RKL Escritório de Advocacia

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Adalberto Vieira Garcia

 

Probidade deriva do latim “probus“, traduzindo a ideia daquilo que é bom, virtuoso, ético e honesto. Logo, falar em improbidade é, portanto, falar em desvio de valores e de conduta.

Administrativamente, ser ímprobo é abusar do poder que é conferido a alguém no exercício de uma função pública, causando prejuízo relevante ao bem comum.

Assim, “temos que a improbidade administrativa é a expressão técnica para falar de corrupção administrativa, de desvio de conduta, de falta de retidão, de desobediência aos princípios éticos” (Manual de Licitações e Contratos Administrativos/Fernanda Marinela, Rogério Sanches Cunha — 2ª edição — São Paulo: JusPodivm, 2022, pg. 561).

Observamos assim que, é a expressão de violação aos princípios que norteiam a ordem jurídica vigente, desenvolvidas por condutas que desvirtuam a base legal da moralidade da Administração Pública.

Para José dos Santos Carvalho Filho, a “ação de Improbidade administrativa é aquela em que se pretende o reconhecimento judicial de condutas de improbidade na Administração, perpetradas por administradores públicos e terceiros, e a consequente aplicação das sanções legais, com o escopo de preservar o princípio da moralidade administrativa” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 23. ed.,2012.). g.n.

Base Constitucional (artigo 37, §4º, CF/88)

A improbidade administrativa tem base na Constituição nos termos do artigo 37, §4º, tratando de sancionar os atos de improbidade, nesses termos:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” g.n.

 

Condutas culposas

As condutas culposas, sob o bojo da lei de improbidade administrativa poderão ensejar ao agente público sanções de natureza administrativa, como por exemplo a pena de demissão, mediante a propositura e instauração de processo administrativo disciplinar de competência de cada ente federativo.

Com efeito, podemos concluir que diante de condutas culposas sob o aspecto da nova lei de improbidade administrativa (Lei nº. 14.230/2021), estarão afastadas as penalidades de natureza civil pela prática de atos de improbidade, pois ante a nova lei havia a necessidade do dolo específico [1]como elemento subjetivo para a caracterização do tipo infracional.

Não obstante, a nova lei traz em sua disposição a indicação de ato de improbidade como a atuação dolosa do agente público com o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade, conforme disposições expressas emergentes nos artigos 1º, §§1º, 2º e 3º e artigo 11, §§1º e 2º da Lei nº 14.230/2021, in verbis:

“Art. 1º — O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.

1º. Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. g.n.

2º. Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.”

“Art. 3º. As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade.”

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (g.n.)

1º. Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006[2], somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.

2º. Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei.”

Nesta esteira, urge salientar o entendimento consolidado da melhor doutrina apresentada pelo professor Matheus Carvalho[3]:

Imagine-se que, nem mesmo a imprudência desarrazoada ou a negligência clara e ilegal poderá ensejar sanções de improbidade, haja vista a exigência legal expressa de dolo específico” g.n.

 

Base constitucional do dever de licitar

A competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação é privativa da União.

De modo que o artigo 22 da Constituição estabelece as suas disposições vigentes em seu inciso XXVII, ipsis litteris:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998);” g.n.

Destaca-se ainda pelo dispositivo presente que as normas gerais veiculam princípios, balizas uniformizadoras do procedimento, visando fixar um tratamento uniforme a todos os entes federativos.

 

Espécie de atos de improbidade envolvendo licitação

A configuração de ato de improbidade não depende tão somente da demonstração de efetivo dano patrimonial a administração pública, podendo estar configurada pela simples violação a princípios administrativo.

Destaca-se que a lei que regulamenta os atos de improbidade, expedida conforme dispositivos legais, relaciona um rol mais extenso de sanções e os atos que infere-se no processo licitatório, assim destacamos o artigo 10 da lei de improbidade administrativa.

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:”

No caput do artigo 10 da sobredita Lei nº 14.230/21, temos as espécies de improbidade de atos que causam danos ou lesão aos cofres públicos. É também o desrespeito aos princípios licitatórios, principalmente o da legalidade, moralidade, publicidade e impessoalidade. Sendo as práticas mais recorrentes estão: o superfaturamento; a contratação de serviços fantasmas; os aditamentos irregulares; o fracionamento de licitações, ou seja, são esses os modelos da frustração da competitividade licitatória mais rotineiro, pois observamos que é um rol de caráter exemplificativo de infrações.

No mesmo dispositivo pontuado do artigo 10 temos ainda o inciso VIII –— “frustrar a licitude de processo licitatório (…) ou dispensá-lo indevidamente acarretando perda patrimonial efetiva“.

Neste núcleo do tipo observamos o significado da palavra “frustrar”. Podendo ser sinônimo de impedir, atrapalhar ou prejudicar que interessados no certame participem em condições de igualdade do processo licitatório.

Por sua vez, observamos que as hipóteses de dispensa de licitação listadas nos artigos da Lei 14.133/21, são taxativas ou exaustivas, não comportando qualquer expansão ou interpretação analógica que eventualmente possa pontuar seu alcance legal. Assim, as contratações realizadas sem as devidas justificações legais para a ausência do certame licitatório, e presente o dolo do agente público, estará configurado este dispositivo vigente.

Cabe registro ainda que a novel legislação pontuada neste inciso VIII nos revela que a perda patrimonial sofrida pela administração faz parte do núcleo do tipo. Assim, o dano há de ser efetivo e não mais presumido.

Por sua vez no artigo 11 da LIA, faz destaque a violação a princípio, que em sua maioria é a predominante transgressão das violações do agente público referente os atos de improbidade administrativa envolvendo licitações. Assim temos:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas;

III- revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo (…);”

Este citado inciso III, traz em seu bojo um dos deveres do agente público, no que diz respeito ao dever funcional de sigilo. Nesta esteira, observamos que trata-se de conduta funcional do agente público que denega o dever a ele atribuído, agindo de forma que coloca em risco o sigilo tutelado pelo interesse público, afetas ao serviço funcional.

Por seu turno, observamos que o inciso IV do mesmo artigo 11, traz a concepção da violação ao princípio da publicidade dos atos administrativos.

IV- Negar publicidade aos atos oficiais (…);

A despeito não seja absoluto esse princípio da publicidade, ele estabelece a obrigatoriedade de transparência dos atos praticados pelo ente público. Ou seja, responsabiliza o agente público que não dá a devida publicidade legal aos atos de interesse público, sendo desta forma uma infração à violação do princípio da publicidade.

Desta forma, sabemos que é da essência de todo processo de licitação que os atos de divulgação e publicação do edital, convocação, datas das sessões, resultados, sejam públicos, a fim de garantir principalmente que um número maior de interessados participe do certame licitatório. Nesta esteira a própria Constituição reza em seu artigo 37 que a publicidade é um dos princípios da administração pública.

Assim, observamos ainda que o próprio Tribunal de Contas da União já manifestou em diferentes acórdãos sobre a publicidade envolvendo processos licitatórios:

“[…] Disponibilizar os editais e projetos na Internet não traz custos adicionais e possibilita que qualquer interessado tenha conhecimento da licitação e seus detalhes. Fazer com que uma empresa tenha que deslocar um representante pessoalmente ao município apenas para adquirir um edital, só contribui para que haja menor concorrência nos processos licitatórios. 31. Cumpre ressaltar que a Lei 12.527/2011, mais conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), tornou obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores dos editais de licitações para os municípios com população acima de 10.000 habitantes, conforme art. 8º § 1º, inciso IV, e §§ 2º e 4º.” (Acórdão 9609/2017, TCU, 07/11/2017).

Destarte, observamos que a inobservância ao princípio da publicidade pode acarretar a nulidade do processo licitatório.

No tocante ao inciso V do mesmo artigo 11, refere-se explicitamente a ofensa à imparcialidade, nesses termos:

“V- frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório (…);”

Observamos neste item consignado no inciso V do artigo em estudo que há a violação tanto à imparcialidade como também ofensa ao princípio da isonomia. Pois, as referidas condutas afrontam também os preceitos constitucionais que reclamam a realização de concurso público conforme estabelecido no artigo 37, II e XXI CRFB, no tocante o processo licitatório as obras, serviços, compras e alienações será assegurado igualdade de condições a todos os concorrentes.

Desta forma, constatamos que tanto o concurso público como o procedimento licitatório são certames prescrito em lei, que direcionam à salvaguarda do princípio da impessoalidade.

Com base ainda da tutela dos princípios ofendidos temos o inciso VII do mesmo artigo 11, que também se caracteriza pela violação ao dever de sigilo do agente público.

VII- revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço;”

Constatamos pela leitura da norma vigente, que novamente há a violação ao dever de sigilo do agente público, no entanto, neste dispositivo há a intenção de benefício de terceiros. Assim, estará configurada a infração se o agente público revelou fatos de medida política ou econômica que afetarão o preço da mercadoria antes de sua divulgação oficial, gerando vantagens indevidas a terceiros.

Finalmente estudamos o inciso XII do mesmo artigo 11, registra a infração por violação ao princípio da impessoalidade, em consonância com o artigo 37, §1º da CRFB, nesses termos:

“XII- praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no §1º do art. 37 da CF, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público a personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estado, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

1º. A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.”

Cumpre mencionar que este dispositivo, faz menção direta a propagando pessoal do agente público sem fins de interesse público. Assim, podemos observar que não há a necessidade de dano patrimonial nos cofres públicos e não há também para a sua configuração a necessidade de enriquecimento do agente público.

Destarte, a propaganda pessoal é subsumida a este dispositivo legal, que uníssono reza que a conduta funcional deve ser investida de caráter impessoal com vestimenta de múnus público para o exercício da atividade de Estado. Desse modo, a utilização de símbolos ou imagens do Estado que liguem a conduta estatal à pessoa do agente público, deturpa o exercício da função pública estatal, o que de sobremaneira passa a imagem do administrador (agente público) e não do ente estatal, sendo a conduta infracional alcançada pela ofensa ao princípio da impessoalidade.

Por fim, dentre os principais princípios afrontados destacamos o princípio da legalidade que condiciona o agente público nos exatos ditames concedidos pela lei. Assim, temos a lição do professor Hely Lopes Meirelles: “a legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”. (MIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005). g.n.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 jul. 2023.

_______. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021). Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Rio de Janeiro, 2 de junho de 1992. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm>. Acesso em: 13 jul. 2023.

_______. Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021. Altera a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre improbidade administrativa. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, 25 de outubro de 2021. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14230.htm>. Acesso em: 13 jul. 2023.

_______. Decreto-lei nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, em 31 de janeiro de 2006. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5687.htm>. Acesso em 13 jul. 2023.

 

[1] Dolo específico é a vontade de praticar a conduta típica, porém com uma especial finalidade (Cleber Masson – Enciclopédia Jurídica da PUCSP). Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/423/edicao1/dolo. Acesso em: 13 jul. 2023.

[2] BRASIL. Decreto-lei nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 31 jan. 2006. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/d5687.htm>. Acesso em 13 jul. 2023.

[3] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 10ª.ed.- São Paulo: JusPodivm, 2022, pág. 1233.