IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO ANTECIPADA DAS PARCELAS PAGAS PELO CONSORCIADO QUE DESISTE DO CONTRATO
Ricardo Kalil Lage
CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE CONSÓRCIO
O consórcio consiste na associação de grupos de pessoas físicas ou jurídicas, reunidas por intermédio de uma administradora, para a constituição de um determinado capital, mediante contribuições mensais dos consorciados, objetivando a aquisição de bens ou serviços. No decurso do prazo de duração do consórcio, cada um contribuirá com valores que, somados, corresponderão ao bem ou serviço almejado, a ser disponibilizado pelo sistema combinado de sorteio ou de lances.
Os consórcios eram regulados de forma esparsa até o advento da Lei 11.795/2008, que consolidou a legislação reafirmando em seu art. 6º e seguintes o poder regulamentador do Banco Central, que permanece responsável pela “normatização, coordenação, supervisão, fiscalização e controle das atividades do sistema de consórcios”, atualmente efetivados por intermédio das Circulares 3.432/2009, 3.433/2009, 3.501/2010, 3.558/2011 e 3.785/2016.
O contrato de consórcio é um instrumento plurilateral, que cria vínculos obrigacionais entre três partes distintas: administradora, consorciados e grupo consorciado. Nessa ordem de ideias, o art. 3º, § 2º, da referida lei dispõe: “o interesse do grupo de consórcio prevalece sobre o interesse individual do consorciado”.
Com isso, preserva-se a paridade entre os consorciados, impedindo que a vontade isolada de um membro do grupo prevaleça sobre o interesse da coletividade, sobretudo com vistas à proteção da poupança coletiva, vinculada à sua destinação final – a aquisição de determinado bem ou serviço – de sorte a não frustrar a expectativa que originou a própria formação do consórcio.
DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS
Se a restituição das parcelas pagas do consorciado que desiste é medida que se impõe, para que não haja por parte da administradora de consórcios enriquecimento ilícito, também é certo que a devolução imediata pretendida causa uma surpresa contábil ao grupo, que deve se recompor, no sentido de reestruturar o valor das prestações devidas pelos demais participantes, ou, até mesmo, a extensão do prazo de contemplação.
Além de não receber a cota mensal daquele consorciado que desiste, a devolução imediata dos valores ao consorciado desligado constitui uma despesa imprevista, que acaba onerando o grupo e os demais consorciados.
Por outro lado, o consorciado que permanece vinculado ao grupo pode, porventura, ser contemplado somente ao final, quando termina o consórcio, sendo incoerente que o consorciado que se se desliga antes ostente posição mais vantajosa em relação a quem no consórcio permanece.
Esta foi a linha de pensamento adotada pelo Superior Tribunal de Justiça.
SISTEMA DE PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS
Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito de recurso especial representativo de controvérsia repetitiva, a administradora do consórcio tem até trinta dias, a contar do prazo previsto contratualmente para o encerramento do grupo, para devolver os valores vertidos pelo consorciado desistente ou excluído (REsp. Repetitivo 1.119.300/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 27.08.2010).
O Código de Processo Civil de 2015 consolidou o “Sistema de Precedentes”, que em rápida análise pode ser explicado como a obrigatoriedade de seguimento de decisões provenientes dos Tribunais Superiores, não existindo dúvidas quanto à vinculação das orientações proferidas em recursos repetitivos, bem como às súmulas dos tribunais.
Sob esta ótica da vinculação, preceitua o artigo 927 do CPC/2015: Os juízes e os tribunais observarão: (…); III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.
No mesmo sentido é o artigo 932 quando preceitua que incumbe ao relator negar seguimento a recurso que for contrário a súmula dos Tribunais Superiores ou acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos, devendo o relator dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária às estas mesmas hipóteses.
Especificamente quanto aos recursos repetitivos, o art. 1.039 é taxativo ao prescrever que os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada, regra complementada pelo artigo 1.040 que também é taxativo ao prescrever que os processos em trâmite em primeiro e segundo grau de jurisdição deverão ser julgados com a aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.
Portanto, não há guarida no ordenamento jurídico pátrio para a devolução imediata das parcelas pagas pelo consorciado que desiste do contrato.
JUROS MORATÓRIOS
Em relação aos juros de mora sobre a devolução das parcelas pagas, somente após o transcurso do lapso temporal de 30 dias após o encerramento do grupo, sem a ocorrência da restituição efetivamente devida, é que pode começar a incidência de juros moratórios.
Ou seja, somente a partir do trigésimo primeiro dia do encerramento do grupo consorcial que poderá incidir juros legais, orientação aplicável inclusive aos casos em que o ajuizamento da demanda ocorre após a liquidação do consórcio (STJ, REsp. Repetitivo 1.111.270/PR, DJe 16.02.2016).