INCLUSÃO NOME DE PADRASTO OU MADRASTA NA CERTIDÃO DO FILHO. É POSSÍVEL?
Josimara Freire de Melo
Parece estranho, mas é uma possibilidade plausível!
A Lei nº 11.294/09 estabeleceu novos parâmetros para os registros civis tornando possível a inclusão do sobrenome do padrasto ou madrasta nos registros do enteado (a), mesmo sem anuência de um dos pais, também conhecido como paternidade/maternidade socioafetiva.
O Legislador ao criar a Lei 11.924/2009, se baseou no princípio da dignidade da pessoa humana a fim de admitir a existência de uma nova espécie de paternidade (e também maternidade!) fundada exclusivamente no afeto. Consoante Maria Luíza Povoa Cruz (2009) “a constitucionalização do direito civil reconhece a parentalidade socioafetiva, materializando a dignidade da pessoa humana, erigida como macroprincípio em nossa Carta Cidadã“.
Entendendo melhor a Lei 11.924/2009
A lei 11.924, de 17 de Abril de 2009, juntamente com as grandes inovações trazidas pelo Código de Direito Civil, trouxe uma novidade que reflete nas relações familiares constituídas pelo vínculo afetivo, a qual permite à possibilidade de o (a) enteado (a) adotar em sua certidão de nascimento o nome do padrasto ou da madrasta, proporcionando, deste modo, às novas famílias a posse de estado de filho.
Art. 1o Esta Lei modifica a Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973 – Lei de Registros Públicos, para autorizar o enteado ou a enteada a adotar o nome de família do padrasto ou da madrasta, em todo o território nacional.
Art. 2o O art 57 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar acrescido do seguinte § 8o:
“Art. 57. ……………………………………………………………
…………………………………………………………………………………
8o O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família.” (NR)
Num primeiro momento, deve se firmar a premissa de que o “nome” mencionado é o nome de família, também denominado de patronímico ou sobrenome.
O que seria maternidade ou paternidade socioafetiva?
A paternidade (ou maternidade) socioafetiva é aquela que se constitui pela convivência familiar duradoura, independentemente da origem do filho. No contexto atual, a família se tornou plural e o casamento não é mais exigência para o reconhecimento de núcleo familiar, é o famoso “Seus, meus, nossos…!”.
Foram formados novos núcleos familiares que vão além das tradicionais (pai, mãe ‘biológicos’, e filhos), e com isso o ordenamento jurídico (através do legislador) se viu quase que numa obrigação em criar parâmetros a fim de resguardar direitos aderindo aos novos padrões sociais.
Precisamos definir algumas importantes diferenças entre o genitor (fornece o material genético) e o pai (ou mãe) aquele que efetivamente cria, educa, auxilia, e neste último caso entra incluindo o afeto.
O nosso Código Civil evidencia no seu artigo 1.593 que o parentesco pode derivar do laço de sangue, da adoção ou de outra origem. Dessa forma a filiação socioafetiva tem como principal vínculo o afeto. E assim sendo que a alteração na Lei dos Registros Públicos se encontra constantemente relacionadas com a possibilidade de inclusão do sobrenome do enteado (a) com aquele que possui laços afetivos de família, ou seja, com aquele (a) que o criou.
É possível INCLUSÃO DO NOME DO PADRASTO OU DA MADRASTA COMO DECORRÊNCIA DO AFETO.
É cediço que o nome no direito Cível é personalíssimo com tratamento no Código Civil nos artigos 11 – 21. Neste mesmo Diploma Legal em seu artigo 16 esta disposto: “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome“. A atual Lei dos Registros Públicos em seu artigo 54, § 4º, também declara como requisito obrigatório do assento de nascimento o nome e o prenome, que forem posto a criança, que a identificará ao longo da vida.
É razoável que o enteado possa inserir em seu nome o patronímico daquele que considera como “pai” ou “mãe“? Eu diria que é discutível… Dever-se-ia levar em conta muitos aspectos pormenorizados e particularizados em cada caso (e que não ficaram explícitos na referida Lei)
Devo ressaltar que para a inclusão do nome do padrasto ou da madrasta, não seria preciso que o enteado tenha relação prejudicada com os seus genitores biológicos. A inclusão do patronímico apenas reflete a afinidade com o padrasto ou a madrasta, sendo que, inclusive, os nomes de família originários serão mantidos. Mas na pratica será que é assim que funciona
O entendimento do Legislador é que com o uso do patronímico do padrasto ou madrasta, o enteado (a) está ratificando a paternidade ou maternidade que de fato existe tanto moral quanto social.
QUAIS OS REQUISITOS?
É importante frisar que tal procedimento atende a cinco pressupostos legalmente estabelecidos:
1) Requerimento judicial – a inclusão do nome do padrasto ou da madrasta só poderá se operar mediante a autorização judicial, ou seja, por via processual (sendo competente A Vara de Registro público), e caberá ao magistrado, no caso concreto, tomando por base o atual conceito de família, avaliar acerca do cabimento da respectiva alteração nominal. Entretanto o pedido deve ser bilateral (no caso se o enteado for menor deve ser representado, e o processo terá a participação obrigatoriamente do Ministério Público) e consensual, conforme descrito abaixo.
Como não haverá alteração do vínculo de paternidade, mas ‘simples’ acréscimo aos apelidos de família do requerente; não há de se falar em Competência de vara de Família.
E por fim se um dos pais se opuser ao pedido, o juiz poderá suprimir seu consentimento, salvo se houver comprovação de justa recusa.
2) Expressa concordância do padrasto ou da madrasta – o patronímico do padrasto ou da madrasta só será incluído no nome do enteado uma vez verificada a concordância daqueles, ambas as partes envolvidas na questão deverão estar de acordo. O sentimento de amor não é (nem pode ser) unilateral
3) Manutenção dos apelidos de família – A lei menciona que o nome de família do padrasto ou madrasta será incluído, sem prejuízo dos apelidos de família. O nome original da pessoa será mantido, havendo apenas um acréscimo. Os vínculos originários de filiação, não são, de modo algum, prejudicados.
4) Prazo de 05 anos – Para que possa ser incluído o nome do padrasto ou da madrasta, é imprescindível um período de convivência familiar de 05 (cinco) anos.
5) Motivo ponderável – É requisito de ordem subjetiva, analisado sob o prudente arbítrio do juiz, com a prova do vínculo de afinidade e a demonstração da boa convivência e do relacionamento afetivo entre os interessados.
CONTROVÉRSIAS
Por todo o exposto, eu diria que até aí, a meu ver, estaria ok! Entretanto nos esbarramos em alguns aspectos que creio não terem sido vistos ou revistos, esbarrando em questões práticas do dia a dia, que com minha experiência de vida, e militando nesta seara do Direito de Família, posso afirmar que a referida Lei pode trazer um avanço para alguns casos, contudo podemos nos deparar numa série de complicações em outros, senão vejamos:
a) Uma criança, que tem um pai (ou mãe de acordo com o caso) presente (com certa constância que quase se coaduna com uma guarda compartilhada), mas vive com o outro genitor que contrai novas núpcias culminando na geração de outros filhos (que agora são meio irmãos desta criança em questão); E este novo padrasto/madrasta (de acordo com o caso) cria um laço afetivo com esta criança e vice versa, obviamente em função da linha de convívio diário; e com isso resolvem inserir o sobrenome deste novo pai/mãe por afetividade. Como ficaria os novos irmãos, será que também concordariam?
b) Seguindo a mesma linha de raciocínio do caso anterior o relacionamento de seu genitor com este novo pai/mãe afetivo não dê certo (após a inclusão do nome em sua certidão), ao ponto de não poderem mais se falar… Perquire-se Sobreviverá a relação sócioafetiva do menor com o maior? Quanto a este aspecto ficou evidenciado a possibilidade de cancelar tal averbação conforme artigo 57, parágrafo 5 da Lei de Registro Público, ou seja, pode virar uma certa bagunça de bota > tira, a certidão da criança pode ficar sendo alterada a cada instante….
c) Continuando na mesma linha…. Esta criança agora tem o sobrenome materno e paterno (biológico) e mais o afetivo (padrasto/madrasta de acordo com o caso), mas seu genitor ‘guardião’ contrai novas núpcias, que da mesma forma gera outro relacionamento por afetividade que também se interessa em inserir o sobrenome … e aí?????????
d) Uma criança (dependendo da faixa etária) não tem um poder de raciocínio logico, por esta razão é facilmente influenciada. E só em sua idade adulta é que vai compreender a extensão de suas “decisões” do passado. Neste sentido, me pergunto, Será que se sentira realmente feliz e realizado ao saber que magoou seu outro genitor (que se faz presente na criação) ao incluir por decisões dos adultos o nome de outro que em nada contribuiu para sua existência, que só o cria por força das circunstancias (vida comum com o genitor (a) biológico). Creio que seria razoável esperar a idade de maioridade para que este tome tal decisão!
e) Tento enxergar e entender qual o sentido da criação desta Lei, que não gera nenhum resultado patrimonial, e tampouco de filiação; posto que o (a) enteado (a) não passou a ser filho (a) do padrasto ou da madrasta, pois o reconhecimento de filiação deve ser feito em processo próprio “a mera inclusão do nome familiar concedido ao enteado ou enteada, por si só, não geram os direitos e deveres como se filhos fossem.” Logo, a lei não igualou o enteado que incluiu o patronímico familiar ao filho consanguíneo, e não terá direitos sucessórios como se filho fosse, uma vez que não foi equiparado ao filho
Para não parecer que sou totalmente contra a Referida Lei traçarei aqui alguns pontos (poucos) que vejo como positivos:
Nos casos, em que a criança é filho de pai/mãe ausente (que só consta na certidão) eventualmente até obrigatoriamente pensiona, e o padrasto/madrasta (de acordo com o caso) cria este menor suprindo-lhe toda ausência afetiva e até mesmo econômica, cobrindo toda carência; aí sim vejo eficácia na aplicação da Lei.
Seria plausível que essa inserção se desse a pedido do enteado (a) quando este completasse sua maioridade, pois assim teríamos a certeza se tratar (de fato) de manifestação da vontade própria sem interferência de terceiros (com interesses muitas vezes escusos).
E paro por aqui o ponto positivo!
Concluo, que a intensão do Legislador foi de privilegiar uma situação socioafetiva familiar que já se estabelece há anos em muitos lares, entretanto, talvez até pela falta de vivencia neste contexto, não atentou para detalhes mínimos mas que podem trazer consequências máximas!
Pensemos, por exemplo, que até o tempo presente não conseguiram estabelecer amistosamente como regra a ‘guarda compartilhada’, como esperar que esta “novidade” venha de fato ser benéfica a todos?
Mas, no direito, a realidade é que nem todos ganham!
>>>>>>>>>>>BRASIL. Código Civil: Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Acompanhada de legislação complementar, súmulas e índices. 7. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2011.
>>>>>>>>>> Lei nº. 11.924, DE 17 DE ABRIL DE 2009. Altera o art. 57 da lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para autorizar o enteado ou a enteada a adotar o nome de família do padrasto ou da madrasta, em todo território nacional. Brasília, 1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l6015.htm>
>>>>>>>>>Lei nº. 6.015, de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os Registros Públicos, e dá outras providências. Brasília, 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11924.htm
>>>>>>>>>>CRUZ, Maria Luiza Povoa. Com base na lei 11.924, menor ganha direito de ter sobrenome do padrasto. Disponível em http://www.marialuizapovoa.com.br/marialuizapovoa/conteudo.asp?catId=4