II) previna litígios futuros e (III) conceda a maior comodidade dos coerdeiros, do cônjuge ou do companheiro. Confira-se, pois, os dispositivos citados:
CPC/1973
Projeto de novo CPC
Art. 1.022. Cumprido o disposto no art. 1.017, § 3º, o juiz facultará às partes que, no prazo comum de 10 (dez) dias, formulem o pedido de quinhão; em seguida proferirá, no prazo de 10 (dez) dias, o despacho de deliberação da partilha, resolvendo os pedidos das partes e designando os bens que devam constituir quinhão de cada herdeiro e legatário.
Art. 662. Cumprido o disposto no art. 657, § 3º, o juiz facultará às partes que, no prazo comum de quinze dias, formulem o pedido de quinhão; em seguida proferirá a decisão de deliberação da partilha, resolvendo os pedidos das partes e designando os bens que devam constituir quinhão de cada herdeiro e legatário.
Parágrafo único. O juiz poderá, em decisão fundamentada, deferir antecipadamente a qualquer dos herdeiros o exercício dos direitos de usar e fruir de determinado bem, com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a cota desse herdeiro. Desde o deferimento do exercício dos direitos de usar e fruir do bem, cabe ao herdeiro beneficiado todos os ônus e bônus decorrentes do exercício daqueles direitos.
Ante o contexto apresentado, não nos parece que o art. 663 do Projeto do novo CPC (que melhora da redação do art. 2.017 do Código Civil) tenha aplicação obrigatória em todas as hipóteses: ele ser afastado nas situações em que se permite a partilha amigável, ou seja, nos casos em que os interessados são todos capazes e a partilha é feita de forma consensual, com o objetivo exclusivo de ser homologada pelo juiz.
5 Hipossuficiência e Ultimação da Partilha
Ao analisar as regras sobre inventário e partilha percebe-se, tanto no Código de Processo Civil vigente como no texto projetado, uma considerável preocupação do legislador com o recolhimento de tributos.
Apenas depois do pagamento do imposto de transmissão causa mortis e da juntada aos autos da certidão ou informação negativa de dívida para com a Fazenda Pública é que o juiz julgará a partilha por sentença [41].
Não havendo pagamento de impostos, impede-se a partilha e o procedimento resta imobilizado [42].
Na prática, muitos inventários acabam não sendo finalizados pela limitação de recursos dos herdeiros, o que gera uma situação pouco interessante para todos os envolvidos, já que os bens – embora sofram o fenômeno da saisiene [43] – na prática permanecem em nome do “morto“, em prejuízo dos herdeiros e de eventuais credores.
Na perspectiva dos jurisdicionados, vincular a prolação de decisão final ao pagamento de tributos configura uma limitação indevida no acesso à justiça, já que este não atingirá seus objetivos por força da precariedade econômica que marca os titulares do direito material.
No que tange aos credores – incluída a Fazenda -, a inconveniente situação também se configura, já que será preciso demandar a pessoa falecida para cobrar tributos, considerando que o dono do bem no plano registral ainda consta como sendo o de cujus.
Tal situação certamente não se coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro: tanto no plano constitucional como no plano legal busca-se prever às pessoas carentes amplo acesso a diferenciados meios para regularizar suas situações jurídicas.
No Projeto do novo Código de Processo Civil há previsão que se revela parcialmente sensível ao afastamento da nefasta situação, nos termos do parágrafo único do art. 669 [44]: “a existência de dívida para com a Fazenda Pública não impedirá o julgamento da partilha, desde que o seu pagamento esteja devidamente garantido“.
Contudo, ao ainda revelar preocupação com a garantia do pagamento, o legislador revela condicionar a resposta processual final à Fazenda de um modo servil e injustificável. Afinal, dúvida não há que a Fazenda tem plenas condições de executar o valor devido por meio do eficiente sistema executivo de que é titular. Como já terá ciência do processo de inventário, o que a impedirá de executar o herdeiro que porventura deixou de pagar os tributos sucessórios?
Nada justifica deixar o bem em nome do morto e causar graves prejuízos à eficiência do acesso a justiça, à segurança jurídica e à transparência nas relações jurídicas por uma pendência tributária cuja superação poderá ser buscada pela Fazenda posteriormente.
É forçoso considerar que os litigantes hipossuficientes, não tendo condições econômicas, poderão deixar de conseguir a almejada partilha. Viola a isonomia considerar que, por não terem como garantir o feito, os litigantes marcados por precariedade econômica deixem de ter acesso à justiça com eficiência.
Da mesma forma que o sistema prevê facilitações para aquele que pode apresentar em juízo valores significativos, cria óbices ilegítimos a quem, a despeito da pobreza, possa ter razão quanto ao direito material; é, pois, de suma importância que o juiz coteje a impossibilidade financeira e considere outros elementos para decidir [45].
Por essas razões a coautora deste artigo elaborou a seguinte proposta de verbete:
“Enunciado nº 71 [46]. Poderá ser dispensada a garantia mencionada no parágrafo único do art. 669, para efeito de julgamento da partilha, se a parte hipossuficiente não puder oferecê-la, aplicando-se por analogia o disposto no art. 301, § 1º.”[47]
Tal enunciado foi aprovado no grupo de Procedimentos Especiais e acolhido por unanimidade no encontro de processualistas de Salvador, tendo havido aprimoramento de redação no III Fórum Permanente de Processualistas Civis do Rio de Janeiro.
O Código projetado inova em matéria de partilha com a inserção do seguinte dispositivo:
“Art. 662 (…). Parágrafo único. O juiz poderá, em decisão fundamentada, deferir antecipadamente a qualquer dos herdeiros o exercício dos direitos de usar e fruir de determinado bem, com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a cota desse herdeiro. Desde o deferimento do exercício dos direitos de usar e fruir do bem, cabe ao herdeiro beneficiado todos os ônus e bônus decorrentes do exercício daqueles direitos.”[48]
A previsão é interessante em termos de efetividade do direito material por permitir que o herdeiro desde logo possa fruir e cuidar do bem que herdará. O Projeto de novo Código de Processo Civil, porém, parece ter olvidado de atribuir a mesma benesse ao legatário, já que a letra da lei trata apenas da situação do herdeiro [49].
Ao ponto, vale lembrar que o legado constitui uma disposição causa mortis feita pelo testador em benefício de certa pessoa (legatária) para deixar-lhe algo determinado; ao contrário do herdeiro que adquire um direito indeterminado (uma fração ideal, um quinhão que será individualizado no inventário), o legatário, por disposição testamentária ou codicilo, adquire um bem ou um direito determinado [50].
Pelo ordenamento material[51], desde a abertura da sucessão a coisa certa existente no acervo pertence ao legatário; todavia, não se lhe defere a posse do bem imediatamente, não podendo tampouco ele ingressar nela por autoridade própria. Como bem destaca Giselda Hironaka,
“o herdeiro recebe, desde o momento da morte do autor da herança, o domínio e a posse dos bens, em condomínio com os demais; o legatário receberá o domínio desde logo e a posse quando da partilha, se beneficiado com coisa certa e receberá o domínio e a posse no momento da partilha, se beneficiado com coisa incerta.”[52]
A partir da inovação do Código Processual projetado, a proposta é que o destinatário do bem possa concretamente dele se valer o quanto antes. O problema, como já colocado anteriormente, é que o dispositivo em questão (parágrafo único, do art. 663) tem redação restrita ao herdeiro; tal situação, em uma interpretação fria e desapegada do sistema, pode alijar sua aplicação em relação ao legatário.
Observe-se que, embora seja dito, o legatário não tem posse do bem legado[53], somente alcançando a situação na partilha (e, portanto, só estando os herdeiros obrigados a entregar os bens legados em tal momento e, portanto, depois de verificada a solvência do espólio), pensamos que este pode manejar ações para a proteção do legado, valendo-se da válvula do art. 130 do Código Civil [54], notadamente se o inventariante não adotar medidas para tal. O aludido dispositivo trata do chamado direito eventual (ou, em expressão mais feliz, direito expectativo) que se caracteriza pela existência de um direito que aguarda a ocorrência de um evento futuro para sua estabilização. O art. 130 refere-se ao titular de direito que está sob condição, mas também – por desdobramento lógico – compreende o direito que depende de termo (ainda que incerto, ou seja, sem data previamente fixada), garantindo ao titular em ambos os casos os atos de conservação. Assim, o legatário pode manejar ações conservativas para a proteção do legado, antes mesmo do seu pagamento, de certa maneira, sua posição se equilibra em condição suspensiva [55].
Sem prejuízo da possibilidade de manejo de ações conservativas pelo legatário, verificando-se, desde logo, que a solvência evidente da herança e que o “pagamento dos legados” não prejudicará os herdeiros, nem os credores (a qualquer título), o não cumprimento antecipado do legado pode se demonstrar abusivo, não se justificando que somente o herdeiro possa se valer do pedal de aceleração previsto no parágrafo único do art. 662 do Projeto de novo Código de Processo Civil[56].
Em suma, apurado que o inventário terá saldo positivo e levando-se em conta todas as dívidas, pensamos ser possível estender ao legatário a regra do parágrafo único do art. 663 do texto projetado, a fim de que o julgador possa decidir (de forma fundamentada) antecipar ao legatário o exercício dos direitos de usar e fruir do legado, sendo certo que caberá ao legatário todos os ônus e bônus decorrentes do exercício do legado, desde o deferimento do exercício dos direitos de usar e fruir do bem, com aplicação isonômica da regra.
Como registro, a decisão fundamentada reclamada no parágrafo único do art. 662 do Projeto de novo Código de Processo Civil ao examinar a questão peculiar, deverá indicar que há evidente solvência da herança, não ocorrendo risco de o inventário restar negativo (tal verificação é primordial para o uso da válvula legal em exame).
Em arremate, como defendemos que o parágrafo único do art. 662 do Projeto de novo Código de Processo Civil pode ser aplicado em favor do legatário desde que não prejudique os herdeiros e credores, com mais razão ainda, o dispositivo pode ser invocado quando toda a herança for dividida em legados, situação invulgar que gera, inclusive, legitimidade para o legatário manifestar acerca das dívidas do espólio, consoante o art. 660, I, do texto projetado [57].
Diante do quadro aqui apresentado em resumo, o coautor deste artigo elaborou os seguintes enunciados interpretativos sobre a temática:
“Enunciado nº 183 [58]. Aplica-se aos legatários o disposto no parágrafo único do art. 662, quando ficar evidenciado que os pagamentos do espólio não irão reduzir os legados.”
“Enunciado nº 182[59]. A previsão do parágrafo único do art. 662 é aplicável aos legatários na hipótese do inciso I do art. 660, desde que reservado patrimônio que garanta o pagamento do espólio.”
Os enunciados foram aprovados no grupo de Procedimentos Especiais e, por unanimidade, aclamados na sessão plenária do III Fórum Permanente de Processualistas.
7 Breve Fechamento
Nos termos do anunciado no pórtico do ensaio, a presente empreitada não buscou esgotar os temas controvertidos que envolvem o inventário e a partilha no Projeto de novo Código de Processo Civil, sendo certo que várias questões não abordadas aqui merecem também a atenção doutrinária.
O objetivo do ensaio foi simplesmente demonstrar que o exame dos dispositivos do texto projetado, ao menos no que se refere a inventário e partilha, não pode ser feito de forma isolada, sendo necessário buscar interação não só com a codificação de 1973 como também com o direito material, notadamente o Código Civil (que também trata do tema). Com tal norte, tratamos de questões no sentido e que tiveram a oportunidade de serem debatidas em encontros de estudo com grande número de juristas.
Com campo bastante fértil, certamente novas discussões e debates ocorrerão, sendo importante a colheita de opiniões diversas a fim de que possamos consolidar interpretações mais seguras em relação a vários aspectos do texto do Código que se avizinha. Por tal passo, pensamos que a doutrina terá capital importância em tal missão, não podendo se omitir, ainda que tenha sido contrária à edição de um novo Código de Processo Civil.
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______. Processo civil: estudo didático. São Paulo: Método, 2011.
______; SARTORI, Fernando. Como se preparar para o Exame de Ordem – 1ª fase: civil. 12. ed. São Paulo: Método, 2014.
[1] O Ato nº 379/09 é datado de 30 de setembro de 2009.
[2] Do comparativo entre os textos do Senado e da Câmara percebe-se que na Câmara foram feitas alterações, não sendo a redação a mesma – em vários pontos – em relação ao que ficou assentado inicialmente no Senado Federal. Para uma análise comparativa dos dois textos, confira-se: BUENO, Cassio Scarpinella. Projetos de novo Código de Processo Civil comparados e anotados: Senado Federal (PLS nº 166/2010) e Câmara dos Deputados (PL nº 8.046/2010). São Paulo: Saraiva, 2014.
[3] O nome do evento, mais tarde, foi retificado para o II Fórum Permanente de Processualistas Civis.
[4] O evento ocorreu nas dependências da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia em Salvador e reuniu 176 processualistas. Eis o link da carta publicada com as conclusões alcançadas: <http://atualidadesdodireito.com.br/dellore/files/2013/12/carta-salvador-nov13.pdf>. Para mais informações, leia-se: DIDIER Jr., Fredie; BUENO, Cassio Scarpinella; BASTOS, Antonio Adonias. Carta de Salvador – II Encontro dos Jovens Processualistas do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Revista de Processo, São Paulo, RT, 2014, v. 227, p. 435-437.
[5] Tal fórum aconteceu na sede da OAB do Rio de Janeiro entre 25 e 27.08.2014 e reuniu 247 processualistas de todo o país, das mais variadas instituições de ensino e de distintas gerações. Eis o link para a carta que consolida as principais informações sobre o evento: <http://atualidadesdodireito.com.br/dellore/files/2014/06/carta-do-rio.pdf>.
[6] CC, arts. 1.991 a 2.027.
[7] CPC, arts. 982 a 1.045.
[8] Deve ser considerada como regra heterotópica aquela que está deslocada, ou seja, está em diferente (héteros) lugar (topikòs) do que se habitualmente espera. Assim, quando o diploma legal for de índole material – como é o caso do Código Civil – e for localizado dispositivo de caráter eminentemente processual, este terá natureza heterotópica, já que difere na essência dos demais artigos da legislação, estando, sob tal enfoque, deslocado. De forma diversa, os dispositivos bifrontes não são identificados pela sua posição topográfica deslocada, mas pelo fato de terem – simultaneamente – dupla faceta: material e processual. Assim, ao se falar em bifronte, o foco estará nas consequências materiais e processuais do dispositivo, diante da sua carga dupla. Com análise mais detalhada dos dispositivos bifrontes e heterotópicos, confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Enfoque processual do art. 928 do Código Civil. RBDPro – Revista Brasileira de Direito Processual, n. 59, p. 48-51; MAZZEI, Rodrigo. Algumas notas sobre o (“dispensável”) artigo 232 do Código Civil. In: DIDIER Jr., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Prova, exame médico e presunção: o artigo 232 do Código Civil. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 261-262.
[9] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo Código Civil e o direito processual. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/home/artigos/59-artigos-nov-2008/5866-o-novo-codigo-civil-e-o-direito-processual/>. Acesso em: 25 jun. 2014.
[10] Com caminho inverso (a análise do então novo texto de Código Civil em relação ao sistema processual vigente), vale conferir: FIGUEIREDO, Gabriel Seijo Leal. Reflexos do Código Civil de 2002 nos processos de inventário e partilha. In: MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Questões processuais do novo Código Civil. São Paulo: Manole, 2006. p. 510-543.
[11] CC, arts. 1.824 a 1.828.
[12] “Art. 1.580. Sendo chamadas simultaneamente, a uma herança, várias pessoas, será indivisível o seu direito, quanto a posse e ao domínio, até se ultimar a partilha.”
[13] “Parágrafo único. Qualquer dos co-herdeiros pode reclamar a universalidade da herança ao terceiro, que indevidamente a possua, não podendo este opor-lhe, em exceção, o caráter parcial do seu direito nos bens da sucessão.”
[14] Nos termos do art. 1.030, III, do CPC, é rescindível a partilha julgada por sentença se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.
[15] “Art. 1.824. O herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua.”
[16] Tanto assim que, como bem cravado por Eduardo de Oliveira Leite, a ação de petição de herança tem duplo objetivo: (a) reconhecimento judicial da qualidade sucessória do requerente e (b) a restituição de bens da herança, eliminando a indevida retenção pelo demandado(s). (Comentários ao Código Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. XXI. p. 195).
[17] ALMADA, Ney de Mello. Petição de herança no novo Código Civil. Revista Literária de Direito, São Paulo. v. 42, p. 12.
[18] Adotando semelhante terminologia, confira-se ainda: CARVALHO NETO, Inácio de; FUGIE, Érika Harumi. Novo Código Civil: direito das sucessões. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003. p. 68.
[19] No sentido: STJ, REsp 1.238.684/SC, Relª Minª Nancy Andrighi, 3ª T., j. 03.12.2013.
[20] Embora em Portugal a ação de petição de herança é tratada como imprescritível (art. 2.075 do Código Civil), no Brasil – à mingua de previsão legal expressa – tem prevalecido o posicionamento de que a ação de petição de herança se sujeita a prescrição (Súmula nº 149 do STF). No sentido: STJ, REsp 17.556/MG, Rel. Min. Waldemar Zveiter, 3ª T., j. 17.11.92, DJ 17.12.92. No sistema atual, o entendimento majoritário é no sentido de aplicação do art. 205 do Código Civil de 2002 para a contagem do prazo para a propositura da ação de petição de herança, fixando-se este em 10 anos a contar da abertura da sucessão. No sentido, entre vários: GOZZO, Débora. Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. XVI. p. 172-173. Adotamos outra posição acerca da contagem do prazo da ação de petição de herança, mais próxima ao direito luso. Próximo: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes (Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 20. p. 196).
[21] A sentença da ação de petição de herança parece ter conteúdo declaratório, ficando sem eficácia a partilha efetuada em relação ao autor da ação, sendo, por tal passo, dispensada a anulação da partilha, ao contrário do que irá ocorrer na ação rescisória de partilha, diante da sua natureza constitutiva negativa. No sentido: STJ, REsp 16.137/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., j. 21.02.95, DJ 27.03.95, p. 7.162; STJ, REsp 74.478/PR, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., j. 23.09.96, DJ 04.11.96, p. 42.478; STJ, REsp 1.381.655/SC, Relª Minª Nancy Andrighi, 3ª T., j. 13.08.2013, DJe 06.11.2013. Na doutrina bem detalhado: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. v. VII. p. 129-130.
[22] “Art. 1.000. Concluídas as citações, abrir-se-á vista às partes, em cartório e pelo prazo comum de 10 (dez) dias, para dizerem sobre as primeiras declarações. Cabe à parte: (…) III – contestar a qualidade de quem foi incluído no título de herdeiro.”
[23] “Art. 1.001. Aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no inventário, requerendo-o antes da partilha. Ouvidas as partes no prazo de 10 (dez) dias, o juiz decidirá. Se não acolher o pedido, remeterá o requerente para os meios ordinários, mandando reservar, em poder do inventariante, o quinhão do herdeiro excluído até que se decida o litígio.”
[24] “Art. 642. Concluídas as citações, abrir-se-á vista às partes, em cartório e pelo prazo comum de quinze dias, para que se manifestem sobre as primeiras declarações, incumbindo à parte: (…) III – contestar a qualidade de quem foi incluído no título de herdeiro. Art. 643. Aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no inventário, requerendo-o antes da partilha. § 1º Ouvidas as partes no prazo de quinze dias, o juiz decidirá. § 2º Se para solução da questão for necessária a produção de provas que não a documental, o juiz remeterá o requerente para as vias ordinárias, mandando reservar, em poder do inventariante, o quinhão do herdeiro excluído até que se decida o litígio.”
[25] Apesar das ações não serem as mesmas, na doutrina há quem acabe por confundi-las, afirmando que a previsão do art. 1.000, III, do CPC/73 é uma ação de petição e herança (indireta e paralela). No sentido: Eduardo de Oliveira Leite, a ação de petição de herança tem duplo objetivo: (a) reconhecimento judicial da qualidade sucessória do requerente e (b) a restituição de bens da herança, eliminando a indevida retenção pelo demandado(s). (Comentários ao Código Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. XXI. p. 193-194).
[26] Há outros pontos de divergência entre as ações, não podendo se esquecer, por exemplo, que a ação de petição de herança deve receber status de ação real, pois a herança (em sua universalidade) deve ser tratada como bem imóvel (art. 80, II, do Código Civil). No sentido: TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito das sucessões. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. p. 99.
[27] No sentido: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INVENTÁRIO. HOMOLOGAÇÃO DE PARTILHA. TRÂNSITO EM JULGADO. HERDEIRO QUE NÃO INTEGROU A RELAÇÃO PROCESSUAL. PRETERIÇÃO. AÇÃO RESCISÓRIA. DESCABIMENTO. 1. A ação rescisória não é o remédio processual adequado a ser manejado pelos herdeiros que não participaram do processo de inventário, buscando atacar a partilha homologada em procedimento sem contencioso. 2. Inteligência das regras dos arts. 1.824 e 1.825 do Código Civil de 2002. 3. Doutrina e jurisprudência acerca do tema” (STJ, REsp 940.455/ES, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., j. 17.05.2011, DJe 23.05.2011).
[28] Com bons exemplos do cabimento da ação de petição de herança, confira-se: ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código Civil comentado. São Paulo: Atlas, 2003. v. XVIII. p. 189-190.
[29] A ação de petição de herança também não se confunde com a ação anulatória de partilha contaminada pelos vícios vulgares dos negócios jurídicos, que está prevista no art. 2.027 do Código Civil de 2002 e acaba por aumentar as hipóteses de desconstituição da sentença que julga a partilha, pois extrapola as hipóteses do art. 1.030 do Código de Processo Civil (com o detalhe de os dois dispositivos trabalharem com o mesmo prazo de decadência: um ano). Outrossim, como o objeto da ação de petição de herança é, a priori, a universalidade alcançada pela herança, não se podendo falar em reclamação pela não inclusão de determinado bem no inventário, pois tal situação se confunde com a ação de sonegados (art. 1.992 do Código Civil).
[30] “Art. 673. É rescindível a partilha julgada por sentença: (…) III – se preteriu herdeiro ou incluiu quem não o seja.”
[31] “Art. 643. Aquele que se julgar preterido poderá demandar sua admissão no inventário, requerendo-a antes da partilha.”
[32] A divergência de prazos será mantida, pois o art. 983 do CPC atual será substituído pelo art. 626 do texto projetado, que fazendo pequena retificação prevê que “o processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de dois meses a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos doze meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte.
[33]No passado os prazos eram simétricos (30 dias), mas a Lei nº 11.441/07 alterou o art. 983 do CPC/73, que passou a prever o prazo de 60 dias para a abertura do inventário, fixando ainda o prazo de 12 meses para o seu desfecho (alargando o prazo antes previsto de seis meses). Prevalece o prazo da lei processual, pois a lei posterior revoga a anterior quando se verifique incompatibilidade com a lei anterior, aplicando-se semelhante inteligência entre dispositivos que disputam o mesmo espaço (art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Ademais, o prazo de 60 dias é mais benefício aos herdeiros (até em respeito ao luto) e, de toda sorte, se necessário, podem se antecipar e instaurar o inventário em prazo menor que o limite fixado em lei.
[34] O enunciado rejeitado em plenário tinha a seguinte redação: “Art. 663. As regras do art. 663 têm natureza dispositiva na partilha amigável celebrada por capazes”.
[35] A regra está mantida no projeto: “Art. 625. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem assim para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial”.
[36] A redação do dispositivo não é contrária ao disposto nos arts. 2.015 e 2.016 do Código Civil, que tratam da partilha amigável e judicial.
[37] Tanto assim que as formas de “desconstituição” da partilha são também diversas, pois a partilha amigável deve ser alvo de ação anulatória, ao passo que a partilha judicial deve ser objeto de ação rescisória. No sentido: “(…) A partilha amigável (CC/1916, art. 1.773; CC/02, art. 2.015) é passível de anulação, nos termos dos arts. 486, 1.029 e 1.031 do CPC, enquanto a partilha judicial é rescindível, conforme preconizam os arts. 485 e 1.030 do CPC” (STJ, REsp 803.608/MG, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., j. 25.03.2014, DJe 02.04.2014).
[38] “Art. 2.015. Se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz.”
[39] “Art. 2.016. Será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz.”
[40] O art. 932 do Código de Processo Civil em vigor é ampliado em sua extensão, conforme se depreende do art. 662 do texto projetado.
[41] TARTUCE, Fernanda. Processo civil: estudo didático. São Paulo: Método, 2011. p. 270.
[42] ALVIM, Arruda; ASSIS, Araken de; ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: GZ, 2012. p. 1.490.
[43] “Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.”
[44] “Art. 669. Pago o imposto de transmissão a título de morte e juntada aos autos certidão ou informação negativa de dívida para com a Fazenda Pública, o juiz julgará por sentença a partilha. Parágrafo único. A existência de dívida para com a Fazenda Pública não impedirá o julgamento da partilha, desde que o seu pagamento esteja devidamente garantido.”
[45] TARTUCE, Fernanda. Igualdade e vulnerabilidade no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 327.
[46] Tal enunciado guarda referência com o teor dos arts. 301, § 1º, e 669 do Projeto do novo CPC na versão da Câmara.
[47] “Art. 301. (…). § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer; a caução pode ser dispensada se parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.”
[48] O dispositivo guarda alguma correspondência com o art. 1.022 do CPC de 1973, mas o parágrafo único configura novidade no sistema.
[49] De certo modo, o parágrafo único do art. 662 do Projeto de novo Código de Processo Civil é curioso, pois trabalha com bem individualizado, situação que é afim ao legatário e não ao herdeiro, que trabalha – por regra – com o conceito de universalidade. Confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Noção geral do direito de sucessões no Código Civil: introdução do tema por 10 (dez) “verbetes”. Revista Jurídica, ano 62, n. 438, abr. 2014, Porto Alegre, Síntese, p. 11-12.
[50] TARTUCE, Fernanda; SARTORI, Fernando. Como se preparar para o Exame de Ordem – 1ª fase: civil. 12. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 224; MAZZEI, Rodrigo. Noção geral do direito de sucessões no Código Civil: introdução do tema por 10 (dez) “verbetes”. Revista Jurídica, ano 62, n. 438, abr. 2014, Porto Alegre, Síntese, p. 11.
[51] “Art. 1.923. Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva. § 1º Não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela pode o legatário entrar por autoridade própria.”
[52] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Concorrência do companheiro e do cônjuge, na sucessão dos descendentes. Disponível em: <flaviotartuce.web333.kinghost.net/artigosc/Giselda_Concorrencia.doc>. Acesso em: 25 jun. 2014.
[53] Temos dúvida em manter tal afirmação de forma peremptória de que o legatário não é titular de qualquer tipo de posse, pois o próprio § 3º do art. 1.923 do Código Civil dispõe textualmente de que, em se tratando de legado de coisa certa, serão transferidos ao legatário os frutos que o legado produzir desde a morte do testador, a exceção de depender de condição suspensiva, ou de termo inicial. Ora, o direito à percepção dos frutos é uma decorrência do direito possessório, ainda que como posse indireta, a teor da conjugação dos arts. 1.1196, 1.204 e 1.228 do Código Civil. A pedra de toque talvez esteja na aferição do momento em que o legatário possa – efetivamente – exercer o poder de fruição definido no § 3º do art. 1.923.
[54] “Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.”
[55] MAZZEI, Rodrigo. Noção geral do direito de sucessões no Código Civil: introdução do tema por 10 (dez) “verbetes”. Revista Jurídica, ano 62, n. 438, abr. 2014, Porto Alegre, Síntese, p. 11-13.
[56] Como dito, é possível se pensar no abuso do direito dos herdeiros como vetor para autorizar a posse do legatário antes da partilha. Parecendo aplicar a ideia, confira-se: “INVENTÁRIO. DETERMINAÇÃO DE DESOCUPAÇÃO DO BEM PELA INVENTARIANTE E DEMAIS HERDEIRAS E IMISSÃO NA POSSE DO LEGATÁRIO. Sendo hígida, clara e objetiva a disposição de última vontade, é cabível a determinação judicial de que seja cumprida, mostrando-se injustificada a resistência da recorrente. Recurso desprovido” (TJRS, Agravo de Instrumento 70042363762, Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, 7ª C.Cív., j. 24.08.2011).
[57] “Art. 660. O legatário é parte legítima para manifestar-se sobre as dívidas do espólio: I – quando toda a herança for dividida em legados;”
[58] O enunciado se refere aos arts. 662 e 666 do Código projetado.
[59] Tal enunciado guarda referência com o teor dos arts. 660, I, 662, parágrafo único, e 666 do Projeto de novo CPC (versão da Câmara).