IMPEDIMENTOS E SUSPEIÇÃO DO MAGISTRADO
Elpídio Donizetti
Impedimentos e Suspeição
O juiz tem o dever de oferecer garantia de imparcialidade aos litigantes. Não basta ao juiz ser imparcial, é preciso que as partes não tenham dúvida dessa imparcialidade.
A lei especifica os motivos que podem afastar o juiz da demanda, espontaneamente ou por ato das partes. São de duas ordens: os impedimentos (art. 144, CPC/2015), de cunho objetivo, peremptório, e a suspeição (art. 145, CPC/2015), cujo reconhecimento, se não declarado de ofício pelo juiz, demanda prova.
Os impedimentos taxativamente obstaculizam o exercício da jurisdição contenciosa ou voluntária, podendo ser arguidos no processo a qualquer tempo, com reflexos, inclusive, na coisa julgada, vez que, mesmo após o trânsito em julgado da sentença, pode a parte prejudicada rescindir a decisão (art. 966, II, CPC/2015). Por ser o não impedimento requisito de validade subjetivo do processo em relação ao juiz, ele se consubstancia em autêntica questão de ordem pública, cognoscível em qualquer tempo ou grau de jurisdição. A suspeição, embora constitua pressuposto processual de validade, se não arguida no momento oportuno, é envolvida pela coisa julgada.
Além disso, no impedimento há presunção absoluta de parcialidade do magistrado, enquanto na suspeição a presunção é relativa, admitindo-se prova em sentido contrário.
Segundo o art. 144, CPC/2015 o juiz é impedido de atuar nos seguintes processos (de jurisdição contenciosa ou voluntária):
I – em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha;
II – de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;
III – quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;
IV – quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;
V – quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo;
VI – quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes;
VII – em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços;
VIII – em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;
IX – quando promover ação contra a parte ou seu advogado.
Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando as pessoas ali mencionadas (advogado, membro do Ministério Público ou da Defensoria) já integravam a causa quando o juiz tomou conhecimento do processo. A lei coíbe a mudança de advogado com o intuito de provocar o impedimento do juiz (art. 144, § 2º, CPC/2015
Uma das novidades trazidas pelo CPC/2015 é que a regra de impedimento relacionada ao inciso III, mais precisamente ao parentesco do juiz com o advogado da parte, estende-se ao membro do escritório de advocacia que tenha em seus quadros parentes do juiz, independentemente destes não terem relação diretamente na causa. Exemplo: se a esposa do juiz é advogada do escritório ABC Advocacia, no qual o Dr. Fulano também atua, se a causa estiver sendo patrocinada por este, o juiz será considerado impedido.
A extensão deste impedimento também foi aplicada aos casos em que a parte não somente é assistida juridicamente pelo cônjuge, companheiro ou parente do juiz, mas também quando ela figurar como cliente do escritório de advocacia em que tais pessoas sejam integrantes (art. 144, VIII, CPC/2015).
Outra novidade é o dispositivo que trata do impedimento quando a parte que figura no processo é instituição de ensino com a qual o juiz mantém relação de emprego ou vínculo decorrente de contrato de prestação de serviços. Como se sabe, o juiz pode acumular cargos públicos na hipótese do inciso XVI, b, do art. 37 da Constituição Federal. Essa acumulação vale para instituições públicas de ensino, não existindo qualquer limitação de acumulação quanto à prestação de serviços em instituições privadas. Em todo o caso, sendo o juiz empregado ou prestador de serviços de instituição de ensino pública ou privada, as ações em que estas figurarem como partes terão que ser submetidas ao seu sucessor.
Por fim, importa lembrar, especialmente para as provas de concursos, que a hipótese do inciso VI (quando o juiz for herdeiro, donatário ou empregador de qualquer das partes[1]) é tratada pelo CPC/73 como causa de suspeição. A mudança tem fundamento, pois nessas hipóteses dificilmente a condição do magistrado não influencia a condução do processo.
Quanto à suspeição, ela será verificada quando o juiz:
I – for amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;
II – receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
III – quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;
IV – interessado no julgamento de causa em favor de qualquer das partes.
Afora os motivos elencados no art. 145, CPC/2015, pode o juiz declarar-se suspeito por questão de foro íntimo, não estando, nessa hipótese, obrigado a explicitar a causa da suspeição (art. 145, § 1º, CPC/2015).
Os casos de impedimento ou suspeição aplicam-se a todos os magistrados (juízes, desembargadores, ministros).
O Código contempla uma hipótese especial de impedimento, que pode se dar tanto em primeiro como em segundo grau. Quando dois ou mais juízes forem parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até terceiro grau, o primeiro que conhecer da causa impede que o outro atue no processo, caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal (art. 147/CPC/2015; art. 136/CPC73).
Os motivos de impedimento e suspeição aplicam-se ao Ministério Público, aos auxiliares da justiça e aos demais sujeitos imparciais do processo (como o perito e o intérprete) (art. 148, CPC/2015).
1.1 Recusa dos impedidos ou suspeitos
Não havendo declaração de impedimento ou suspeição por parte dos impedidos ou suspeitos (juiz, órgão do Ministério Público, escrivão, perito e qualquer outro agente cuja atuação deva ser imparcial), eles poderão ser recusados por qualquer das partes.
Essa recusa é manifestada das seguintes formas:
– se o impedimento ou suspeição for do magistrado: a parte deverá alegar no prazo de 15 (quinze) dias a contar do conhecimento do fato, em petição fundamentada, que pode ser instruída de documentos e rol de testemunhas (art. 146, caput, CPC/2015). Com relação ao impedimento, embora a norma “determine” que seja suscitado no prazo de quinze dias, não há preclusão, de forma que pode ser argüido em qualquer tempo, inclusive na fase recursal; passado o prazo para recurso, pode constituir causa para ajuizamento de ação rescisória;
– se o impedimento ou suspeição for dos demais agentes previstos no art. 148, CPC/2015: a parte deve se manifestar na primeira oportunidade que lhe couber falar nos autos.
Tratando-se de impedimento do juiz, se depois de recebida a petição este não reconhecer o impedimento ou a suspeição, deverá remeter os autos imediatamente ao seu substituto legal (art. 146, § 1º, CPC/2015). Caso contrário, determinará a autuação do incidente em apartado e, no prazo de quinze dias, dará as suas razões, acompanhadas ou não de documentos e rol de testemunhas. Posteriormente, remeterá o processo ao tribunal, ficando o relator incumbido de declarar os efeitos (suspensivo ou não) em que o incidente é recebido.
Se o incidente for recebido com efeito suspensivo, o processo permanecerá suspenso até o seu julgamento, mas os pedidos de tutelas de urgência poderão ser requeridos ao substituto legal (art. 146, § 3º, CPC/2015). Assim, se estiver presente uma situação de risco e a demora na prestação jurisdicional puder acarretar dano irreparável ou de difícil reparação, a parte pode pleitear a concessão da tutela de urgência ao juiz designado pela norma de organização judiciária para substituir o magistrado impedido ou suspeito.
Ressalte-se, no entanto, que os demais atos urgentes não podem ser realizados enquanto o processo estiver suspenso em razão da arguição de parcialidade, nos termos do art. 314, CPC/2015.
Verificando que a alegação de impedimento ou de suspeição é improcedente, o tribunal rejeitá-la-á. Acolhida a alegação, tratando-se de impedimento ou de manifesta suspeição, condenará o juiz nas custas e remeterá os autos ao seu substituto legal. Neste caso, pode o juiz recorrer da decisão (art. 146, § 4º, CPC/2015).
O procedimento adotado para demais casos de impedimento e de suspeição (art. 148, CPC/2015)é um pouco diferente, porquanto não se suspende o processo e o incidente é julgado pelo juiz da causa ou pelo relator, caso o processo encontre-se no tribunal. Nesses casos – impedimento ou suspeição dos auxiliares ou membros do Ministério Público – ainda será possível a interposição de agravo de instrumento em face da decisão que julgar o incidente (art. 148, § 2º, CPC/2015).
Por fim, esclarece-se que a arguição de impedimento ou de suspeição de testemunha não segue o procedimento visto. Nas hipóteses em que a parte quiser contraditar a testemunha, deverá fazê-la antes do início do depoimento (art. 457, § 1º, CPC/2015), e não em petição apartada.
[1] Herdeiro presuntivo é aquele que presumivelmente herdará quer em razão de sucessão legítima, quer na sucessão testamentária. Donatário é aquele beneficiado por um ato de liberalidade, por uma doação de coisa ou de direito.