A INTERDIÇÃO – SUA HUMANIZAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO NO NCPC E EPD
Sabrina Dourado
SUMÁRIO: 1 Breves Noções sobre Capacidades. 2 Incapacidades; 2.1 Incapacidade Absoluta; 2.2 Incapacidades Relativas. 3 Cessação da Incapacidade. 4 Interdição e seu Regramento no CPC de 1973; 4.1 Histórico; 4.2 Natureza Jurídica; 4.3 Da Legitimidade ; 4.4 Procedimento da Interdição. 5 A Interdição no NCPC e EPD. Referências.
1 Breves Noções sobre Capacidades
Dispõe o art. 1º do Código Civil que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil“. No sistema deste Código, sujeitos de direitos são unicamente as pessoas física (natural) ou jurídica.
Pessoa física ou natural é o ser humano, tal como ele é, dotado de personalidade, aptidões para adquirir direitos e contrair obrigações na vida civil. A esta aptidão, oriunda da personalidade, dá-se o nome de capacidade de direito.
A pessoa natural tem sua existência jurídica a partir de seu nascimento com vida, momento em que adquire personalidade, atributo que lhe dá habilidade para o exercício de direitos e obrigações (art. 2º do CC), mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Tal norma já era prevista no Código Civil de 1916, em seu art. 4º, o qual restou praticamente repetido no atual texto legal.
Acima está a posição adotada pelo Código Civil brasileiro, entretanto, há uma teoria que trilha caminho em sentido diametralmente oposto, uma vez que entende que o indivíduo, desde a concepção, já é dotado de personalidade [1].
Acerca da tese concepcionista, explica-nos Silmara Juny Chinelato que,
“juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de atribuir capacidade ao nascituro ‘por este não ser pessoa’. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti-lo. Não há nação que se preze (até a China) onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código chinês, art. 1º). Ora, quem diz direitos afirma capacidade. Quem afirma capacidade reconhece personalidade.”
Deste modo, seguindo a dinâmica criticada, mas adotada no nosso ordenamento jurídico, todo ser humano é dotado de personalidade, desde o instante do seu nascimento com vida. Entretanto, muitos deles não apresentam condições necessárias para exercer, por si próprios, seus direitos (capacidade de fato). Portanto, àqueles que a lei restringe o exercício de seus direitos denominam-se incapazes, os quais serão analisados na sequência.
2 Incapacidades
Assim, entende-se que a criança de tenra idade, o sujeito que esteja viciado em drogas, seja ébrio habitual, por exemplo, não têm o discernimento necessário para administrar a própria vida, tampouco esteja habilitado a praticar todos os atos da sua vida civil sozinho, sem que seja amparado. Eles possuem personalidade, mas não capacidade para gerir seus atos, razão pela qual necessitam de uma pessoa que os represente ou lhes assista.
São incapazes somente aqueles que a lei assim expressamente considere, sendo que ninguém poderá sofrer limitações no exercício de seus direitos senão pela lei.
A incapacidade é categoria jurídica, estado civil aplicável a determinados sujeitos por conta de questões relativas ao seu status pessoal. Pode decorrer tanto da simples inexperiência de vida como por conta de circunstâncias outras, tais como o vício em drogas de qualquer natureza. Para além destas circunstâncias, até a chegada do Estatuto da Pessoa com Deficiência, encontrava-se o transtorno mental sob as mais diversas denominações (enfermidade ou deficiência mental, excepcionais sem desenvolvimento mental completo).
2.1 Incapacidade Absoluta
Incapacidade absoluta é aquela que se estabelece quando há proibição total ao exercício dos mais variados direitos, considerando que a pessoa não se desenvolveu mentalmente ou que este desenvolvimento foi tão baixo que o legislador o despreza. Absolutamente incapaz é a pessoa que se encontra totalmente afastada das mais variadas atividades, devendo ser representada por outra pessoa que, em nome dela, exerça os atos de sua vida civil.
Caso o absolutamente incapaz venha a praticar algum ato jurídico, a lei o considera nulo, sem nenhum efeito, como se não tivesse sido praticado, conforme estipulado no art. 166, inciso I, do CC. Assim, por exemplo, a vontade de uma criança de cinco anos não pode ser considerada para a prática de atos jurídicos.
Segundo o art. 3º do Código Civil, passam a ser absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos.
Os demais incisos do artigo acima foram revogados, quais sejam:
“II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.”
Examinemos, um a um, os casos de incapacidade absoluta e suas modificações recentes:
I – Os menores de 16 anos: a lei presume que antes dos 16 anos ninguém adquire maturidade suficiente para cuidar de si mesmo. Esse critério é objetivo, não admite exceções nem restrições, ainda que se trate de um menor prodígio. Os menores de 16 anos são chamados impúberes. O legislador considerou o desenvolvimento psíquico da pessoa para a fixação desta idade. Desta forma, os menores de 16 anos serão representados, na vida jurídica, por seus pais, tutores ou curadores.
II – (modificados): os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos.
III – (modificados): os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
O Código Civil considerava absolutamente incapazes aqueles que, por doença, congênita ou adquirida, não tinham condições de administrar seus bens e de praticar os atos da vida civil. Essas pessoas, por falta de completo discernimento e livre-disposição da vontade, deveriam ser representadas por um curador, segundo o art. 1.767, inciso I, do CC [2]– [3], que também acabou sendo impactado.
Historicamente, no direito brasileiro, o portador de transtorno mental foi tratado como incapaz. Com algumas variações de termos e grau, assim foi nas Ordenações Filipinas, no Código Civil de 1916 e também no atual Código Civil de 2002, até o advento do Estatuto [4]. Sob a justificativa da sua proteção foi ele rubricado como incapaz, com claro prejuízo à sua autonomia e, muitas vezes, à sua dignidade.
Analisava-se o estado mental do indivíduo através do processo judicial de interdição, requerido pelo pai, mãe ou tutor, cônjuge, algum parente próximo, ou até mesmo pelo Ministério Público. O interditando seria citado para se defender e o juiz, para aferir o seu estado de saúde, nomearia perito para proceder ao exame médico, o qual se fazia obrigatório (arts 1.177 a 1.186 do Código de Processo Civil). Comprovada a insanidade mental, decretar-se-ia a interdição e nomear-se-ia um curador.
Nessa toada, a regra passa a ser a garantia do exercício da capacidade legal por parte do portador de transtorno mental, em igualdade de condições com os demais sujeitos (art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência). A curatela passa a ter o caráter de medida eminentemente excepcional, extraordinária, a ser adotada somente quando e na medida em que for necessária.
Tanto é assim que restaram revogados os incisos I, II e IV do art. 1.767 do Código Civil, nos quais se afirmava que os portadores de transtorno mental estariam sujeitos à curatela.
A mudança apontada não implica, entretanto, que o portador de transtorno mental não possa vir a ter a sua capacidade limitada para a prática de certos atos. Mantém-se a possibilidade de que venha ele a ser submetido ao regime de curatela. O que se afasta, repise-se, é a sua condição de incapaz.
Vale salientar, ainda, que a velhice, por si só, não é causa limitadora da capacidade, a não ser que, por processo de interdição, fique comprovado o estado patológico que afeta as faculdades mentais da pessoa, retirando-lhe todo discernimento para a prática dos atos da vida civil.
Por fim, fora mantida uma única hipótese de incapacidade absoluta, a qual está pautada no critério etário. Dispõe o modificado art. 3º que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos.
2.2 Incapacidades Relativas
A lei não considera o relativamente incapaz apto para manifestar sua vontade de forma perfeita. Reconhece a ele, no entanto, certo discernimento e habilitação para a prática dos atos da vida jurídica, os quais devem ser praticados com a assistência de um representante legal.
Os atos praticados pelo relativamente incapaz, sem assistência, são anuláveis, mas podem ser ratificados em algumas situações (podem casar, ser testemunha, entre outros). Os relativamente incapazes ocupam, assim, uma situação intermediária, entre a capacidade total e a incapacidade plena.
Diz o art. 4º do Código Civil, modificado, que “são incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos“.
Examinemos estas diferentes hipóteses.
I – Os maiores de 16 anos e menores de 18 anos: os menores, nessa faixa etária, são os menores púberes. Sua vontade já é considerada e sua maturidade quase alcançada, razão de o legislador permitir que ele exercite livremente sua vontade, mas desde que acompanhado por outra pessoa, que lhe dê assistência. A vontade do menor impúbere (menor de 16 anos) é desprezada e vale a de seu representante. A vontade do menor púbere (maior de 16 e menor de 18 anos) é levada em consideração, desde que assistido. Contudo, de acordo com o art. 180 do CC, “o menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior“.
II – Os ébrios habituais e os viciados em tóxicos: os ébrios são os dependentes do uso de substâncias alcoólicas ou entorpecentes. A intensidade da ingestão do álcool e demais tóxicos pode reduzir a integridade mental, com diminuição da capacidade de discernimento. A toxicofrenia (doença provocada pela ingestão do álcool e de outros estupefacientes) acarreta a incapacidade de entendimento, maior ou menor, conforme o grau de intoxicação. Assim, o juiz analisará cada caso para decretar o grau da incapacidade do viciado.
É preciso ter atenção. Foi alterado o inciso III do art. 4º do CC, sem mencionar mais os excepcionais sem desenvolvimento completo. O inciso da legislação não reformada tinha incidência para o portador de Síndrome de Down, não considerado mais como incapaz. A redação atual dessa norma passa a enunciar as pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir vontade, o que antes estava previsto no inciso III do art. 3º como situação típica de incapacidade absoluta. A hipótese passou a ser de incapacidade relativa.
III – Por causa transitória ou permanente não possam exprimir a sua vontade: tal dispositivo albergava “o excepcional sem desenvolvimento mental completo“, o qual não é mais listado, necessariamente, como incapaz. O texto só manteve como incapaz as pessoas que, por causa transitória ou permanente, não possam exprimir a sua vontade.
IV – Os pródigos: pródigo é todo aquele que dissipa sua fortuna, gastando e desfazendo de seus bens, sem qualquer justificativa. Trata-se de desvio de personalidade, geralmente vinculado ao jogo ou alcoolismo. Dispõe o art. 1.782 do CC que “a interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração“. Proíbe-se a prática de atos que implicam perda de seu patrimônio, como emprestar, fazer acordos, receber pagamentos, vender, dar garantias e outros. Dos demais atos da vida civil o pródigo poderá praticar livremente, como casar, fixar domicílio e, se tiver filho, exercer o poder familiar.
Enuncia o art. 1.783 do CC/02 que quando “o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for de comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo determinação judicial“.
O pródigo, enquanto não for declarado como tal, é capaz, totalmente, para todos os atos da vida civil.
V – Os indígenas: segundo o parágrafo único do art. 4º do CC, “a capacidade dos índios será regulada por legislação especial“. Os índios, enquanto não integrados na civilização, não estão obrigados ao registro de nascimento. O Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73) regula a situação jurídica do mesmo. Pela Constituição Federal, competirá à União legislar sobre índios (art. 22, XIV, do CC), cabendo ao Ministério Público defender judicialmente os direitos e os interesses das populações indígenas. A Carta Magna reconhece a organização social aos índios, seus costumes, língua, crença, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, as quais são inalienáveis. São nulos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas terras ou a exploração da riqueza natural do solo, rios e lagos (arts. 231 e 232 da CF).
3 Cessação da Incapacidade
A incapacidade cessa, em primeiro lugar, quando cessar a sua causa (idade, doença mental, menoridade, toxicomania, surdo-mudez, prodigalidade); cessa, ainda, pela emancipação. Vejamos cada uma das casuísticas:
– Fim da menoridade: a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à pratica de todos os atos da vida civil (art. 5º, caput, do CC). Com a completude dessa idade, adquire-se a plena capacidade, desenvolvendo-se todos os laços de subordinação que submetiam a pessoa ao poder familiar e à tutela. Ademais, para os nascidos no dia 29 de fevereiro de ano bissexto, a maioridade é atingida dia 1º de março. E quando se desconhece a data de nascimento, é necessário exame médico.
– Emancipação: é a aquisição da capacidade civil antes de seu prazo normal, ou seja, antes dos 18 anos (art. 5º, parágrafo único, do Código Civil). A emancipação pode ser voluntária, pela concessão dos pais; judicial, por sentença judicial; ou legal, com o advento de algum fato que a justifique, independentemente de qualquer formalidade.
A emancipação voluntária é concedida pelos pais, ou por um deles na falta do outro, se o menor tiver pelo menos 16 anos completos. Ela se dará quando os pais considerarem seu filho maturo suficiente para a prática dos atos de sua vida civil. No caso de divergência entre os pais, a decisão cabe ao juiz. Exige-se para tal emancipação instrumento público independentemente de homologação judicial (art. 5º, I, do CC). A emancipação é irrevogável, mas pode ser anulada se ficar comprovado, por exemplo, que os pais a concederam apenas para se livrar da obrigação de prestar alimentos.
Se o menor estiver sob tutela, caberá ao juiz, por sentença, conceder a emancipação (emancipação judicial). No processo, requerido pelo menor, deverá ficar provado que dispõe ele de discernimento para reger sua pessoa e seus bens. O processo será o da jurisdição voluntária (art. 1.112 do CPC). Ouvido o Ministério Público, o juiz examinará se a medida é adequada para o menor, podendo negar o pedido. A emancipação judicial também deve ser registrada no 1º Ofício do Registro Civil da comarca do domicílio do menor.
A emancipação legal se dará pelo casamento, pelo exercício de emprego público efetivo, pela colação de grau em curso de ensino superior, pelo estabelecimento civil ou comercial ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos tenha economia própria (art. 5º, parágrafo único, II ao V, do CC). Vejamos cada qual:
– Pelo casamento: o casamento há que ser válido. Adquirida a maioridade, a situação é irreversível. Advinda a viuvez ou a separação judicial, não se retorna à incapacidade. O casamento, sendo nulo, nenhum efeito produzirá e, declarada sua nulidade ou anulabilidade, o emancipado volta ao seu estado de incapaz, salvo se o contraiu de boa-fé, hipótese em que implica a continuidade da situação de capaz.
– Pelo exercício de emprego público efetivo: se o Poder Público admite uma pessoa, por concurso público, para um cargo efetivo, é porque o considera em condições de lhe prestar serviços, reputando-o maduro o suficiente para também gerir seus atos da vida civil. Se a pessoa pode representar o Poder Público, exercendo uma função pública, seria contrassenso tratá-lo como incapaz.
– Pela colação de grau em curso de ensino superior: a hipótese é de difícil acontecimento. Implicará alguém se tornar advogado, médico, economista antes dos 18 anos. Sabe-se que, no regime atual de ensino, o estudante deve cumprir 12 anos de 1º e 2º graus, mais quatro ou cinco de ensino superior, sendo impossível completar todo esse tempo antes dos 18 anos de idade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no entanto, em seu art. 47, § 2º, estabelece que “os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com as normas dos sistemas de ensino”.
– Pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos tenha economia própria: a lei supõe que, se alguém é capaz de cuidar de seus próprios negócios, é também capaz de cuidar da própria pessoa. Condição para tanto é ter o menor independência econômica, em função dessas atividades, que não podem ser eventuais.
4 Interdição e seu Regramento no CPC de 1973
4.1 Histórico
A interdição é um instituto que teve origem no direito romano. Trata-se de uma ação intentada no âmbito cível e tem por finalidade precípua a declaração da incapacidade de determinada pessoa.
É a ação em que se requer seja declarada a incapacidade de uma pessoa para comandar seus atos na vida civil e, consequentemente, seja nomeado um curador para a mesma. Uma vez decretada a interdição pelo magistrado, o interditado não mais poderá comandar os atos a sua vida civil, portanto, faz-se necessário a nomeação de um curador, o que é feito na mesma ação de interdição.
O Código Civil, no art. 1.767, enumera aqueles que estão sujeitos à curatela, ou seja, incapazes aptos à interdição, quais sejam os psicopatas, os surdos-mudos sem educação que os habilite a enunciar precisamente sua vontade, os pródigos e os toxicômanos acometidos de perturbações mentais, pelo fato de se encontrarem, permanentemente ou de modo duradouro, sob o efeito de tais perturbações.
A curatela dos interditos, portanto, destina-se àqueles cuja incapacidade não resulta da idade, por isso não pode ser requerida visando à interdição de menores. Assim se posiciona a jurisprudência.
A ação, que segue o procedimento previsto nos arts. 1.177 a 1.191 do CPC, tem duplo objeto: a interdição do incapaz e a nomeação de curador. Daí a nomenclatura utilizada pelo Código: “Da Curatela dos Interditos” (v. CPC, Livro IV, Título II, Capítulo VIII).
A interdição pode ser absoluta ou parcial. A absoluta impede que o interditado exerça todo e qualquer ato da vida civil sem que esteja representado por seu curador. Já a interdição parcial permite que o interditado exerça aqueles atos para os quais não foi considerado incapaz de exercer nos limites fixados em sentença.
4.2 Natureza Jurídica
A natureza contenciosa ou voluntária do processo de interdição é controvertida na doutrina. “Enquanto Wach, Chiovenda, Garsonnet Bru sustentavam que o processo de interdição é de jurisdição contenciosa, sobretudo porque nela se pode instaurar dissídio e ainda porque se trata de fazer atuar a vontade da lei, no interesse do Estado, Carnelutti entendia que é de jurisdição voluntária, porque nele o juiz não decide frente a duas partes, com interesse em conflito, senão em face de um interesse público, cuja tutela reclama sua intervenção, sendo tal interesse do incapaz” (CASTRO FILHO, José Olympio de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976. v. X. p. 258-9).
Para Carnelutti, o processo de interdição é de jurisdição voluntária, porque nele não há lide. É preciso, todavia, que se compreenda: não há lide em abstrato, porque se trata de processo instituído por lei unicamente para fins de tutela do interesse único do incapaz.
No plano concreto, o conflito de interesses é, com frequência, uma realidade que não se pode afastar com meras palavras. Em particular no caso de interdição por prodigalidade, é manifesto o interesse do cônjuge, ascendente ou descendente (Código Civil, art. 1.768) em impedir a dilapidação do patrimônio comum ou da futura herança pelo pródigo.
Na verdade, com ou sem lide, o processo de interdição é de jurisdição voluntária, porque nele não se trata de determinar direitos e deveres de uma parte em face da outra. Ainda que o interditando seja incapaz, não há direito subjetivo do requerente à decretação da interdição.
No processo de interdição, como nos processos de jurisdição voluntária em geral, não há vencedor ou vencido, motivo por que não cabe condenação em custas e honorários, devendo cada parte prover as despesas dos atos que realizam ou requerem, conforme dispõe o art. 19 do Código de Processo Civil.
4.3 Da Legitimidade
A ação de interdição está normatizada nos arts. 1.177 e seguintes do Código de Processo Civil vigente e pode ser promovida pelo pai, mãe ou tutor, pelo cônjuge ou algum parente próximo ou, ainda, pelo órgão do Ministério Público.
Em caso de não haver parentes próximos capazes, a companheira ou o companheiro do interditando também tem legitimidade para propor a ação.
A lição que a doutrina traz, portanto, é a de que a natureza jurídica da ação de curatela dos interditos é de jurisdição voluntária, porque nele o juiz não decide frente a duas partes com interesse em conflito, mas em face do interesse público, cuja tutela reclama sua intervenção, sendo tal interesse do incapaz.
Há que se ressaltar que por “parente próximo” entende-se, na linha dos colaterais, aqueles que podem suceder o interditando, ou seja, os abrangidos até o quarto grau. São, portanto, legitimadas a promover a interdição as pessoas designadas nos arts. 1.768 do Código Civil e 1.177 do Código de Processo Civil, quais sejam pai, mãe, tutor, cônjuge ou companheiro, parente próximo, ou o Ministério Público.
4.4 Procedimento da Interdição
Na inicial, o interessado deverá atestar a sua condição de legitimado, especificando os fatos que revelam a anomalia psíquica e assinalando a incapacidade do interditando para reger a sua pessoa e administrar os seus bens.
Na sistemática do CPC vigente, será o interditando citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz, que o examinará, interrogando-o minuciosamente. Perceba que a legislação revogada faz alusão a interrogatório, como se réu o interdito fosse. Nessa toada, ao interrogar, o juiz ficará adstrito a perguntar ao interdito questões concernentes a seus negócios, bens e o que mais lhe parecer necessário, sem indicar a lei uma preocupação com a pessoa do interdito, seus sentimentos, necessidades e direitos não patrimoniais.
Da realização do interrogatório, no prazo de cinco dias, poderá o interditando apresentar impugnação ao pedido. Ele será representado pelo Ministério Público ou, se for ele o requerente, pelo curador à lide. Nada impede que o interditando se faça representar por advogado, o qual oferecerá defesa em seu favor.
Transcorrido o prazo acima mencionado, será nomeado perito para proceder ao exame do interditando. Depois da entrega do laudo, designar-se-á uma audiência de instrução e julgamento.
Encerrada a audiência, será proferida a sentença e, desde logo, será nomeado curador ao interdito. Tal sentença produz efeito desde logo, embora esteja sujeita ao recurso de apelação. Ela será inscrita no registro de pessoas naturais e devidamente publicada, consoante reza o art. 1.184 do CPC vigente.
Por fim, nada impede que se levante a interdição, cessando a causa que a determinou. O pedido de levantamento poderá ser feito pelo próprio interditado e será apensado aos autos da interdição. Realizar-se-á nova perícia, a fim de checar a sanidade do interditado.
Após a entrega do laudo, será realizada audiência de instrução e julgamento. Acolhido o pleito, determinará o juiz que se proceda ao levantamento da interdição e mandará publicar a sentença, que é conhecida como sentença de desinterdição.
5 A Interdição no NCPC e EPD
Interdição, como já visto, é o ato ou o efeito que incapacita a pessoa para cuidar de seus próprios bens e direitos, declarados por sentença.
A ação tem duplo objeto: a interdição do incapaz e a nomeação de curador. A doutrina liga a interdição à incapacidade real e efetiva de pessoa maior, mas também pode atingir menores. A capacidade do maior sempre se presume.
Entretanto, quando a pessoa não pode cuidar de seu interesse próprio, por doença ou problemática incapacitante, deve ser interditada. A interdição é o instrumento processual pelo qual se tem a declaração de incapacidade da pessoa natural.
Saliente-se que não existe mais, no sistema privado brasileiro, pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade, como já mencionamos em outro ponto do presente artigo. Como consequência, não há que se falar mais em ação de interdição absoluta no nosso sistema civil, pois os menores não são interditados [5].
Ademais, cite-se o art. 6º da Lei nº 13.146/2015, segundo o qual a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: a) casar-se e constituir união estável; b) exercer direitos sexuais e reprodutivos; c) exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; d) conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; e) exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e f) exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Mas, com a edição do Estatuto [6], ainda haveria de se pensar em procedimento de interdição?
O professor Paulo Lôbo, em excelente artigo, sustenta que, a partir da entrada em vigor do Estatuto, “não há que se falar mais de ‘interdição’, que, em nosso direito, sempre teve por finalidade vedar o exercício, pela pessoa com deficiência mental ou intelectual, de todos os atos da vida civil, impondo-se a mediação de seu curador. Cuidar-se-á, apenas, de curatela específica, para determinados atos“.
Para Pablo Stolze, na medida em que o Estatuto é expresso ao afirmar que a curatela é extraordinária e restrita a atos de conteúdo patrimonial ou econômico, desaparece a figura da “interdição completa” e do “curador todo-poderoso e com poderes indefinidos, gerais e ilimitados“.
Entendemos que é clara a mantença do instituto da interdição, ao qual foram conferidos novos contornos. Tal moldura nova lhe fora concedida através dos dois diplomas legais objetos do breve estudo.
De acordo com o Estatuto em comento, a curatela, restrita a atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, passa a ser uma medida extraordinária (art. 85):
“Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
- 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
- 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado
- 3º No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado.”
Observe-se que a lei não diz que se trata de uma medida “especial“, mas, sim, “extraordinária“, o que reforça a sua excepcionalidade.
O novo Código de Processo Civil (NCPC), apesar de destacar pela primeira vez as ações de família como uma importante novidade, manteve o procedimento especial da interdição e lançou novo olhar sobre o instituto.
Vejamos suas principais disposições:
O novo art. 747 indica os legitimados ativos da interdição e põe entre eles o companheiro, bem como o representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando. Eis uma importante inovação. Há que se ressaltar que por “parente” entende-se, na linha dos colaterais, aqueles que podem suceder o interditando, ou seja, os abrangidos até o quarto grau.
O Ministério Público só promoverá interdição em caso de doença mental grave. O antigo art. 1.178 fazia referência aos portadores de anomalia psíquica. Houve, portanto, mudança redacional impactante.
Percebe-se a preocupação do legislador com a preservação da dignidade da pessoa humana. Ele também possui legitimidade extraordinária concorrente nas demais hipóteses do artigo em destaque.
O Ministério Público participará de todas as fases do processo de interdição, porém, para promovê-la, só poderá nos casos elencados na lei. Percebe-se que no NCPC há uma nova feição para a participação do MP.
O art. 749 do NCPC cuida dos requisitos específicos da petição inicial da interdição. A parte interessada deverá ingressar com o pedido fundamentando os motivos da interdição e também a sua legitimidade para o ato.
É competente o foro do domicílio do interditando. Se o interditando for menor, o pedido deverá ser endereçado ao Juízo da Infância e da Juventude.
Uma salutar novidade é a exigência da especificação do momento em que a incapacidade se revelou. Tal requisito não era exigido expressamente no CPC revogado.
Acresce-se ainda um parágrafo único ao artigo, através do qual, justificada a urgência, o juiz pode nomear curador provisório ao interditando para a prática de determinados atos.
As provas como grau de parentesco e incapacidade devem acompanhar a inicial. Deve-se ser juntado aos autos certidões de nascimento ou casamento que provem o vínculo de parentesco. Quanto à incapacidade, os laudos médicos e até periciais deverão ser acostados.
Eis documentos indispensáveis para a propositura da demanda. Saliente-se que, se tais documentos não forem acostados, deverá o requerente informar ao juízo a impossibilidade de fazê-lo.
Privar alguém de administrar os seus bens e tomar decisões da sua vida civil é ato que merece toda cautela possível e imaginária. Neste sentido, é extremamente necessário que o juiz tenha um contato pessoal com o interditando para se convencer sobre o pedido.
O interditando não será mais interrogado. Oportuna a troca da expressão por entrevista, já que ele é o principal protagonista do procedimento especial em tela e não deve ser visto como réu.
Há nítida preocupação com o ser no dispositivo em comento. Na redação do revogado art. 1.181, o juiz interrogaria o interditando sobre sua vida, seus negócios, seus bens e mais o que lhe parecesse necessário.
No NCPC, o juiz entrevistará minuciosamente o interditando acerca de sua vida, seus negócios, seus bens, suas vontades, suas preferências e seus laços familiares e afetivos. Irá entrevistá-lo sobre o que mais lhe parecer indispensável para o convencimento quanto à sua capacidade para praticar atos da vida civil.
A interdição se mostra humanizada e dignificada no NCPC, na medida em que se passará a prever a necessidade de o Judiciário considerar as vontades e as relações de afeto do interditando no comando
Não se pode olvidar que a decretação da interdição é medida grave, pois limita de forma absoluta ou relativa o interditando da prática dos atos da vida civil. O direito à defesa é constitucional, previsto no art. 5º, inciso LV, da Carta Magna, por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária – art. 1.109 do Código de Processo Civil – e de direitos indisponíveis – art. 320, inciso II, do mesmo Código.
O prazo de impugnação do interditando, que era de cinco dias, foi ampliado para 15 na nova redação do art. 752.
Ademais, o MP não representará o interditando. Ele atuará como fiscal da ordem jurídica. Nada impede que o interditando constitua advogado para defender-se. Se ele não o fizer, deverá ser nomeado curador especial.
Será possível, portanto, que o interditando afirme ao juiz da causa quem gostaria que fosse o seu curador de acordo com suas preferências e afetos. Sem dúvida, isto deverá ser apreciado pelo Poder Judiciário. Aliás, o NCPC assegura o emprego de recursos tecnológicos capazes de permitir ou auxiliar o interditando a expressar suas vontades, preferências e a responder às perguntas formuladas.
Substituiu-se a expressão “interrogatório” por “entrevista“, de modo que o interditando passa a ser melhor compreendido e ressignificado. Abandona-se a ideia de réu acusado (interrogado) e se lança um olhar humanizado ao sujeito de direito mais importante desta demanda, o interditando (entrevistado). Para os que acreditam em uma sociedade mais justa e solidária, trata-se de notável inovação no referido procedimento especial.
Além das provas que o requerente deve anexar com a inicial, o processo de interdição exige prova pericial sob pena de nulidade. O perito deverá ser nomeado pelo juiz e apresentará aos autos um laudo com dados técnicos não vinculados à prova ou laudos apresentados pelo requerente.
“O atestado médico não supre a necessidade de que seja realizada prova pericial” (RT 675/174). “É imprescindível arealização de exame pericial para detectar a existência de incapacidade do interditando e sua extensão” (RJTJSP 126/165).
Estando o juiz convencido, este decretará, através de sentença, a interdição. A sentença produz efeito imediato, embora sujeita a recurso de apelação somente no efeito devolutivo. Em razão disso, na própria sentença o juiz nomeará curador para o interditando. A curatela será regida nos mesmos moldes da tutela.
Além de se determinar o registro da sentença no cartório de pessoas naturais, o NCPC prevê que a decisão seja publicada na rede mundial de computadores, bem como no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça.
São vários os efeitos da sentença de interdição, dentre eles declarar a incapacidade de um indivíduo, bem como a nomeação do curador. Há quem entenda que a natureza da sentença é constitutiva.
O princípio da publicidade visa atingir o conhecimento de terceiros para salvaguardar direitos, atribui eficácia erga omnes, porém, a sentença que decretou a interdição só atingirá este efeito após ser registrada no Registro Civil das Pessoas Naturais do 1º Subdistrito do domicílio do interditando, especificamente, será aberto um assento a que denominamos de registro de interdição, que será feito no livro de registros especiais. O registro será procedido mediante ordem judicial, bem como, havendo recurso e o posterior levantamento da interdição, o cancelamento também será averbado através de ordem judicial.
A interdição poderá ser decretada também sob a avaliação de condições transitórias, como, por exemplo, o coma. Assim que cessar a condição, poderá requerer o cancelamento da interdição.
Será feito nos mesmos autos que decretou a interdição e também deverá estar acompanhado de provas, inclusive pericial. O cancelamento da interdição seguirá o mesmo rito da decretação.
Assim como se publicou e registrou a sentença que decretou a interdição, o cancelamento também se submeterá aos mesmos passos. A única diferença no cancelamento é que em vez de o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais cumprir com o registro da interdição, ele procederá a averbação à margem do assento que já se encontra registrado.
É precípua função do curador zelar pela conquista da autonomia do curatelado. Prestigiam-se, desta maneira, a dignidade da pessoa humana e a autodeterminação. Eis uma norma que destaca a humanização do instituto.
Andou bem o NCPC ao reconhecer a importância da rede mundial de computadores na publicidade dos atos da Justiça. Eis uma notável inovação.
Sem dúvida alguma a nova legislação processual lança um novo olhar sobre a interdição, humanizando, ressignificando e dignificando o interditando, no que merece aplausos de todos aqueles que acreditam em um direito mais justo, fraterno, humano e solidário. Ademais, o procedimento de interdição (ou de curatela) continuará existindo, ainda que em uma nova perspectiva, limitada aos atos de conteúdo econômico ou patrimonial à luz do EPD.
Referências
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CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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______. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 1999.
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. 16. ed. Salvador: Juspodivm, 2014. v. 1.
______. Editorial 187. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-187/>. Acesso em: 14 mar. 2016.
GAGLIANO, Pablo Stolze. É o fim da interdição? Disponível em: <http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/304255875/e-o-fim-da-interdicao-artigo-de-pablo-stolze-gagliano>. Acesso em: 1º mar. 2016.
GONTIJO, Dhanilla Henrique. Lei de Alimentos Gravídicos, direitos do nascituro e teoria concepcionista. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3325, 8 ago. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22274>. Acesso em: 26 abr. 2015.
LÔBO, Paulo. Com avanço legal pessoas com deficiência mental não são mais incapazes. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-16/processo-familiar-avancos-pessoas-deficiencia-mental-nao-são-incapazes>. Acesso em: 29 fev. 2016.
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TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o direito de família e confrontações com o novo CPC. Parte I. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI224217,21048-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com>. Acesso em: 3 mar. 2016.
[1] Dentre as diversas teorias explicativas desse fenômeno, destaca-se a concepcionista, que é o entendimento prevalente na doutrina atual, defendido por Silmara Juny Chinellato, Limongi França, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, Maria Helena Diniz, Flávio Tartuce, dentre outros, e na jurisprudência do STJ, v.g., REsps 399.028/SP e 931.556/RS.
[2] “Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I – aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II – aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III – os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV – os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V – os pródigos.”
[3] Vale destacar que o artigo acima fora revogado, pois o regramento da legitimidade para a propositura da ação interdição passou a estar no art. 747 do CPC. Agora, a Lei nº 13.146/2015, ignorando a revogação do dispositivo pelo CPC, acrescenta-lhe um inciso (art. 1.768, IV, do Código Civil), para permitir a promoção da interdição pelo próprio interditando – legitimando a autointerdição, portanto. Não há essa previsão no art. 747 do CPC. O artigo alterado será revogado a partir de 18 de março de 2016. O que, então, fazer? Para o querido mestre Fredie Didier parece que a melhor solução é considerar que a revogação promovida pelo CPC levou em consideração a redação da época, na qual não aparecia a possibilidade de autointerdição. Diz ele que a Lei nº 13.146/2015 claramente quis instituir essa nova hipótese de legitimação, até então não prevista no ordenamento – e, por isso, não pode ser considerada como “revogada” pelo CPC. Já para Fernando Tartuce será necessária uma nova iniciativa legislativa. Para o renomado autor, as alterações terão aplicação por curto intervalo de tempo, nos anos de 2015 e 2016, entre o período da sua entrada em vigor e o início de vigência do Código de Processo Civil (a partir de março do próximo ano). Assevera que isso parece não ter sido observado pelas autoridades competentes, quando da sua elaboração e promulgação, havendo um verdadeiro atropelamento legislativo.
[4] Não será necessário grande esforço para verificar como o portador de transtorno mental foi tratado como cidadão de segunda classe, encarcerado sem julgamento, submetido a tratamentos sub-humanos.
5] Flávio Tartuce assinala que pode ser feita uma crítica inicial em relação à mudança do sistema. Para ele, a mudança foi pensada para a inclusão das pessoas com deficiência, o que é um justo motivo, sem dúvidas. Porém, acabou por desconsiderar muitas outras situações concretas, como a dos psicopatas, que não serão mais enquadrados como absolutamente incapazes no sistema civil. Será necessário um grande esforço doutrinário e jurisprudencial para conseguir situá-los no inciso III do art. 4º do Código Civil, tratando-os como relativamente incapazes.
[6] Pela extensão do alcance de suas normas, o Estatuto contempla uma inconteste conquista social, ao inaugurar um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos aspectos e graus.