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GRATUIDADE DE CUSTAS PARA ADVOGADO COBRAR HONORÁRIOS

GRATUIDADE DE CUSTAS PARA ADVOGADO COBRAR HONORÁRIOS

José Roberto Mello Porto

 

Foi publicada, no último dia 13 de março, a Lei 15.109/2025, que inseriu um parágrafo terceiro no artigo 82 do Código de Processo Civil, às vésperas de seus dez anos de existência. Resumidamente, traz-se a previsão de gratuidade, quanto às custas, para procedimentos de cobrança de honorários advocatícios. A redação do dispositivo, bem generosa, é a seguinte:

Nas ações de cobrança por qualquer procedimento, comum ou especial, bem como nas execuções ou cumprimentos de sentença de honorários advocatícios, o advogado ficará dispensado de adiantar o pagamento de custas processuais, e caberá ao réu ou executado suprir, ao final do processo, o seu pagamento, se tiver dado causa ao processo”.

Noticiada a mudança, que entrou em vigor na data da publicação, animou-se o debate — público e privado —, surgindo, prontamente, posições no sentido da inconstitucionalidade do comando. Propõe-se, antes, a análise do que trouxe o legislador.

Seguindo o novo parágrafo, tem-se hipótese de incidência larga: tanto nas “ações de cobrança” — expressão mais prática que teórica — como nas execuções (processos de execução e cumprimentos de sentença). Percebe-se que a norma abarca casos enquadráveis em três grupos:

a crise de satisfação surgida do não pagamento voluntário dos honorários sucumbenciais fixados em sentença/acórdão, a desaguar em cumprimento de sentença;

a cobrança de honorários contratuais fixados em documento com força de título extrajudicial, que levará a processo de execução;

ações de conhecimento, pelo procedimento que for (“comum ou especial”, quis sublinhar o legislador), nas quais haja cobrança de honorários, que, não havendo restrição legal, podem ser contratuais, quando não estampados em documento com força executiva (ou, no extremo, ainda que revestido de tal natureza, o potencial exequente opte pelo processo de conhecimento[1]), ou sucumbenciais, em hipóteses de silêncio da sentença que valha como título judicial[2] ou de divergência entre patronos que demande arbitramento por qualquer razão.

Encontrando o pleito do advogado respaldo em qualquer um desses cenários, a consequência jurídica trazida é, no tocante às custas processuais, dupla:

Ausência de responsabilidade provisória, isto é, adiantamento das custas por parte do advogado (autor/exequente); e

Ausência de responsabilidade definitiva, ou seja, pagamento das referidas verbas ao final, em caso de sucumbência do advogado; ou

Existência de responsabilidade definitiva, em caso de procedência do pedido e sucumbência do réu/executado, que arcará com o pagamento das custas, condenado por sentença.

Resta evidente que a previsão vem beneficiar os profissionais da advocacia, quando intentam cobrar valores devidos a título de honorários.

Previsão reforça autoridade das decisões

Essa modalidade de gratuidade (de custas) soou inaceitável para parte da comunidade jurídica, que a enxerga como um reprovável privilégio a um tipo de profissional liberal, inextensível a outras classes. Além disso, haveria prejuízo estatal permanente quando o pedido fosse acatado. Tudo isso, alegadamente, em desconformidade com a isonomia predicada pelo texto constitucional.

Que o tratamento é diverso do padrão não se ignora. Cabe indagar se há sustentação para a exceção. O acesso à justiça acena positivamente.

Em primeiro lugar, há que se recordar que a situação não é, de todo, inédita. Em áreas do direito sensíveis, a garantia constitucional inspirou o legislador a afastar impedimentos econômicos da perspectiva daqueles que ponderam procurar o Judiciário.

O exemplo dos processos coletivos é paradigmático. O núcleo duro do microssistema aborda a questão das despesas processuais no artigo 18 da Lei da Ação Civil Pública e no artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor[3], trazendo regras específicas quanto à responsabilidade do autor pelas despesas processuais, com ausência de responsabilidade provisória (não há adiantamento de despesas quaisquer, incluindo custas, emolumentos, honorários periciais) e de responsabilidade definitiva (não há condenação em honorários e despesas processuais). A única hipótese em que haverá condenação, ao final, é a de litigância de má-fé, quando há sanção própria prevista.

Estatui-se um verdadeiro sistema de gratuidade, instrumento para a ampliação do acesso à justiça[4], ultrapassando a problemática dos custos do processo sob a ótica do processo coletivo, em prestígio das duas primeiras ondas renovatórias enunciadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth[5], atinentes à barreira dos custos do processo e da tutela de direitos transindividuais.

O caso da gratuidade para execução de honorários não está tão distante dessa lógica. Vive-se, na jurisdição contemporânea, uma crise de efetividade. Muito se tem percebido e dito sobre o gargalo das execuções cíveis e a abertura do leque de medidas executivas, outrora essencialmente marcado pela tipicidade e, hoje, pela maleabilidade autorizada ao magistrado[6].

Sob esse aspecto, facilitar, estimular e, em casos-limite, permitir a execução de honorários, sobretudo sucumbenciais, é reforçar a autoridade das decisões judiciais. O cumprimento da determinação estatal estampada na sentença não é matéria discricionária, nem pode ser um “nada jurídico”[7]. A realização do preceito condenatório interessa à parte beneficiada — in casu, o advogado –, mas também à coletividade e a todo o ordenamento. Faz todo o sentido o surgimento do novel gatilho econômico.

Outra perspectiva reforça a lógica: é incomparável, aos olhos do Judiciário, a atuação do advogado e a dos demais profissionais liberais. Não se quer, com isso, dizer que a advocacia seja a única profissão responsável pelos bens mais relevantes; se quer reiterar as linhas constitucionais que consideram o advogado essencial à justiça. Não à toa, tem-se um caminho bem trilhado no sentido da natureza alimentar dos honorários[8], com reflexos delineados gradualmente pela jurisprudência[9]. É ínsito ao funcionamento judiciário que atores com diferentes atributos recebam diferentes tratamentos, prerrogativas justificadas pela isonomia substancial[10]. Faz todo o sentido que o profissional que vive da representação processual possua ferramentas de reforço de percepção do devido pela atuação.

Ao legislador cabe, dentre todas as possibilidades admitidas pela realidade, eleger aquelas permitidas pelo Direito[11]. Essa opção, nas condições normais, deve ser prestigiada pelo Judiciário. Longe de uma “inconstitucionalidade chapada”, a dispensa do recolhimento de custas pelos advogados é uma exceção. Uma exceção que confirma a regra.

[1] CPC – Art. 785. A existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo processo de conhecimento, a fim de obter título executivo judicial.

[2] CPC – Art. 85. § 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.

[3] Com algumas modificações, também tratam do tema a Lei da Ação Popular (art. 13), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 218) e o Estatuto do Idoso (art. 88).

[4] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MELLO PORTO, José Roberto. Manual de Processo Coletivo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2025; WATANABE, Kazuo. Comentários sobre a defesa do consumidor em juízo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 936; LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 435.

[5] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.

[6] CPC – Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

[7] Como comentado acerca do pedido cominatório em FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.

[8] CPC – Art. 85. § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

[9] A verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação alimentícia). (REsp nº 1.954.380/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 5/6/2024).

[10] “Assim, a partir da entrada em vigor do art. 186, § 3º, do CPC/2015, a prerrogativa de prazo em dobro para as manifestações processuais também se aplica aos escritórios de prática jurídica de instituições privadas de ensino superior.” (REsp nº 1.986.064/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 1/6/2022, DJe de 8/6/2022.)

[11] CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Súmula Vinculante. Genesis – Revista de Direito Processual Civil. nº 6, set./dez. 1997.