GRUPO EMPRESARIAL. AÇÃO PENAL FISCAL. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. ANTECIPAÇÃO DO FATO GERADOR. RESPONSABILIDADE
Ives Gandra da Silva Martins
Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
Parte I – Consulta
Formula-nos, o eminente colega Dr. Daniel Bialski, advogado do grupo consulente, para mim e para o Professor Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, a seguinte consulta:
“Fomos constituídos pelo proprietário do grupo consulente para defender os seus interesses em procedimento investigatório criminal conduzido pelo Ministério Público Estadual, o qual visa apurar a suposta prática de delito contra a ordem tributária e outras modalidades criminosas dele decorrentes.
A investigação ministerial afirma, em suma, que o proprietário e o seu grupo econômico – cuja atuação precípua está relacionada ao ramo de venda no varejo bem assim aquisição e revenda de produtos no atacado (seja para abastecimento da sua rede varejista, seja para venda a terceiros) – teriam supostamente constituído empresas distribuidoras de ‘fachada’, as quais, uma vez estabelecidas no Estado de São Paulo, adquiram produtos de uma distribuidora localizada no Estado de Goiás, e, à vista da inexistência de convênio com o governo paulista, não seria recolhido o ICMS na modalidade ‘substituição tributária’.
Posteriormente, sendo referidas distribuidoras os substitutos tributários, as mesmas teriam simulado a revenda dos produtos à rede varejista do Grupo apondo nas notas fiscais de saída o código ‘CST 060’, indicando, de maneira fraudulenta, que o imposto teria sido recolhido na origem da operação, o que, segundo o Ministério Público, não ocorreu.
Cumpre assinalar que referidas distribuidoras jamais pertenceram ao proprietário ou a qualquer empresa de seu grupo econômico. Insta registrar ainda que todas as operações de compra de medicamentos realizadas pelo grupo com as distribuidoras o foram atendendo todas prescrições previstas na legislação tributária, inexistindo, cite-se, fiscalização ou procedimento administrativo-fiscal instaurado contra o grupo.
Pondere-se mais que diante desses fatos foi instaurada sindicância no âmbito do grupo para apurar internamente os elementos suscitados na investigação ministerial, a qual, apesar de ainda se encontrar em andamento, confirma a regularidade de sua atuação, em especial a ausência de vínculo entre o grupo e as distribuidoras.
De qualquer maneira, o Parquet aparentemente busca responsabilizar o proprietário e seu grupo econômico, pois, em seu entendimento, apesar de o grupo ser o substituído tributário (substituição tributária progressiva), recairia sobre eles a responsabilidade tributária sob o vértice supletivo.
Formulamos, por essas razões, as seguintes indagações:
1) No regime de substituição tributária progressiva, quais são os papéis desempenhados, na relação jurídica tributária, pelo substituto e pelo substituído?
2) Em nosso sistema tributário, sob o aspecto da sujeição passiva, que papel desempenham as distribuidoras e as revendedoras de medicamentos?
3) Na hipótese de substituição tributária progressiva do ICMS, caso este não seja recolhido, pode o Fisco atribuir responsabilidade supletiva ao substituído em ordem a obrigá-lo ao seu pagamento?
4) Diante desse mesmo quadro, é possível responsabilizar o substituído por eventuais infrações cometidas pelo substituto, aplicando-lhe multas administrativas de caráter sancionador?
5) Ainda em tal hipótese, seria possível responsabilizar penalmente o substituído por eventuais irregularidades praticadas pelo substituto?
6) Na linha da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal, mesmo sem existir qualquer fiscalização e/ou procedimento administrativo-fiscal por parte da Sefaz hábil a indicar infração tributária praticada pelo grupo, é possível falar em lançamento definitivo do tributo e ocorrência de crime contra a ordem tributária?“
RESPOSTA
Responderemos de acordo com a nossa especialidade, eu a parte tributária e constitucional e o Professor Antonio Cláudio Mariz de Oliveira a parte penal.
Começo pela parte tributária.
Participei das duas Comissões criadas pelo Senado Federal em 2012 e 2015 em busca de uma solução para a denominada “guerra fiscal do ICMS“.
Na primeira, constituída de 13 membros, foram apresentados 12 anteprojetos de emendas constitucionais, leis complementares, ordinárias e resoluções do Senado, que poderiam, se examinadas pelo Congresso Nacional, já, de há muito, ter terminado com o crucial problema em que quase todas as unidades da Federação estão envolvidas, com o não cumprimento da Lei Complementar nº 24/75, inclusive o próprio Estado de São Paulo [1].
Objetivando atalhar a prática predominantemente de outros Estados, ofertei pro bono, para o Governo do Estado de São Paulo, parecer publicado em diversas revistas especializadas e em livro de minha autoria e de Paulo de Barros Carvalho com o título Guerra Fiscal: Reflexões sobre a Concessão de Benefícios no Âmbito do ICMS, em que mostrava a necessidade de uma solução, mas valorizando a Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pelo legislador supremo de 1988 [2]. Paulo de Barros Carvalho defendeu, naquela obra, a tese contrária, justificando toda a legislação produzida por outros Estados, inclusive pelo Estado de Goiás, que concediam incentivos fiscais independentemente da autorização do Confaz, embora a concessão de estímulos dependa da anuência da unanimidade dos Estados [3].
Em palestra que proferi com o Ministro Gilmar Mendes – autor da proposta de Súmula do STF (nº 69), não aprovada pela Suprema Corte até hoje -, e com o Senador Ricardo Ferraço, defensor das leis estaduais concessivas de estímulos sem necessidade de respeito à Lei Complementar nº 24/75, percebeu-se que, apesar da ampla negociação entre as unidades federativas, o problema permanecia, sendo que todos os três palestrantes apresentaram propostas de solução, não adotadas nem pelo STF (Gilmar) nem pelo Senado (Ives e Ferraço, ambos com propostas diversas) [4]–[5].
O problema remanesce até hoje. A própria solução que se pretendeu alcançar na 1ª Comissão – a segunda não chegou ainda a formular uma solução – para regularizar os incentivos passados, não foi sequer discutida pelo Senado. Consistia em atribuir aos incentivos existentes uma carência máxima de oito anos, com concessão de novos incentivos, por também, no máximo, oito anos, somente para indústrias instaladas em Estados com renda per capita média abaixo da renda per capita nacional, desde que houvesse uma alíquota mínima de 4{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, hipótese em que a concessão poderia ser dada com a aprovação de 2/3 das unidades federativas [6].
Assim, a guerra fiscal é uma realidade, sendo que o Estado de São Paulo tem aplicado a Lei Complementar nº 24/75 às mercadorias chegadas de outros Estados aos estabelecimentos paulistas que as recebem, desde que se trate de produtos estimulados na origem, mas sem a aprovação do Confaz.
Ora, a Lei Complementar nº 24/75 atinge diretamente o adquirente da mercadoria, o que vale dizer, cabe a este discutir a legitimidade ou não da exigência, e não aos futuros adquirentes da mercadoria, que, ao adquirirem-na de boa-fé, não têm qualquer responsabilidade [7].
Em termos diversos: a denominada substituição tributária, possível, pelo art. 150, § 7º, que admite a exigência do tributo antecipado, ou seja, antes da ocorrência do fato gerador – ainda inexistente, portanto – só é possível se expressamente prevista na legislação. Jamais é possível atribuir, por presunção, ao adquirente do produto, sem previsão legal, visto que ele desconhece como o substituto irá comportar-se perante o Fisco, pois, na prática, paga o preço acreditando que o tributo foi recolhido. É exclusivamente sua a responsabilidade pelo tributo [8].
Embora no passado tenha-se discutido tal responsabilidade, a doutrina opõe-se à violência de ficar o contribuinte adquirente da mercadoria responsável pelo tributo devido, em face da eventual inadimplência fiscal de estabelecimento vendedor desde que se encontre em plena atividade mercantil e autorizado, pela Secretária da Fazenda, mediante inscrição estadual em vigor, a praticar atos de mercancia. É que, não ao adquirente, mas à Secretaria da Fazenda, cabe fiscalizar o estabelecimento vendedor, e, não havendo irregularidades na documentação que acompanha a operação e no funcionamento do estabelecimento vendedor, a responsabilidade pelo não pagamento do tributo é, exclusivamente, deste; não do adquirente [9].
No caso concreto, pela explicação dada pelo colega consulente, não só o estabelecimento adquirente não tinha qualquer ligação com os distribuidores de produtos que os adquiriam do Estado de Goiás, como nunca foi autuado, nada obstante ter agora notícia que os estabelecimentos vendedores o foram, em decorrência do prolongamento da insolúvel guerra fiscal que não será solucionada, a não ser quando os Estados realmente estiverem decididos a fazê-lo. Na verdade, todos os Estados praticam-na, até mesmo, embora em reduzida escala, o Estado de São Paulo, conforme os elementos levados à Comissão do Senado (2012), mostrando a prática, sem exceção, em todas as unidades da Federação, do deletério embate, na Federação [10].
Em uma das audiências públicas de que participei, na Câmara dos Deputados, disse que, se quisessem, os Senhores Deputados, encerrar de vez a guerra fiscal, seria suficiente aprovar uma lei com apenas dois artigos. Perante a curiosidade dos parlamentares, expliquei: o primeiro artigo instituiria uma alíquota única para todo o território nacional e o segundo artigo proibiria que o ICMS fosse objeto de qualquer espécie de estímulo fiscal. Todos os deputados contestaram a proposta, o que me levou a comentar que voltaria ao Parlamento quantas vezes os senhores deputados desejassem, mas a única certeza que tinha era de que não queriam terminar com a guerra fiscal. Tal episódio ocorreu quando da discussão da EC nº 42/03, isto é, no distante ano de 2003!!!
Ora, o insolúvel problema, à evidência, tem levado São Paulo a lavrar autos de infração, mas, no caso, por força de Lei Complementar nº 24/75, sobre os estabelecimentos adquirentes de produtos de outros Estados; jamais sobre terceiros adquirentes destes estabelecimentos, em face da mansa jurisprudência do STJ e do STF a respeito. É de se lembrar que o próprio RICMS, no art. 267, inciso II, não respaldado pelo STF no concernente a responsabilidade supletiva, tem sido afastado no TIT [11].
Desta forma, não havendo qualquer ligação entre a consulente e as distribuidoras paulistas das quais adquiriu seus produtos, a única responsabilidade é destas distribuidoras, até mesmo pelo princípio da instransferibilidade da responsabilidade tributária, apenas possível nas hipóteses dos arts. 132 a 135 do CTN, que, no caso, inocorreram.
Por esta razão, não foi a consulente autuada, não sendo, pois, possível configurar-se delito penal sem que haja delito fiscal, por força da Lei nº 8.137/90 [12].
Deixarei a análise da Súmula nº 24 do STF para o Professor Antonio Cláudio Mariz de Oliveira.
Passo, agora, a enfrentar o 2º tema da substituição tributária para a frente.
De início, contestei o § 7º do art. 150 da CF, cuja dicção segue abaixo:
“§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)“
Entendia que se o princípio da estrita legalidade era aquele que regia o direito tributário sendo cláusula pétrea por força do disposto na enunciação do art. 150 e no inciso IV do § 4º do art. 60 da CF, ambos assim redigidos:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios [13]:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”
“Art. 60. (…)
- 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(…)
IV – os direitos e garantias individuais“,
Não poderia haver incidência de tributo sem fato gerador.
Fui mais longe, sustentando que, por entender representar a substituição progressiva um alargamento da imposição tributária, não poderia constar da seção dedicada às “Limitações Constitucionais ao poder de tributar” [14].
Geraldo Ataliba, Aires Fernandino Barreto foram na mesma linha, sendo nossa opinião superada pelo Supremo Tribunal Federal, por questão de conveniência de arrecadação. Ou seja, considerou o Tribunal mais conveniente reduzir o número de sujeitos passivos a serem fiscalizados, trocando, mediante a antecipação do fato gerador das futuras operações, um número maior de contribuintes pela fiscalização de um só.
Nesta linha, leia-se estudo escrito pelo Ministro aposentado do STJ e ex-presidente daquela Corte, Antonio de Pádua Ribeiro:
“O instituto não é novo no nosso direito, mas, a partir da sua ‘constitucionalização“’ passou a receber acerbos ataques de alguns eminentes tributaristas (Geraldo Ataliba, Aires F. Barreto, Hamilton Dias de Souza, Ives Gandra da Silva Martins, dentre outros). Sustentam esses juristas que viola, praticamente, todos os princípios constitucionais basilares relativos aos tributos (tipicidade tributária, não cumulatividade, capacidade contributiva). Alegam, ainda, que vulnera o princípio atributivo de competência tributária aos Estados-membros e, “até mesmo, que configura autêntico empréstimo compulsório, só previsto nas hipóteses do art. 148 da Constituição.” [15]
Ora, hospedada foi esta parte do questionamento por conveniência de arrecadação, mais do que pela constitucionalidade do regime antecipatório, por decisão da Suprema Corte, cuja menção é feita pelo Ministro Antonio de Pádua Ribeiro:
“A respeito, cumpre assinalar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Representação nº 848, do Ceará, na vigência do art. 58 do CTN, na sua redação originária, concluiu pela constitucionalidade do instituto. Ao julgar o RE 77.402/MG, cingiu-se a declarar que o dispositivo codificado, a ele referente, fora revogado. É o que se depreende deste trecho da ementa do julgado (RTJ 73/507):
‘O art. 128 do CTN, ainda vigente, só a permite se houver vinculação do terceiro ao fato gerador, pelo que já não é possível, em consequência da revogação do art. 58, § 2º, II, do mesmo Código, pelo Decreto-Lei nº 406/68, atribuir ao industrial ou comerciante atacadista, a responsabilidade pelo tributo devido pelo comerciante varejista.’
Faço esse retrospecto para deixar claro que o instituto era constitucional sob a égide da Constituição anterior e constitucional continuou a ser na vigência da atual Lei Maior, em que passou a expressamente constar das suas normas.” [16]
Nos Comentários à Constituição do Brasil, que elaborei com Celso Ribeiro Bastos, em 15 volumes editados pela Saraiva, sempre disse que a missão da Suprema Corte seria mais de dar estabilidade às instituições do que fazer justiça. Não sem razão, o Tribunal tem constitucionalizado muitas inconstitucionalidades, quer pela reiteração da aplicação da lei inconstitucional, quer admitindo, nas ações de controle concentrado, declarar uma lei inconstitucional com eficácia ex nunc, ou seja, para período futuro, objetivando dar estabilidade àquelas relações então nascidas e mantidas por longo tempo, sob o pálio da ilegalidade ou da inconstitucionalidade [17].
Creio tenha sido esta a razão pela qual os princípios da estrita legalidade, tipicidade fechada e reserva absoluta da lei formal tenham sido deixados de lado, para fazer incidir tributo sobre fato gerador inexistente e de ocorrência eventual, ao ponto de admitir a repetição, se o fato gerador não ocorrer.
Admitida, a meu ver, a solução hermenêutica por questão de conveniência arrecadatória, ficou definido, claramente, que a responsabilidade tributária é apenas daquele a quem a lei atribui a obrigação de recolher o tributo e sobre o qual recai a incidência antecipatória.
Fica, à evidência, liberado de qualquer responsabilidade aquele que adquire produtos dos que estão sujeitos exclusiva e unicamente à incidência antecipatória [18].
Não sem razão, se ilegalidade houve na conduta das empresas das quais adquiriu a consulente seus produtos – sendo as únicas fiscalizáveis e as únicas responsáveis pelo tributo, visto que a lei as definiu como sujeitos passivos tributários e não aos adquirentes de seus produtos – não há como tornar a consulente responsável tributária.
Tanto é assim que a consulente não foi autuada, porque seguiu, rigorosamente, todos os procedimentos devidos, escriturando as aquisições com estrito cumprimento das exigências fiscais.
Ora, o fato de não ter sido autuada e sequer fiscalizada sobre a questão é sinalização muito clara de sua não responsabilidade.
Sendo o substituto tributário por antecipação o único responsável, não há como pretender que venha a ser responsável tributário por dívida que não lhe cabe. Se dúvida fiscal houver, o único responsável será aquele que a lei definiu como tal pela obrigação.
É de se lembrar que, em todo o capítulo da Responsabilidade Tributária do CTN, a hipótese de o substituto por antecipação ser responsável pelos tributos não recolhidos não está elencada [19].
Passo a responder as questões tributárias formuladas, à luz da legislação tributária, correspondentes às perguntas 1 a 4.
“1) No regime de substituição tributária progressiva, quais são os papéis desempenhados, na relação jurídica tributária, pelo substituto e pelo substituído?“
As hipóteses de substituição tributária devem ser previstas na legislação, sendo o substituto aquele que fica no lugar do substituído, nas hipóteses das operações de circulação de mercadorias e prestação de serviços, ou seja, dos arts. 132 a 135 [20], nenhuma delas tendo ocorrido, no caso concreto. Transcrevemos os dispositivos, para que se tenha conhecimento da letra da lei:
“Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:
I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
(…)
SEÇÃO III
Responsabilidade de Terceiros
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
(…)
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”[21]
Podendo a lei determinar outras hipóteses, nas denominadas substituições “para frente” e “para traz“, não há, na legislação, substituição possível, nas relações normais de mercancia, em que o contribuinte não pode fiscalizar a empresa (substituta) fornecedora de produtos e o Fisco não o faz, e nem alerta o mercado de que determinado contribuinte não está agindo de acordo.
A resposta é que só o substituto, conforme jurisprudência dos Tribunais Superiores, é responsável.
“2) Em nosso sistema tributário, sob o aspecto da sujeição passiva, que papel desempenham as distribuidoras e as revendedoras de medicamentos?“
São as empresas responsáveis, cada uma delas pelo tributo correspondente, pois, ao contrário do IPI, que não incide sobre todas as operações de circulação de mercadorias, o ICMS sobre elas incide, assim entendidas as operações ocorridas desde a fonte produtora até o consumidor final [22].
“3) Na hipótese de substituição tributária progressiva do ICMS, caso este não seja recolhido, pode o Fisco atribuir responsabilidade supletiva ao substituído em ordem a obrigá-lo ao seu pagamento?“
Decisões do STJ e STF retro transcritas hospedaram tal inteligência da doutrina, ou seja, que não pode o Fisco atribuir responsabilidade supletiva ao substituído.
Tenho, pois, entendido que não, em face de não ter poder fiscalizatório sobre o fornecedor e, se este não age de acordo ou é inadimplente do ponto de vista fiscal, cabe ao Fisco puni-lo e alertar à praça, podendo torná-lo estabelecimento inidôneo[23].
“4) Diante desse mesmo quadro, é possível responsabilizar o substituído por eventuais infrações cometidas pelo substituto, aplicando-lhe multas administrativas de caráter sancionador?“
Entendo que não, não só pela personalização da pena, mas, principalmente, pela inexistência da sucessão na hipótese, só possível nos termos do art. 133 do CTN.
É de se lembrar – repito – que não houve qualquer ação contra a consulente, de resto porque não tem qualquer responsabilidade pelas obrigações tributárias do substituto[24].
As duas últimas perguntas serão respondidas pelo Professor Antonio Cláudio Mariz de Oliveira.
Parte II
O grupo empresarial e o proprietário dele, doravante denominados consulentes, nos formulam consulta acerca de investigação criminal conduzida pelo GAECO do Ministério Público do Estado de São Paulo, visando apurar a suposta prática de delito contra a ordem tributária que teriam sido cometidos, em tese, pelos consulentes.
Segundo consta da consulta que nos foi solicitada, os consulentes “teriam supostamente constituído empresas distribuidoras de produtos de ‘fachada’, as quais, uma vez estabelecidas no Estado de São Paulo, adquiriram produtos de uma distribuidora localizada no Estado de Goiás, e, à vista da inexistência de convênio com o governo paulista, não seria recolhido o ICMS na modalidade ‘substituição tributária’“, sendo que referidas empresas, na qualidade de substitutos tributários, “teriam simulado a revenda dos produtos à rede varejista do Grupo, apondo nas notas fiscais de saída o código ‘CST 060’, indicando, de maneira fraudulenta, que o imposto teria sido recolhido na origem da operação, o que, segundo o Ministério Público, não ocorreu“.
Ainda conforme a consulta, “referidas distribuidoras jamais pertenceram ao proprietário ou a qualquer empresa de seu grupo econômico. Insta registrar que todas as operações de compra de produtos realizados pelo grupo com as distribuidoras o foram atendendo todas prescrições previstas na legislação tributária, inexistindo, cite-se, fiscalização ou procedimento administrativo-fiscal instaurado contra o grupo“.
Por essas razões, foram formuladas seis indagações, das quais duas vinculam-se à matéria penal, ao que passo a oferecer o seguinte parecer, como segundo signatário.
Os crimes tributários quando praticados em prol de pessoas jurídicas apresentam um problema que é comum a todos os chamados delitos societários, relacionados à responsabilidade penal. A dogmática estabeleceu para o direito penal a responsabilidade de caráter pessoal, individualizada pela conduta do agente. Vale dizer, a pessoa física que manteve com o crime um liame consubstanciado por uma ação comissiva ou omissiva, de execução ou intelectual e que agiu por si ou por terceiro é quem irá responder penalmente por sua conduta.
Assim sendo, percebe-se a importância do conceito de autoria no campo penal tributário, embora tenha se tornado uma prática aceita pelos tribunais, o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público, imputando a prática delitiva àqueles que figuram como diretores, sócios, gerentes ou administradores da pessoa jurídica, independentemente de sua ligação com a conduta tida como criminosa. É a adoção da responsabilidade objetiva no direito penal, que se baseia em algum elemento objetivo, formal separado de qualquer ação concreta relacionada ao delito tributário.
Portanto, as investigações e posteriormente as imputações dos crimes de sonegação fiscal não têm levado em conta a relação do indivíduo acusado com o fato. A imputação que recai sobre alguém pelo simples fato de figurar como diretor ou sócio da sociedade representa o desprezo à teoria da culpa, “árdua conquista do direito moderno“, como afirmou Magalhães Noronha. Culpabilidade é conduta e esta deve estar relacionada objetiva e subjetivamente ao fato que constitui a imputação, a qual só pode alcançar aquele que é o responsável por tal conduta.
Uma primeira teoria, hoje superada, considerava o autor aquele que de alguma maneira criava uma condição para a ocorrência do delito. A chamada teoria subjetiva ou causal subjetiva amplia sobremodo o conceito de autoria, atingindo desde os executores até aqueles que não praticaram nenhuma conduta ligada ao fato típico. De acordo com esta teoria, poder-se-ia responsabilizar, por exemplo, até o vendedor de arma utilizada em um homicídio.
Coloca-se no extremo oposto da teoria subjetiva a chamada formal objetiva. Importa para essa teoria a ação descrita no tipo. A responsabilidade penal deve recair sobre aqueles que praticaram a ação delituosa. Ficam excluídos todos os que, embora colaborando com o resultado, não praticaram a conduta típica.
A teoria aceita sem contestação é a chamada objetiva-subjetiva ou teoria do domínio do fato, que atende satisfatoriamente à definição de autoria e de participação. O entendimento prevalente considera autor aquele que praticou o núcleo do tipo. Assim, existe no enunciado dessa teoria uma estreita ligação entre autoria e tipo. O responsável material ou intelectual pela realização do fato é quem deve responder penalmente. O elemento volitivo também coloca dentro do conceito de autor aquele que sem ter praticado a ação desejou o resultado e colaborou ao menos intelectualmente para o seu alcance, ou utilizou-se de terceiro inimputável ou alguém que agiu com ignorância da ilicitude para a prática do crime. O domínio do fato constitui, pois, o elemento informador da autoria.
A doutrina aponta três formas de autoria e em consequência três tipos de autores: autor executor, autor intelectual e autor mediato. O primeiro realiza materialmente a conduta, total ou materialmente. O autor intelectual determina a realização do fato, sem dele participar materialmente. O mediato é aquele que usa um inimputável para a prática delitiva, ou pessoas que agem sem conhecimento da ação delituosa e sem vontade de praticá-la.
Dado o conceito de autor, podemos afirmar que coautor é todo aquele que participa de um fato criminoso como autor, em uma conduta conjunta. A coautoria, no entanto, não se assinala apenas pela ação material. Deve haver um elo subjetivo, um concurso de vontades, para caracterizá-la. Cada coautor contribui com uma ação determinada, mas responde pela totalidade da conduta.
A participação é uma segunda modalidade de concurso de pessoas, atualmente claramente distinta da coautoria. Consiste na prática de um fato atípico, mas que contribui para a realização do fato típico realizado por outrem. Exemplos clássicos de participação nós encontramos no motorista que dirige o automóvel e conduz os assaltantes ou o vigia do banco que deixa a porta aberta. Na dosimetria da pena, apenas a participação de menor importância reduz a sanção.
Por derradeiro, cumpre anotar que a participação pode ser moral e se apresenta sob as formas da determinação ou induzimento e da instigação. No induzimento o agente faz nascer no espírito de outrem a intenção de praticar o crime; já na instigação há o incitamento, o reforço a estimular a ideia já existente. Ao lado da participação moral, temos aquela de caráter material, que era tratada pela doutrina mais antiga como cumplicidade.
Vemos, pois, que a atribuição da responsabilidade penal só pode recair sobre quem teve com o fato criminoso uma relação de execução ou de colaboração marcadas pela consciência e pela vontade.
Cumpre salientar que, para estupefação daqueles que preservam os postulados que informam o direito penal moderno, tem-se verificado que algumas denúncias vêm desprezando não só o elemento subjetivo da culpabilidade, como, inclusive, o elemento de natureza objetiva, vale dizer a participação material na prática delitiva.
A responsabilidade em direito penal não pode ser ficta, presumida, diversa daquela proveniente da própria conduta do agente e de sua postura psicológica em relação ao evento delituoso. Segundo José Frederico Marques:
“A conduta objetivamente ilícita de que proveio a lesão a interesse penalmente tutelado só será delituosa e punível, se contiver o coeficiente subjetivo da culpabilidade. É esta que liga o fato típico e antijurídico ao homem, estabelecendo o nexo necessário entre o conteúdo objetivo e a conduta ilícita e o querer interno do agente.” (Tratado de direito penal. Ed. rev., atual. e amplamente reformulada. Campinas: Millennium, 1997. v. II. p. 201)
No próprio direito tributário, no qual a responsabilidade se funda em critérios objetivos, já se discute a adoção da tese da subjetividade. Hector Villegas, em seu Direito Penal Tributário, mostra que vários autores apontam os sinais dessa evolução (São Paulo, Resenha Tributária, 1974).
Assim, Bielsa afirmou que “a noção simplista da chamada responsabilidade objetiva (sem culpa), longe de significar um progresso para o direito, faria com que esta retrocedesse aos tempos bárbaros anteriores à lei Aquília” (p. 234-235).
Villegas se refere ainda a Spota, para quem, embora prevaleça o fato objetivo, deve-se reconhecer “que constitui um progresso jurídico aproximar os dois ramos do direito repressivo, no que concerne ao requisito subjetivo” (p. 235).
Por derradeiro, Villegas cita Jarach, que defende a subjetividade absoluta, com a qual ele, Villegas, não concorda. Diz Jarach que “a evolução do direito tributário é, e deve ser, no sentido de aceitar, sem exceções, o princípio do direito penal, segundo o qual não pode haver pena sem culpabilidade em sentido amplo, por dolo ou simples culpa” (p. 235).
De qualquer forma, verifica-se que no próprio direito tributário, os estudiosos têm avançado seu pensamento em matéria de responsabilidade, procurando, ao menos, mitigar o rígido princípio objetivo, com alguma conotação de culpabilidade.
E, no entanto, no direito penal, em nosso país, não no que se refere à doutrina, mas à aplicação prática de seus princípios e postulados, nós assistimos a um lamentável e perigoso retrocesso, que põe em risco a sua própria estrutura, assim como os direitos e garantias dos cidadãos, consagrados pela Constituição, os quais ficam à mercê de critérios fluídos, subjetivos, instáveis, sujeitos a maior ou menor aprovação da mídia, afastados, pois, de princípios baseados no humanismo e no ideal de justiça, bem como distantes da lei, mas, próximos da inspiração política e da satisfação da vaidade.
Parece-nos que se não houver uma pronta reação do Judiciário, dos advogados, dos juristas, dos professores e dos membros do Ministério Público que estejam comprometidos com a correta distribuição da justiça criminal, logo veremos, em nome também do combate à sonegação, à corrupção e à impunidade vários princípios serem olvidados, como o princípio da legalidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural, dentre outros.
O problema, no entanto, não se circunscreve, exclusivamente, às imputações penais, mas à própria lei. Não são poucos os exemplos de leis penais que, expressamente, adotaram a responsabilidade objetiva para a imputação e punição de fatos delituosos.
Na realidade, é absolutamente despicienda a menção em lei e, mais do que isso, inconveniente, a normatização da responsabilidade, pois esta segue, em todos os crimes, as regras da Parte Geral do CP, inspiradas, por sua vez, nas elaborações doutrinárias.
Não é necessário que o legislador, mesmo nos chamados crimes societários, dite regras para a responsabilização penal, pois os conceitos de autoria, coautoria e de participação não variam de acordo com cada crime, bem como os princípios informadores da culpabilidade, da tipicidade e da conduta são imutáveis.
Para ilustrar o que foi acima afirmado, basta citar-se alguns textos legais. A Lei nº 3.807, de 26.08.60, antiga Lei Orgânica da Previdência Social, em seu art. 86, parágrafo único, rezava que:
“Para os fins deste artigo, consideram-se pessoalmente responsáveis o titular da firma individual, os sócios solidários, gerente, diretores ou administradores das empresas incluídas no regime desta lei.”
Este mesmo texto foi repetido pela Lei nº 8.212, de 24.07.91, em seu art. 95, § 3º.
A Lei nº 4.595/64, que criou o Conselho Monetário Nacional, em seu art. 44, § 7º, dispôs:
“Quaisquer pessoas físicas ou jurídicas que atuem como instituição financeira, sem estar devidamente autorizadas pelo Banco Central da República do Brasil, ficam sujeitas à multa referida neste artigo e detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, ficando a esta sujeitos, quando pessoa jurídica, seus diretores e administradores.”
A Lei nº 7.492/86 que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, da mesma forma das anteriores, em seu art. 25, atribui ao controlador e aos administradores da instituição financeira, assim considerados os diretores e gerentes, responsabilidade penal, independentemente da existência de qualquer vínculo com o fato delituoso.
Tais dispositivos encerram uma heresia jurídica, no campo penal, e uma brutalidade para qualquer sociedade evoluída, qual seja a possibilidade de se punir alguém por fatos de terceiros. No dizer do grande penalista portenho Soler, a responsabilidade penal por fato de outrem é própria das formas primitivas de cultura, quando não se havia operado o processo de “diferenciación individualizadora“. Para ele, o princípio da subjetividade da ação conduz a duas importantes consequências: a subjetivação da culpa, que exclui as formas de responsabilidade objetiva e a individualização da responsabilidade, que impede que alguém sofra punição por outrem (Direito penal, t. I, p. 249-251).
Pois bem. Tem-se procurado, em vista do crescimento dos delitos coletivos ou societários ou impropriamente denominados das pessoas jurídicas, encontrar fórmulas de enquadramento das sociedades dentro dos limites do direito penal, sem que seja abalada a estrutura do direito penal da culpa. Nesse sentido, é oportuna a referência à polêmica travada entre os Professores Gerson Pereira dos Santos e Manoel Pedro Pimentel, sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
O Professor da Bahia, após afirmar que “do delito não se pode afastar a ideia central e inexorável da culpabilidade, em razão do qual apenas o ser humano é doli capax“, disse, também, ser uma solução artificial, em nome do dogma da culpabilidade, concluir que “a responsabilidade pelos crimes praticados em nome da sociedade se resolve na responsabilidade individual dos mandatários, uma vez comprovada sua participação nos fatos“, fazendo referência a assertiva do saudoso Pimentel, em outro seu livro, O Direito Penal Econômico.
Esclareceu, este, que a modificação seria possível de lege ferenda, mas após “uma profunda reformulação doutrinária“, e concluiu:
“Entretanto, vigentes os postulados da responsabilidade subjetiva, não há como punir a pessoa jurídica, e os crimes praticados em nome da sociedade somente podem ser punidos através da apuração da responsabilidade individual dos mandatários da sociedade, desde que comprovada sua participação nos fatos. Responsabilizar a pessoa jurídica nos apertados limites do princípio da responsabilidade por culpa, é solução que a dogmática penal não aceita.” (PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, p. 171-172)
Aliás, o próprio Professor Gerson concordou com a necessidade de uma ampla reforma doutrinária para que ao princípio da responsabilidade por culpa, seja acrescentado o da responsabilidade por risco e prega a “desadministrativização” de certas sanções, tais como a dissolução da sociedade ou a sua suspensão, a revogação de permissões ou licenças, a intervenção na atividade comercial, a exclusão de subvenções, etc., para erigi-las à categoria de medidas de segurança.
Razão assiste ao pranteado Professor Manoel Pedro Pimentel. Dentro da dogmática penal prevalente, onde culpabilidade e conduta possuem papel de relevância, parece óbvio que a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de delito. Este é fruto de uma conduta humana marcada pela vontade e que merece a censura do corpo social.
Fala-se que a Constituição de 1988 possibilita que lei ordinária preveja a pessoa jurídica como autora de crime. Invoca-se o § 5º do art. 173:
“A lei, sem prejuízo da responsabilidade jurídica individual dos dirigentes da pessoa jurídica estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.”
Menciona-se, também, o § 3º do art. 225:
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Mesmo que a interpretação seja meramente literal, parece-me de fácil verificação, que o legislador inseriu os dois mandamentos constitucionais com o escopo de dar uma dupla proteção aos bens jurídicos, sistema jurídico e meio ambiente, por meio da imposição de sanções penais e civis, nos termos da lei ordinária, tanto para as pessoas físicas quanto para as jurídicas, obviamente respeitadas a natureza de cada qual e os princípios doutrinários que regem as punições penal e civil.
Assim o próprio § 5º do art. 173, fala em punições “compatíveis com sua natureza“. Portanto, para as pessoas jurídicas são as de caráter administrativo. E o segundo, ao falar em sanções penais e administrativas, está se referindo, obviamente, às pessoas físicas e às jurídicas respectivamente.
A interpretação sistemática, por sua vez, reforça de forma incontestável a impossibilidade da criminalização da pessoa jurídica. Advinda do próprio texto constitucional, ela encontra oposição insuperável na própria Carta. Basta o exame de alguns incisos do art. 5º para se verificar que no capítulo dos Direitos e das Garantias Individuais existem alguns princípios de direito penal que serviram de inspiração para tais direitos, e que incompatibilizam a extensão da responsabilidade criminal às pessoas jurídicas. Assim, os incisos XLV, XLVII, XLVIII, XLIX e L tratam da individualização e do cumprimento da pena, sempre tendo em vista ser o destinatário uma pessoa física.
Note-se que em alguns países a lei tem feito previsão para a punição criminal da pessoa jurídica. Assim, na Alemanha, existem as chamadas multas contravencionais, que são penas acessórias (Geldebusse) “contra as sociedades quando um seu agente, revestido de certa representatividade, comete um crime ou uma contravenção e o fato ilícito guarde relação com o giro comercial da pessoa moral“, conforme nos ensina René Ariel Dotti (Revista do Direito Penal e Criminologia, p. 148). O Código Penal português, em seu art. 11, afirma que, “salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal“.
Claro que o direito penal deve acompanhar a dinâmica social, procurando adaptar-se às necessidades de proteção de bens e de interesse valorizados pela sociedade, desde que a tutela por parte de outros ramos do direito tenha se mostrado inócua, isto tendo em vista o seu caráter subsidiário. Por outro lado, sua abrangência não pode ser ilimitada e sem critérios, alcançando quaisquer condutas, pois deve sua atuação ter como parâmetros seus princípios e postulados, instituídos a favor da preservação da liberdade e de outros direitos individuais.
Passo, agora, a enfrentar o tema atinente à Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal, ressaltando, nesse ponto, a relação entre instâncias administrativa e judicial.
O ordenamento jurídico é, obrigatoriamente, um todo harmonioso. E, como condição obrigatória para manutenção desta harmonia, vigora em nosso sistema legal o princípio da unidade do injusto penal e extrapenal, segundo o qual todo ilícito penal é antijurídico para todo o direito. Vale dizer, uma conduta considerada penalmente proibida, já que o direito penal é a ultima ratio, não pode estar autorizada por qualquer outro ramo jurídico. Esta regra não admite exceções.
Sobre o assunto lecionou Misabel Abreu Machado Derzi:
“O princípio da unidade do injusto penal e tributário (como penal-civil ou penal-comercial), por força do qual aquilo que é penalmente sancionado é também ilícito para a totalidade do sistema jurídico, não encontra nenhuma exceção. Nem é desmentido pelo fato inverso de que determinada conduta pode ser civil, administrativa ou tributariamente ilícita, embora não seja delito, nem seja sancionada pela lei penal, com pena privativa de liberdade.” (Da unidade do injusto no direito penal tributário. Revista de Direito Tributário, n. 63, p. 220)
Mais à frente, é a própria mestra mineira quem citou a preciosa lição de K. Roxin sobre o mesmo tema:
“A antiga figura de Beling, de dois círculos secantes, com a qual se queria representar as relações entre tipicidade e antijuridicidade, requer, portanto, uma pequena correção: pode pensar-se em dois círculos concêntricos, dos quais o menor representa o tipo penal, e o maior, a antijuridicidade. Desta forma se compreende que não se dá um comportamento tipicamente adequado que não ocorra dentro do âmbito da antijuridicidade, mas que uma conduta antijurídica de nenhuma maneira deve ser necessariamente típico-penal.” (Ob. cit., p. 221)
Esta mesma representação gráfica já nos havia sido fornecida pelo Ministro Francisco de Assis Toledo que, ao final de um raciocínio semelhante, concluiu com clareza admirável:
“A inexistência, assim proclamada, do ilícito civil constitui obstáculo irremovível para o reconhecimento posterior do ilícito penal, pois o que é civilmente lícito, permitido, autorizado, não pode estar, ao mesmo tempo, proibido e punido na esfera penal, mais concentrada de exigências quanto à ilicitude.” (Princípios básicos de direito penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 153-154)
Assim, resta indiscutível que o crime de sonegação fiscal corresponde, inflexivelmente, a uma infração tributária. Opostamente, a conduta considerada lícita dentro da esfera fiscal nunca, em hipótese nenhuma, configurará um crime. Estas constatações são irrespondíveis.
Ciente desta incompatibilidade de ordem lógico-jurídica, o primeiro subscritor do presente parecer, Professor Ives Gandra da Silva Martins, chegou a afirmar que aceitar o crime de sonegação fiscal e, concomitantemente, a inexistência de infração tributária, “seria como se admitir que um cidadão fosse condenado por homicídio doloso com a vítima de homicídio assistindo e aplaudindo a condenação do júri” (Procedibilidade penal autônoma. Jornal Tribuna do Direito, n. 25, maio 1995, p. 25).
Com o advento da Lei nº 8.137/90, como já dito, o crime de sonegação fiscal passou a se consumar por meio da positiva redução ou supressão de impostos, por meio de alguma das condutas fraudulentas ali narradas. Ou seja, a efetiva supressão ou redução do imposto é, agora, elementar do crime em questão. Assim, em função da própria descrição típica que, felizmente, se adequou ao princípio acima analisado, não há como se falar em crime na hipótese de existir recurso na esfera administrativa que, se julgado procedente, poderá afirmar a inexistência de supressão ou redução de tributo.
Dúvidas eram justificáveis quando estava em vigor a Lei nº 4.729/65. A situação, como explica Paulo José da Costa Júnior, mudou:
“Os crimes definidos na Lei nº 4.729/65 são todos de mera conduta, visto que se aperfeiçoam independentemente do resultado lesivo. Com efeito, da leitura dos seus incisos se constata que o resultado não integra os tipos ali descritos. De sua parte, nos crimes contra a ordem tributária previstos na Lei nº 8.137/90, o núcleo do crime é suprimir ou reduzir tributos com a intenção de causar um dano ao erário público. Trata-se, portanto de um crime de resultado que participa da subespécie dos crimes de dano.” (Infrações tributárias e delitos fiscais. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 100-101)
Com esta alteração, pode-se afirmar que o princípio da unidade do injusto penal e do injusto tributário está consagrado sem nenhuma dúvida. Traduzindo: por força da lei, da descrição típica, não há crime se não houver infração tributária. O ex-Procurador-Geral da República, Aristides Junqueira Alvarenga, confirmou:
“se na esfera tributária houver decisão definitiva no sentido da inexistência do tributo devido, é evidente que então não se poderá mais, na esfera penal, falar em qualquer crime contra a ordem tributária, definido no art. 1º da Lei nº 8.137/90, porque não existindo tributo devido não será possível a consumação do delito que só ocorre com a supressão ou redução de tributo, núcleo do tipo.” (Crimes contra a ordem tributária. 2. ed. 1996. p. 58)
A ausência de certeza sobre a infração tributária não permite, por imposição do tipo penal, que se fale em crime. Não há prova suficiente de sua ocorrência. E esta interpretação não implica em violação à independência das instâncias.
Na verdade, esta discussão sobre a vinculação da esfera penal a outras esferas do direito vem ganhando, em matéria de delito fiscal, interpretações de caráter ideológico, político. Na busca louvável de diminuir a sonegação fiscal, mal que afeta de uma forma global a economia do país, tem sido comum as autoridades lançarem mão de expedientes com pouca técnica jurídica, de legitimidade duvidosa, com o nítido escopo de aumentar a arrecadação.
O fato é que a questão acerca do liame do direito penal com as demais esferas sempre existiu. Nunca, porém, ensejou tamanha celeuma. Tanto é assim que jamais se pôde falar em adultério ou em bigamia se a autoridade competente para tanto afirmara a nulidade do primeiro casamento. Ou, por exemplo, nunca se falou em furto se a autoridade competente reconhecera que o objeto era de propriedade do agente.
Sempre foi assim. E nunca se questionou a independência das instâncias.
O que ocorre, em verdade, é que para aferir a tipicidade de certas condutas, o intérprete é remetido ao exercício de uma integração com a norma extrapenal. Alguns tipos penais são integrados por componentes “que exigem, para a sua ocorrência, um juízo de valor dentro do próprio campo da tipicidade” (JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte geral. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 1. p. 240). São os chamados elementos normativos do tipo.
Assim, ensina o Professor Paulo José da Costa Júnior, “se a norma penal tributária, para tipificar uma conduta, se utiliza de conceitos normativos hauridos do direito tributário, é esta disciplina que deverá ser consultada para precisar o alcance da norma” (ob. cit., p. 101).
E completa Marco Aurélio Greco: “Então, para saber se a conduta concreta realizada configura crime, tenho que passar por um ‘filtro conceitual tributário’” (Notas à legislação sobre crimes fiscais. In: Cadernos do Direito Tributário e Finanças Públicas, n. 08, RT).
Pois bem. A Lei nº 9.430/96, no seu art. 83, estabeleceu que “a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente“.
A par de ser “altamente moralizadora, pois o Fisco vinha utilizando-se da instauração de processos crimes tributários como um expediente ad terrorem para obrigar os contribuintes a negociar com o Fisco, no momento da lavratura do auto de infração” (DENARI, Zelmo. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 20, p. 86), a disposição em tela veio ratificar a tese já apresentada, de que a certeza do débito é elementar do crime de sonegação fiscal.
Isto porque, se assim não fosse, o dispositivo estaria criando a absurda figura da prevaricação institucionalizada, em benefício do funcionário fiscal que, sabendo da existência de um crime, não poderia, por lei, deixar de comunicá-la à autoridade competente. Este raciocínio por nada se justifica, restando obrigatório concluir que o funcionário não poderia fazer a comunicação porque, nem em tese, há crime.
Já naquela oportunidade, o Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Sinval Antunes, no HC 96.03.021354-3, reproduziu trecho de parecer elaborado pelo saudoso Ministro Francisco de Assis Toledo, a pedido dos impetrantes daquele writ, que contém esta importante indagação:
“Esse preceito será certamente objeto de grandes controvérsias, a começar pelo sentido da expressão ‘representação fiscal’, não usual em direito penal e processual penal. Uma coisa, porém, não se poderá negar, a partir da vigência desse dispositivo legal: se a decisão administrativa, seja qual for, não tiver qualquer repercussão sobre o processo criminal, nos crimes contra a ordem tributária, porquê, então, aguardar-se até que ela se transforme em ‘decisão final’, para que se encaminha a denominada ‘representação fiscal’ ao Ministério Público?“
A ausência de uma resposta para esta pergunta é a prova de que, sem a afirmação da autoridade tributária – a quem compete privativamente constituir o crédito tributário (art. 142 do CTN) – de que alguém é devedor de tributo, não se poderia falar em sonegação fiscal provada.
Tomou conta das preocupações dos estudiosos, a necessidade ou não do exaurimento das vias administrativas para ter início a persecutio criminis nos casos dos delitos contra a ordem tributária.
Segundo Luiz Flavio Gomes e Alice Bianchini, a Lei nº 4.357/64 trouxe à baila essa discussão, pois segundo o seu art. 11, § 3º, a ação penal teria início por meio de representação da Procuradoria da República, a quem seriam enviadas peças do feito, “logo após a decisão final condenatória proferida na esfera administrativa. Ficava pois a ação penal condicionada à representação da Procuradoria da República” (TANGERINO, Davi de Paiva Costa; GARCIA, Denise Nunes [Coord.]. Direito penal tributário, p. 102).
O julgamento do Habeas Corpus 81.611/DF, tendo como relator o Ministro Sepúlveda Pertence, começou a trazer luz à controvérsia existente desde a década de 1960. Em conformidade com essa decisão, há total impossibilidade de instauração de ação penal por crime de sonegação fiscal previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90, enquanto não houver decisão definitiva na instância administrativa.
A partir do advento do julgamento acima mencionado, sucederam-se decisões no mesmo sentido. A posição hoje prevalente na jurisprudência considera, portanto, indispensável o término do processo administrativo fiscal de lançamento do tributo para embasar o início da ação penal para apuração de infração ao art. 1º da Lei nº 8.137/90. Tal entendimento está consolidado na Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal, donde se extrai que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo“.
Ao contrário do que pode parecer, no entanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida nos autos do Habeas Corpus 81.611-8/DF, não solucionou todas as questões decorrentes da influência do processo administrativo no âmbito da apuração dos delitos previstos no referido art. 1º da Lei nº 8.137/90. Apesar do inegável acerto da conclusão do julgado, diversas controvérsias sobre o tema surgiram a partir dela.
Tal posicionamento é absolutamente correto justamente porque não dispõe o Juiz, muito menos o Ministério Público, de atribuição arrecadatória para definir se o contribuinte deve ou não tributo, e qual o seu valor. Desta forma, se a própria autoridade fazendária não exarou conclusão final sobre o tema, parece-nos incoerente sujeitar o contribuinte, desde logo, ao processo crime, até porque um dos pressupostos básicos para o recebimento da denúncia é a indicação da materialidade delitiva.
Se não há decisão final sobre a efetiva existência do débito, e nem sobre o quantum devido – que também é fundamental, na medida em que o acusado, nos termos dos arts. 68 e 69 da Lei nº 11.941/09, pode se valer do parcelamento para suspender o curso do processo, e do pagamento integral para fazer jus à extinção da punibilidade – impossível falar-se em materialidade delitiva apta a justificar o início da ação penal.
Parte-se, portanto, justamente dessa premissa, ou seja, a indispensabilidade do término da via administrativa para se cogitar da ação penal, para examinarem-se todas as demais questões inerentes à influência do processo administrativo fiscal de lançamento do tributo na apuração dos delitos de sonegação fiscal previstos no art. 1º da Lei nº 8.137/90.
Não existe no ordenamento jurídico pátrio dispositivo contemplando expressamente que a ação penal por infração ao art. 1º da Lei nº 8.137/90 depende do julgamento definitivo sobre a efetiva existência do débito tributário, bem como do seu valor, na esfera administrativa. Tal conclusão advém de uma interpretação sistemática da legislação, da doutrina penal e que agora está enunciada na já referida Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal.
Ainda sobre a égide da Lei nº 4.729/65, o crime contra a ordem tributário, tipificado no art. 1º, era de natureza formal, como já visto, restando configurado na simples prática de determinadas condutas fraudulentas com o fim de deixar de recolher o tributo devido, total ou parcialmente, sem a necessidade de se atingir ao resultado visado.
O art. 7º da Lei nº 4.729/65, determinava que “as autoridades administrativas que tiveram conhecimento de crime previsto nesta Lei, inclusive em autos e papéis que conheceram, sob pena de responsabilidade, remeterão ao Ministério Público os elementos comprobatórios da infração, para instrução do procedimento criminal cabível“.
Os dois parágrafos inseridos no dispositivo acima mencionado vinham assim redigidos: “§ 1º Se os elementos foram suficientes, o Ministério Público oferecerá, desde logo, denúncia; § 2º Sendo necessários esclarecimentos, documentos ou diligências complementares, o Ministério Público os requisitará, na forma estabelecida no Código de Processo Penal“.
Em face das disposições da Lei nº 4.729/65, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 609 com a seguinte redação: “É pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal“.
No ano de 1995 foi promulgada a Lei nº 9.249 que teve vetado o § 1º do seu art. 34, o qual determinava o envio da representação fiscal ao Ministério Público somente após a conclusão do procedimento administrativo, desde que se vislumbrasse indícios de prática criminosa.
Segundo consta das razões do veto, “esse dispositivo é contrário ao interesse público por impedir atuação rápida do Ministério Público visando à instauração do processo penal, pois prevê que os órgãos fazendários só podem comunicar-lhe ocorrência de crime fiscal após o término do correspondente processo administrativo, o que, pelo espaço de tempo demandado em sua tramitação, terminaria por constituir elemento altamente estimulador do inadimplemento de obrigações tributárias e da prática de delitos em espécie“.
Mais tarde, no entanto, sobreveio a já citada Lei nº 9.430/96, cujo art. 83, para autores diversos estabeleceu o término do processo administrativo como condição de procedibilidade para a ação penal por infração ao disposto nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90.
O primeiro subscritor deste parecer asseverou que o art. 83 da Lei 9.430/96, introduziu “a improcedibilidade penal antes de encerrado o processo administrativo, quando, em verdade, ocorre a constituição definitiva do crédito tributário” (A procedibilidade penal à luz da Lei 9.430/96. In: Crimes contra a ordem tributária. 4. ed. São Paulo: RT. p. 417-424).
David Teixeira de Azevedo salientou que “se não pode haver representação é porque, a partir de agora, para os crimes definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, a ação penal fica condicionada à providência da parte ofendida na manifestação do desejo de processar o autor da suposta infração penal” (A representação penal e os crimes tributários: reflexão sobre o art. 83 da Lei 9.430/96. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 86, v. 739, 1997, p. 477).
O Supremo Tribunal Federal tratou da questão quando do julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade 1.571. Lá ficou estabelecido que o art. 83 da Lei nº 9.430/96 é direcionado à administração fazendária, na medida em que estabelece o momento em que a representação fiscal será encaminhada ao Ministério Público para apuração de delitos contra a ordem tributária. Não se constitui, portanto, em condição de procedibilidade para o ajuizamento da ação penal (Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.571, Rel. Min. Gilmar Mendes, 30.12.04).
Segundo consignado na decisão liminar proferida na referida ação, da lavra do Ministro Néri da Silveira, posteriormente confirmada quando do julgamento do mérito pela composição plenária:
“Dispondo o art. 83 da Lei nº 9.430/96, sobre a representação fiscal, há de ser compreendido nos limites da competência do Poder Executivo, o que significa dizer, no caso, rege atos administração fazendária, prevendo o momento em que as autoridades competentes dessa área da Administração Federal deverão encaminhar ao Ministério Público Federal os expedientes contendo notitia criminis, acerca de delitos contra a ordem tributária, previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90. Não cabe entender que a norma do art. 83 da Lei nº 9.430/96, coarcte a ação do Ministério Público Federal, tal como prevista no art. 129, I, da Constituição, no que concerne à propositura da ação penal, pois, tomando o MPF, pelos mais diversificados meios de sua ação, conhecimento de atos criminosos na ordem tributária, não fica impedido de agir, desde logo, utilizando-se, para isso, dos meios de prova a que tiver acesso. O art. 83 da Lei nº 9.430/96, não define condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pública, pelo Ministério Público.”
Quando do julgamento do já mencionado Habeas Corpus 81.611-8/DF, o Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento de que o art. 83 da Lei nº 9.430/96, não constitui condição de procedibilidade para a instauração da ação penal por infração ao disposto no art. 1º da Lei nº 8.137/90, que é pública incondicionada.
No entanto, partindo do pressuposto de que os delitos previstos no referido art. 1º da Lei nº 8.137/90, são materiais, ou seja, para sua consumação é indispensável a produção de um dano efetivo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a ação penal somente pode ser intentada após a decisão administrativa definitiva atestando a exigibilidade do tributo, bem como o quantum devido.
Assim, uma vez lavrado o auto de infração, o contribuinte será intimado a quitar o débito ou impugná-lo. Abre-se, nesta última hipótese, a oportunidade para o contribuinte expor os motivos da impugnação. Segue-se a instrução, onde serão realizadas as diligências e juntados os documentos pertinentes. Por fim haverá o julgamento, ainda passível de recurso para a segunda instância e, quando for o caso, para a instância especial. Somente após a decisão final é que o contribuinte terá uma resposta definitiva da autoridade competente acerca da exigibilidade ou não do tributo, bem como do seu valor.
Inegável, portanto, que essa decisão de caráter administrativo tem influência no processo criminal destinado à apuração dos delitos de sonegação fiscal.
Ao reconhecer esta questão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 81.611-8/DF, decidiu pelo trancamento da ação penal instaurada para apuração da infração descrita no art. 1º da Lei nº 8.137/90, enquanto não finalizado o processo administrativo fiscal de lançamento do tributo. No entanto, não definiu qual o alcance da decisão administrativa na apuração dos delitos previstos no referido dispositivo.
Vale dizer, o Supremo Tribunal Federal não estabeleceu, no julgamento citado, o grau de influência da constituição definitiva do crédito tributário na apuração dos delitos de sonegação fiscal do art. 1º da Lei nº 8.137/90.
Duas posições foram defendidas no Plenário da Corte a respeito da questão: 1) trata-se de condição objetiva de punibilidade e 2) constitui-se em elemento normativo integrante do tipo penal.
A primeira posição consta do voto do relator do habeas corpus, Ministro Sepúlveda Pertence. Segundo lá consignado, embora a obrigação tributária decorra do fato gerador (art. 113, § 1º, do Código Tributário Nacional), o crédito tributário somente é constituído pelo lançamento, o qual, no entanto, é susceptível de revisão mediante “impugnação do sujeito passivo” (art. 145, III, do Código Tributário Nacional). Ademais, considerou, nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional que somente a autoridade administrativa é competente para constituir o crédito tributário.
Desta forma, entendeu o relator que, enquanto pendente o processo administrativo, há o que foi chamado de incerteza objetiva sobre a existência e o conteúdo da obrigação tributária. A questão não se insere, portanto, entre os elementos do tipo do crime contra a ordem tributária, se deslocando da esfera da tipicidade para a das condições objetivas de punibilidade, segundo o entendimento do Ministro Sepúlveda Pertence (Habeas Corpus 81.611).
Segundo Júlio Fabbrini Mirabete, casos há: “Em que a punibilidade, por razões de política criminal, está na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstâncias não encontradas na descrição típica do crime e exteriores à conduta. São chamadas de condições objetivas porque independem, para serem consideradas como condições para a punibilidade, de estarem cobertas pelo dolo do agente. Deve-se entender que, constituindo-se a condição objetiva de punibilidade de acontecimento futuro e incerto, não coberto pelo dolo do agente, é ela exterior ao tipo e, em consequência, ao crime” (Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1997. p. 109).
Exemplo de condição objetiva de punibilidade expressamente prevista no ordenamento jurídico é a sentença que decreta a falência para efeitos de apuração dos crimes falimentares. De acordo com o art. 180 da Lei nº 11.101/05: “A sentença que decreta a falência concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei“.
O segundo posicionamento, da decisão administrativa como elemento normativo do tipo penal, ficou consignado no voto do Ministro Cezar Peluso. Reconhecendo tratar-se de delito de dano, cujo tipo tem por objeto material a existência de tributo, asseverou o julgador que, “quando a lei alude a ‘tributo’, evidentemente está aludindo a ‘tributo’ que seja devido, o que permite logo dizer, com toda a propriedade, e até para ser fiel à linguagem do Código Tributário Nacional, que seu correspondente passivo, na relação jurídico-tributária, está na existência de obrigação jurídica exigível” (Habeas Corpus 81.611/STF).
Assim, para o Ministro Cezar Peluso, “sendo o tributo elemento normativo do tipo penal, este só se configura quando se configure a existência do tributo ‘devido’, ou, noutras palavras, a existência de obrigação jurídico-tributária exigível. No ordenamento jurídico brasileiro, a definição desse elemento normativo do tipo não depende de juízo penal, porque, como dispõe o Código Tributário, é competência privativa da autoridade administrativa defini-lo” (Habeas Corpus 81.611/STF).
Antes mesmo de proferir seu voto nos autos do Habeas Corpus 81.611-8/DF, o Ministro Cezar Peluso já havia adiantado, na decisão liminar proferida nos autos do Habeas Corpus 81.321-6/SP, seu pensamento sobre ser o julgamento definitivo do processo administrativo de lançamento elemento integrante do tipo penal previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90, de modo que sem sua ocorrência não se pode considerar o delito como consumado (STF, Habeas Corpus 81.321, Rel. Min. Cezar Peluso).
Como o resultado final do julgamento não seria alterado pela definição sobre ser a decisão administrativa final condição objetiva de punibilidade ou elementar do tipo penal – já que ambas as hipóteses implicariam no trancamento da ação penal promovida contra o paciente por infração descrita no art. 1º da Lei nº 8.137/90, que é a conclusão final do Supremo Tribunal Federal no âmbito do Habeas Corpus 81.611-8/DF – a questão não foi definida.
Julgados posteriores de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, proferidos antes da publicação do acórdão do Habeas Corpus 81.611-8/DF, que só se deu em 13.05.05, apesar de ter sido julgado em 10.12.03, trataram a decisão final no procedimento administrativo como elemento normativo integrante do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 (Habeas Corpus 84.092/CE, Rel. Min. Celso de Mello, j. 03.12.04). No mesmo sentido: Habeas Corpus 83.414-1/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 23.04.04).
Com a publicação do acórdão do Habeas Corpus 81.611-8/DF ficou claro, no entanto, que não se definiu a questão sobre ser a decisão administrativa elementar do tipo ou condição objetiva de punibilidade. A ementa do julgamento foi assim registrada:
“Crime material contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADIn MC 1.571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137/90 – que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo do tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (Lei nº 9.249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda a sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.” (Habeas Corpus 81.611)
Note-se que nenhuma conclusão há sobre ser a decisão administrativa condição objetiva de punibilidade ou elementar do tipo penal. No entanto, a inserção na ementa do julgamento de trecho específico sobre a suspensão do prazo prescricional pode dar a impressão que se trata de condição objetiva de punibilidade, porque se fosse elementar do tipo penal, a questão da prescrição não precisaria sequer ser mencionada, pois esta só teria início com a consumação do delito de sonegação fiscal, a qual somente ocorreria com a decisão definitiva sobre o lançamento.
Após a publicação do acórdão do Habeas Corpus 81.611-8/DF, em 13.05.05, e a ementa, nos termos como foi redigida, julgados posteriores do Supremo Tribunal Federal passaram a afirmar que a decisão definitiva no âmbito administrativo é elementar do tipo penal dos crimes de sonegação fiscal previstos no art. 1º da Lei nº 8.137/90 (STF, Habeas Corpus 89.983, Relª Minª Cármen Lúcia).
A solução para a questão advém da definição do que é “tributo” para efeitos da descrição típica do art. 1º da Lei nº 8.137/90. Para Heloisa Estellita Salomão:
“‘Tributo’ só pode ser empregado em forma elíptica no sentido de ‘quantia exigida a título de tributo’. Essa quantia, sim, pode ser suprimida ou reduzida pelo inadimplemento de obrigações acessórias a cargo do contribuinte, nas hipóteses em que participa do lançamento tributário.” (A tutela penal e as obrigações tributárias na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2011. p. 208)
Assim, ao se referir a “tributo“, está a lei a tratar de “tributo efetivamente devido“, hipótese que só restará configurada com a constituição definitiva do crédito pela autoridade administrativa competente (art. 142 do Código Tributário Nacional). E tal somente ocorrerá com o julgamento definitivo da impugnação ofertada pelo contribuinte contra o lançamento. Antes disso há mera expectativa de exigibilidade do tributo que pode ou não vir a ser confirmada ao final do processo administrativo.
Se o contribuinte tem direito de impugnar o lançamento, e posteriormente recorrer a todas as instâncias na esfera administrativa, é porque a Constituição Federal estendeu as garantias do contraditório e ampla defesa também aos processos administrativos (art. 5º, LV, da Constituição Federal).
Deste modo, não se pode equiparar a “expectativa de exigibilidade do tributo“, hipótese vaga e imprecisa tendo em vista a pendência do processo administrativo, com o termo “tributo” inserto na descrição típica do art. 1º da Lei nº 8.137/90, que tem o sentido de “tributo efetivamente devido“, o qual somente será exigível com a constituição definitiva do crédito tributário.
Como afirmam Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini:
“Quando se discute no âmbito tributário se o tributo é devido ou não, somente após a conclusão final do procedimento administrativo é que se dissipa a dúvida sobre esse ponto. Nesses casos concretos não se justifica, de modo algum, a existência de processo penal (…). Se a administração fiscal nem sequer definiu se o tributo é devido ou não, como poderiam, no juízo penal, ser elaborada discussão acerca de eventual lesão fiscal? Enquanto pendente de decisão administrativa a conduta do contribuinte não passa de possibilidade de que se constitua em um ilícito fiscal. Nada mais. Mera e vaga possibilidade. Por isso é que não se justifica o processo penal.” (Prévio exaurimento da via administrativa e crimes fiscais, p. 97)
Portanto, se a leitura do disposto no art. 1º da Lei nº 8.137/90 indica conclusão no sentido de que termo “tributo” significa “tributo devido“, até porque não se pode conceber da “supressão” ou “redução” de tributo que não é devido, e o “tributo devido” só será definido a partir da constituição do crédito tributário pela autoridade administrativa, essa circunstância é elementar do tipo penal e não em condição objetiva de punibilidade.
Condições objetivas de punibilidade são circunstâncias exteriores à conduta, não contempladas na descrição típica, mas cuja ocorrência é imprescindível para configuração do ilícito penal. A decisão administrativa definindo a exigibilidade do tributo não se enquadra nessa definição, porque não está alheia, mas inserida no tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90, por meio do termo “tributo“, o qual deve ser compreendido como “tributo efetivamente devido“. Trata-se, portanto, de elementar normativa do tipo penal.
Poder-se-ia argumentar que, em casos de impugnação apenas parcial do auto de infração, contestando, por exemplo, o quantum do tributo ou o valor da multa, que já estão presentes todos os elementos para configuração do ilícito penal, sendo viável, portanto, a instauração imediata da ação penal, na medida em que, nesta hipótese, o tributo é efetivamente devido, restando para a discussão na esfera administrativa apenas o seu valor. O argumento, no entanto, é improcedente.
Imaginemos uma denúncia que indica ter o acusado suprimido ou reduzido determinado tributo sem especificar o seu quantum. Ou pior, que descreva o valor suprimido ou reduzido, mas com a ressalva de que está ele sendo contestado na esfera administrativa. Em qualquer dessas hipóteses restaria configurada a sua inépcia em razão da inobservância do art. 41 do Código de Processo Penal, que estabelece a exigência da denúncia expor o fato criminoso “com todas as suas circunstâncias”.
Independentemente dessa questão de âmbito processual, poderia até se falar que o delito se consumou, na medida em que há “tributo efetivamente devido” na pendência de processo administrativo contestando apenas o valor do tributo cobrado, e não a sua existência. No entanto, seria inviável a propositura da ação penal desde logo.
É que os arts. 68 e 69 da Lei nº 11.941/09 estabeleceram hipóteses de extinção da punibilidade do agente com a quitação integral do débito tributário, inclusive seus acessórios, e suspensão da pretensão punitiva, em caso de parcelamento, até o pagamento da última parcela.
Assim, se o agente tem direito ao benefício legal expressamente contemplado em lei, e o valor da sua dívida ainda não foi definido pela autoridade administrativa competente, revela-se incabível a instauração da ação penal por infração ao art. 1º da Lei nº 8.137/90, uma vez que se encontra ele impossibilitado de elidi-la pelo pagamento por desconhecer o valor do débito.
Nesta hipótese, e somente nela, o julgamento definitivo na esfera administrativa adquire contornos de condição objetiva de punibilidade, porque todos os elementos da descrição típica já se fazem presentes, restando, no entanto, a definição do valor do tributo, que é indispensável para o aperfeiçoamento de delito, tendo em vista a possibilidade da extinção da punibilidade pelo pagamento.
Passamos a responder as questões formuladas, à luz da legislação penal, correspondentes às perguntas 5 e 6.
“5) Seria possível responsabilizar penalmente o substituído por eventuais irregularidades praticadas pelo substituto?“
Entendemos que não. Teorias embasadas em responsabilidade penal de caráter objetivo não podem ser admitidas em sede de crimes contra a ordem tributária, porque contrárias às garantias fundamentais expressas na Constituição Federal, que servem de alicerce para a aplicação do direito penal.
Em face da adoção da responsabilidade penal pessoal, mesmo em tema de crimes contra a ordem tributária, é necessário considerar que, após a decisão administrativa final declarando a exigibilidade do tributo, os seus efeitos devem retroagir até o fato gerador a fim de se identificar o agente responsável pela conduta que ensejou eventual sonegação fiscal.
“6) Na linha da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal, mesmo sem existir qualquer fiscalização e/ou procedimento administrativo-fiscal por parte da Sefaz hábil a indicar infração tributária praticada pelo grupo, é possível falar em lançamento definitivo do tributo e ocorrência de crime contra a ordem tributária?“
Entendemos que não. O caráter material dos crimes de sonegação fiscal previstos na Lei nº 8.137/90 impõe que a discussão sobre a incidência do tributo na esfera administrativa esteja definitivamente superada para possibilitar o início da persecução penal, nos moldes da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal.
Uma vez definida a incidência do tributo pela esfera administrativa, torna-se indispensável identificar qualquer espécie de fraude na conduta do agente para justificar sua incriminação por delito contra a ordem tributária. O simples ato de não pagar o tributo origina um débito fiscal que sujeitará o responsável às sanções de natureza civil, não o submetendo ao crivo do direito penal, pois o devedor não pode ser equiparado ao sonegador.
Na Lei nº 8.137/90, a efetiva supressão ou redução do imposto é, agora, elementar do crime em questão. Assim, em função da própria descrição típica, não há como se falar em crime na hipótese de existir recurso na esfera administrativa que, se julgado procedente, poderá afirmar a inexistência de supressão ou redução de tributo.
É o parecer, s.m.j.
[1] “Senado Federal
Secretaria Geral da Mesa
Secretaria de Comissões
Subsecretaria de Apoio às Comissões Especiais e Parlamentares de Inquérito
RELATÓRIOS PARCIAL E SUPLEMENTAR
‘Comissão Especial Externa do Senado Federal criada pelo RQS nº 25, de 2012, com a finalidade de analisar e propor soluções para questões relacionadas ao Sistema Federativo.’
Nelson Jobim (Presidente), Everardo Maciel (Relator), Bernard Appy, Bolívar Lamounier, Fernando Rezende, Ives Gandra da Silva Martins, João Paulo dos Reis Velloso, Luís Roberto Barroso, Manoel Felipe do Rêgo Brandão, Marco Aurélio Marrafon, Michal Gartenkraut, Paulo de Barros Carvalho, Sérgio Roberto Rios do Prado.
Outubro/2011.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva; CARVALHO, Paulo de Barros. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2014. p. 99)
[2] Escrevi:
“Houve por bem, o constituinte, fortalecendo o princípio desenhado na Lei Complementar nº 24/75 – de canhestra redação -, estabelecer, conforme o § 2º, incisos IV, V e VI do § 2º do art. 155 da CF/88, todo um sistema de controle da determinação de alíquotas estaduais e interestaduais pelo Senado Federal, objetivando: a) eliminar os riscos de que incentivos outorgados por um Estado tivessem impacto de descompetitividade em relação a Estados que dele recebessem mercadorias com ICM estimulado, mediante a exigência de aprovação de alíquotas mínimas para as operações internas e máximas nas mesmas operações, em caso de conflito entre os Estados; b) estabelecer as alíquotas aplicáveis para as operações interestaduais e de exportação; c) exigir a unanimidade de Estados e do Distrito Federal para aprovar tratamento mais favorável às operações internas – e, implicitamente, para as externas -; d) exigir que as alíquotas internas não fiquem abaixo das previstas para as operações interestaduais, salvo acordo de todos os Estados e Distrito Federal.
E ao falar em Estados e Distrito Federal no que concerne a isenções, incentivos e benefícios, impôs a necessidade de votação unânime, para não provocar favorecimento que desse a qualquer um deles maior competitividade, no mercado interno, o que resta reforçado pela disposição de que as alíquotas internas não sejam inferiores às definidas para as operações interestaduais. E a unanimidade decorre de não ter o constituinte estabelecido quórum menor para aprovação dos estímulos fiscais.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva; CARVALHO, Paulo de Barros. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2014. p. 5-6)
[3] Paulo de Barros Carvalho conclui:
“Não vejo obstáculos aos atos dos Estados e do Distrito Federal que venham conceder remissão ou anistia dos créditos de ICMS decorrentes da declaração de inconstitucionalidade de isenções, incentivos ou benefícios fiscais concedidos sem suporte em convênio. Pelo contrário, tal providência é recomendável, para que se mantenha no ordenamento o clima de segurança jurídica, evitando punir ou onerar o contribuinte que agiu de acordo com os termos de lei reputada por válida e vigente.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva; CARVALHO, Paulo de Barros. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2014. p. 97)
[4] A Súmula, não discutida ainda, de nº 69, tem a seguinte dicção:
“Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), é inconstitucional” (PGR, Proposta de Súmula Vinculante nº 69).
[5] O Seminário foi patrocinado pela Internews, em São Paulo, no primeiro semestre de 2012.
[6] O art. 2º, § 1º, da proposta de término da Guerra Fiscal em Lei Complementar tinha a seguinte dicção:
“§ 1º A aprovação do convênio de que trata o caput dependerá de decisão tomada pela unanimidade dos Estados, salvo no caso de incentivos fiscais que satisfaçam, cumulativamente, os seguintes requisitos, hipótese na qual será observado o quórum de que trata o art. 8º:
I – localização do empreendimento incentivado em Estado, cuja média do Valor Adicionado Bruto da Indústria de Transformação per capita, nos últimos 10 (dez) anos, seja, por ocasião do ato concessivo, inferior à nacional, no mesmo período;
II – abrangência limitada à saída de produtos industrializados, efetuada pelo próprio estabelecimento fabricante;
III – redução de base de cálculo nas operações interestaduais, da qual resulte carga tributária efetiva equivalente à da aplicação da alíquota de 4{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (quatro por cento), desde que não superior à alíquota interestadual aplicável, em virtude de Resolução do Senado Federal;
IV – prazo para fruição do incentivo não superior a 8 (oito) anos;
V – publicação, no Diário Oficial da União, por meio do órgão de que trata o art. 7º, do ato concessivo de cada empreendimento incentivado, especificando as condições da Concessão.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva; CARVALHO, Paulo de Barros. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2014. p. 129-130)
[7] Por esta razão, foi recepcionada a Lei Complementar nº 24/75. Leia-se na ADIn 2.549, a parte da ementa que transcrevo:
“VII – O art. 155, § 2º, inciso XII, g, da Constituição Federal dispõe competir à lei complementar, mediante deliberação dos Estados-membros e do Distrito Federal, a regulamentação de isenções, incentivos e benefícios fiscais a serem concedidos ou revogados, no que diz respeito ao ICMS. Evidente necessidade de consenso entre os entes federativos, justamente para evitar o deflagramento da perniciosa ‘guerra fiscal’ entre eles. À lei complementar restou discricionária apenas à forma pela qual os Estados e o Distrito Federal implementarão o ditame constitucional. A questão, por sua vez, está regulamentada pela Lei Complementar nº 24/75, que declara que as isenções a que se faz referência serão concedidas e revogadas nos termos dos convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal. VIII – Necessidade de aprovação pelo Confaz de qualquer política extrafiscal que implique na redução ou qualquer outra forma de desoneração do contribuinte em relação ao ICMS. Precedentes do STE. IX – O Decreto nº 20.957, de 13 de janeiro de 2000 teve os seus efeitos integralmente exauridos, enquanto que os Decretos ns. 21.077/00, 21.082/00 e 21.107/00 foram revogados, fato que implicou na carência superveniente da ação. Interesse processual. X – Parcial procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 20, inciso I e seus §§ 2º e 3º; do art. 50, seus incisos I, II e III e seu parágrafo único, inciso I; do art. 61, na sua integralidade; e dos §§ 1º e 2º do art. 70, todos da Lei nº 2.483, de 19 de novembro de 1999.” (ADI 2.549, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. 01.06.2011, DJe-189, Divulg. 30.09.2011, Public. 03.10.2011, Republ. DJe-209, Divulg. 28.10.2011, Public. 03.11.2011, Ementa Vol-02618-01, pp-00024, Rei. si. 14, n. 82, 2011, p. 92-105) (MARTINS, Ives Gandra da Silva; CARVALHO, Paulo de Barros. Guerra fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2014. p. 13-14).
[8] Escrevi:
“A Lei Suprema não transforma, em nenhum momento, o substituto em responsável supletivo. Há uma responsabilidade única atribuída ao substituto. Não há qualquer referência ao substituído. Esta foi a razão pela qual, na 1ª questão, respondi que, se a operação for por valor inferior ao da pauta estabelecida pelo governo, a restituição caberia ao substituto, e não ao substituído, devendo, entretanto, em face do disposto no art. 166 do CTN – até o presente tido como norma constitucional -, obter a autorização do substituído e entregar-lhe o que receber. À evidência, se houver mudança da jurisprudência, a meu ver, em choque com o princípio da legalidade.
Não vejo, pois, como pretender que aquele que pagou o tributo embutido no preço da mercadoria e que, de rigor, representa o denominado ‘contribuinte de fato’ possa ser responsabilizado, à falta de expressa menção no texto constitucional ou no CTN.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva [Coord.]. Responsabilidade tributária: pesquisas tributárias – Nova Série 17, São Paulo: CEU/RT, São Paulo, 2011. p. 38)
[9] A Ministra Cármen Lúcia, invocando jurisprudência da Suprema Corte, entende que a responsabilidade é exclusiva do substituto, ao negar recurso do Estado de São Paulo. Lembra, inclusive, que não realizada a operação posterior, cabe ao substituto o direito de reaver o tributo não pago:
“9. Este Supremo Tribunal Federal assentou a constitucionalidade da substituição tributária para frente no ICMS na comercialização e medicamentos e produtos. Nesse sentido:
‘EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. MEDICAMENTOS. IMPRESCINDIBILIDADE DE QUE ESSA HIPÓTESE ESTEJA PREVISTA EM LEI. 1. É responsável tributário, por substituição, o industrial, o comerciante ou o prestador de serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subsequentes saídas de mercadorias ou, ainda, por serviços prestados por qualquer outra categoria de contribuinte. Legitimidade do regime de substituição tributária declarada pelo Pleno deste Tribunal. 2. Produtos farmacêuticos. Substituição tributária. Hipótese prevista no Convênio ICMS nº 76/94 e na Lei nº 6.374/89, que considera responsável tributário, por substituição, o industrial, o comerciante ou o prestador de serviço. Embargos de declaração rejeitados.’ (RE 237.881-AgR-ED, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 04.08.00)
‘EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ICMS. COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS E PRODUTOS FARMACÊUTICOS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA ‘PARA FRENTE’. LEGITIMIDADE. EVENTUAL INOCORRÊNCIA DA OPERAÇÃO SUBSEQUENTE, FRUSTRANDO-SE A REALIZAÇÃO DO FATO GERADOR PRESUMIDO. INCIDÊNCIA DO § 7º DO ART. 150 DA CONSTITUIÇÃO, QUE ASSEGURA IMEDIATA E PREFERENCIAL RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A LEGITIMIDADE DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NAS OPERAÇÕES COM PRODUTOS MÉDICO-FARMACÊUTICOS. INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO. PRETENDIDO REEXAME DA CAUSA. CARÁTER INFRINGENTE. INADMISSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.’ (RE 546.257-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 12.12.2011).
Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido do Superior Tribunal de Justiça.
- Mantida a decisão do Superior Tribunal de Justiça, esta substitui o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos do art. 512 do Código de Processo Civil, perdendo objeto, portanto, o recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo.
- Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário interposto por P. Castro Produtos Médicos Hospitalares Ltda. e julgo prejudicado o recurso interposto pelo Estado de São Paulo (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, inciso IX e § 1º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).
Publique-se.
Brasília, 1º de março de 2012.
Ministra Cármen Lúcia – Relatora.” (Recurso Extraordinário ao Recurso Especial 418.541)
[10] Leia-se trecho de Ementa do STJ da relatoria do Ministro Luiz Fux:
“4. Na sistemática da substituição tributária, o substituto apura e recolhe o ICMS que incidirá na operação futura a ser realizada pelo substituído. E este último, como contribuinte, que deve suportar diretamente o ônus do tributo, ainda que o repasse ao consumidor final, por se tratar de imposto indireto.
- Caso o substituto deixe de apurar e recolher o ICMS por culpa ou dolo, responderá pelo tributo, pois descumpriu a obrigação legal correspondente, mantendo-se como sujeito passivo.
- Inviável exigir do recorrido-substituto o ICMS não recolhido, se inexistiu culpa ou dolo. Ao contrário, respeitou-se determinação judicial para não apurar e recolher o tributo. Em caso de cobrança, seria impossível ao responsável repassar o ônus do tributo ao substituído-contribuinte.” (Recurso Especial 1.090.414/RS, 2008/0199375-0[1], Rel. Min. Luiz Fux, Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul, Procurador: Olga Aline Orlandini Cavalcante e outro[s], Recorrido: Ford Motor Company Brasil Ltda., Advogado: Eduardo Alves Paim e outro[s], Documento: 1040557, inteiro teor do acórdão, DJe: 11.05.2011) (grifos meus)
[11] Amal Nasrallah lembra que o Tribunal de Impostos e Taxas desresponsabiliza o substituto da responsabilidade nestas operações:
“De acordo com o voto, o RICMS/SP no art. 267, II, ‘ao regulamentar o art. 66-C da Lei nº 6.374/89 não regulamentou uma responsabilidade solidária, mas sim uma responsabilidade supletiva e, ao regulamentá-la, assentou apenas duas hipóteses, nas quais o Fisco poderá exigir o imposto do substituído: (i) alínea a, lavratura imediata do AIIM nos casos defraude, dolo ou simulação; e, (ii) alínea b, lavratura do AIIM após notificação prévia nos demais casos’ e ‘nessa última hipótese, concede-se ao responsável supletivo a oportunidade de recolher o imposto sem as penalidades do art. 85 da Lei nº 6.374/89 e do art. 527 do RICMS/SP’.
No caso, as duas hipóteses não se configuraram, pois não houve fraude, dolo ou simulação e tampouco houve notificação do substituto, sem qualquer razão, visto que este, apesar de ter sede no Rio de Janeiro, está plena atividade.
Segue ementa do julgado:
‘ICMS. RESPONSABILIDADE SUPLETIVA. ‘ICMS-OP do Substituído’ ou ‘ICMS-ST’. Destinatário-adquirente. Art. 128 do CTAT, art. 66-C da Lei nº 6.374/89, regulamentado pelo art. 267, II, do RICMS/SP. Remessa interestadual de mercadorias sujeita à substituição tributária. Não recolhido o ICMS-ST pelo substituto é imperiosa a existência de algum ato fazendário exigindo o imposto do substituto para, posteriormente, exigi-lo por supletividade do substituído, mediante sua notificação prévia, conforme determina o art. 267, II, b, do RICMS/SP. Recurso ordinário conhecido e provido.” (Publicação: 01.12.2016, Recurso Ordinário, DRT:13, Processo: 4002905, Ano: 2012, AIIM 4002905-0) (TIT e a responsabilidade supletiva do substituído, 11.12.2016, Jota Info)
[12] Leia-se as conclusões do XIX Simpósio Nacional de Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária – Escola de Direito:
“Pode um sujeito passivo da relação tributária ser condenado por crime fiscal relacionado a processo em que a própria Administração ou o Poder Judiciário venham a declarar inexistir qualquer responsabilidade de natureza tributária?
Proposta da comissão de redação aprovada em plenário:
Não pode qualquer pessoa ser condenada por crime contra a ordem tributária, quando a própria Administração ou o Poder Judiciário venham a declarar inexistente a responsabilidade tributária que lhe era imputada no processo penal.
Comissão 1
Posição majoritária (53 votos): Como a existência de exigibilidade de tributo é questão prejudicial ao processo penal, devendo este observar o disposto no art. 93 do Código de Processo Penal, até que se resolva, na esfera competente, a questão tributária, e como a norma penal é forma de impor o cumprimento da obrigação tributária, se for declarada a inexistência de responsabilidade fiscal pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário, não pode o sujeito passivo da relação tributária ser condenado por crime fiscal, pois este, no caso, inexiste, por ausência de objeto no tipo penal.
Posição minoritária (35 votos): Há independência entre as esferas penal e tributária. A existência ou não de débito tributário é questão prejudicial na esfera penal, quanto aos crimes do art. 1º da Lei nº 8.137/90.
Quanto aos crimes formais do art. 2º, é possível condenação criminal, independentemente da decisão administrativo-tributária.
Comissão II
Não pode um sujeito passivo da relação tributária ser condenado por crime fiscal relacionado a processo em que a própria Administração ou o Poder Judiciário venham a declarar inexistir qualquer responsabilidade de natureza tributária (71 votos).
Comissão III
Posição majoritária (13 votos): Nos crimes tributários, o sujeito passivo da relação tributária não pode ser condenado em processo criminal enquanto pender processo administrativo ou judicial discutindo a existência substancial da própria relação jurídico-tributária.
Sobrevindo decisão quanto à substância dessa relação tributária (em processo administrativo ou judicial), o juiz do processo criminal fica vinculado em sua decisão, em face da natureza do tipo penal tributário.
Posições minoritárias (2 votos): Considerando facultativo o sobrestamento do processo criminal enquanto perdurar o processo administrativo e o judicial quanto à relação tributária (1 voto).
Considerando autônomos e desvinculados esses processos em se tratando de crimes tributários de mera conduta.
Comissão IV
Em processo em que a própria Administração ou o Poder Judiciário venham a declarar inexistir qualquer responsabilidade de natureza tributária, não poderia o ‘pseudo’ sujeito passivo de obrigação tributária ou condenado por crime fiscal, uma vez que não havendo relação jurídica, não há obrigação e não há sujeito passivo.
Aprovado por unanimidade (28 votos).” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Pesquisas tributárias – Nova Série 2: o princípio da moralidade no direito tributário. São Paulo: CEU/RT, 1998. p. 271-272)
[13] Escrevi:
“Parece-me, pois, que não só a Constituição assegura garantias e direitos ao contribuinte, estes imutáveis, enquanto não modificável a ordem constitucional, como outras garantias e direitos podem ser introduzidos, inclusive nas ordens constitucionais inferiores, a que não é lícito retirar direitos supremos, mas a que é lícito acrescentar elenco maior de proteção.
O discurso inicial do art. 150 cuida, pois, exclusivamente, de parcela importante de garantias, mas não de todas elas. Até porque na busca da proteção jurídica a Constituição deve voltar-se sempre à proteção da sociedade contra o excesso de poder do Estado.” (Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2001. t. I. v. 6. p. 153-154)
[14] Escrevi:
“O § 7º do art. 150 é uma verdadeira solução ‘spielberguiana’. Tributa, o Fisco, hipótese não ocorrida. Viaja para o futuro com sua máquina impositiva e assegura, por antecipação, receita a que só teria direito se e quando a operação viesse a ocorrer. Se não ocorrer, apenas estará obrigado à devolução, com as desculpas de que sua previsão ‘spielberguiana’ não foi tão bem-sucedida, em seus efeitos especiais, como acontece nos filmes do cineasta americano.
Ora, o sistema tributário brasileiro é o mais pormenorizado sistema dos países civilizados, em nível de disposições constitucionais. Por esta razão, colocou, o constituinte, à disposição do Fisco, um arsenal tributário fantástico, com inúmeras possibilidades de imposição e até, para a União, o direito à criação de novos impostos. Mas também reconheceu direitos ao contribuinte ofertando-lhe garantias para que todos os princípios lá expostos fossem assegurados, dentre os quais o de não sofrer nenhuma nova hipótese impositiva criada de forma diversa daquela exposta no próprio texto.
O caput do art. 150 faz menção, claramente, a serem as garantias constitucionais do contribuinte cláusulas pétreas.
Ora, se a substituição tributária relativamente a imposto não nascido é a criação de autêntico empréstimo compulsório, a ser ‘pago’ na ocorrência do fato gerador mediante compensação com o imposto realmente devido ou com a devolução da importância, no caso de não ocorrência do fato gerador, nitidamente, criou-se figura que só poderia ter surgimento nos termos do art. 148 da Constituição Federal, assim redigido.” (Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, ano 2, n. 8, jul./set. 1994, p. 105-106)
[15] Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewArticle/125/168>.
[16] Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewArticle/125/168>.
[17] O art. 27 da Lei nº 9.868/99 tem a seguinte dicção:
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
[18] Artur Ricardo Ratc, comentando decisão do STJ, lembra que:
“Assim, ainda seguindo o julgado acima do STJ e outro REsp 865.792/RS, três conclusões se destacam para justificar a impossibilidade de ‘pagamento da conta’ caso o substituto tributário não cumpra com suas obrigações, senão:
1) Inexiste relação jurídica entre substituído e Estado, logo não existe responsabilidade tributária;
2) Na substituição tributária, inclusive nos casos em que o substituto possui direito de reembolso do tributo face o substituído ou retenção na fonte, não existe a figura do substituído de sujeito passivo, logo, não é responsável;
3) O substituído não efetua pagamento de tributo de qualquer tributo ao substituto, eis que a relação entre esses dois é de natureza privada e não tributária.
É possível concluir, portanto, que nos moldes do julgamento mencionado, o revendedor não paga a conta do fabricante, ou seja, relação e responsabilidade tributária só existe com o substituto-fabricante e Estado, mas não com o substituído-revendedor.” (Disponível em: <http://democraciatributaria.com.br/index.php/artigos-autores/artur-ratc/89-substituicao-tributaria-o-substituido-paga-a-conta-se-o-substituto-nao-pagar>)
[19] Gustavo Brigagão comenta decisão do STJ:
“A ementa do REsp 1.028.716, de 20.04.2011 (1ª Turma), bem sintetiza os argumentos utilizados nessa discussão:
‘4. A partir do momento em que foi notificada da concessão do provimento liminar em favor da substituída, a ora recorrente (fabricante), obrigada a cumprir a determinação judicial que lhe foi comunicada, ficou impedida de realizar o recolhimento do ICMS na qualidade de substituta tributária, o que configura a irreversibilidade da situação.
- Em atenção ao princípio da capacidade contributiva, o substituto tributário, ainda que seja o responsável pelo recolhimento do tributo (no caso, o ICMS no regime antecipado), deve ter a possibilidade de repassar o seu ônus ao verdadeiro contribuinte, mediante a inclusão do valor do imposto no preço das mercadorias. Por tal motivo, o substituto apenas poderá ser cobrado pelo Fisco se, por culpa ou dolo, deixar de proceder ao recolhimento do tributo, ocasião em que passará a figurar na posição de devedor principal, por desrespeito à determinação legal de proceder ao recolhimento de acordo com a sistemática da substituição.
- Não havendo dolo ou culpa do substituto tributário, considerando que o comando legal que determinava o recolhimento do tributo pelo regime da substituição tributária foi substituído pela determinação judicial que autorizou o recolhimento pelo próprio contribuinte, não há como responsabilizá-lo pelo inadimplemento do tributo, sob pena de locupletamento do contribuinte substituído.
- Nessas hipóteses ‘exigir o ICMS do substituto, como pretende o fisco, é subverter o princípio da capacidade contributiva, exonerando o contribuinte do imposto por ele devido e onerando exclusivamente o responsável’.’” (Disponível em: <http://conjur.com.br/2015-jul-29/consultor-tributario-relacoes-entre-substituto-substituido-geram-ambiguidades?>)
[20] Comentei-os das páginas 253 a 338 do volume 2 do livro Comentários ao Código Tributário Nacional (MARTINS, Ives Gandra da Silva [Coord.]. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013).
[21] Por falar a lei em responsabilidade pessoal, por questão de homenagem à inteligência do legislador complementar, entendia que esta responsabilidade, era pessoal e não empresarial.
Escrevi:
“Ora, sempre que os contratos ou estatutos sociais, a saber, os diplomas protetores da vida societária, são violados por quem estaria na obrigação de preservá-los, é evidente que a pessoa jurídica, a que pertencem, está, como o Fisco, na posição de vítima, e não pode de vítima ser transformada em autora.
Sob esse aspecto, parece-me sadia a orientação legislativa em tornar, para esses casos: a) pessoal, b) total, e c) exclusiva a responsabilidade das pessoas físicas, enunciadas no referido artigo, sempre que o dolo, a fraude e a má-fé forem os agentes deflagradores das obrigações tributárias.
A jurisprudência, porém, não tem hospedado tal inteligência.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva [Coord.]. Comentários ao CTN. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 2. p. 318-319)
[22] Transcrevo as conclusões do III Simpósio Nacional do Centro de Extensão Universitária-Escola de Direito a respeito do fato gerador do ICMS:
“6ª Questão – À luz das respostas anteriores, qual o aspecto material da hipótese de incidência do ICM?
Comissão I (1ª posição): O aspecto material da hipótese de incidência do ICM abriga toda operação (atividade ou ação que implique o curso da mercadoria, da fonte de produção até o consumidor relativa à circulação econômica ou jurídica) de bens identificados como mercadorias.
(2ª posição): O aspecto material da hipótese de incidência do ICM consiste na previsão legal de um negócio jurídico transmissivo da ‘condição de dono’ a outrem de uma mercadoria, segundo um impulso voluntário do transmitente.
Comissão II (maioria): É toda operação (ato que implique o impulsionamento da mercadoria da fonte de produção em direção do consumidor) relativa à circulação (processo de condução da mercadoria desde a fonte de produção até o consumo) de bens identificáveis como mercadorias.
Comissão III: Fato gerador do ICM toda operação (ocorrência de fato que implique o curso da mercadoria, da fonte de produção até o consumidor) relativa à circulação (econômica ou jurídica) de bens identificáveis como mercadorias, desde que realizadas por comerciantes, industriais ou produtores ou demais categorias de contribuintes previstas em lei complementar.
Divergência: A materialidade da hipótese de incidência do ICM não pode ser a realização de um fato (qualquer) que importe num impulso da mercadoria para o consumo. Esta materialidade seria uma materialidade econômica, que jamais poderia se referir a uma figura tipicamente jurídica, como o tributo. É uma resposta que não necessita de dados jurídicos para ser formulada.
Comissão IV: É ato ou conjunto de atos de movimentação ficta, física ou econômica de bens identificáveis como mercadorias (votação unânime, com abstenção do Dr. Carlos da Rocha Guimarães).
Comissão de Redação: ‘A hipótese de incidência do ICM tem como aspecto material fato que implique na movimentação econômica ou jurídica, de bens identificados como mercadorias, da fonte de produção até o consumo’.
Em face do risco de poder interpretar-se que a resposta ao item 1 seria uma resposta pretendendo atingir apenas às circulações jurídicas, no sentido que lhe emprestaram suas primeiras discussões, sobre a matéria e não ao que efetivamente foi deliberado, isto é, de que todas as circulações são jurídicas, pois se não fossem, delas a lei não poderia cuidar, podendo ser de três naturezas: (a) com a movimentação de mercadoria, sem movimentação de titularidade; b) com movimentação de mercadoria e de titularidade; e c) sem movimentação de mercadoria, mas com movimentação de titularidade), decidiu o Plenário, sem prejuízo dessa colocação, para esclarecimento da linha de pensamento predominante em redação não conflitante com a resposta nº 1, que: ‘A hipótese de incidência do ICM tem como aspecto material fato decorrente de iniciativa do contribuinte, que implique a movimentação econômica ou jurídica, de bens identificados como mercadorias, da fonte de produção até o consumo’.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva [Coord.]. Cadernos de Pesquisas Tributárias nº 4. 2. tir. São Paulo: CUEU/Res. Tributária, 1990. p. 644-647)
[23] “3) É possível, na substituição tributária ‘para a frente’ ou progressiva, tornar o substituído corresponsável supletivo? Deixando o contribuinte substituto de reter o tributo devido por substituição, em razão de determinação judicial exarada em ação promovida pelo contribuinte substituído, a quem caberá a responsabilidade pelo pagamento dos respectivos montantes, caso venha a ser reformada a decisão?
Comissão 1
Primeira parte
Não, não é possível na substituição tributária progressiva tornar o substituto corresponsável supletivo. (Maioria, 19 votos).
Sim. Nos termos do art. 126 do CIN, é possível, na substituição tributária para frente ou progressiva, tornar o substituído corresponsável supletivo pela Operação, desde que assim determinado em lei e não tenha o substituto procedido à retenção ou à recuperação do respectivo montante em face do substituído.
Tendo havido a retenção ou a recuperação por parte do substituto, não será possível tornar o substituído corresponsável em obediência aos princípios da segurança jurídica, capacidade contributiva e não confisco. (Minoria, 11 votos)
Segunda parte
O STF que ao julgar, por sua 2ª Turma, o AgReg no Agin 240.057, Rel. Min. Nery da Silveira, além de entender constitucional o regime de substituição tributária para frente, salientou que nele o recolhimento antecipado pelo substituto do ICMS incidente sobre o valor final do produto, cobrado ao consumidor, retirava do revendedor ou varejista a responsabilidade tributária. (Votação Unânime)
Comissão II
- a) Não, na medida em que na substituição tributária para frente ou progressiva afasta-se a responsabilidade do substituído, transferindo-se o encargo da obrigação ao substituto, exceto em casos de dolo, fraude ou má-fé. (A favor: 23 votos).
- b) No caso de reforma de decisão judicial proferida em ação ajuizada pelo substituído, deve este ser responsabilizado pelo pagamento dos valores não recolhidos em respeito ao principio da segurança jurídica em que o ordenamento deve garantir. (Votação Unânime)
Comissão III
Sim, é possível nos termos do art. 128 do CTN, porém depende de lei para estabelecer a responsabilidade supletiva. O autor da ação responderá pelas consequências. O substituto fica impedido pela decisão judicial. Então o substituído assumirá o ônus. (Votação Unânime: 28 votos)
Resposta final aprovada pelo plenário
Primeira parte
Não é possível, na substituição para frente ou progressiva, tornar o substituído corresponsável supletivo, exceto se houver lei expressa a respeito. (Maioria, 42 votos)
Prof. Ives mencionou considerar o seguinte. Além das repostas acima, considerar as seguintes respostas:
Sim. Nos termos do art. 128 do CTN, é possível, na substituição tributária para frente ou progressiva, tornar o substituído corresponsável supletivo pela operação, desde que assim determinado em lei e não tenha o substituto procedido à retenção ou à recuperação do respectivo montante em face do substituído.
Tendo havido a retenção ou a recuperação por parte do substituto, não será possível tornar o substituído corresponsável em obediência aos princípios da segurança jurídica, capacidade contributiva e não confisco. (Minoria, 11 votos)
Comissão 1
Sim, é possível nos termos do art. 128 do CTN, porém depende de lei para estabelecer a responsabilidade supletiva. O autor da ação responderá pelas consequências. O substituto fica impedido pela decisão judicial. Então o substituído assumirá o ônus. (Votação Unânime: 28 votos)
Comissão 3
Segunda parte
Deixando o contribuinte substituto de reter o tributo devido por substituição, em razão de decisão judicial promovida pelo contribuinte substituído, a responsabilidade pelo pagamento dos respectivos montantes caberá ao substituído, caso venha a ser reformada a decisão. (Unânime)
* Houve duas divergências.” (Conclusões do XXXVI Simpósio de Direito Tributário do Centro de Extensão Universitária-Escola de Direito no livro Pesquisas Tributárias – Nova Série 18, Questões Controvertidas no Processo Administrativo Fiscal – CARF, coed. CEU/Editora RT, 2013, São Paulo, p. 922-923).
[24] No RE 593.849/MG, o Ministro Fachin lembra que:
“Em síntese, o Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria, que o fato gerador presumido do ICMS se reveste de caráter definitivo, haja vista que a base de cálculo teria sido definida em lei, à luz de expressa autorização constitucional.” (retirado do inteiro teor do acórdão)