INCIDENTE DE CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITO PÚBLICO NO PROCESSO DE FALÊNCIA
Raphael Funchal Carneiro
O artigo 7º-A da lei 11.101/05 incluído pela lei 14.112/20, diz que na falência, depois de realizadas as intimações eletrônicas e a publicação do edital, determinadas na sentença que decretou a falência (art. 99, inc. XIII e § 1º, da LREF), o juiz instaurará, de ofício, para cada Fazenda Pública credora, incidente de classificação de crédito público e determinará a sua intimação eletrônica para que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresente diretamente ao administrador judicial ou em juízo quando se tratar de habilitação retardatária, a relação completa de seus créditos inscritos em dívida ativa, que possuem presunção de certeza e liquidez (art. 3º da lei 6.830/80), acompanhada dos cálculos, da classificação e das informações sobre a situação atual.
Os créditos não definitivamente constituídos, não inscritos em dívida ativa (art. 2º da lei 6.830/80) ou com exigibilidade suspensa poderão ser informados em momento posterior, visto que nestas hipóteses não foram apuradas a liquidez, certeza e exigibilidade do crédito fazendário, requisitos necessários para a sua cobrança forçada. Neste caso, as habilitações são recebidas como retardatárias.
Para efeito do disposto no referido artigo 7º-A, considera-se Fazenda Pública credora aquela que conste da relação do edital previsto no § 1º do artigo 99 da lei 11.101/05, ou que, após a intimação prevista no inciso XIII do citado artigo 99, alegue nos autos, no prazo de 15 (quinze) dias, possuir crédito contra o falido. Para cada Fazenda Pública credora, municipal, estadual ou federal, será instaurado o correspondente incidente em razão do concurso de preferência que se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na forma do parágrafo único do artigo 187 do Código Tributário Nacional e parágrafo único do artigo 29 da lei 6.830/80.
Abrange os créditos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e da execução de ofício das contribuições sociais previstas no artigo 195, inc. I, al. a, e inc. II, da CRFB/88, e das penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho (art. 7º-A, §§ 6º e 7º, da LREF). A restituição em dinheiro relativamente a tributos passíveis de retenção na fonte, de descontos de terceiros ou de sub-rogação e a valores recebidos pelos agentes arrecadadores e não recolhidos aos cofres públicos e a compensação são processados na forma do artigo 86 e 122 da lei 11.101/05.
No tocante aos créditos tributários (art. 187 do CTN) a Fazenda Pública pode optar entre o pagamento do crédito pelo rito da execução fiscal, que não é suspensa pela decretação da falência ou mediante habilitação do crédito regularmente inscrito em dívida ativa – artigo 204 do Código Tributário Nacional (STJ, REsp. nº 1.103.405/MG, Min. CASTRO MEIRA, DJ 27/04/09). Entretanto, o produto arrecadado com a alienação de bem penhorado em execução fiscal, antes da decretação da falência, deve ser entregue ao juízo universal da falência. Isto porque, a falência superveniente do devedor não tem o condão de paralisar o processo de execução fiscal, nem de desconstituir a penhora realizada anteriormente à quebra. Outrossim, o produto da alienação judicial dos bens penhorados deve ser repassado ao juízo universal da falência para apuração das preferências – artigo 83, inciso III, da lei 11.101/05 (REsp 1.013.252/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 09/12/2009 – Informativo STJ nº 416).
Portanto, em relação aos créditos tributários (art. 187 do CTN) a Fazenda Pública pode optar entre o pagamento do crédito pelo rito da execução fiscal, que não é suspensa pela decretação da falência ou mediante habilitação do crédito regularmente inscrito em dívida ativa (art. 204 do CTN), hipótese em que será feita no incidente de classificação de crédito público e suspenderá o curso do processo de execução fiscal (art. 7º-A, § 4º, inc. V, da LREF), mas não a exigibilidade do crédito tributário (art. 151 do CTN). O mesmo se aplica a Dívida Ativa da Fazenda Pública não tributária cuja cobrança judicial não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento, na forma do artigo 29, caput, da lei 6.830/80, cabendo a pessoa de direito público optar por habilitar ou não os seus créditos na falência.
Na hipótese de não apresentação da relação de créditos no prazo estipulado, o incidente será arquivado e a Fazenda Pública credora poderá requerer o desarquivamento para apresentar a relação de créditos após o prazo de 30 (trinta) dias, hipótese em que estes serão considerados como retardatários (art. 7º-A, § 4º, inc. VII, da LREF), aplicando-se a eles o disposto no artigo 10 da lei 11.101/05.
Na hipótese de apresentação da relação de créditos, as execuções fiscais relativas aos créditos habilitados são suspensas até o encerramento da falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os corresponsáveis, visto que a exigibilidade do crédito não fica suspensa. Isto porque, é cabível a coexistência da habilitação de crédito em sede de juízo falimentar com a execução fiscal (REsp 1.831.186/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/05/2020, DJe 19/06/2020), cabendo ao juízo falimentar suspender ou substituir os atos de constrição praticados no executivo fiscal que recaiam sobre os bens do falido.
Apresentada a relação de créditos pela Fazenda Pública no prazo de 30 (trinta) dias, o falido, os demais credores e o administrador judicial, poderão manifestar objeções, limitadamente, sobre os cálculos e a classificação dos créditos, no prazo de 15 (quinze) dias, visto que a decisão sobre a existência, a exigibilidade e o valor do crédito compete ao juízo da execução fiscal (art. 7º-A, § 3º, inc. I e § 4º, inc. II, da LREF). Após o oferecimento das objeções no prazo de 15 (quinze) dias, a Fazenda Pública deve ser intimada para prestar, no prazo de 10 (dez) dias, eventuais esclarecimentos a respeito das manifestações, cabendo ao juiz da falência decidir sobre os cálculos e a classificação dos créditos para os fins de habilitação, bem como sobre a arrecadação dos bens, a realização do ativo e o pagamento aos credores, que competirá ao juízo falimentar.
Os créditos incontroversos, desde que exigíveis, serão imediatamente incluídos no quadro geral de credores, observada a sua classificação (art. 16 da LREF); e os créditos cujos os argumentos da Fazenda Pública foram rejeitados serão objeto de reserva integral até o julgamento definitivo, tendo em conta que a decisão no incidente pode ser impugnada por meio do agravo de instrumento (art. 189, § 1º, inc. II, da LREF).
O juiz, antes de homologar o quadro geral de credores (art. 18 da LREF), concederá prazo comum de 10 (dez) dias para que o administrador judicial e a Fazenda Pública titular de crédito objeto de reserva manifestem-se sobre a situação atual desses créditos e, ao final do referido prazo, decidirá acerca da necessidade de manter a reserva.
Na decisão judicial proferida no incidente de classificação de crédito público não haverá condenação em honorários de sucumbência (art. 7º-A, § 8º, da LREF).