INFIDELIDADE EXPOSTA POR TERCEIRO EM REDE SOCIAL GERA DEVER DE INDENIZAR
Hitarth Jadhav no Unsplash
Por entender que a exposição de uma traição causou constrangimentos à então esposa, a 4ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG manteve a condenação de um homem ao pagamento de R$ 6 mil em danos morais.
Conforme informações divulgadas pelo TJMG, conversas entre o homem e outra mulher foram publicadas na internet e expostas para conhecidos do casal. Na ação, a autora alegou que a situação causou constrangimento e motivou o divórcio.
A mulher afirmou que teve imagens publicadas em sua linha do tempo em uma rede social, além de ser marcada em prints “onde o cônjuge, pai de sua filha, mantinha conversas com dizeres íntimos e de baixo calão com outra mulher, sobre atos praticados extraconjugalmente, além de marcação de encontros, o que por certo encontrando-se violada a sua honra e sua dignidade”. Argumentou ainda que o ex-marido a expôs ao risco de contaminação por doenças.
Em sua defesa, o homem disse que “na época dos supostos ilícitos eles já se encontravam há tempos separados de fato, o que era do conhecimento público, principalmente de todos os que pertenciam ao círculo íntimo do casal”.
“O que se observa dos autos é que em dezembro de 2017 e janeiro de 2018, o réu foi marcado, na sua página na rede social, em prints de conversas com outra mulher. A autora alega que foi “terrivelmente exposta e constrangida pela deslealdade do até então marido, haja vista que centenas de pessoas (crianças, adultos, amigos, familiares, colegas de trabalho) tiveram acesso aos prints de tela”, diz o documento.
Ao avaliar o caso, o relator concluiu que a decisão em primeira instância deve ser mantida integralmente, “uma vez que se fazem presentes todos os requisitos para a responsabilização civil do causador do dano à honra e à imagem da esposa”.
O número do processo não é divulgado em razão de segredo de Justiça.
Causa do dano
A advogada e professora Joyceane Bezerra de Menezes acredita que a decisão segue a tendência corrente de que a infidelidade conjugal não gera indenização. “No caso dos autos, a decisão enfocou como ‘causa do dano’ a conduta que expôs a vítima, a partir da publicização de conversas íntimas nas redes sociais.”
“Toda a fundamentação da decisão está na violação de direitos de personalidade a partir da conduta ilícita do réu que viola a privacidade e a honra da autora a partir de tais publicações. A indenização fixada foi até mesmo inferior ao que se pode ver nos casos que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça – STJ”, pontua a especialista.
A advogada destaca que a infidelidade conjugal, por si só, não é suficiente para gerar dano reparável no âmbito da responsabilidade civil. “Embora o casamento imponha o dever de fidelidade e a união estável, o dever de lealdade, o seu descumprimento sequer repercute efeitos jurídicos no plano do Direito de Família.”
No máximo, acrescenta Joyceane, “tem-se a ilegitimidade sucessória passiva do concubino ou concubina os impedindo de herdar. Grosso modo, o dever de fidelidade ficou sem a correspondente sanção tal como se verificava anteriormente, restringindo o direito aos alimentos para o cônjuge culpado.”
“Atualmente, após a Emenda Constitucional 66/2010, o divórcio se tornou um direito potestativo, independente da vontade do outro. Se o casamento requer um encontro de vontades, já não se pode dizer o mesmo em face do divórcio”, afirma.
A advogada explica que, na vigência do casamento e/ou da união estável, o casal tem seus acertos privados. “Os deveres legais, notadamente, o dever de fidelidade, constitui mais um dever moral do que um dever jurídico.”
“Na dinâmica da vida, existirá a possibilidade de a pessoa casada se envolver afetivamente com outrem, sem a intenção deliberada de causar lesão ao seu cônjuge. Havendo a traição, ter-se-á a violação de um dever jurídico sem sanção, cumprindo ao casal e, mais ainda, à pessoa traída, decidir sobre a continuidade do casamento. Nessas situações, é certo que haverá um dano, uma frustração ou um dissabor mais ou menos grave, sem que importe em dano indenizável”, afirma a especialista.
Exposição pública
Joyceane pondera, no entanto, que se a infidelidade lesar a honra e intimidade da vítima, pode justificar a indenização. “O STJ tem examinado a matéria e seguido a orientação de que a infidelidade, por si só, não gera dano indenizável, salvo quando é acompanhada de exposição pública ou circunstâncias vexatórias que possam se consubstanciar em dano aos direitos de personalidade da vítima.”
“No caso em pauta, houve a postagem, em redes sociais, de diálogos íntimos entre o marido e sua namorada com a marcação do nome da vítima. Tais diálogos deixavam claro o relacionamento extraconjugal e traziam palavras de baixo calão que expuseram a vítima ao público, em geral, e às pessoas do círculo íntimo de amizade”, lembra.
Segundo a advogada, o episódio foi considerado a causa do dano à honra objetiva e subjetiva da vítima, qualificado como dano extrapatrimonial indenizável. “Escapou a conduta standard, e, por isso, configurou a culpa do requerido, essa publicitação de fatos da intimidade que, culminaram por violar a honra e a intimidade da vítima.”
“A responsabilidade civil subjetiva e objetiva, conforme haja ou não a exigência da culpa do agente, tem sido um instrumento muito utilizado nos casos de lesão aos direitos de personalidade. Se as normas jurídicas que impõem os deveres conjugais se esgarçaram em seus efeitos jurídicos, a lesão ao direito de personalidade continua sendo um fato que reclama resposta efetiva do Direito”, conclui Joyceane Bezerra de Menezes.
Direitos da personalidade
Para o professor Salomão Resedá, membro do IBDFAM, os elementos apresentados no caso resultam em ofensa a direitos da personalidade. “Jurisprudencialmente, por mais que se entenda que o sistema brasileiro – ainda – caminha de mãos dadas com a monogamia, é possível encontrar predominância decisória no sentido de que a mera infidelidade não resulta, por si só, em indenização por danos morais.”
De acordo com o especialista, há precedentes neste sentido em diversos Tribunais pátrios, como, por exemplo, TJSP, TJDFT e, inclusive, o próprio TJMG, entre outros. No caso em análise, porém, “há elementos que dão outros tons à questão”.
Ele explica: “Aqui não se trata de uma mera infidelidade, mas uma infidelidade com elementos outros como a exposição da situação em redes sociais, hipótese que alcança diretamente o âmago dos direitos da personalidade da ex-cônjuge”.
“Apesar de não conseguir identificar os parâmetros utilizados pelo julgador para arbitrar a quantia imposta, em razão do segredo de Justiça, abstratamente, entendo que o valor poderia ter alcançado patamar maior”, avalia.
Responsabilização
Salomão Resedá afirma que os atos praticados no mundo virtual, ainda que se restrinjam somente a este espectro, devem resultar em consequências para os seus autores, caso configurem atos ilícitos. “O mundo virtual atrai diversas pessoas com um ar sedutor de que ‘aqui tudo pode’. Ledo engano!”
“Inexiste um ‘vale-tudo’, assim como não há um ato ilícito no mundo material e um ‘menos ilícito’ no mundo virtual. Tanto aqui, como lá, as ofensas a direitos podem resultar em responsabilização e indenização”, garante.
O professor lembra que a jurisprudência pátria tende a se posicionar majoritariamente no sentido da impossibilidade de indenização por danos morais em decorrência da mera infidelidade. “Porém, quanto esta infidelidade resulta em reflexos outros que atingem a perspectiva dos direitos da personalidade, entramos no mundo da indenização.”
Exposição da intimidade
Salomão cita casos de exposições on-line planejadas a título de vingança: “No ano passado, por exemplo, uma influencer transmitiu ao vivo nas redes sociais a busca pelo seu namorado dentro de um motel”.
“Ela fez uma averiguação em todas as garagens dos quartos até que se deparou com o seu veículo estacionado. Bateu na porta e encontrou o namorado com outra pessoa. Perceba que, neste caso, houve a infidelidade dele para ela, mas o dano foi, em tese, dela para ele ao expor a situação nas redes sociais”, explica o especialista.
A questão da infidelidade, segundo o professor, pertence exclusivamente aos componentes da relação. “Entendendo que a situação não tem força para abalar o relacionamento: sigam juntos. Caso contrário, adote medidas legais como divórcio ou dissolução de união estável, e continuem cada um com sua vida independente.”
“Ao passar desta linha da intimidade de ambos, entra-se no campo minado da indenizabilidade”, frisa.
Violação de direitos
De acordo com Salomão, a situação pode resultar em violação de direitos da personalidade da pessoa infiel. “Trata-se de uma questão que deve permanecer na intimidade de ambos.”
“A exposição da situação por meio de vídeos gravados, ou, mesmo, transmissão ao vivo, coloca o ‘traidor’ numa situação de sujeito passivo e o ‘traído’ no polo ativo do ato ilícito”, ressalta.
No caso dos autos, o especialista entende que o ex-marido assumiu o risco da mensagem trocada ser repassada para outras pessoas. “Certamente, ele não se lembrou de uma máxima existente na internet: o “‘print é eterno’.”
“No curso da conversa, ele apresentou informações capazes de identificar, perfeitamente, a sua – à época – esposa. Esta conversa foi espalhada pelas redes sociais e o dano se concretizou”, lembra.
Salomão esclarece que a indenização é devida ainda que não tenha sido o ex-cônjuge o responsável pela exposição. “Em 2021, ao analisar um caso de indenizabilidade por divulgação de conversas travadas por aplicativo de mensagens (REsp 1.903.273-PR), a Min. Nancy Andrighi concluiu que ‘a divulgação pelos interlocutores ou por terceiros de mensagens trocadas via WhatsApp pode ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da difusão do conteúdo’.”
“Neste julgado, reconheceu-se a condição de dano moral in re ipsa para hipóteses de divulgação de conteúdo de conversas em aplicativos de mensagens. Acredito que este entendimento pode ser aplicado para a situação”, comenta.
Salomão afirma que o réu, ao apresentar informações da intimidade de sua relação casamentária para terceiros, assumiu o risco da divulgação, que de fato aconteceu. “Então, ele deve, sim, indenizar a ex-mulher”.
“Por sua vez, caso seja possível identificar quem foi o responsável pelo vazamento da mensagem, haverá outra demanda indenizatória contra essa pessoa. Agora, o ex-cônjuge poderá pleitear indenização utilizando-se do entendimento do STJ mencionado”, conclui.