A IMPORTÂNCIA DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL
Aline Simões de Lemos da Silva
Amanda Pinheiro Machado Teixeira
SUMÁRIO: Introdução. 1 Conceito de Prova. 2 Elementos Informativos. 3 Princípios Relacionados às Provas; 3.1 In Dubio Pro Reo; 3.2 Princípio da Presunção de Inocência; 3.3 Da Busca pela Verdade pelo Juiz ou Princípio da Verdade Material ou Real; 3.4 Princípio do Contraditório; 3.5 Princípio do Nemo Tenetur Se Detegere; 3.6 Direito de Não Praticar Nenhum Comportamento Ativo; 3.7 Princípio da Proporcionalidade, Razoabilidade; 3.8 Princípio da Liberdade de Provas. 4 Provas Ilícitas por Derivação; 4.1 Teoria da Fonte Independente; 4.2 Teoria da Descoberta Inevitável (Inevitable Discovery). 5 Exceções ao Princípio da Liberdade das Provas; 5.1 Provas Relacionadas ao Estado das Pessoas. 6 Obrigatoriedade do Exame de Corpo de Delito. 7 Direito à Prova. 8 Objeto de Prova ou Thema Probandum. 9 Sujeitos da Prova. 10 Fonte de Prova. 11 Destinatário das Provas. 12 Sistemas de Valoração da Prova. 13 Provas Cautelares. 14 Provas Não Repetíveis. 15 Provas Antecipadas. 16 Prova Emprestada. 17 ônus da Prova – Onus Probandi. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
O presente trabalho aborda, de forma sucinta, o conceito de prova, bem como esclarece os princípios a ela inerentes, dando destaque àqueles admitidos no Brasil.
Será discutido acerca dos meios de prova e como o juiz se vale para valorá-las.
Este estudo tem como foco principal o esclarecimento da essência da prova, como e quando pode ser admitida e, quando não o for, será declarado o motivo pelo qual esta será considerada imprópria, sendo que será explicada qual sua posterior destinação.
Será ratificada em inúmeros instantes a importância da prova durante o decurso do processo e na fase pré-processual, assim como o quanto uma prova bem constituída poderá ser decisiva durante a arbitragem da autoridade judicial.
O trabalho irá discorrer a respeito dos direitos e deveres do acusado, vítima e testemunhas. Versará também sobre a vinculação ou não do juiz a elas.
É importante salientar que tal estudo não almejou o esgotamento do assunto, uma vez que é motivo de opiniões diversas, sendo reveladas as opiniões majoritárias.
1 Conceito de Prova
Prova, na persecução penal, é o ato ou o complexo daqueles que visam estabelecer a veracidade de um fato ou da prática de um ato tendo como finalidade a formação da convicção da entidade dissidente – juiz ou tribunal – acerca da existência ou inexistência de determinada situação factual. Em regra, é produzida na fase judicial com a participação dialética das partes (contraditório real e ampla defesa, que são elaborados perante o juiz).
Destarte, a prova é o elemento fundamental para a decisão de uma lide. Tem como objeto fato jurídico relevante, isto é, aquele que possa influenciar no julgamento do feito. Assim, não é qualquer fato que carece ser provado, mas, sim, aquele que, no processo penal, possa influenciar na tipificação do fato delituoso ou na exclusão de culpabilidade ou de antijuridicidade.
Convém lembrar, ainda, que o objeto da prova é fato, e não opinião, muito embora, em alguns casos (especialmente quando se trata de dosar a pena), a opinião da testemunha possa ter relevo para a fixação da pena, quando ela afirma, por exemplo, que o réu é honesto, trabalhador e bom pai de família.
2 Elementos Informativos
Na sistemática processual penal brasileira, não se admite o oferecimento de denúncia ou queixa sem um mínimo de embasamento no que se costuma chamar de indícios de autoria e de materialidade.
Com efeito, a ausência destes elementos informativos pode ensejar o trancamento da ação penal mediante a impetração de habeas corpus pelo acusado.
Assim sendo, ganham relevo os chamados elementos informativos como sendo os primeiros passos dados na direção da efetivação da persecução penal.
Podemos conceituar os elementos informativos como sendo aqueles extraídos na fase investigatória (seja no inquérito policial, bem como nas investigações realizadas pelo MP, CPI, dentre outros), sem que haja qualquer acareação entre as partes, isto é, não existe contraditório real, tampouco ampla defesa. Os elementos, em regra, são produzidos independentemente de autorização judicial. Entretanto, há exceções a esta regra em alguns casos, como, por exemplo, busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica, entre outros que somente podem ser praticados sob a égide da cláusula constitucional de reserva de jurisdição, a qual segundo consiste em excluir, por própria determinação da Constituição, a possibilidade de exercício de iguais atribuições conferidas ao Poder Judiciário, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado.
Os elementos informativos apresentam como desígnio a fundamentação das medidas cautelares, assim como a opinio delicti do MP, tendo em vista este apresentar-se como titular da ação penal pública.
3 Princípios Relacionados às Provas
3.1 In Dubio Pro Reo
Pode ocorrer que no decurso da instrução do processo criminal surjam duas versões igualmente plausíveis e dignas de fé por parte do magistrado. Nesta hipótese, sendo contraditórias tais versões, isto é, uma delas levando à absolvição e a outra à condenação do acusado, o juiz deverá optar pela absolvição sob fundamento do princípio do in dubio pro reo.
3.2 Princípio da Presunção de Inocência
A Constituição Federal estabelece, no art. 5º, LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória“.
Do princípio em estudo, derivam duas regras fundamentais:
– Incumbência do ônus da prova ao acusador: incumbe ao acusador o ônus da prova da prática do fato delituoso pelo agente, devendo o juiz, em caso de dúvida, após a utilização de todas as formas interpretativas, absolver o acusado. Essa regra probatória consagra a expressão in dubio pro reo, que, em caso de dubiedade, o juiz deverá favorecer o réu.
– Regra de tratamento: o acusado deverá ser tratado como não culpado durante o curso do processo penal, sendo impossível a adoção de medidas cautelares como forma de cumprimento antecipado da pena.
Devemos destacar que as prisões cautelares não são incompatíveis com o princípio da presunção de inocência, desde que tal medida seja adotada de modo excepcional, mostrando-se essencial no caso concreto a fim de propiciar a eficácia do processo ou das investigações.
3.3 Da Busca pela Verdade pelo Juiz ou Princípio da Verdade Material ou Real
Admitido, porém bastante controverso dentro do processo penal, esse princípio diz respeito à atuação excepcional do juiz em relação à produção das provas no momento em que o direito à liberdade de locomoção – direito individual indisponível – é colocado em perigo. Nesse, o juiz atuará subsidiariamente e de forma atípica na busca de provas, objetivando a verdade real. A doutrina moderna tem severamente criticado o dogma da verdade real, pois é um ideal inalcançável, sendo que, na realidade, o que existe é a verdade processual, que é aquela construída em um processo legítimo com igualdade das partes, contraditório, ampla defesa e perante um juiz imparcial.
3.4 Princípio do Contraditório
Previsto no art. 5º, LV, da CF, esse princípio consiste na ciência bilateral das partes a respeito da realização dos atos processuais. Aqui, o denunciado adquire o conhecimento da existência de um processo crime em seu desfavor e tem, a partir deste momento, a possibilidade de contestar as provas produzidas pela parte contrária.
O princípio do contraditório pressupõe:
– O direito da parte em ser intimada dos fatos que estão ocorrendo no processo para, caso haja necessidade, manifestar-se contrariamente ao seu pedido.
– O direito de se manifestar, com prazo razoável, contrariamente ao pedido da parte contrária.
3.5 Princípio do Nemo Tenetur Se Detegere
Este princípio não está previsto explicitamente na Constituição Federal, mas foi consagrado através do Pacto de San José da Costa Rica, sendo incluído no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 678, em 6 de novembro de 1992. O princípio da não autoincriminação deriva dos princípios do direito ao silêncio e da presunção de inocência, instituindo que o acusado (investigado ou réu) não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, sendo garantida a posterior defesa técnica de profissional competente, ou melhor, de seu advogado.
“O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurado à assistência da família e de advogado;” (art. 5º, LXIII, da CF)
De acordo com esse princípio, qualquer pessoa, sobre a qual recaiam suspeitas acerca da prática de um fato delituoso, tem o direito de manter-se calada.
A Constituição Federal, além de garantir o direito ao silêncio, estabelece que o suspeito seja comunicado de tal fato, consequentemente inúmeras provas estão sendo declaradas ilícitas, como, por exemplo, gravações feitas pela imprensa ou a conversa informal entre presos e policiais sem a advertência formal de tal direito.
Admite-se ainda que a mentira elaborada pelo acusado no curso do processo – apesar de mentira não ser um direito previsto no ordenamento, posto que vai de encontro à moralidade – seja tolerada pelo fato da inexistência do crime de perjúrio em nosso ordenamento jurídico. Entretanto, é de suma importância que apenas será admitida a mentira defensiva, sendo rechaçada a agressiva, uma vez que o acusado, ao mentir caso acuse alguém, responderá pelo crime de denunciação caluniosa.
Denunciação caluniosa
“Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.
- 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.
- 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.” (Código Penal)
No plenário do júri, o direito ao silêncio não mais pode ser usado como argumento de autoridade para convencer os jurados, deixando também de ser obrigatória a presença do acusado, mesmo em se tratando de infração inafiançável.
“Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:
I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.” (Código de Processo Penal)
Testemunha e o direito ao silêncio
Com relação à testemunha, não se aplica esse princípio, visto que essa tem a obrigação de dizer a verdade sob pena de falso testemunho, salvo se da resposta da testemunha puder resultar uma autoincriminação; excepcionalmente neste caso estará protegida pelo direito ao silêncio.
Falso testemunho e falsa perícia
“Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
(…)” (Código Penal)
Testemunhas proibidas de depor
O art. 207 do Código de Processo Penal elenca pessoas impedidas de depor, salvo se desobrigadas pela parte interessada e se quiserem. Caso haja inverdade, serão responsabilizadas na forma da lei. Podemos citar como exemplo o padre.
“Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.” (Código de Processo Penal)
3.6 Direito de Não Praticar Nenhum Comportamento Ativo
Esse princípio deriva do nemo tenetur se detegere, e segundo esse, o acusado não é obrigado a praticar nenhum comportamento ativo que possa incriminá-lo, como por exemplo, participar de reconstituição do crime, fornecer material para exame grafotécnico, soprar “bafômetro“, etc.
As chamadas provas invasivas, ou seja, aquelas que envolvem o corpo humano e implicam na utilização ou extração de alguma parte dele, também são protegidas por esse princípio, dependendo assim de anuência do acusado para sua realização.
Devemos observar, quanto ao reconhecimento de pessoas, que este não demanda nenhum comportamento ativo por parte do “reconhecido“, não ferindo, assim, tal princípio.
3.7 Princípio da Proporcionalidade, Razoabilidade
Esse princípio se subdivide em um trinômio, ou seja, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
- Adequação: a restrição imposta pela lei deve ser apta a atingir o fim proposto por ela, ou seja, deve haver uma relação direta entre o meio utilizado e o fim a ser alcançado.
- Necessidade: entre as medidas idôneas a atingir o fim proposto, o juiz deve aplicar a menos gravosa, porém, no caso da não resolução do fato, deve-se adotar, gradativamente, a mais gravosa se preciso for para sanar o problema.
- Proporcionalidade em sentido estrito: entre valores em conflito deverá o juiz dar preferência ou preponderância àquele de maior relevância; trata-se da balança do direito. Temos como exemplo desse a “proporcionalidade pro reo“, na qual, neste caso, provas ilícitas em favor do acusado são admitidas pela doutrina e pela jurisprudência, pois, de um lado, coloca-se a liberdade de locomoção de uma pessoa inocente e, de outro, coloca-se a proibição de prova ilícita.
3.8 Princípio da Liberdade de Provas
Esse é o princípio adotado pelo Código de Processo Penal brasileiro vigente, no qual o sujeito que produzirá as provas não ficará atrelado às que estão previstas em lei (nominadas). Ele terá certa liberdade, em outras palavras, poderão ser utilizados quaisquer meios de prova, desde que não atentem contra a moralidade e a dignidade da pessoa humana, sendo assim, não serão aceitas no processo provas que sejam inconstitucionais, ilegais ou imorais.
“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.” (Código de Processo Penal)
Em relação à prova ilícita, caso a prova seja relacionada no processo, surge o chamado “direito de exclusão” (exclusionary rule), que se materializa pelo desentranhamento, ou seja, no ato de excluir do processo as provas obtidas por meios ilícitos. Preclusa a decisão que determinou o desentranhamento, deve a prova ilícita ser inutilizada, ou seja, destruída.
“Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.” (art. 157, § 3º, do CPP)
4 Provas Ilícitas por Derivação
São meios probatórios que, não obstante produzidos validamente em momento posterior, encontram-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os por efeito de repercussão causal.
A prova ilícita por derivação tem sua origem nos EUA, no caso Silverthorne Lumber & Co x USA (1920) e no caso Nardone x USA – 1939 (Fruits of the Poisous Tree – Frutos da Árvore Envenenada).
Incorporado ao ordenamento jurídico através do art. 157, § 1º, do CPP, que diz:
“Art. 157. (…)
- 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (…)“
É imperiosa a observância de que, diante da existência de provas absolutamente independentes ou de provas derivadas, no caso concreto aquelas que inevitavelmente seriam descobertas (idônea), essas serão revestidas de legalidade, não devendo ser desentranhadas do processo. Aqui, são citadas duas teorias a respeito das provas: teoria da fonte independente e teoria da descoberta inevitável de prova.
4.1 Teoria da Fonte Independente
Caso haja a demonstração – por parte do órgão da persecução penal – da legitimidade dos novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vínculo causal, tais dados probatórios são admitidos, uma vez que não estão contaminados pelo vício da ilicitude originária. Essa teoria surge no direito norte-americano no caso Bynum x USA (1960). A teoria é chamada de An Independent Source e é adotada no Brasil, como podemos demonstrar através do HC 83.921/STF:
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO NA FASE INQUISITORIAL. INOBSERVÂNCIA DE FORMALIDADES. TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENENADOS. CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS SUBSEQUENTES. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PROVA AUTÔNOMA. 1. Eventuais vícios do inquérito policial não contaminam a ação penal. O reconhecimento fotográfico, procedido na fase inquisitorial, em desconformidade com o art. 226, I, do Código de Processo Penal, não tem a virtude de contaminar o acervo probatório coligido na fase judicial, sob o crivo do contraditório. Inaplicabilidade da teoria da árvore dos frutos envenenados (fruits of the poisonous tree). Sentença condenatória embasada em provas autônomas produzidas em juízo. 2. Pretensão de reexame da matéria fático-probatória. Inviabilidade do writ. Ordem denegada.”
A teoria da fonte independente encontra-se também consagrada na legislação pátria:
“São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.” (art. 157, § 1º, do CPP)
4.2 Teoria da Descoberta Inevitável (Inevitable Discovery)
Esta teoria foi concebida através do direito norte-americano, no precedente Nix x Willians-Willians II (1984) – Inevitable Discovery, e será aplicada nos casos em que haja a demonstração de que a prova seria produzida de qualquer maneira, por meio de atividades investigatórias lícitas, independentemente da prova ilícita que a originou. Não é possível se valer dessa teoria com base em dados meramente especulativos, sendo indispensável a existência de dados concretos que demonstrem que a descoberta seria inevitável.
A doutrina, no entanto, vem entendendo que tal limitação vem prevista no art. 157, § 2º, do CPP, com a seguinte ressalva: onde enuncia fonte independente, leia-se limitação da descoberta inevitável:
“Art. 157. (…)
- 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.”
Com isso, podemos comprovar que é indispensável à análise de toda a estrutura a fim de que seja constatada a ilegalidade da prova e seu conseguinte direito à exclusão.
5 Exceções ao Princípio da Liberdade das Provas
5.1 Provas Relacionadas ao Estado das Pessoas
Com relação aos estados das pessoas, de acordo com o art. 155, parágrafo único, do CPP, estarão sujeitas às restrições estabelecidas na lei civil:
“Art. 155. (…)
Parágrafo único – Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.” (Código de Processo Penal)
Destarte, como exemplo, podemos citar duas situações:
- a) para provar um casamento, é necessária a juntada da certidão de casamento;
- b) para comprovar a idade da pessoa, por exemplo, para aferir se esta pode ser vítima do crime de estupro de vulnerável, com simples presunção, devendo juntar a certidão de nascimento.
6 Obrigatoriedade do Exame de Corpo de Delito
Corpo de delito são os vestígios deixados por uma infração penal. Caso esta infração penal, nos crimes materiais, deixar vestígios (delitos não transeuntes) e tais vestígios não tiverem desaparecido, será indispensável a perícia, que tem por objeto os vestígios deixados pela infração penal, ou seja, o exame de corpo de delito. É o que está expresso no art. 158 do CPP, que, neste, caso restringe a liberdade das provas:
“Art. 158. Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”
7 Direito à Prova
As partes processuais, acusação ou defesa, têm direito à prova. Este direito é um desdobramento lógico do direito de ação, razão pela qual o mandado de segurança é o remédio constitucional utilizado pelo Ministério Público ou pelo particular na hipótese de indeferimento na produção de determinada prova.
Caso uma prova licita tenha sua produção indeferida injustificadamente, cabe mandado de segurança como remédio, a ser utilizado pelo acusador ou defesa.
8 Objeto de Prova ou Thema Probandum
São os fatos inerentes à solução da causa, ou seja, são todos os fatos, pessoas, lugares, documentos, tudo aquilo que importa à lide e que possa ajudar a formar a opinião do julgador na decisão do conflito.
De acordo com Fernando da Costa Tourinho Filho:
“Mas, se usarmos o termo ‘objeto de prova’ no sentido daquilo que deve ser provado, então, todos os fatos sobre os quais versa a lide são objetos de prova. Objeto de prova, repita-se, é o thema probandum. É o fato a ser provado.” (2005, p. 506)
9 Sujeitos da Prova
Todos aqueles responsáveis pela produção da prova, isto é, ofendido, testemunha, peritos, etc.
10 Fonte de Prova
São pessoas ou coisas acerca das quais se pode obter a prova, podendo ser confundido às vezes com meio de prova. É tudo que indica algum fato ou afirmação útil, cujas comprovações sejam necessárias para a confirmação da verdade, como, por exemplo, uma peça acusatória (denúncia ou queixa).
11 Destinatário das Provas
– Imediato
É o julgador, quer seja o juiz ou tribunal encarregado de solucionar o conflito através da apreciação do caso trazido ao Judiciário por meio de um processo, proferindo uma sentença que, após transitada em julgado, tem caráter definitivo e coercitivo.
– Mediato
São as partes. Aqui, a prova é instrumento de credibilidade do Estado, que, havendo decisão da autoridade de acordo com as provas, esta será melhor aceita mesmo que haja descontentamento a respeito do conteúdo.
12 Sistemas de Valoração da Prova
Existem três sistemas de valoração da prova:
- Sistema da intima convicção do juiz: é aquele que permite que o juiz avalie a prova com ampla liberdade, porém, sem a obrigação de fundamentar seu ato de decidir.
No Brasil, esse sistema é adotado apenas no Tribunal do Júri, visto que o jurado não é obrigado a fundamentar sua decisão (art. 5º, XXVIII, da CF de 1998).
- Sistema da prova tarifada, da verdade legal ou formal: a lei atribui o valor a cada prova, cabendo ao juiz simplesmente obedecer ao mandamento legal. Esse sistema traz certa segurança, visto ser possível saber, de antemão, o valor de cada prova. No entanto, esse sistema acaba tornando o juiz um robô, um escravo da valoração das provas, atuando assim como um matemático.
Não é adotado no CPP, salvo em algumas hipóteses em que a lei determina:
- a) Prova quanto ao estado das pessoas, exigindo a apresentação de documento hábil a fim de que seja demostrado o estado civil da pessoa.
“Art. 155. (…)
Parágrafo único – Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.”
- b) Nos crimes que deixam vestígios será indispensável o exame de corpo de delito para que demonstre sua existência.
“Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”
- Sistema do livre-convencimento motivado ou persuasão racional: é o sistema de valoração da prova adotado pelo Brasil, no qual o julgador tem liberdade para decidir de acordo com o que foi trazido nos autos, podendo até, se necessário for, afastar alguma prova desde que suas decisões sejam fundamentadas sob pena de vício determinante de nulidade absoluta.
Conforme nos ensinam os notáveis juristas Nestor Távora e Fábio Roque:
“A liberdade na apreciação das provas significa dizer que não há hierarquia probatória, pois é o juiz quem dirá qual a importância de cada prova produzida no processo [instrução processual].” (2012, p. 236)
Devemos destacar que os elementos informativos, ou seja, aqueles produzidos em fase pré-processual, isoladamente considerados, não são aptos a fundamentar uma sentença condenatória, entretanto, não devem ser completamente desprezados, podendo se somar à prova produzida em juízo, servindo como mais um elemento na formação da convicção do juiz. Sobre isso, devemos observar o art. 155 do CPP:
“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”
13 Provas Cautelares
São aquelas em que existe um risco de desaparecimento em razão do decurso do tempo, nas quais o contraditório será diferido, ou seja, não ocorrerá no momento de produção da prova, e sim durante o processo. Ex: interceptação telefônica, busca e apreensão, etc.
Não é preciso intimar as partes no momento de sua realização, pois o contraditório será procrastinado.
14 Provas Não Repetíveis
São aquelas que não poderão ser produzidas novamente no curso do processo, em relação às quais o contraditório também será diferido. Ex: laudo pericial em um crime de lesão corporal leve.
15 Provas Antecipadas
São aquelas produzidas antes de seu momento oportuno, mas com a observância do contraditório real, isto é, produzidas com a participação das partes perante a autoridade judicial em virtude de sua relevância e urgência.
Para este tipo de prova, podemos citar como exemplo o art. 255 do CPP, que trata do “depoimento ad perpetuam rei memorium“:
“Art. 225. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.”
Assim, é declarado de forma incontestável que o destinatário da prova é o julgador e que possui ampla liberdade para analisá-la e decidir de forma motivada, valorando as provas isoladamente de acordo com o caso concreto.
16 Prova Emprestada
É a utilização da prova em um processo distinto daquela em que foi produzida, ou seja, é aquela introduzida em um processo, apesar de ter sido colhida em um primeiro.
Apenas será possível a utilização da prova emprestada se usada contra quem participou do processo anterior, visto que foi observado o contraditório na admissibilidade e na colheita das provas. A prova emprestada ingressa em um segundo processo como um documento, porém, seu valor é o mesmo da prova originariamente produzida.
17 Ônus da Prova – Onus Probandi
É o encargo que recai sobre a parte de provar a veracidade do fato alegado.
Ônus da prova da acusação
Cabe à acusação provar tanto a existência do fato típico quanto provar a autoria ou participação do agente no fato criminoso, bem como o nexo causal, ou seja, a ligação da conduta do agente com a produção do resultado.
De acordo com a maioria da doutrina, o nosso Código Penal adotou a teoria da indiciariedade, isto é, se o fato é típico, presume-se que seja ilícito. Se o MP provou o fato típico, presume-se a ilicitude, e, como se trata de presunção legal, a defesa deve provar o contrário.
Tarefa mais árdua da acusação é demonstrar os elementos subjetivos, quer dizer, dolo ou culpa que deve ser comprovado a partir da análise dos elementos objetivos do caso concreto. Ex: seis tiros a curta distância na direção da cabeça, dolo de matar (animus necandi).
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:” (Código de Processo Penal)
Ônus da prova da defesa
A defesa era obrigada a provar os fatos modificativos, impeditivos, extintivos e um eventual álibi.
Fatos modificativos: são aqueles capazes de excluírem a ilicitude do fato, como, por exemplo, a legítima defesa.
Fatos impeditivos: são aqueles capazes de ausentar o agende de culpabilidade, como, por exemplo, uma coação moral irresistível.
Fatos extintivos: são aqueles que extinguem a punibilidade, como, por exemplo, a prescrição do crime, a morte do agente, etc.
Álibi: consiste no ato de o agente provar que não estava no local do crime no momento do fato.
Observe o que diz o art. 386 do CPP:
“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
(…)
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (…), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008).”
De acordo com todas as informações prestadas, concluímos que o acusado deixa de ser considerado mero objeto de investigação, sendo declarado sujeito de direitos, ficando assim o juiz com a missão de garantir as liberdades fundamentais. Como consequência, caso haja dúvida quanto à existência de uma excludente da ilicitude ou da culpabilidade, deve o juiz absolver o acusado.
Conclusão
Finalizamos afirmando que este trabalho não pretendeu esgotar o assunto, mas, sim, contribuir modestamente para o conhecimento acerca do tema estudado ao evidenciar a importância do que expressa a Constituição Federal Pátria, que disserta como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, que é também uma das diretrizes fundamentais para ordem constitucional, por isso devemos focar todo o processo penal na busca da efetividade desses direitos.
Visando cumprir tal mandamento, foi adotado o sistema penal acusatório no qual o Ministério Público é o titular da ação penal preservando a imparcialidade do juiz.
Em suma, é esperado que a persecução criminal seja pautada na legalidade e instruída com provas contundentes, assim respeitando todas as diretrizes legais a fim de que resultem em sentenças justas fazendo valer o mandamento constitucional de respeito à dignidade da pessoa humana, pois há o dever em punir, entretanto, com justiça. Eis a importância da prova no processo penal.
Referências Bibliográficas
NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Método, 2012.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus 83.921. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/767819/habeas-corpus-hc-83921-rj>.
TÁVORA, Nestor; ARAÚJO, Fábio Roque. Código de Processo Penal. 3. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2012.
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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.