RKL Escritório de Advocacia

IMPLICAÇÕES DO POLIAMOR NO DIREITO DE FAMÍLIA

IMPLICAÇÕES DO POLIAMOR NO DIREITO DE FAMÍLIA

                                                                                          Otávio de Abreu Portes Júnior

 

 

1 – INTRODUÇÃO

O poliamor surge em um contexto em que a monogamia não é mais considerada um pressuposto necessário para as relações amorosas. O amor passar a ser visto de outra forma e sob outro ângulo.

A ideia de unicidade do amor vem perdendo força, revolucionando, de certa forma, os relacionamentos amorosos. A concepção de que o amor se limita a uma única pessoa, em um mesmo período de tempo, começa a dar lugar para um pensamento inovador de que podem coexistir diversos amores, que não se excluem. Surge, assim, o poliamor.

Muito embora grande parte da doutrina insista em afirmar que o poliamor é sinônimo de uniões poliafetivas, pode-se perfeitamente adotar entendimento diferente, dando-lhe uma interpretação mais abrangente.

Pode-se considerar o poliamor um gênero, sendo as uniões simultâneas e poliafetivas, suas espécies.

O poliamor se traduz na possibilidade de haver mais de um amor em um mesmo período de tempo, abrangendo as uniões poliafetivas, em que há uma única relação, com diversos participantes que se relacionam entre si, e as uniões simultâneas, em que existem relacionamentos paralelos, em que um dos membros está presente em todos eles, com consentimento dos demais.

Caso haja publicidade e estabilidade dos relacionamentos paralelos, ou de uma só relação com diversos participantes, e esteja presente a intenção de constituir família, o poliamor pode vir a configurar as famílias simultâneas ou poliafetivas.

A união poliafetiva envolve apenas um núcleo familiar, com diversos participantes que se relacionam mutuamente e que têm a intenção de constituir uma única família. Para sua configuração, não é necessário que os membros se relacionem sexualmente entre si, bastando que haja afeto entre todos os envolvidos para a configuração da entidade familiar.

Embora não exista qualquer regulamentação legal, deve-se reconhecer direitos as uniões poliafetivas, evitando, assim, enriquecimento ilícito por parte de um dos membros da relação ou prejuízo aos filhos advindos da união.

A união poliafetiva, assim como uma simples união estável entre duas pessoas, é um fato da vida, não dependendo de qualquer formalidade para sua configuração.

Desde que presentes os requisitos como a continuidade, publicidade e durabilidade do vínculo, além do objetivo de constituir família, a união entre três ou mais pessoas deve ser reconhecida como entidade familiar.

Já as uniões simultâneas envolvem a situação em que uma pessoa que já integra um núcleo familiar, constitui outras famílias, na constância da primeira. Neste caso, existem famílias paralelas, em que um dos membros está presente em todas elas, com consentimento do demais.

A simultaneidade familiar refere-se à circunstância de alguém se colocar ao mesmo tempo como componente de duas ou mais entidades familiares diversas, em uma pluralidade sincrônica de diferentes núcleos que têm um membro em comum (PIANOVSKI, 2006).

Caso haja a dissolução das uniões simultâneas ou poliafetivas, inúmeras consequências irão surgir no Direito de Família, especialmente na partilha de bens, em que será realizada a divisão do patrimônio, e na filiação, em que serão fixadas a guarda, os alimentos e regulamentado o direito de visitas.

 

2 – Implicações do poliamor no direito de família

Inúmeros debates surgem quando se trata das consequências que o poliamor pode gerar no Direito de Família.

Primeiramente será analisada a forma como se deve promover a partilha do patrimônio nos casos de dissolução das uniões simultâneas ou poliafetivas, para, depois, abordar as diversas possibilidades de se fixar a guarda e os alimentos dos filhos menores, caso seja dissolvida uma união composta por diversos companheiros e que tenha sido configurada a multiparentalidade.

2.1 Regimes de bens aplicáveis às famílias simultâneas e poliafetivas

O regime de bens e a partilha de patrimônio na dissolução das uniões simultâneas e poliafetivas geram bastante discussão no meio acadêmico, merecendo destaque especial em seu tratamento.

Para se promover uma partilha equânime e justa, deve-se utilizar o regramento legal previsto para os casamentos e as uniões estáveis entre duas pessoas, adaptando-se a divisão do patrimônio, com os respectivos ativos e passivos, à quantidade de companheiros que integraram uma união ou ao número de famílias que existiram paralelamente.

Assim, faz-se necessário analisar, primeiramente, os regimes de bens existentes no ordenamento, para, depois, verificar a forma como se deve promover a partilha do patrimônio, em havendo a dissolução das uniões simultâneas e poliafetivas.

O regime matrimonial de bens pode ser conceituado como o conjunto de regras de ordem privada, que regulamentará os interesses patrimoniais e econômicos de uma entidade familiar. O Código Civil prevê expressamente os regimes de comunhão universal, comunhão parcial, participação final dos aquestos e separação total de bens. Ocorre que o rol do CC/2002 é exemplificativo, permitindo que se crie outro regime, inclusive combinando regras dos já existentes (TARTUCE, 2020).

O Código Civil prevê também, no art. 1.640, que, não havendo convenção estabelecendo o regime de bens, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto ao patrimônio pertencente aos cônjuges, o regime da comunhão parcial (BRASIL, 2002).

A comunhão parcial pode ser pactuada livremente pelos nubentes ou prevalecerá caso não exista, seja nula ou ineficaz, a convenção estabelecendo o regime de bens. Nesta segunda hipótese, fala-se em regime legal de comunhão parcial de bens.

Porém, caso um dos cônjuges se enquadrem nas situações previstas no art. 1.641 do Código Civil, prevalecerá a separação obrigatória de bens, ainda que tenha sido pactuado regime diverso ou inexista convenção regulamentando as relações patrimoniais e econômicas do casamento (BRASIL, 2002).

O art. 1.641 do Código Civil estabelece que, caso algum dos cônjuges seja maior de setenta anos, contraia casamento com inobservância das causas suspensivas ou se enquadre nas situações em que, para casar, necessite de suprimento judicial, o regime será de separação obrigatória de bens (BRASIL, 2002).

Ocorre que a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, editada no ano de 1964, ainda continua em vigor, estabelecendo que: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento” (BRASIL, 1964).

Em efeitos práticos, tanto no regime legal de comunhão parcial ou na separação obrigatória, os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento deverão ser partilhados igualmente entre os cônjuges.

O art. 1.725 do Código Civil estabelece, ainda, que na união estável também se aplica o regime legal da comunhão parcial de bens, quando não houver contrato escrito entre os companheiros regulamentando as relações patrimoniais da união (BRASIL, 2002).

Por meio de contrato escrito, celebrado por instrumento público ou particular, pode-se convencionar que a união estável será regida por qualquer regime de bens previstos no Código Civil. Não havendo contrato escrito, prevalecerá o regime da comunhão parcial (BRASIL, 2002).

Na união estável também se aplica o regime legal da comunhão parcial de bens caso não tenha sido pactuado regime diverso. Porém, caso um dos companheiros se enquadre nas situações previstas no art. 1.641 do Código Civil, a união estável também será regida pela separação obrigatória de bens, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.403.419 (BRASIL, 2013).

O Superior Tribunal de Justiça decidiu, ainda, no REsp n. 646.259, que a Súmula 377 do STF aplica-se à união estável, equiparando o mesmo tratamento concedido às uniões matrimonializadas (BRASIL, 2004).

Assim, tanto no casamento como na união estável, deverão ser observadas as disposições referentes ao regime legal de comunhão parcial, a separação obrigatória de bens e a aplicação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal.

Os regimes de bens previstos no Código Civil têm peculiaridades que diferenciarão a partilha do patrimônio, caso seja dissolvido um casamento ou uma união estável. Os quatros modelos de regime de bens encontram-se previstos nos artigos 1.658 a 1.688 do CC/2002.

As regras do regime de comunhão parcial de bens encontram-se previstas nos artigos 1.658 a 1.666 do Código Civil. Neste modelo de regime, comunica-se o patrimônio adquirido por qualquer um do casal, na constância do casamento, excetuando os bens que sobrevieram por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar. Os bens particulares, por terem sido adquiridos antes do casamento, não se comunicam (BRASIL, 2002).

Maria Berenice Dias ensina que, no regime de comunhão parcial, resta preservada a titularidade exclusiva dos bens particulares e garantida a comunhão do que for adquirido durante o casamento, evitando, assim, o enriquecimento sem causa de qualquer dos cônjuges (DIAS, 2015, p. 315).

No regime de comunhão parcial, também não se comunicam os bens adquiridos com valores pertencentes exclusivamente a um dos cônjuges, em sub-rogação ao patrimônio particular, além dos bens de uso pessoal, os livros, os instrumentos de profissão, os proventos do trabalho, as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes (BRASIL, 2002).

Em síntese, no regime de comunhão parcial de bens haverá a comunicação do patrimônio adquirido onerosamente na constância do casamento ou da união estável, salvo algumas exceções previstas em lei.

O regime de comunhão universal de bens encontra-se previsto nos artigos 1.667 a 1.671 do Código Civil. Esta espécie de regime importa na comunicação de todo o patrimônio pertencente aos cônjuges, adquiridos antes ou depois do casamento, ainda que a aquisição tenha se dado por herança ou doação (BRASIL, 2002).

Ocorre uma fusão entre os acervos trazidos para o matrimônio por qualquer dos nubentes, com os bens adquiridos na constância do casamento, por qualquer dos cônjuges, a título oneroso, por doação ou herança. Os patrimônios se fundem em um só, formando uma única universalidade (RODRIGUES, 2004, p. 323).

Porém, no regime de comunhão universal não se comunica o patrimônio doado ou herdado, com cláusula de incomunicabilidade, e os sub-rogados em seu lugar. Os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva, também não se comunicam. As dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos ou se reverterem em proveito do casal, não se comunicam. Da mesma forma, não se comunicam os bens de uso pessoal, os livros, os instrumentos de profissão, os proventos do trabalho, as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes (BRASIL, 2002).

Assim, no regime comunhão universal comunicam-se tanto os bens particulares como o patrimônio adquirido na constância do casamento ou da união estável, salvo as hipóteses excepcionadas no Código Civil.

O regime de participação final dos aquestos encontra-se previsto nos artigos 1.672 a 1.686 do Código Civil. Neste regime, cada cônjuge possuirá patrimônio próprio, comunicando-se apenas os bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento. O patrimônio próprio compreende os bens particulares e aqueles adquiridos, a qualquer título, por somente um dos cônjuges, na constância do matrimônio (BRASIL, 2002).

Devido a certa dificuldade de sua compreensão, este modelo de regime é pouco convencional, não sendo muito aplicado no Direito brasileiro.

Seu regramento traz normas de difícil entendimento, gerando insegurança e muitas incertezas, além de ser de execução complicada, pois é necessária uma minuciosa contabilidade, mesmo durante o casamento, para viabilizar a divisão do patrimônio na eventualidade de sua dissolução (DIAS, 2015).

Assim, esta espécie de regime tem sido cada vez menos aplicada devido à insegurança gerada pela complexidade de sua execução, o que poderá trazer reflexos negativos na divisão do patrimônio, em eventual dissolução de uma entidade familiar.

O regime de separação de bens encontra-se previsto nos artigos 1.687 a 1.688 do Código Civil. Nesta espécie de regime, não haverá comunicação de patrimônio adquirido antes ou depois do casamento, que permanecerá sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real (BRASIL, 2002).

Separação absoluta é o mais simples dos regimes matrimoniais de bens. Os bens de cada cônjuge, independentemente de sua origem ou da data de sua aquisição, compõem patrimônios particulares e separados, com respectivos ativos e passivos. Não há convivência com patrimônio comum, nem participação nos aquestos. Caracteriza-se, justamente, pela ausência de massa comum (LOBO, 2018, p. 257/258).

Portanto, o Código Civil prevê diversas possibilidades para se estabelecer o regime de bens em um casamento, o que se aplica, também, à união estável. No caso das uniões simultâneas ou poliafetivas, deve-se utilizar o regramento legal existente e eventual divisão do patrimônio, com respectivos ativos e passivos, deverá se adequar ao número de relações que existiram concomitantemente ou a quantidades de companheiros que se relacionaram dentro de uma mesma união.

Assim, resta saber como será feita a partilha de bens, caso haja a dissolução das famílias que adotaram o poliamor como ideologia de vida afetiva.

 

2.2 Partilha de bens nas uniões simultâneas

Diante dos regimes de bens previstos no Código Civil, surge a discussão sobre como será realizada a partilha do patrimônio nos casos de dissolução das uniões simultâneas.

Nas uniões simultâneas, em que uma pessoa que já integra um núcleo familiar constitui uma segunda família, na constância da primeira, o regime de bens pode ser pactuado livremente pelos companheiros.

Como coexistem duas uniões, de forma autônoma e independente, pode haver regimes patrimoniais distintos, pois não necessariamente o regime de bens da primeira união tem de ser idêntico ao da segunda. Caso não seja regulamentado o regime de bens, em uma ou ambas as uniões, prevalecerá o regime legal da comunhão parcial.

Porém, caso um dos companheiros se enquadre nas situações descritas no art. 1.641 do Código Civil, o regime de bens, da união que este membro integre, será o da separação obrigatória (BRASIL, 2002), devendo-se observar, em eventual partilha de patrimônio, o disposto na Súmula 377 do STF (BRASIL, 1964).

A partilha do patrimônio na dissolução das uniões simultâneas levará em consideração o regime patrimonial adotado, a quantidade de famílias paralelas existentes e o momento de aquisição dos bens. Portanto, caso existam duas uniões simultâneas, sendo que em ambas foi pactuado o regime de comunhão parcial, o patrimônio adquirido onerosamente na constância das duas relações será partilhado proporcionalmente à quantidade de uniões.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação Cível n. 70022775605, utilizou, na divisão do patrimônio adquirido no contexto de duas uniões estáveis paralelas, o termo “triação” para que os bens amealhados na constância das uniões fossem divididos em três, abrangendo, assim, as duas companheiras participantes das relações (RIO GRANDE DO SUL, 2008).

O TJRS levou em consideração o regime de bens adotado em ambas as uniões e a quantidade de famílias que existiram simultaneamente para determinar que o patrimônio adquirido na constância de duas uniões fosse partilhado por três.

São diversas discussões que surgem na divisão do patrimônio, caso haja a dissolução das famílias simultâneas. Primeiramente, serão analisados o regime patrimonial adotado em cada união e o momento de aquisição dos bens e das dívidas, para, posteriormente, se promover a partilha de forma proporcional à quantidade de relações que existiram concomitantemente.

2.3 Partilha de bens nas uniões poliafetivas

A partilha de bens na dissolução de uma união poliafetiva é um tema bastante complexo e gera inúmeras discussões no meio jurídico.

Na união poliafetiva existe apenas um núcleo familiar, com diversos companheiros que se relacionam entre si, constituindo uma única família. Porém, quando se trata da divisão do patrimônio, algumas situações devem ser observadas.

O primeiro ponto a ser destacado é que o Conselho Nacional de Justiça, por maioria de votos, julgou procedente o pedido de providência n. 0001459-08.2016.2.00.0000, vedando que os Cartórios de Notas lavrem escritura pública de união estável entre três ou mais pessoas (BRASIL, 2018).

O CNJ entendeu que a união poliafetiva não configura entidade familiar, não sendo possível, portanto, lavrar escritura pública de união estável entre três ou mais pessoas (BRASIL, 2018).

Após a decisão do CNJ, surgiu a discussão sobre a validade dos contratos particulares que reconhecem a existência das uniões poliafetivas e regulamentam o regime de bens. Dois posicionamentos distintos surgiram sobre o tema.

O primeiro posicionamento defende que o pacto de convivência de união poliafetiva realizado por instrumento particular é nulo de pleno direito, pois, se não é permitido lavrar escritura pública, eventual contrato, que apresenta menos formalidades em sua celebração, também é proibido. Ademais, a decisão do CNJ foi expressa ao afirmar que a união estável entre três ou mais pessoas não configura entidade familiar, de modo que tanto as escrituras públicas como os contratos particulares não têm qualquer validade.

O segundo posicionamento defende que a vedação à lavratura de escritura pública de união poliafetiva deve ser interpretada restritivamente, não se estendendo aos contratos particulares. Como a decisão do CNJ não tem força de coisa julgada, nem efeito vinculante, nada impede que a justiça possa vir a reconhecer a união poliafetiva como entidade familiar e entender que o contrato particular é valido, principalmente no que pertine ao regime de bens.

O segundo entendimento se mostra mais adequado, pois o CNJ não tem natureza jurisdicional, já que suas atribuições se restringem ao controle da atuação administrativa e financeira do poder judiciário (BRASIL, 1988). Os efeitos da decisão atingem, apenas, os tabelionatos de notas, que estão proibidos de lavrar escrituras públicas de união estável entre três ou mais pessoas. A análise sobre a vedação ou reconhecimento da união poliafetiva como entidade familiar depende de pronunciamento judicial.

Enquanto não houver manifestação da justiça, a união poliafetiva, independentemente da decisão do CNJ, deve ser considerada família e, caso haja pacto de convivência celebrado por instrumento particular, a partilha do patrimônio em eventual dissolução da união seguirá o regime de bens previsto no contrato.

Caso não exista contrato regulamentando o regime de bens, prevalecerá o regime legal de comunhão parcial, previsto nos artigos 1.640 e 1.725 do Código Civil (BRASIL, 2002). Neste caso, sendo o patrimônio adquirido na constância da união, e não sendo os casos de incomunicabilidade, deve-se promover uma divisão proporcional à quantidade de companheiros que integram a relação.

Porém, caso um dos companheiros se enquadre nas situações previstas no artigo 1.641 do Código Civil, o regime de bens será o da separação obrigatória, independentemente da existência de pacto de convivência regulamentando o regime de bens (BRASIL, 2002), devendo-se, também neste caso, observar o disposto na Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 1964).

Outra discussão que surge é sobre a possibilidade de se estabelecer regime de bens distintos entre os companheiros que constituem uma união poliafetiva.

O melhor entendimento é de que na união poliafetiva deve haver somente um regime de bens, pois, como se trata de apenas um único núcleo familiar, em que há uma comunhão plena de vida, o regime patrimonial deve ser o mesmo para todos. Regimes de bens distintos seriam permitidos somente nas uniões simultâneas, em que existem núcleos familiares paralelos, e não nas uniões poliafetivas, em que há uma única família, com diversos companheiros.

São várias as discussões que existem sobre a partilha de bens no caso de dissolução de uma união poliafetiva. Deverá se levar em consideração o regime patrimonial adotado e o momento de aquisição dos bens e das dívidas, para se promover uma partilha de forma proporcional à quantidade de companheiros que integram a união.

2.4 Filiação na União Poliafetiva

A filiação na união poliafetiva é um ponto extremamente importante, que demanda uma reflexão cautelosa e um cuidado especial em sua abordagem.

A quebra de paradigma do conceito de família influenciou, significativamente, nos aspectos inerentes à filiação.

O afeto, elemento essencial na formação das entidades familiares, passou a influenciar de forma preponderante na configuração da parentalidade.

Com base na socioafetividade, tornou-se possível o reconhecimento da filiação, mesmo que não exista liame genético entre pais e filho.

Assim, caso duas pessoas tenham uma relação na qual se criem estreitos laços familiares, ao longo de uma convivência em que amor e afeto prevaleçam, pode restar caracterizada a filiação socioafetiva, ainda que não haja vínculo biológico entre elas.

Em um primeiro momento, entendeu-se que, configurada a filiação socioafetiva, o genitor biológico era excluído do registro de nascimento do filho, assemelhando-se, de certa maneira, ao procedimento de adoção, em que ocorrem a extinção do poder familiar e a exclusão dos pais sanguíneos.

Ocorre que vigora no sistema jurídico brasileiro o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, de modo que, coexistindo vínculos consanguíneos e afetivos, torna-se perfeitamente aplicável o instituto da multiparentalidade, permitindo que se registrem os pais socioafetivos, sem a necessária exclusão do genitor biológico.

A multiparentalidade “trata-se da possibilidade jurídica conferida ao genitor biológico e do genitor afetivo de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais” (ALMEIDA, 2012).

Seguindo este entendimento, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 898.060, reconheceu o instituto da multiparentalidade, permitindo a existência conjunta de mães e pais, biológicos e socioafetivos, registrados na certidão de nascimento de um único filho (BRASIL, 2016).

Após o STF aplicar o instituto da multiparentalidade, o debate passou a ser sobre a possibilidade de se reconhecer a filiação socioafetiva diretamente no Cartório de Registro Civil, sem a necessidade de passar pelo crivo do judiciário.

Quem defendia a possibilidade de se promoverem o reconhecimento e registro da filiação socioafetiva diretamente no Cartório de Registro Civil, buscava a desburocratização do procedimento, pois havendo consenso entre os envolvidos, não haveria a necessidade de se promover uma ação judicial para obter uma tutela em que sequer há litígio.

Por outro lado, quem defendia que o reconhecimento da filiação socioafetiva tinha de ser feito pela via judicial, independentemente da existência de consenso entre as partes, tinha a intenção de resguardar os direito e interesses dos filhos, pois a alteração do registro de nascimento acarreta inúmeras consequências jurídicas.

Para pôr fim à discussão, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento 63 permitindo, expressamente, o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva, de pessoa de qualquer idade, perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais (BRASIL, 2017).

Com o Provimento 63, passou a ser possível o reconhecimento consensual da filiação socioafetiva, independentemente da idade do filho, diretamente no cartório, sem ter de acessar o Poder Judiciário. A partir daí a discussão passou a ser sobre a possibilidade de se registrar mais de um ascendente socioafetivo diretamente no Cartório de Registro Civil.

O Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento 83, permitindo o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva diretamente no registro civil, de pessoas acima de doze anos de idade, a somente um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno, seja do lado materno. O Provimento estabeleceu, também, que a inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via judicial (BRASIL, 2019).

Portanto, com o Provimento 83 do CNJ, o reconhecimento de uma mãe ou um pai socioafetivo, pode ser feito diretamente no Cartório de Registro Civil, desde que o filho conte com mais de doze anos de idade. Porém, o reconhecimento de duas mães ou dois pais ou um pai e uma mãe socioafetivos deverá ser feito na justiça. Também deve ser feito perante a justiça o reconhecimento voluntário de um pai ou de uma mãe socioafetivo, caso o filho tenha menos de 12 anos de idade.

Os provimentos do CNJ repercutem diretamente na filiação advinda de uma família poliafetiva, principalmente se restar configurada a multiparentalidade. Isso porque pode restar caracterizada a parentalidade socioafetiva entre alguns membros da união e os filhos biológicos de seus companheiros. A possibilidade de se efetuar o registro diretamente no cartório dependerá de algumas situações.

Caso um núcleo poliafetivo envolva três pessoas, sendo que duas delas têm um filho biológico em comum, que conte com mais de doze anos de idade, pretendendo-se reconhecer a filiação socioafetiva do outro companheiro, poderá se valer da via administrativa e promover o reconhecimento e registro diretamente no cartório.

Por outro lado, caso a união poliafetiva envolva quatro ou mais pessoas, sendo que duas delas têm um filho biológico em comum, pretendendo-se reconhecer a filiação socioafetiva dos demais companheiros, necessariamente tem de acessar a via judicial para pleitear o reconhecimento e o respectivo registro. Também será realizado na justiça o reconhecimento dos filhos menores de doze anos de idade, independentemente da quantidade de pais e mães que buscam reconhecer a filiação socioafetiva

Portanto, na família poliafetiva, dependerá da idade do filho e da quantidade de companheiros que se pretenda o reconhecimento da filiação socioafetiva, para ver se o procedimento será realizado perante o Cartório de Registro Civil ou se terá de se acessar a justiça.

Outro debate que surge ao se tratar da filiação em uma união poliafetiva é a aplicação da teoria tridimensional da paternidade, que prevê a “possibilidade de se existirem até três vínculos filiatórios, sendo o biológico decorrente da ancestralidade, o afetivo, que pressupõe a convivência, e um ontológico, onde existe uma pessoa que sirva de modelo ou exemplo” (JULIANI, 2013).

Essa é a concepção inicial da teoria tridimensional do direito de família, na qual se assevera que o humano habita, ao mesmo tempo, os mundos genético, afetivo e ontológico, de modo que a interpretação do direito de família apenas pelo modo genético normatizado é prova de que a igualdade material não passa de uma abstração (JULIANI, 2013).

Na filiação socioafetiva, devem estar presentes o afeto e amor e, ainda que não haja vínculo consanguíneo, a parentalidade pode restar configurada. Já na filiação ontológica, se faz necessário a presença de elementos como admiração e enaltecimento do filho perante o pai, para a configuração da filiação.

Nos casos da união poliafetiva, tornam-se perfeitamente aplicáveis o instituto da multiparentalidade e a teoria tridimensional da paternidade, sendo que um filho biológico de um dos membros da união também pode ser filho socioafetivo dos demais, ou criar um vínculo ontológico com algum dos participantes da relação.

Estando presentes os requisitos necessários, um único filho poderá ter diversos pais e mães, de acordo com a quantidade de membros que participarão da união.

Como consequência, havendo a dissolução de uma família poliafetiva, serão analisadas várias situações como guarda, visitas e alimentos, com o objetivo de zelar e resguardar o melhor interesse dos filhos menores.

2.4.1 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

A proteção dos direitos e dos interesses dos menores ganhou força com a Constituição da República de 1988 e com a Lei n. 8.069/90, conhecida como o Estatuto da Criança e do Adolescente. A CR e o ECA trouxeram uma nova visão sobre a proteção jurídica destinada às crianças e aos adolescentes.

O artigo 227 da Constituição da República estabelece ser dever da família assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer e à dignidade do menor, sem qualquer forma de preconceito ou discriminação (BRASIL, 1988).

O artigo 3º, da Lei n. 8.069/90, estabelece que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, de modo a resguardar a dignidade do menor, em qualquer tipo de situação (BRASIL, 1990).

Com o advento da Constituição da República e, posteriormente, com a entrada em vigor da Lei n. 8.069/90, as crianças e os adolescentes passaram a ser resguardados pela doutrina da proteção integral, aplicando-se os princípios da prioridade absoluta e o melhor interesse do menor (BRASIL, 1990).

Portanto, em todas as decisões que digam respeito às crianças e aos adolescentes, devem-se assegurar a prioridade absoluta e o melhor interesse dos menores, colocando-lhes a salvo de toda e qualquer situação de risco.

Nos casos de dissolução de uma família poliafetiva, em que pode haver pluralidade de pais e mães, devem ser resguardados e assegurados os direitos e interesses dos filhos menores, evitando, na medida do possível, os prejuízos decorrentes da extinção da união.

Assim, faz-se necessário analisar qual a melhor forma para se fixar os alimentos, definir a guarda e regulamentar as visitas, nos casos de dissolução de uma família poliafetiva.

2.4.2 Guarda dos filhos na dissolução da união poliafetiva

Havendo a dissolução de uma união poliafetiva, em que haja pluralidade de pais e mães, deve ser analisada a melhor forma para se fixar a guarda dos filhos menores.

Primeiramente, cumpre esclarecer que a Lei n. 13.058/2014 (BRASIL, 2014) alterou o § 2º, do art. 1.584 do Código Civil, passando a estabelecer que, quando não houver acordo entre os pais quanto à guarda do filho e estando ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada (BRASIL, 2002).

A alteração legislativa levou em consideração o fato de a guarda compartilhada auxiliar na construção da maturidade psicológica do filho, na medida em que estabelece um exercício bilateral e conjunto da guarda, num parâmetro civilizado de corresponsabilização, evitando, com isso, os efeitos nocivos da alienação parental (FARIAS, ROSENVALD, 2009).

A guarda compartilhada gera a responsabilização conjunta e o exercício concomitante do poder familiar pelos pais que não vivam sob o mesmo teto, havendo uma divisão equilibrada das tarefas do filho menor entre seus genitores.

No caso de dissolução de uma união poliafetiva em que restou configurada a multiparentalidade, caso seja fixada a guarda compartilhada, haverá uma corresponsabilização entre os pais biológicos e socioafetivos pela criação e educação dos filhos menores e uma divisão detalhada das atividades que cada genitor executará.

Não é um requisito necessário estabelecer um domicílio fixo do menor, pois a alternância de residência pode ser uma consequência da fixação da guarda compartilhada.

A guarda compartilhada não impõe a fixação da residência do filho a um lar específico, mas, também, não diz que a base de moradia precisa ser atribuída a somente um dos genitores. Estabelece, apenas, que a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atende aos seus interesses. Ao falar em cidade, parece pressupor que os pais residem em localidades distintas, fato que não impede o regime de compartilhamento, pois a tecnologia autoriza uma proximidade tão grande que, mesmo residindo em países distantes, podem os pais exercer a guarda compartilhada (DIAS, 2018).

Ocorre que a alternância de residência de um filho advindo de uma união poliafetiva pode ser prejudicial ao seu melhor desenvolvimento, por não haver uma referência de lar.

Como na união poliafetiva pode haver pluralidade de pais e mães, uma vez dissolvida em sua totalidade, cada genitor passará a residir em locais distintos, fazendo com que o filho passe a ter diversos domicílios.

Assim, no caso de dissolução de uma união poliafetiva, sem prejuízo da guarda compartilhada, é aconselhável estabelecer uma única residência fixa para o menor, com alternância de tarefas entre os pais biológicos e socioafetivos.

Para que seja possível o exercício da guarda compartilhada após a extinção de uma família poliafetiva, deve haver um bom relacionamento entre todos os genitores, pois havendo desentendimento ou discordância na execução das tarefas por um dos pais, torna-se inviável o compartilhamento da guarda.

A guarda compartilhada se diferencia da guarda alternada, em que o pai e a mãe revezam períodos exclusivos na companhia do menor, cabendo ao outro o direito de visitas.

Na guarda compartilhada há o compartilhamento tanto da guarda jurídica como da material, de modo que as decisões que envolvam os filhos deverão ser tomadas de forma conjunta pelos genitores, mas também o tempo de convivência com os filhos será dividido de forma equilibrada, o que não corresponde a uma divisão igualitária. Na guarda alternada, por sua vez, há uma alternância entre os genitores do exercício exclusivo da guarda jurídica e material, de modo que, enquanto a criança estiver em companhia de um dos genitores, caberá a este tomar as decisões de interesse dos filhos. Justamente por retirar a autoridade parental de um dos genitores, que este modelo não é compatível com o direito brasileiro, por força do art. 1.634 do Código Civil (PEREIRA, 2017).

Se a guarda alternada não é recomendável nos casos de dissolução de uma união a dois, por retirar a autoridade parental de um dos genitores, também não será na extinção de uma união poliafetiva que poderá haver diversos pais, dificultando o exercício do poder familiar por aqueles não estão na companhia do menor.

Outra modalidade de guarda possível, típica dos países europeus, é o aninhamento ou nidação, na qual o menor continuará residindo no mesmo domicílio em que vinha sendo criado, cabendo aos pais revezarem a companhia. Esta modalidade de guarda tem como objetivo evitar que a criança sofra dano em razão da disputa da custódia, ao abandonar o meio em que vive (FARIAS, ROSENVALD, 2009).

A guarda por aninhamento também sofre críticas, pois a alternância da companhia dos pais pode ser prejudicial à formação do filho, na medida em que não há uma autoridade constantemente presente na vida do menor.

Não sendo recomendada a guarda alternada ou por aninhamento, e caso não seja possível fixar a guarda compartilhada, havendo dissolução de uma família poliafetiva em que haja diversos pais e mães, deve ser estabelecida a guarda unilateral para apenas um dos genitores e regulamentado o direito de visitas para os demais.

Na guarda unilateral, o filho menor ficará na companhia exclusiva de apenas um genitor, cabendo ao outro exercer o direito de visitas, na forma regulamentada.

O direito de visitação tem por finalidade manter o relacionamento do menor com o genitor não detentor da guarda, de modo a respeitar a convivência familiar e o melhor interesse do filho.

A visitação deve ser regulamente cumprida na forma estabelecida e, em caso de descumprimento injustificado, o genitor detentor da guarda pode ser condenado ao pagamento de sanção pecuniária.

Seguindo este entendimento, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.481.531/SP, entendeu pela aplicação de “astreinte” na hipótese de descumprimento do regime de visitas por parte detentor da guarda da criança, assegurando, assim, a convivência do menor com o genitor não guardião (BRASIL, 2017).

Na dissolução de uma união poliafetiva em que esteja configurada a multiparentalidade, caso seja fixado a guarda unilateral para apenas um dos genitores, deve ser regulamentado detalhadamente o direito de visita para os demais, constando expressamente em quais dias e horários os pais que não detêm a guarda terão acesso aos filhos.

Neste caso, pelo fato de o direito de visitas envolver vários pais, havendo o descumprimento da visitação previamente regulamentada, é recomendável a fixação de “astreinte” para coibir práticas abusivas pelo detentor da guarda unilateral.

Portanto, há várias maneiras de se estabelecer a guarda nos casos de dissolução de uma família poliafetiva, em que haja pluralidade de pais biológicos e socioafetivos, devendo ser analisadas as particularidades do caso concreto, para que não haja prejuízos para os filhos menores.

2.4.3 Alimentos dos filhos na dissolução da união poliafetiva

Um ponto de suma importância, que demanda uma análise cuidadosa, é a obrigação alimentar dos pais perante os filhos, nos casos de extinção de uma união poliafetiva.

O artigo 1.694 do Código Civil prevê a possibilidade de os parentes pedirem alimentos uns aos outros, de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação (BRASIL, 2002).

A obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos é um corolário do poder familiar, já que os genitores têm a obrigação de sustentar os filhos menores, mesmo após a extinção do casamento ou a dissolução de uma união estável.

No caso de dissolução de uma união poliafetiva em que restou configurada a multiparentalidade, sendo estabelecida a guarda compartilhada ou unilateral, deve ser fixado um valor que será pago a título de pensão alimentícia pelos pais biológicos e socioafetivos.

O § 1º, do artigo 1.694, do Código Civil, estabelece que “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada” (BRASIL, 2002), obedecendo, assim, o trinômio necessidade x possibilidade x proporcionalidade.

Os alimentos visam dar um auxílio material para quem não tem condições de suportar as despesas do próprio sustento, resguardando, assim, a dignidade dos mais necessitados economicamente.

Havendo dissolução de uma união poliafetiva, em que coexistem pais biológicos e socioafetivos, deverão ser rateados os alimentos devidos ao filho menor proporcionalmente a quantidade de genitores que contribuirão para o pagamento da pensão alimentícia na proporção dos seus respectivos rendimentos.

Deve ser analisada ainda a real necessidade econômica do menor, de acordo com as peculiaridades e circunstâncias do caso, evitando, assim, que os alimentos ultrapassem a quantia necessária para a subsistência do filho

Na determinação do valor da pensão alimentícia, há de se levar em conta as condições sociais da pessoa que tem direito aos alimentos, sua idade, saúde e outras circunstâncias particulares de tempo e lugar que influenciam na própria medida (CAHALI, 2006, p. 518).

Os alimentos podem ser divididos em naturais ou cíveis, a depender de sua natureza e de sua finalidade.

Carlos Roberto Gonçalves ensina que “os alimentos naturais ou necessários restringem-se ao indispensável à satisfação das necessidades primárias da vida” (GONÇALVES, 2014, p. 337).

Já os alimentos cíveis têm por objetivo “a manutenção do status quo ante, ou seja, a condição anterior da pessoa, tendo um conteúdo mais amplo” (TARTUCE, 2016, p. 1.462).

Em relação à forma de pagamento, os alimentos podem ser fixados em espécie, em que deve ser paga todo mês uma quantia específica, que ficará sob a administração do detentor da guarda, ou in natura, em que se pagará diretamente na fonte da despesa, como forma de evitar a malversação da pensão alimentícia paga em valor pecuniário.

Em se tratando de filhos advindos de uma união poliafetiva, quando houver pluralidade de pais e mães, é aconselhável que os alimentos sejam fixados em espécie, pois o pagamento diretamente na fonte da despesa pode gerar conflitos entre os genitores, o que, obviamente, prejudicará os interesses do menor.

Outro ponto que merece destaque é o instituto da paternidade alimentar, trazendo a possibilidade excepcional de condenação do genitor biológico, ainda que tenha sido excluído do registro de nascimento, em prestar alimentos ao filho, caso o pai socioafetivo não possa pagar.

É de todo defensável a possibilidade de serem reivindicados alimentos do progenitor biológico, diante da impossibilidade econômico-financeira do genitor socioafetivo, que não está em condições de atender satisfatoriamente a real necessidade alimentar do filho que acolheu por afeição, já que o pai socioafetivo tem amor, mas não tem dinheiro (MADALENO, 2019).

Na união poliafetiva, na qual em um único núcleo familiar podem coexistir pais biológicos e socioafetivos, a paternidade alimentar também gera reflexos, pois caso seja dissolvida a união e um dos genitores não tenha condições de arcar com a pensão alimentícia, o filho poderá pleitear alimentos somente daqueles pais com capacidade financeira para suportá-los.

Portanto, há várias formas e possibilidades de se fixarem alimentos para os filhos menores, no caso de dissolução de uma união poliafetiva, em que restou configurada a multiparentalidade. O filho menor, necessitado economicamente, será beneficiado, pois, a princípio, haverá responsabilidade de todos os genitores, não detentores da guarda, no pagamento da pensão alimentícia.

 3 – CONCLUSÃO

Como visto, o poliamor deve ser interpretado como gênero, sendo as uniões simultâneas e poliafetivas, suas espécies.

A dissolução de uma família pautada no poliamor gera inúmeros reflexos no Direito de Família, especialmente na partilha de bens e na filiação, em que se discute guarda, alimentos e regulamentação das visitas.

Em relação ao regime de bens, o melhor entendimento é de que nas uniões simultâneas pode-se adotar regimes distintos, pois estamos diante de mais de uma união, em que um dos participantes está presente em todas elas, com o consentimento dos demais. Já na união poliafetiva, deve-se adotar um regime de bens único, pois existe uma só união, com diversos participantes que se relacionam entre si, onde há, necessariamente, comunhão plena de vida.

No que se refere a filiação, no caso da dissolução de uma união poliafetiva, especialmente quando se configurar a multiparentalidade, deve-se levar em consideração o princípio do melhor interesse da criança e adolescente, para se fixar a guarda, estabelecer a pensão alimentícia e regulamentar o direito de visitas do filho menor.