IMPORTÂNCIA DO RECURSO ESPECIAL COM BASE NA ALÍNEA C DO ARTIGO 105, III, DA CONSTITUIÇÃO
O sistema recursal brasileiro possui mecanismos próprios e sofisticados para assegurar a unidade e a coerência da interpretação do direito infraconstitucional. Nesse contexto, o recurso especial, previsto no artigo 105, inciso III, da Constituição, desempenha papel central. Dentre as hipóteses de cabimento, destaca-se a alínea ‘c’, que autoriza a interposição do recurso quando houver “dissídio jurisprudencial entre tribunais”.
A utilização correta desse permissivo constitucional é fundamental no contencioso estratégico, mas, na prática, observa-se que o número de recursos interpostos com base na alínea ‘c’ tem se reduzido. Esse fenômeno decorre tanto da dificuldade técnica em atender às exigências regimentais e legais quanto de uma preferência crescente por fundamentações em violação de lei federal (alínea ‘a’). No entanto, a subutilização do dissídio jurisprudencial empobrece o debate jurídico e reduz as chances de êxito em hipóteses em que justamente o confronto de entendimentos seria o caminho mais apropriado.
O inciso III do artigo 105 da Constituição estabelece a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para julgar o recurso especial. A alínea ‘c’ prevê a hipótese de cabimento quando a decisão recorrida der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Trata-se, portanto, de instrumento voltado para garantir a uniformização da interpretação da lei federal, evitando que a aplicação do direito varie de acordo com o órgão julgador. É uma via recursal essencial para a segurança jurídica e para a isonomia no tratamento das partes.
Apesar de sua relevância, tem-se observado que cada vez menos recursos especiais são fundamentados com base no dissídio jurisprudencial. Em parte, esse fenômeno pode ser explicado pela dificuldade em se atender às rigorosas exigências processuais que condicionam o conhecimento do recurso. Além disso, muitos advogados preferem fundamentar seus recursos na alínea ‘a’, que trata da violação de lei federal, acreditando que esse caminho seja mais simples e direto. Contudo, em muitas situações, o real fundamento da insurgência é a divergência de interpretação entre tribunais distintos, e não apenas a afronta literal a dispositivo de lei.
Essa escolha estratégica equivocada pode resultar na negativa de seguimento do recurso, pois não cabe ao STJ conhecer de dissídio jurisprudencial quando a parte não se vale do correto permissivo constitucional. Em outras palavras, um recurso especial que sustenta divergência sem invocar expressamente a alínea ‘c’ é tecnicamente inadmissível.
Cuidado técnico do recurso especial
O recurso especial baseado no artigo 105, III, alínea ‘c’ da Constituição exige um cuidado técnico maior do que aquele fundado em violação de lei federal. O Regimento Interno do STJ, a legislação processual e a própria jurisprudência da Corte impõem condições específicas.
Deve ser demonstrado analiticamente o cotejo entre as decisões. Ou seja, o recorrente deve realizar a comparação detalhada entre o acórdão recorrido e o paradigma indicado, demonstrando a identidade fática e a divergência jurídica.
A simples transcrição de ementas é insuficiente.
Além disso, deve haver a indicação de precedentes válidos. Isso significa que o paradigma deve ser proveniente de tribunal distinto do que proferiu a decisão recorrida, ou, em certos casos, de outro órgão fracionário do mesmo tribunal. Para mais, não se admite a comparação com decisões de primeiro grau.
Deve haver a juntada integral do acórdão paradigma ou a citação do repositório oficial. É imprescindível que o recorrente traga aos autos a cópia integral do precedente divergente, inclusive da certidão de julgamento, muitas vezes esquecida, ou, ainda, que faça a indicação precisa de seu repositório oficial autorizado. Apenas a transcrição de trechos da decisão não satisfaz o requisito.
O recorrente deve se ater à relevância e contemporaneidade do paradigma, que, portanto, deve tratar de matéria efetivamente semelhante, em contexto temporal e jurídico compatível, não servindo decisões superadas ou isoladas.
Cumprir essas exigências não é mera formalidade. Elas existem para que o STJ possa verificar objetivamente se há, de fato, divergência apta a ensejar a uniformização da interpretação do direito federal.
Entre os requisitos do recurso especial, o cotejo analítico é o mais relevante. O advogado deve demonstrar, de forma comparativa, que os casos são semelhantes em seus aspectos fáticos e jurídicos, mas foram solucionados de forma distinta pelos tribunais. Esse exercício exige clareza argumentativa e habilidade na redação.
Seguir um encadeamento lógico pode ajudar nessa tarefa. O cotejo deve mostrar a situação concreta julgada pelo tribunal de origem, o fundamento jurídico adotado para a decisão recorrida, o paradigma divergente com destaque para os fatos e fundamentos idênticos e a conclusão oposta alcançada pelo tribunal paradigma. Cumprindo-se tais etapas o STJ poderá reconhecer a existência de dissídio jurisprudencial legítimo.
Consolidação de precedentes no STJ
De fato, o recurso especial baseado no artigo 105, III, alínea ‘c’ da Constituição é o instrumento próprio para a consolidação de precedentes no âmbito do STJ. É por meio dele que a Corte exerce sua função de uniformizadora, assegurando que a lei federal seja interpretada de modo uniforme em todo o país. O bom uso desse recurso reforça a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais. Para o jurisdicionado, isso significa que casos semelhantes serão tratados de forma semelhante, independentemente da localidade em que tramitem. Ignorar essa via e recorrer apenas com fundamento na alínea a reduz o alcance do controle de divergência e dificulta a sedimentação da jurisprudência.
Frise-se novamente que não cabe ao STJ conhecer de dissídio sem que haja expressa invocação da alínea ‘c’. Se o recorrente fundamenta seu recurso exclusivamente em violação de lei federal, mas sustenta em verdade uma divergência jurisprudencial, o recurso será inadmitido por ausência de pressuposto constitucional. Essa consequência prática demonstra a necessidade de correta utilização do permissivo constitucional. Mais do que uma questão de técnica, trata-se de condição sine qua non para que o recurso seja analisado.
Quando corretamente manejado, o recurso especial baseado no dissídio jurisprudencial pode ser um aliado poderoso do recorrente. A demonstração da divergência oferece ao STJ a oportunidade de reafirmar sua função uniformizadora e, muitas vezes, pode ser mais eficaz do que simplesmente alegar violação de lei federal. Além disso, o recurso interposto com base na alínea c dialoga diretamente com a lógica dos precedentes qualificados, fortalecendo a estabilidade e a coerência do sistema jurídico.
Instrumento de uniformização da interpretação do direito federal
Portanto, a alínea ‘c’ do artigo 105, III, da Constituição não deve ser relegada a segundo plano. Seu uso adequado exige técnica, cuidado e respeito ao regimento interno do STJ, mas oferece ao recorrente uma via sólida e estratégica para a defesa de seus interesses.
Ainda que mais complexo, o recurso especial por dissídio jurisprudencial não deve ser visto como um obstáculo, mas como um instrumento privilegiado de uniformização da interpretação do direito federal. Saber utilizar o permissivo constitucional correto é não apenas demonstração de domínio técnico, mas também condição essencial para o êxito no contencioso judicial. O advogado que ignora a alínea c ou a utiliza de forma inadequada compromete a admissibilidade do recurso e perde uma oportunidade de dialogar com a Corte em seu papel de guardiã da lei federal.
Dessa forma, o bom uso do cotejo analítico, a juntada integral do precedente e o respeito às normas regimentais são elementos que transformam o recurso especial por dissídio jurisprudencial em um aliado estratégico do jurisdicionado e em ferramenta indispensável para a concretização da segurança jurídica.
REFERÊNCIAS
https://www.conjur.com.br/2025-set-07/importancia-do-recurso-especial-com-base-na-alinea-c-do-artigo-105-iii-da-constituicao/