RKL Escritório de Advocacia

A (IM)POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO DOS VETORES LEGALMENTE ESTABELECIDOS PARA FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

A (IM)POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO DOS VETORES LEGALMENTE ESTABELECIDOS PARA FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

Elias Marques de Medeiros Neto

Caroline Pastri Pinto Reinas

SUMÁRIO: Considerações iniciais – 1. O mister do advogado e sua remuneração: breve análise sobre os honorários advocatícios sucumbenciais – 2. As balizas instituídas pelo Código de Processo Civil para fixação dos honorários sucumbenciais: 2.1. A compulsoriedade dos vetores legais definidos pelo artigo 85 do Código de Processo Civil – 3. A elasticidade da interpretação jurisprudencial e o julgamento do Recurso Especial nº 1.746.072/PR – Considerações finais – Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente estudo busca analisar a matéria de honorários sucumbenciais, largamente prevista pelo artigo 85 da Codificação Processual de 2015. Em que pese a amplitude do tema, o artigo se restringe à análise dos critérios para a fixação dos honorários em causas em que a Fazenda Pública não for parte, em especial à leitura dos parágrafos segundo e oitavo do mencionado artigo, que estabelecem vetores quantitativos e interpretativos para fixação da verba honorária.

Discute-se, assim, se a fixação de honorários deve estrita obediência aos parâmetros estabelecidos pelo parágrafo segundo do artigo 85 do Código de Processo Civil ou se há possibilidade da incidência do critério da equidade nos casos em que a aquiescência às balizas legais resultar, na compreensão dos julgadores, em honorários de valor excessivo, exorbitantes ou desproporcionais ao trabalho desenvolvido na causa pelo profissional.

Para tanto, colacionam-se os ensinamentos do Código de Processo Civil, da doutrina processual e analisa-se a aplicação do tema pela jurisprudência brasileira, por meio da leitura de diversos acórdãos exarados por diferentes tribunais, com enfoque no recente julgamento pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.746.072/PR.

1 O MISTER DO ADVOGADO E SUA REMUNERAÇÃO: BREVE ANÁLISE SOBRE OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS

Não se deve olvidar que o advogado possui a função de promover o acesso de seus clientes a uma ordem jurídica justa, sendo o profissional legalmente habilitado a orientá-los, aconselhá-los e representá-los, defendendo seus interesses em juízo e fora dele.([1]) Outrossim, possui atuação indispensável à administração da justiça, uma vez que a legitimidade da jurisdição depende da integração isonômica das partes, por meio de técnicas processuais idôneas, que lhes permitam participar da lide de modo tempestivo e efetivo,([2]) o que demanda, ordinariamente, a sua intervenção.

Como retribuição pelo labor do advogado são devidos honorários advocatícios, que, apesar de encontrarem sua origem na natureza honorífica da prestação de um serviço oferecido gratuitamente (da qual, inclusive, advém a nomenclatura), passam a ser considerados remuneração pelo trabalho intelectual do defensor,([3]) constituindo um crédito de natureza alimentar, lastreado na garantia constitucional de acesso à justiça,([4]) sendo a sua fixação adequada corolário da justa e indispensável provocação do Judiciário.([5])

Nesse diapasão, vale asseverar que há três modalidades de honorários delineadas no artigo 22 da Lei nº 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, quais sejam: os honorários convencionados, que são avençados entre o patrono e o cliente; os fixados por arbitramento judicial, que, na falta de estipulação ou de acordo entre os contratantes, são fixados pelo Magistrado, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão; e os de sucumbência, que são aqueles fixados pelo juiz, a serem pagos pelo perdedor da demanda ao advogado da parte vencedora.

A sucumbência é, portanto, “o fato objetivo da derrota que, de um lado, gera para o advogado do vencedor o direito de perceber a verba honorária e, de outro, o dever da parte vencida de realizar o pagamento”.([6]) Vale asseverar, nessa toada, que o Princípio da Sucumbência, normalmente aplicado na nova sistemática processual,([7]) “consiste em atribuir à parte vencida na causa a responsabilidade por todos os gastos do processo”, assentando-se na ideia fundamental de que a lide não deve redundar em prejuízo daquele que tenha razão, bastando, para sua incidência, o resultado negativo da solução da causa, configurando verdadeira responsabilidade objetiva.([8])

2 AS BALIZAS INSTITUÍDAS PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PARA FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

A temática dos honorários sucumbenciais é tratada pelo artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015, que sucede o artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, trazendo extensa regulamentação da matéria e colocando fim a questões controvertidas que pairavam na vigência do código anterior. Em que pese a dilatada redação do artigo, o presente estudo tem por escopo analisar os parágrafos segundo e oitavo do artigo 85 do novo códex, a fim de aferir quais os critérios determinados ope legis para a fixação dos honorários sucumbenciais em causas em que não for parte a Fazenda Pública.

O primeiro parâmetro a ser examinado neste estudo está previsto no artigo 85, parágrafo segundo, do Código de Processo Civil, o qual prevê que o julgador, assim como na sistemática anterior, ao fixar os honorários sucumbenciais, deve considerar: (i) o grau de zelo do profissional; (ii) o lugar de prestação do serviço; (iii) a natureza e a importância da causa; (iv) o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Tais limites e critérios, com lastro na codificação de 2015, aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.([9])

O segundo paradigma a ser examinado neste estudo, igualmente delimitado no referido parágrafo, são as porcentagens legais a serem observadas pelo julgador na fixação dos honorários sucumbenciais nos casos em que não for parte a Fazenda Pública, quais sejam, o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento, sobre: (i) o valor da condenação; (ii) o proveito econômico obtido; (iii) o valor atualizado da causa, caso não seja possível mensurar o proveito econômico.([10])

Importante frisar, ainda, que a terceira variável a ser considerada está prevista no artigo 85, parágrafo oitavo, do diploma processual, que traz uma exceção aos parâmetros acima exarados, determinando que o julgador faça a apreciação dos honorários não mais com base em percentuais pré-estabelecidos, mas com fulcro na equidade, o que ocorre nas causas em que: (i) o proveito econômico for inestimável; (ii) o proveito econômico for irrisório; (iii) o valor da causa for muito baixo.([11])

Acerca do conceito de causas de valor inestimável, Nelson Nery Júnior as define como sendo “aquelas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato (v.g., nas causas de estado, de direito de família)”.([12]) Idêntico posicionamento se encontra na obra de Teresa Arruda Alvim, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas.([13])

Dessa feita, a leitura conglobante dos parágrafos exarados permite a aferição de critérios para fixação dos honorários sucumbenciais. Vale asseverar que, de acordo com Humberto Theodoro Júnior, os parâmetros legais devem ser analisados de forma sucessiva, a fim de evitar o aviltamento da verba honorária, de modo que o primeiro critério de aferição dos honorários é a análise dos percentuais incidentes sobre o valor da condenação principal ou do proveito econômico obtido, e, apenas na hipótese de não ser possível mensurar esse proveito, sobre o valor atualizado da causa. Posteriormente, não sendo possível a aplicação do critério anterior, somente nesta hipótese aplica-se a equidade.([14]) Entendimento similar pode ser aferido na doutrina de Daniel Amorim Assumpção Neves.([15])

2.1 A compulsoriedade dos vetores legais definidos pelo artigo 85 do Código de Processo Civil

Dúvida surge, porém, sobre a obrigatoriedade de aplicação das balizas quantitativas trazidas no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil (mínimo de dez e o máximo de vinte por cento) e, consequentemente, sobre a possibilidade de aplicação, em seu detrimento, do critério da equidade, mesmo em lides que não preencham os requisitos estabelecidos no parágrafo oitavo do referido artigo, quais sejam, proveito econômico irrisório ou inestimável ou valor da causa muito baixo.

Na opinião dos autores Teresa Arruda Alvim, Fredie Didier Júnior, Eduardo Talamini e Bruno Dantas, a violação das porcentagens legais nega vigência ao dispositivo legal do parágrafo segundo do artigo 85, concluindo que os honorários não podem ser fixados por apreciação equitativa fora dos casos legalmente estabelecidos, devendo-se observar o respectivo piso e teto estabelecidos no texto legal.([16]) ([17])

De acordo com Cássio Scarpinella Bueno, os honorários, nos termos do Código, são devidos em todos os momentos processuais, de forma cumulativa, porém essa cumulatividade não pode ultrapassar os limites fixados pela codificação nos parágrafos 2º a 6º do art. 85.([18])

Vale asseverar, inclusive, que o Código de Processo Civil, em seu artigo 85, parágrafo 11, admite a imposição de nova verba honorária em segunda instância, devida em razão do trabalho adicional do advogado, porém expressamente veda a violação dos parâmetros estabelecidos pelo parágrafo segundo do artigo 85 do código. Acerca do tema, Elpidio Donizetti Nunes sustenta que o tribunal, ao majorar os recursos em sede recursal, deve observar os mesmos indicadores dos parágrafos 2º a 6º, de modo que “não poderá ultrapassar os limites previstos”.([19])

Do mesmo modo, proclama Arruda Alvim que é vedado o cômputo de honorários sucumbenciais fora do patamar estabelecido pelo parágrafo segundo, podendo o tribunal alterar o montante, desde que dentro desses parâmetros. É nesse sentido, inclusive, o Enunciado 241 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.([20])

Seguindo tal linha de raciocínio, Humberto Teodoro Júnior afirma que o critério da equidade, largamente utilizado na codificação anterior, ficou limitado às hipóteses exaradas no parágrafo oitavo, devendo o juiz observar os parâmetros legais ainda quando a ação não resultar em condenação ou nas ações constitutivas:

Deixarão de ser aplicados os limites em questão (máximos e mínimos) quando a causa for de valor inestimável, muito baixo, ou quando for irrisório o proveito econômico (art. 85, § 8º). Apenas nessas hipóteses, o juiz fixará os honorários por apreciação equitativa, observando os critérios estabelecidos no § 2º do art. 85.([21])

Interessante colacionar, aqui, o parecer elaborado por Jorge Amaury Maia Nunes, a pedido da Ordem dos Advogados do Distrito Federal, para instrução do Agravo em Recurso Especial 262.900, no qual conclui que:

O texto do art. 85 do NCPC, em especial seu parágrafo 2º, não abre espaço hermenêutico para utilização dos princípios da equidade, razoabilidade e proporcionalidade com o fito de permitir a fixação de honorários em percentuais fora do intervalo previsto na norma. Não há, por igual, possibilidade de uso da interpretação extensiva para atribuir à norma um sentido diametralmente oposto ao que ela claramente indica.([22])

O tema, contudo, é alvo de divergências. Nesse sentido, José Roberto dos Santos Bedaque reconhece que se honorários muito abaixo dos padrões normais não são compatíveis com a dignidade da função, também valores exagerados acabam proporcionando verdadeiro enriquecimento sem causa, de forma que lhe parece razoável possibilitar ao juiz a utilização da equidade toda vez que os percentuais previstos pelo legislador determinarem honorários insignificantes ou muito elevados.([23])

Assim, remanesce controvérsia doutrinária acerca da possibilidade de fixação dos honorários advocatícios por equidade, em desconformidade com os parâmetros legalmente estabelecidos, respeitadas as peculiaridades do caso concreto. A divergência se torna mais frequente no que tange à fixação de honorários especificamente aquém do mínimo legal, sob a justificativa de que os parâmetros legais resultam em valor excessivo da verba honorária ou desproporcional ao trabalho desenvolvido pelo profissional.

Nesse diapasão, Cássio Scarpinella Bueno alega que a leitura do parágrafo 11 do artigo 85 traz dúvidas quanto à obrigatoriedade da manutenção dos honorários dentro das balizas estabelecidas legalmente, uma vez que, segundo ele, a expressão “conforme o caso”, exarada no parágrafo, permite entender que, observado o caso concreto, será possível estabelecer valores aquém do mínimo legalmente fixado.([24])

Em sentido contrário, sustenta Nelson Nery Júnior que tais critérios são objetivos e universais, não podendo ser amenizados ou extrapolados:

Em se tratando de ação condenatória julgada procedente, o juiz fica adstrito aos limites legais, não podendo fixar os honorários em percentual inferior a 10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} sobre o total da condenação ou do proveito econômico obtido, nem em percentual superior a 20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} sobre a mesma base. Dentro dessa faixa, o magistrado é livre para atribuir o percentual da verba honorária, mas deve fundamentar sua decisão, dizendo por que adotou aquele percentual (CF, 93, IX).([25])

Outrossim, Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques de Medeiros Neto e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira afirmam que o magistrado não pode reduzir o valor da verba em patamar inferior aos dez por cento previstos, salvo nos casos em que a própria lei assim determinar, ou causas em que o montante objeto da condenação ou o proveito obtido seja pequeno, o que levaria à fixação de honorários aviltantes.([26])

Isso posto, o que se vê é que há dissenso na doutrina sobre a possibilidade de a fixação de honorários por equidade ficar ou não estrita à obediência dos parâmetros estabelecidos pelo artigo 85, parágrafo 8º, do diploma processual, em especial nos casos em que a obediência ao Código resultar em altos honorários sucumbenciais.

3 A ELASTICIDADE DA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL E O JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL Nº 1.746.072/PR

A despeito das discussões doutrinárias exaradas no tópico anterior, é comum observar que diversos tribunais vêm aplicando a fixação de verbas honorárias aquém do mínimo legal, valendo-se do critério da equidade exarado no artigo 85, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil, quando os julgadores compreendem que a observância das balizas legais resulta em fixação de valor excessivo da verba honorária, o que gera, segundo os desembargadores, enriquecimento ilícito ao defensor e viola os princípios da razoabilidade e proporcionalidade:

Apelação. Embargos à execução fiscal. Honorários advocatícios fixados sobre o valor da causa. Redução. Em caso de desproporção manifesta entre o trabalho realizado pelos patronos do vencedor e os honorários fixados com base nas porcentagens legais, devem os honorários ser fixados por equidade, sob pena de enriquecimento ilícito e violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Recurso provido.([27])

Nesse sentido, de acordo com o acórdão da Apelação Cível nº 70081110819, da Décima Nona Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de relatoria do Desembargador Marco Antonio Angelo, “a penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se o montante for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio (artigo 413 do CC)”.([28]) Idêntico entendimento pode ser visto nos Embargos de Declaração Cível 1003750-34.2016.8.26.0292 e a Apelação Cível nº 1003808-60.2018.8.26.0100, do Tribunal de Justiça de São Paulo; na Apelação Cível, nº 70080414485, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; nas Apelações Cíveis nº 0300742-14.2018.8.24.00 e nº 0300839-91.2016.8.24.0051 e no Agravo de Instrumento nº 4006305-59.2018.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina; nos Autos nº 0014993-42.2015.8.16.0021 e nº 0002798-75.2018.8.16.0035, do Tribunal de Justiça do Paraná, dentre outros.

Os Tribunais aplicam, ainda, o critério da equidade quando compreendem que os honorários são incompatíveis com o trabalho desenvolvido no processo. No Processo nº 0010182-07.2018.8.16.0030, julgado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, o Desembargador Fernando Antônio Prazeres descreve o trabalho do advogado como “zeloso, porém simples”, minorando seus honorários.([29]) Igualmente afirma o Desembargador Belizário de Lacerda, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Apelação Cível 1.0480.14.009341-4/001, segundo o qual “os honorários advocatícios devem ser fixados por equidade e em valor razoável e proporcional na forma do artigo 85 do CPC, e ipso facto, havendo arbitramento excessivo, impõe-se a sua redução até o patamar razoável”.([30])

O mesmo entendimento pode ser encontrado nas Apelações Cíveis nº 4010322-78.2013.8.26.0576, nº 1022360-25.2015.8.26.0053 e nº 0002849-89.2003.8.26.0114, do Tribunal de Justiça de São Paulo; nas Apelações Cíveis nº 0300005-80.2016.8.24.0086 e nº 0301491-68.2015.8.24.0011, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina; e na Apelação Cível nº 1.0000.18.133458-2/001, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

O que se vê, portanto, é que pode ser comumente encontrado nos tribunais o entendimento de que a minoração de honorários advocatícios é permitida, em discordância com os parâmetros legalmente fixados.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça foi instado a se manifestar sobre o tema no Recurso Especial nº 1.746.072/PR.([31]) No recurso, a matéria ora em debate foi trazida por afetação à apreciação da Segunda Seção da Corte, a qual decidiu ser inadmissível a fixação de valores que não respeitem os limites legalmente estabelecidos.([32])

De acordo com Ministro Raul Araújo, prolator do voto vencedor, o dispositivo do artigo 85 estabelece como vetores interpretativos três pontos basilares, que sinalizam ao intérprete o desejo de objetivar o processo de fixação do quantum da verba honorária, quais sejam: (i) os honorários advocatícios sucumbenciais são parte da remuneração do trabalho prestado pelo advogado; (ii) as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade são diminutas; (iii) o Código prevê uma “ordem de vocação” para fixação da base de cálculo da verba honorária, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria, obtida pela conjugação dos parágrafos 2º e 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil:

(a) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} e 20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (b) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} e 20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, das seguintes bases de cálculo: (b.1) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (b.2) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); (c) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).([33])

Na opinião do ministro, a redação do artigo 85 é expressiva e óbvia, apta a demonstrar que o parágrafo segundo do mencionado artigo veicula a regra geral e obrigatória, relegando ao parágrafo oitavo do artigo 85 a instituição de regra excepcional, de aplicação subsidiária. Assim, a aplicação da norma secundária do artigo 85, parágrafo 8º, que é “verdadeiro ‘soldado de reserva’, como classificam alguns, somente será cogitada na ausência de qualquer das hipóteses do parágrafo segundo do mesmo dispositivo”. Conclui afirmando que “a incidência, pela ordem, de uma das hipóteses do artigo 85, parágrafo segundo, impede que o julgador prossiga com sua análise a fim de investigar eventual enquadramento no parágrafo oitavo do mesmo dispositivo, porque a subsunção da norma ao fato já se terá esgotado”.

Desse modo, constata o Ministro Raul Araújo que na norma jurídica em comento descabe a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Em posicionamento contrário, contudo, a Ministra Nancy Andrighi, em voto divergente, afirma que a expressão “inestimável”, trazida na redação do artigo 85, parágrafo 8º, não se refere somente a causas de em que o proveito econômico, a condenação ou o valor da causa sejam insuscetíveis de quantificação, mas também àquelas de valor exorbitante. Sustenta a ministra que a palavra, em seu sentido semântico, também remete à acepção daquilo “que tem enorme valor”, “imenso”, ou seja, aquilo que esteja muito acima do normal ou da média. Assim, conclui a ministra que “em se tratando de causa cujo proveito econômico é inestimável em todas as suas acepções semânticas, a fixação dos honorários deverá ocorrer por apreciação equitativa”, admitindo a aplicabilidade do artigo 85, parágrafo 8º, a quaisquer casos em que o valor seja substancialmente elevado, afastando as balizas legais e possibilitando a fixação dos honorários advocatícios aquém do critério legal de 10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}.([34])

Apesar do voto apontado, o entendimento da Ministra Nancy ficou vencido, sob o argumento de que a expressão “inestimável valor econômico” somente se refere a causas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato, ou seja, que não se mostram em condições de ser apreciadas economicamente.

O que se vê, portanto, é que, embora seja possível encontrar inúmeros julgados admitindo a elasticidade da interpretação das normas do artigo 85 do Código Processual, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça concluiu que o julgador deve estrita observância aos parâmetros e à ordem estabelecida no códex processual para fixação dos honorários sucumbenciais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível observar, pela leitura conglobante dos dispositivos legais colacionados neste estudo, que a interpretação literal da codificação processual, adotada por parcela da doutrina processual brasileira, leva ao entendimento que a fixação da base de cálculo da verba honorária obedece uma ordem de gradação sucessiva, sendo que, em primeiro plano, analisam-se os percentuais incidentes sobre o valor da condenação principal ou do proveito econômico obtido e, em segundo lugar, avaliam-se os percentuais sobre o valor atualizado da causa, percentuais esses que a doutrina diverge sobre o rigor de sua flexibilidade de acordo com o caso concreto. Não se subsumindo o caso sub judice às hipóteses anteriores, subsidiariamente, aplica-se na fixação do quantum o critério da equidade.

Todavia, em que pese a disposição legal, é possível observar que a jurisprudência pátria questiona o âmbito de incidência da regra em debate, concluindo, em muitos casos, pela inobservância do comando normativo, sob a justificativa de que a fixação de altos honorários proporciona ao advogado enriquecimento sem causa, o que viola os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Dessa feita, é possível encontrar diversos julgados em que o tribunal opta por utilizar o critério da equidade, ao argumento de que os percentuais previstos pelo legislador gerariam honorários elevados.

O cenário parece encontrar novos contornos, contudo, com o julgamento do Recurso Especial nº 1.746.072/PR, pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, a qual, apesar de apontamentos divergentes, concluiu que o processo de fixação do quantum da verba honorária deve obedecer ao critério objetivo trazido pelo Código, uma vez que a redação do seu artigo 85, parágrafo 2º, veicula regra geral e obrigatória, relegando a utilização da equidade à aplicação excepcional. Isso posto, decide a Corte que o juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios somente pode ser utilizado de forma subsidiária, quando não presente qualquer hipótese prevista no parágrafo 2º do artigo 85 do Código de Processo Civil.

Necessário se faz, neste momento, aguardar eventuais desdobramentos do posicionamento consolidado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.746.072/PR nas decisões dos tribunais de apelação.

REFERÊNCIAS

ALVIM, Teresa Arruda. Manual de direito processual civil: teoria do processo e processo de conhecimento. São Paulo: RT, 2017.

ALVIM, Teresa Arruda; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In: MARCATO, Antonio Carlos (coord.). Código de Processo civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004.

BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 10 ago. 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.746.072/PR. Segunda Seção. Relator: Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo. Brasília: 29 mar. 2019.

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2017.

BUENO, Cassio Scarpinella. Os honorários advocatícios e o poder público em juízo no CPC de 2015. Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, São Paulo: Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ano XXVII, n. 128, p. 25-37, jan./mar. 2016.

CAHALI, Yussef Said. Honorários advocatícios. São Paulo: RT, 1990.

DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 1996.

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 1.0480.14.009341-4/001. 7ª Câmara Cível. Relator: Belizário de Lacerda. Belo Horizonte: 26 mar. 2019.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado. Salvador: JusPodivm, 2016.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

OAB DISTRITO FEDERAL. Parecer. Disponível em: http://www.oabdf.org.br/wp-content/uploads/2018/09/ParecerHonora{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}CC{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}81rios.pdf. Acesso em: 10 ago. 2018.

OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil: parte geral. São Paulo: Verbatim, 2018. v. 1.

PADILLA, Luiz Roberto Nuñes. Da insuficiência da fixação percentual. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 14, n. 55, jul./set. 1989.

PARANÁ. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70081110819. 19ª Câmara Cível. Relator: Fernando Antônio Prazeres. Curitiba: 24 jul. 2019.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 0010182-07.2018.8.16.0030. 14ª Câmara Cível. Relator: Marco Antonio Angelo. Porto Alegre: 06 jun. 2019.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 0193043-73.2012.8.26.0100. 7ª Câmara de Direito Público. Relator: Fernão Borba Franco. São Paulo: 04 abr. 2019.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento, procedimento comum. Rio de Janeiro: forense, 2019. v. 1.

[1] DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 220-221.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 155-156.

[3] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 480.

[4] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 183.

[5] PADILLA, Luiz Roberto Nuñes. Da insuficiência da fixação percentual. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 14, n. 55, p. 197-203, jul./set. 1989.

[6] ALVIM, Teresa Arruda; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 336.

[7] Excepcionalmente, nas hipóteses em que não se possa dizer que uma parte perdeu a demanda, os honorários sucumbenciais passam a ser regidos pelo princípio da causalidade, segundo o qual “aquele que deu causa à propositura da demanda ou à instauração de incidente processual deve responder pelas despesas daí decorrentes”. In: NERY JUNIOR; NERY, op. cit., p. 472.

[8] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento, procedimento comum. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 1. p. 314.

[9] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 10 ago. 2018.

[10] Lei nº 13.105/2015.

[11] Lei nº 13.105/2015.

[12] NERY JUNIOR; NERY, op. cit., p. 478.

[13] ALVIM; DIDIER JR.; TALAMINI; DANTAS, op. cit., p. 353.

[14] THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 330.

[15] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 138.

[16] ALVIM; DIDIER JR.; TALAMINI; DANTAS, op. cit., p. 348.

[17] O mesmo raciocínio se aplica, segundo os autores, em casos de fixação dos honorários em um valor certo (v.g. em R$ 10.000,00) ou vinculados ao salário mínimo. In: ALVIM; DIDIER JR.; TALAMINI; DANTAS, op. cit.

[18] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 152.

[19] DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2016. p. 75.

[20] ALVIM, Teresa Arruda. Manual de direito processual civil: teoria do processo e processo de conhecimento. São Paulo: RT, 2017. p. 401.

[21] THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 330.

[22] OAB DISTRITO FEDERAL. Parecer. Brasília, 4 set. 2018. Disponível em: http://www.oabdf.org.br/wp-content/uploads/2018/09/ParecerHonora{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}CC{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}81rios.pdf. Acesso em: 10 ago. 2018.

[23] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. MARCATO, Antonio Carlos (coord.). In: Código de Processo Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2004. p. 107.

[24] BUENO, Cassio Scarpinella. Os honorários advocatícios e o poder público em juízo no CPC de 2015. Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, São Paulo: Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ano XXVII, n. 128, p. 25-37, jan./mar. 2016.

[25] NERY JUNIOR; NERY, op. cit., p. 475.

[26] OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil: parte geral. São Paulo: Verbatim, 2018. v. 1. p. 349.

[27] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 0193043-73.2012.8.26.0100. 7ª Câmara de Direito Público. Relator: Fernão Borba Franco. São Paulo: 04 abr. 2019, grifo nosso.

[28] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 0010182-07.2018.8.16.0030. 14ª Câmara Cível. Relator: Marco Antonio Angelo. Porto Alegre: 06 jun. 2019.

[29] PARANÁ. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70081110819. 19ª Câmara Cível. Relator: Fernando Antônio Prazeres. Curitiba: 24 jul. 2019.

[30] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 1.0480.14.009341-4/001. 7ª Câmara Cível. Relator: Belizário de Lacerda. Belo Horizonte: 26 mar. 2019.

[31] O caso versa sobre uma execução, na qual o advogado da parte executada logrou diminuir a dívida de seu cliente em mais de dois milhões, em sede de impugnação do cumprimento da sentença, tendo o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná reduzido os honorários arbitrados em primeiro grau para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fundamento em juízo de equidade.

[32] O voto vencedor foi exarado pelo Ministro Raul Araújo, cujo entendimento foi acompanhado pelos Ministros Luís Felipe Salomão, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro. Vale informar que foi vencida a Ministra Nancy Andrighi e apontaram fundamentos diversos os Ministros Maria Isabel Gallotti e Marco Buzzi.

[33] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.746.072/PR. Segunda Seção. Relator: Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo. Brasília: 29 mar. 2019.

[34] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.746.072/PR. Segunda Seção. Relator: Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo. Brasília: 29 mar. 2019.