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INDENIZAÇÃO POR ACESSÕES DE BOA-FÉ

 INDENIZAÇÃO POR ACESSÕES DE BOA-FÉ

Rénan Kfuri Lopes

 

Demonstrada a boa-fé  é inegável o direito à indenização pelas acessões realizadas no imóvel de propriedade de terceiros. Isso porque é defeso e juridicamente inadmissível o enriquecimento sem causa, vedado expressamente pelo ordenamento jurídico brasileiro.

O art. 1.255 do Código Civil prevê que “aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio, perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização”.

As “acessões” são “aquelas constituídas como obras novas criadas, diferentes, e que estas construções vieram aderir à coisa anteriormente existente”.[1]

A ordem jurídica veda o enriquecimento sem causa ex vi arts. 844, caput e art. 845, ambos do Código Civil, identificada pela obtenção de um proveito por uma determinada pessoa sem justificativa juridicamente legítima, in verbis:

 CC, art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. […]

CC, art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Essa vedação dá origem a uma obrigação de indenizar decorrente das hipóteses em que falte ou venha a faltar a causa eficiente da aquisição de um benefício ou vantagem. Trata-se, assim, de fonte de obrigações, a partir da qual ocorre a movimentação de uma determinada vantagem do patrimônio de um sujeito para o daquele que detenha melhor justificativa para sua retenção.

Por isso, nas lições de Caio Mário da Silva Pereira, a proibição de enriquecimento sem causa é instrumento voltado à proteção estática do patrimônio” e seu “objetivo é remover a vantagem recebida por um para transferi-la a quem de direito”.[2]

Nesse mesmo raciocínio jurídico, o magistério seguro do prof. HAMID CHARAF BDINE JR.: “O enriquecimento compreende não só o aumento patrimonial, mas também qualquer vantagem, como não suportar determinada despesa” [3].

Trata-se, portanto, do princípio do enriquecimento sem causa, expresso no brocado jurídico “nemo potest lucupletari, jactura aliena” [ninguém pode enriquecer sem causa].

A jurisprudência da Corte Especial do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA indica que “a pretensão de enriquecimento sem causa (ação in rem verso) possui como requisitos: enriquecimento de alguém, empobrecimento correspondente de outrem; relação de causalidade entre ambos” [EResp 1.523.744/RS, Corte Especial, DJe 13.03.2019].

A diminuição patrimonial dos que criaram as acessões é requisito para a obrigação de indenizar relacionada à vedação ao enriquecimento ilícito sem causa do proprietário, se aperfeiçoa, pelo deslocamento indevido de um bem anteriormente incorporado ao patrimônio do terceiro de boa-fé; sendo impedido do ingresso dessa vantagem que certa e seguramente adentrará no patrimônio do proprietário sem justificativa.

A indenização sob o viés se afigura como um dano emergente, o que efetivamente perdeu em favor do proprietário.

Incide a indenização prevista no art. 1.255 do Código Civil, diante da construção de boa-fé em imóvel alheio, cabendo ao proprietário do imóvel indenizar o que foi construído por acessão aos autores, a título de ressarcimento.

Nesta linha, a respeito do art. 1.255 do Código Civil, que disciplina a acessão, a eg. Terceira Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já decidiu que “a finalidade do legislador, ao dispor sobre o direito à indenização é evitar o enriquecimento sem causa do proprietário preponderante” [REsp 1.643.771/PR, Terceira Turma, DJe 21.06.2019].

Esse ressarcimento não se fundamenta em uma prática de um ato ilícito, contrário à lei por culpa do curatelado/réu, mas sim pela obrigação de restituir que nasce pelo locupletamento ilícito, que pode ser compreendida como o enriquecimento, tanto pelo aumento patrimonial de uma parte em detrimento da outra quanto pela vantagem de um ao não suportar o pagamento de uma despesa que lhe era devida.

Quanto à causa jurídica que fundamente a aquisição patrimonial, Carlos Roberto Gonçalves preleciona as lições sempre atualizada do inexcedível Prof. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:

“A propósito desse instituto, salienta CAIO MÁRIO que ‘toda aquisição patrimonial deve decorrer de uma causa, ainda que seja ela apenas um ato de apropriação por parte do agente, ou de um ato de liberalidade de uma parte em favor de outra. Ninguém enriquece do nada. O sistema jurídico não admite, assim, que alguém obtenha um proveito econômico às custas de outrem, sem que esse proveito decorra de uma causa juridicamente reconhecida…”[4].

Em miúdos, o art. 1.255 do Código Civil visa coibir o enriquecimento ilícito do proprietário do solo, que terá incorporado ao seu patrimônio as acessões em desfavor do construtor que, regra geral, às perderá[5].

Indo além. A doutrina é pacífica em relação a aplicação análoga dos dispositivos da indenização das benfeitorias úteis às acessões [art. 1.255 do CC]. Desse modo, o valor das indenizações deve corresponder ao valor atual das acessões [art. 1.222 do CC], o valor das acessões é determinado no estado em que estas se encontrarem ao tempo da devolução/restituição[6].

Único o repositório jurisprudencial do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ACESSÃO. INDENIZAÇÃO. MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO CONTRÁRIO AO ENTENDIMENTO DO STJ. CONDENAÇÃO. AFASTAMENTO. DECISÃO MANTIDA. 1. Segundo a jurisprudência do STJ, tratando-se de acessões, o possuidor que tiver semeado, plantado ou edificado em terreno alheio somente terá direito à indenização se procedeu de boa-fé. Precedentes. 1.1. No caso, a Corte local dissentiu de tal entendimento, motivo pelo qual era de rigor a reforma do aresto impugnado. [AgInt no AREsp n. 1.799.894/SP, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 18/8/2023]

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ESBULHO POSSESSÓRIO COMPROVADO. ACESSÃO. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Estabelece o art. 1.255 do Código Civil que “aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização”. 2. …omissis… 3. Agravo regimental a que se nega provimento. [AgRg no AREsp n. 159.655/ES, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 9/10/2014]

Vogando na esteira o v. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, ad ilustrandum:

APELAÇÃO CÍVEL – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA – REJEITADA – INDENIZAÇÃO POR ACESSÃO E BENFEITORIA EM IMÓVEL DE TERCEIRO – BOA-FÉ – INDENIZAÇÃO DEVIDA. O indeferimento de produção de prova pericial não constitui cerceamento de defesa, mas medida necessária para evitar diligências desnecessárias e procrastinatórias, quando a matéria pode ser julgada com a análise dos documentos acostados aos autos.  Construção em terreno alheio traduz situação que, realizada de boa-fé, resolve-se mediante indenização. Demonstrado o fato constitutivo do direito do autor, qual seja, a prova da edificação de acessão no terreno alheio, de boa-fé, faz este jus a indenização pelas construções realizadas. [TJMG, Ap.Cv. n. 1.0000.23.142060-5/001, Rel. Des. José Augusto Lourenço dos Santos, 12ª CÂMARA CÍVEL, DJe 15/03/2024]

APELAÇÃO CÍVEL. INOVAÇÃO RECURSAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACESSÃO. BOA-FÉ DEMONSTRADA. DEVER DE INDENIZAR. – É vedada a veiculação em sede recursal de alegação não trazida na inicial ou contestação, sob pena de incorrer em inovação recursal. – Nos termos do art. 1.255 do Código Civil, aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização[TJMG, Ap. Cv. n. 1.0000.23.020278-0/001, Rel.(a) Des.(a) Cláudia Maia, 14ª CÂMARA CÍVEL, DJe 21/11/2024]

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. PARTILHA. ACESSÃO EDIFICADA EM IMÓVEL PERTENCENTE AO GENITOR DA VIRAGO. ARTS. 1.253 E 1.255 DO CÓDIGO CIVIL. CONSTRUÇÃO QUE SE INCORPORA AO PATRIMÔNIO ALHEIO. IMPRESCINDIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DO TERCEIRO NO FEITO. DISCUSSÃO A SER DEDUZIDA NAS VIAS ORDINÁRIAS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. No regime da comunhão parcial de bens, conforme estabelecem as normas insertas nos artigos 1.658 e 1.660, I, do Código Civil, comunicam-se os bens amealhados pelo casal na constância do casamento, devendo, por ocasião da extinção do vínculo, haver a partilha em valores igualitários, tendo em vista a presunção de esforço comum. 2. De acordo com o art. 1.253 do Código Civil, toda construção existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário, e, nos termos do art. 1.255, caput, do mesmo diploma legal, aquele que edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as construções, mas, se procedeu de boa-fé, terá direito à indenização. …omissis… 4. Nesse contexto, àquele que se sentir prejudicado, caberá, em ação própria, pleitear indenização em face do proprietário do terreno pela acessão ali edificada e incorporada, desde que tenha procedido de boa-fé, evitando-se o enriquecimento sem causa do titular do domínio, mesmo porque não se mostraria possível impor ao ex-cônjuge o pagamento de qualquer valor, na medida em que o seu patrimônio não foi beneficiado pela construção. […] [TJMG, Ap. Cv. n. 1.0000.23.286191-4/001, Rel. Des. Paulo Rogério de Souza Abrantes, Câmara Justiça 4.0 – Especial, DJe 08/04/2024]

 Destarte, o construtor e plantador de boa-fé terão direito à indenização pelas acessões perdidas para o dono do solo [CC, art. 1.255]. Aplica-se o disposto na parte final do art. 1.222 do CC/2002, ao possuidor de boa-fé para o cômputo do valor atualizado da indenização. Indeniza-se o valor das acessões, no estado em que se encontram, no momento da devolução do prédio.

[1] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Parte Geral, 1º vol., 16ª ed., p. 151-158.

[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol.II, 29ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 281.

[3] BDINE JR., Hamid Charaf. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência; coordenação Cezar Peluso. 12.ed. Barueri [SP]: Manole, 2018, pág. 872

[4] PEREIRA, Caio Mário da Silva apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais. 16. ed. São Paulo [SP]: Saraiva, 2019, pág. 780/781.

[5] LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência; coordenação Cezar Peluso. 12.ed. Barueri [SP]: Manole, 2018, pág. 1204.

[6] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direitos reais. 13. ed. Salvador [BA]: Ed. JusPodivm, 2017, pág.484.