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INTRODUÇÃO AOS RECURSOS CÍVEIS NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

INTRODUÇÃO AOS RECURSOS CÍVEIS NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

Felipe Scalabrin

  1. O advento do novo Código de Processo Civil trouxe variadas inquietações para a comunidade jurídica. Uma das mais propaladas mudanças diz respeito ao combate à jurisprudência defensiva e ao formalismo excessivo. Na doutrina, a crítica nem de longe é novidade. De todo modo, o ambiente mais propício para esse debate é justamente o estudo dos recursos cíveis – seara fértil em exemplos dos mais esdrúxulos, como a inadmissão do remédio em razão do borrão no carimbo. Isto, por si só, é causa suficiente para que se realize uma renovada reflexão sobre a teoria geral dos recursos. Até porque, se antigamente a justificativa para a recorribilidade era pautada pela inata irresignação presente na condição humana , na atualidade a presença dos recursos se dá por uma questão de controle democrático: o pronunciamento judicial írrito perante a ordem vigente, seja pelo vício de juízo, seja pelo vício de procedimento, nega a escolha feita pela comunidade como solução para determinada situação jurídica. Torna-se, pois, indispensável que haja mecanismos de correção das respostas dadas pelo Poder Judiciário de modo a assegurar a harmonia da própria ordem jurídica vigente. É por isso que o verdadeiro berço dos recursos cíveis está na segurança jurídica, na isonomia e na democracia – todos direitos fundamentais de estatura constitucional.
  2. Não poderia ser outra a proposta desta breve reflexão senão apontar, de forma crítica e objetiva, a moldura dogmática dos recursos cíveis no novo diploma processual (arts. 994-1008 do CPC/2015). Trata-se de uma verdadeira introdução aos recursos cíveis.
  3. De início, cumpre lembrar que todo recurso é destinado a combater pronunciamentos judiciais. No seu sentido autêntico, recurso é remédio jurídico ministrado contra mácula em decisão proferida pelo Poder Judiciário. E uma das formas de identificar o remédio correto – porque o equivocado, pior do que placebo, agudizará a enfermidade com a cicatriz do caso já julgado (res iudicata) – se dá com a exata verificação do pronunciamento. É que, pelo direito positivo, a espécie de pronunciamento judicial influencia no recurso cabível. São os seguintes:
  4. a) Sentença: é, ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução (art. 203, § 1º, do CPC/2015). Assim, em termos diretos, o conceito de sentença leva em consideração dois critérios: (a) o conteúdo do pronunciamento e (b) o efeito que este ato causa no procedimento. A sentença é combatida através de apelação (art. 1.009 do CPC/2015).
  5. b) Decisão interlocutória: pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no conceito de sentença (art. 203, § 2º, do CPC/2015). Com efeito, o conceito é obtido por exclusão. Se o pronunciamento judicial ostentar caráter decisório, mas não preencher os requisitos para ser considerado uma sentença, será uma decisão interlocutória. Quanto ao conteúdo, a decisão interlocutória pode tratar do mérito da causa ou não. Uma das principais mudanças do novo diploma processual foi reduzir a recorribilidade das decisões interlocutórias. Antes, toda a decisão interlocutória “suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação” podia ser combatida por agravo de instrumento (art. 522 do CPC/1973). Agora, apenas as decisões interlocutórias com determinado conteúdo podem ser combatidas pelo citado recurso (art. 1.015 do CPC/2015) e, se a decisão não comportar agravo de instrumento, a questão não será coberta pela preclusão, devendo ser suscitada em preliminar de apelação (art. 1.009, § 1º, do CPC/2015).
  6. c) Despacho: nos termos do art. 203, § 3º, do CPC/2015, “são despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte“. Trata-se de conceito, novamente, obtido por exclusão. Quando não se tratar de sentença ou de decisão interlocutória, estar-se-á diante de um despacho. Como a definição apresenta-se claramente deficitária, há quem considere que despacho é o pronunciamento judicial cujo conteúdo decisório é pouco significativo ou de reduzida densidade interpretativa. Registre-se que dos despachos não cabe recurso (art. 1.001 do CPC/2015).
  7. d) Decisão monocrática: pronunciamento judicial realizado por órgão judicial individual vinculado a determinado tribunal. Assim, o pronunciamento judicial realizado por apenas um membro do tribunal é considerado decisão monocrática. Registre-se que muitos consideram a decisão monocrática uma espécie de decisão interlocutória proferida nos tribunais. Registre-se que o relator, nos tribunais, tem amplos poderes decisórios (art. 932 do CPC/2015). A decisão monocrática do relator é impugnável por agravo interno (art. 1.021 do CPC/2015).
  8. e) Acórdão: pronunciamento judicial realizado por órgão judicial coletivo do tribunal. Trata-se, pois, de decisão colegiada, isto é, tomada por mais de um Magistrado (juízes de segundo grau, desembargadores ou ministros). Assim, o acórdão é composto dos votos daqueles que participaram do julgamento. Há variados recursos que podem ser manejados contra acórdãos. Não há um específico remédio que combata a espécie.
  9. Se a categorização dos pronunciamentos judiciais pode deixar margem para alguma dúvida, a definição de recurso é unânime. A lição de Barbosa Moreira, segundo a qual recurso é o “remédio voluntário, idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna“, ainda não logrou superação. Trata-se de definição amplamente aceita e que se amolda à sistemática do CPC/2015. São, pois, três as características essenciais de todo recurso: (a) ser voluntário, isto é, depender da manifestação de vontade da parte prejudicada, que poderá recorrer se e como quiser; (b) ser apresentado no mesmo processo, isto é, prolongar a relação processual sem que haja nova ação; (c) ser destinado à reforma, invalidação, esclarecimento ou integração da decisão combatida. Em termos bem rasos, reforma é a obtenção de uma solução diferente; invalidação é a nulidade da solução anterior; esclarecimento e integração são o aperfeiçoamento da solução já dada. É bom lembrar ainda que todo recurso deve ser previsto em lei (a exemplo do catálogo presente no art. 994 do CPC/2015).
  10. Não há, porém, tema mais relevante do que o estudo da admissibilidade dos recursos, isto é, das condições que a ordem jurídica estabelece para que seja possível o manejo do remédio a ser ministrado. Há, portanto, uma série de requisitos que precisam ser apreciados antes do exame propriamente da causa: é o juízo de admissibilidade. O juízo de admissibilidade é aquele no qual o órgão competente analisa se estão presentes todos os requisitos legais para o exame do mérito recursal. Existem, portanto, requisitos de admissibilidade que devem ser preenchidos para que se possa examinar o mérito do recurso.

Os requisitos de admissibilidade, ou condições de admissibilidade, que compõem o exame quanto à validade do recurso (juízo de admissibilidade), são usualmente classificados em dois grandes grupos: requisitos intrínsecos e requisitos extrínsecos. Trata-se de classificação tradicional e amplamente aceita. Os requisitos intrínsecos são aqueles que dizem respeito à existência do direito de recorrer. São eles: cabimento, legitimidade, interesse recursal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo. Já os requisitos extrínsecos são aqueles requisitos que dizem respeito ao modo de exercer o direito de recorrer. São eles: tempestividade, regularidade formal e preparo.

1º) Cabimento: é requisito vinculado à recorribilidade da decisão e da propriedade (adequação) do recurso para o caso. É necessário, portanto, que “o recurso de que o recorrente se valeu seja o indicado para aquela hipótese“. Nada impede que a lei processual formule hipótese em que simplesmente não haverá recurso cabível. Assim, exemplificativamente, dos despachos não cabe recurso (art. 1.001 do CPC/2015). Também não cabe recurso da decisão acerca da participação ou não de amicus curiae nos autos (art. 138, caput, do CPC/2015). O perfil da recorribilidade é, pois, escolha política do legislador.

2º) Legitimidade: diz respeito aos sujeitos que podem recorrer da decisão. Nos termos do art. 996 do CPC/2015, são legitimados para recorrer: (a) a parte vencida, (b) o Ministério Público e (c) o terceiro juridicamente prejudicado. Este último é o sujeito alheio à relação processual até então (ou seja, não participava do processo). Para que o terceiro possa recorrer, ele deve demonstrar que a decisão combatida irá atingir direito de que se afirme titular ou direito que poderia discutir em juízo como substituto processual (art. 996, parágrafo único, do CPC/2015). Consoante célebre lição doutrinária, a legitimidade do terceiro é definida pela existência de interesse jurídico que justifique a sua intervenção. O recurso do terceiro prejudicado tem caráter “eminentemente preventivo“, já que, não integrando a relação processual, poderá confrontar em momento posterior à decisão, inclusive por via autônoma, se for o caso.

3º) Interesse recursal: ocorre quando o recorrente possa esperar do julgamento do recurso, em tese, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, daquela em que o haja posto a decisão impugnada e quando seja preciso usar as vias recursais para alcançar esse objetivo. É possível fazer a seguinte analogia: o interesse recursal está para admissibilidade do recurso como o interesse processual está para a admissibilidade da ação (condição da ação). Por essa razão, deverá observar o binômio utilidade e necessidade. Tradicional concepção doutrinária considera que não há interesse recursal para impugnar apenas as razões de decidir. A postura faz eco na jurisprudência. De fato, prevalece que o interesse recursal leva em consideração a parte dispositiva do julgado, isto é, a conclusão dada ao caso pelo órgão judicial. O tema, porém, suscita revigorada polêmica, especialmente diante da valorização da motivação no novo diploma processual. Vale registrar que a mais autorizada pena considerou que deveriam ser ressalvadas as hipóteses “em que a própria lei atribui importância prática à motivação“. Já há quem considere possível modificar apenas a fundamentação pela via recursal.

4º) Inexistência de fato impeditivo ou extintivo: o direito de recorrer pode ser impedido ou extinto por diversas situações: desistência, renúncia ou aceitação. Alguns recursos possuem casos específicos de impedimento ao direito de recorrer (é o que ocorre no recurso extraordinário, com a falta de repercussão geral – art. 102, § 3º, da CF/1988). A desistência é o ato pelo qual o recorrente manifesta a vontade de que o seu recurso não seja julgado. A renúncia é o ato pelo qual a parte manifesta a vontade de não interpor o recurso que poderia utilizar para combater determinada decisão. A aceitação, ou aquiescência, é o ato pelo qual a parte manifesta a sua concordância com a decisão judicial. Ela pode ser expressa ou tácita. A primeira é a manifestação nesse sentido direcionada ao órgão judicial. A segunda é revelada pela prática de algum ato incompatível com o direito de recorrer. O pagamento do valor imposto na condenação é tradicional exemplo de aquiescência. É possível, porém, depositar a quantia em juízo sem que seja o ato considerado aceitação (art. 520, § 3º, do CPC/2015).

5º) Tempestividade: o recurso deve ser interposto dentro do prazo previsto em lei. Haverá preclusão caso não interposto no adequado prazo. Observam-se as regras gerais sobre prazos (arts. 218-235 do CPC/2015). O prazo de tempestividade do recurso é tradicionalmente considerado peremptório: não pode ser modificado por vontade das partes ou do órgão judicial (art. 222, § 2º, do CPC/2015). Já há quem considere o prazo recursal inserido nos atos passíveis de convenção processual, permitindo adaptação pela conveniência das partes (art. 190 do CPC/2015). Quanto à extensão, o prazo para recorrer, em geral, é de quinze dias (art. 1.003, § 5º, do CPC/2015). A exceção fica com os embargos de declaração, cuja tempestividade se dá em cinco dias. Esse prazo é dobrado para a Fazenda Pública (União, Estados Municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações públicas de direito público), Ministério Público e Defensoria Pública. O prazo também é dobrado para litisconsortes com procuradores diferentes, de escritórios distintos (art. 229, caput, do CPC/2015), desde que haja sucumbência para ambos (Súmula nº 641 do STF) e não se trate de processo eletrônico (art. 229, § 2º, do CPC/2015). Cumpre registrar que o recurso interposto antes do início do prazo não é intempestivo por expressa previsão do direito positivo (art. 218, § 4º, do CPC/2015). A mudança é justificada em razão da pretérita jurisprudência dos tribunais superiores que considerava o denominado “recurso prematuro” intempestivo e, pois, inadmissível.

6º) Regularidade formal: se até mesmo a postulação inicial é condicionada a requisitos de forma (art. 319 do CPC/2015), quanto mais o será a postulação recursal. De fato, todo o recurso é sujeito a determinadas formalidades que devem ser observadas, sob pena de inadmissão. Assim, não há margem de liberdade na forma do recurso. São requisitos formais genéricos: (a) identificação das partes; (b) fundamentação, com as razões pelas quais se recorre; (c) pedido (de reforma, invalidação ou integração da decisão). Merece realce o papel da motivação recursal – imposição derivada da dialeticidade – que deve atacar especificamente o fundamento da decisão recorrida. Na mesma linha: “As razões devem ser pertinentes e dizer respeito aos fundamentos da decisão, ou a outro fato, que justifique a modificação dela. Se as razões forem completamente diversas do objeto litigioso, não há como se admitir o recurso“. Há, inclusive, quem considere a adequada motivação (dialeticidade) como um requisito autônomo para a admissibilidade dos recursos. O CPC/2015 afasta o rigor formal dos recursos cíveis ao estabelecer que o recorrente deva ser intimado “para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível“, antes de eventual inadmissão (art. 932, parágrafo único, do CPC/2015). Ocorre que o direito é o que dele fazem os seus protagonistas, seja no plano legislativo, seja “no momento predominantemente pragmático de sua aplicação“. Ledo engano considerar que o novo dispositivo aplacará a sede de inadmissão. Foi assim que o Plenário do STJ passou a entender que o prazo para a correção somente é aberto quando se tratar de “vício estritamente formal” (Enunciado Administrativo nº 6 do STJ).

7º) Preparo: é a necessidade de comprovação do pagamento das despesas relativas ao processamento do recurso e que deve ocorrer no momento da interposição (art. 1.007 do CPC/2015), sob pena de deserção. Com o CPC/2015, houve uma “atenuação do formalismo” inerente a tal requisito. Frisante mudança é que a ausência de preparo não é causa imediata de deserção. Isto porque a legislação processual determina que o recorrente seja intimado para realizar o recolhimento em dobro se não comprovar o preparo no ato de interposição (art. 1.007, § 4º, do CPC/2015). A insuficiência do preparo, isto é, a parcial falta de recolhimento, também não é causa imediata de deserção, pois a parte deverá ser intimada para suprir o vício em cinco dias (art. 1007, § 2º, do CPC/2015). Ainda sobre a deserção, vale anotar que o equívoco no preenchimento da guia de custas não é causa imediata de deserção (art. 1.007, § 7º, do CPC/2015). Em tais situações, caso o relator tenha “dúvida quanto ao recolhimento“, deverá intimar o recorrente para sanar o vício em cinco dias.

Do cotejo dos requisitos de admissibilidade na sua aplicação prática pretérita (CPC/1973), em confronto com as disposições do CPC/2015, o que se verifica é a atenuação generalizada dos rigores formais. Trata-se, na realidade, de uma verdadeira orientação sistêmica: deve prevalecer o mérito sobre a forma (art. 4º do CPC/2015).

  1. A teoria dos recursos cuida também dos seus efeitos. São os “reflexos” decorrentes do acesso à recorribilidade. Os principais e mais aceitos são oito e o catálogo é arbitrário. Enquanto alguns deles são coerentes com a estrutura dogmática dos recursos, outros revelam meros desdobramentos ou conse­quências lógicas de situações processuais. Num espaço de reflexão introdutória, o critério pedagógico afigura-se como o mais útil. São os seguintes:
  2. a) Efeito obstativo: é aquele que, uma vez interposto o recurso, cria um óbice para a preclusão temporal da decisão recorrida. Assim, enquanto o pronunciamento judicial está sendo confrontado por recurso, significa que a controvérsia está pendente. É esse efeito que justifica uma relevante constatação: enquanto houver recurso, a decisão não recebe a autoridade da coisa julgada. Assim, o recurso interposto obstrui a formação da coisa julgada.
  3. b) Efeito devolutivo: é aquele que proporciona a devolução da matéria controvertida para que seja objeto de reanálise perante o Poder Judiciário. Trata-se, pois, de prolongar o direito de ação mediante nova provocação, agora de índole recursal. Esse efeito tem duas perspectivas. A primeira é horizontal e diz respeito à extensão daquilo que é objeto do recurso. Dessa forma, cabe ao recorrente delimitar quais são os pontos do pronunciamento judicial que são combatidos e, portanto, é ele quem definirá os limites da extensão da devolutividade. Se o pronunciamento, por exemplo, resolver duas questões e o recorrente impugnar apenas uma delas, a outra não poderá ser examinada pelo juízo ad quem. A segunda perspectiva é vertical e diz respeito à profundidade com que o objeto do recurso será examinado. Assim, a partir das balizas fixadas antes pela extensão, a profundidade define os limites dos argumentos. É pertinente destacar que, enquanto a extensão (dimensão horizontal) é fixada pela parte, que poderá apresentar apenas um recurso parcial (art. 1.002 do CPC/2015), a profundidade (dimensão vertical) é fixada pela lei. A apelação estampa exemplo didático: na linha horizontal, as partes definem quais pedidos serão reapreciados, mas, na linha vertical, todas as questões (fundamentos de fato e de direito) sobre esse pedido são devolvidas (art. 1.013, § 1º, do CPC/2015).
  4. c) Efeito suspensivo: é aquele que proporciona o impedimento à produção de efeitos do pronunciamento judicial impugnado até o julgamento do recurso. Em termos diretos, o efeito suspensivo impede que a decisão recorrida produza resultados. A decisão, portanto, não poderá ser executada. A ocorrência ou não de efeito suspensivo depende do direito positivo e existem dois modelos: o efeito pode decorrer de expressa previsão legal (ope legis) ou de expressa ordem judicial (ope judicis). Houve mudança substancial neste ponto se comparados o Código anterior e o novo Código. A crítica ao modelo anterior era latente. Considera-se agora que os recursos, em geral, não impedem a eficácia da decisão, salvo se houver expressa disposição legal ou decisão judicial em sentido contrário (art. 995, caput, do CPC/2015). A regra, portanto, é que os recursos não tenham efeito suspensivo e que as decisões nasçam aptas à produção de efeitos. Aliás, nas ações de caráter não repetitivo excetuada a apelação, “todos os demais recursos só neutralizam a eficácia da decisão recorrida mediante decisão judicial em contrário que outorgue efeito suspensivo“. E infelizmente o legislador manteve efeito suspensivo decorrente de lei à apelação, em verdadeiro desprestígio à mais contemporânea postura concretizante dos direitos pelo Magistrado de primeiro grau. A previsão é, inclusive, incoerente com a sistemática geral do novo diploma processual – que permite a fruição dos efeitos práticos das decisões mesmo quando não há perigo, bastando a alta probabilidade do direito caracterizada como “evidência” (art. 311 do CPC/2015). Há evidência maior do que a sentença de procedência?
  5. d) Efeito translativo: é aquele que proporciona a devolução de determinada questão para o órgão ad quem sem que haja provocação da parte nesse sentido. Nada impede que o direito positivo estabeleça que determinadas matérias possam ser examinadas de ofício. É o que ocorre no Direito brasileiro. Assim, mesmo que as partes silenciem a respeito, elas poderão ser objeto de análise pelo órgão judicial. É o que ocorre, por exemplo, com as questões de ordem pública.
  6. e) Efeito expansivo: ocorre quando o julgamento do recurso atinge questões, atos processuais ou partes que não integraram o recurso. Assim, reputam-se sem efeito os atos ou decisões dependentes da decisão recorrida, naquilo que forem incompatíveis com o julgamento do recurso. Esse efeito é produzido após o julgamento do recurso, caso a decisão recorrida venha a ser anulada ou reformada. Como se percebe, o efeito expansivo é uma decorrência lógica do julgamento do recurso, na medida em que afasta incompatibilidades entre a decisão julgada e outras situações processuais.
  7. f) Efeito substitutivo: ocorre quando o julgamento do recurso substitui a decisão recorrida (art. 1.008 do CPC/2015). Trata-se de efeito que se dá em duas hipóteses: (i) no recurso fundado em error in judicando: a nova decisão, pelo provimento ou não do recurso, irá substituir o provimento recorrido; (ii) no recurso fundado em error in procedendo, o desprovimento do recurso também irá substituir o pronunciamento combatido. Justifica-se o efeito substitutivo pela impossibilidade de coexistirem duas decisões versando exatamente sobre a mesma matéria no mesmo processo. Quando um recurso não superar o exame de admissibilidade, não haverá efeito substitutivo. É que, se não há direito ao remédio jurídico, a decisão recorrida estará mantida, isto é, não será substituída. Também não há efeito substitutivo no recurso fundado em error in procedendo que seja procedente (isto é, favorável ao recorrente). A razão é simples: nesse caso, a decisão é anulada (pois houve o erro de procedimento) e é determinado pelo órgão ad quem que outra seja proferida. Não haverá substituição, mas sim ordem para que uma nova decisão seja proferida pelo órgão a quo.
  8. g) Efeito regressivo: é aquele que permite ao Juízo a quo, uma vez interposto o recurso, retomar o conhecimento da matéria impugnada. Há quem considere o efeito regressivo meramente um reflexo do efeito devolutivo. É também denominado “efeito de retratação“. O efeito regressivo permite, em termos práticos, que quem proferiu a decisão exerça uma reanálise da questão. Apenas para exemplificar, apelação da sentença terminativa tem efeito regressivo (art. 485, § 7º, do CPC/2015). Mais um exemplo que confirma o valor dado ao exame do mérito buscado.
  9. h) Efeito diferido: é aquele que torna o conhecimento de um recurso dependente de outro recurso. É o que ocorre, por exemplo, com o recurso adesivo (cujo juízo de admissibilidade fica diferido, isto é, postergado, para depois do exame de admissibilidade do recurso principal) e com o recurso extraordinário interposto contra acórdão que tenha sido desafiado por ambos os recursos excepcionais (especial e extraordinário).
  10. Apenas nessa rápida passada de olhos, sóbrias indagações de índole prática podem surgir. As soluções, porém, devem sempre ser buscadas à luz de uma dogmática qualificada. É indispensável pensar e aplicar o novo diploma processual na perspectiva da integridade de suas disposições e, especialmente, a partir da posição dominantes nos tribunais, sem jamais descuidar a presença da força normativa da constituição como motriz de direitos fundamentais que devem ser respeitados na relação processual. O estudo dos recursos cíveis reforça essa premente necessidade.

Não é a toa, pois, mesmo após quarenta anos, a fina pena de Alcides de Mendonça Lima denota atualidade ímpar:

A Justiça, como eficiente instrumento de paz social, deve impor-se, também, como forma de amainar e, gradativamente, extinguir os impulsos de rebeldia para que se crie a serenidade da consciência individual, em prol dos altos interesses da coletividade, que devem encontrar sempre nos pretórios o refúgio sagrado de suas últimas esperanças.