RKL Escritório de Advocacia

GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO: O QUE O BRASIL PODE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO: O QUE O BRASIL PODE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

Eliza Cerutti

SUMÁRIO: 1 Alguns Desafios da Gestação por Substituição. 2 A Gestação por Substituição nos Sistemas Jurídicos Contemporâneos. 3 O que o Brasil Pode Aprender com a Experiência Estrangeira. Conclusões. Referências. Anexo I.

                                   

1 Alguns Desafios da Gestação por Substituição

A última metade do século XX foi marcada por profundas transformações políticas, sociais e tecnológicas. Entre o horror e a esperança, a Segunda Guerra Mundial deixou seu legado e fez florescer um mundo novo. A política viu nascer organismos internacionais de cooperação mútua e esforços para tentar garantir o desenvolvimento econômico e a paz mundial. Mudanças sociais deixaram suas marcas na família. Hoje ela é mais livre, igualitária e solidária. Enquanto isso, no campo tecnológico, avanços significativos no terreno da energia, dos transportes, das telecomunicações e da saúde fizeram surgir novas necessidades e sugerem a invenção de diferentes maneiras de se viver e de se relacionar com o outro.

Até mesmo a procriação, ato que se propõe tão natural, ingressou nessa ciranda. Os métodos contraceptivos viabilizaram o controle dos nascimentos não desejados. A reprodução humana assistida veio a remediar, em alguma medida, a infertilidade [1]. Nesse marco, apresenta-se a figura da gestação por substituição [2], potencializando os problemas relacionados à atribuição dos laços parentais e a como tutelar os interesses daqueles que a ela recorrem [3]. Com efeito, a dissociação entre casamento, sexo e reprodução fez ruir a noção até então unívoca da filiação [4], fazendo surgir situações nem sempre expressamente acolhidas pelo Direito, especialmente, nas formas de entender as relações entre pais e filhos, provocando o fenômeno que o antropólogo Maurice Godelier denominou de “a metamorfose do parentesco[5].

Por suas consequências tão transcendentes, a gestação por substituição tem suscitado uma multiplicidade de questionamentos de ordem jurídica, moral e ética, cujas respostas variam em cada Estado. Entretanto, o tema ganha uma dimensão especial quando se considera que os empecilhos que, internamente, alguns Estados impõem à gestação por substituição não são capazes de contê-la em um mundo globalizado [6] e, por vezes, ainda podem estimular o surgimento de um mercado reprodutivo internacional [7] que potencializa os problemas, na medida em que, nesse contexto, haverá contato com mais de um sistema jurídico.

Os dramas existenciais vividos em decorrência de manobras adotadas para contornar vedações legais e alcançar a realização do tão desejado projeto parental se multiplicam. Alguns casos são representativos dessa problemática, como o de Samuel. Ele nasceu na Ucrânia, em decorrência de acordo de gestação por substituição, e lá permaneceu em um orfanato por dois anos, porque os vistos de permanência de seus pais, um cidadão belga e um francês, expiraram antes que eles obtivessem o reconhecimento, pela Bélgica, do seu registro de nascimento, emitido pela Ucrânia [8].

História semelhante marca as vidas de Leonard e Nikolas Balaz. Os dois meninos nasceram na Índia e lá permaneceram durante dois anos, sem registro de nascimento, porque a Alemanha não reconhecia o vínculo parental em relação aos seus pais, um casal de alemães. As crianças apenas puderam deixar o país por questões humanitárias. A Agência de Adoção Central da Índia flexibilizou as regras internas e promoveu o registro dos dois meninos, permitindo também a adoção das crianças pelos alemães [9].

Situações como estas têm chegado à apreciação da Corte Europeia de Direitos Humanos. Recentemente a Itália foi condenada no caso Paradiso y Campanelli, por ter afastado um menino, nascido em decorrência de um acordo de gestação por substituição, firmado na Rússia, com uso de gametas cedidos do casal de italianos que desejou e promoveu o seu nascimento, ao mesmo tempo em que o encaminhou para a adoção, sob a justificativa de que seus pais genéticos eram desconhecidos [10]. A França também foi condenada nos casos Mennesson [11] e Labasse [12] por ter violado o direito à vida privada e familiar, ao negar o reconhecimento da filiação de crianças nascidas nos Estados Unidos, em decorrência de gestação por substituição, embora filhas biológicas de cidadãos franceses.

As histórias relatadas não são episódios isolados [13].

Elas ilustram a abundante quantidade de casos vivenciados por crianças nascidas em decorrência de gestação por substituição havida no estrangeiro e imersas em contextos permeados pela incerteza e potencial vulneração de seus mais basilares direitos.

Frente a essa realidade, e a partir da hipótese de que a vedação à gestação por substituição não impede que acordos dessa natureza sejam realizados, podendo provocar, em relação ao Estado, situações indesejadas de fraude à lei e, do ponto de vista do ser humano, de sujeição à vulnerabilidade e a incertezas jurídicas, este estudo se propõe a transitar pelo sistema jurídico de alguns países e extrair da experiência estrangeira lições que possam ser úteis na elaboração dos marcos jurídicos internos.

2 A Gestação por Substituição nos Sistemas Jurídicos Contemporâneos [14]

Em matéria de reprodução humana assistida, a gestação por substituição, possivelmente, revela-se como uma das práticas mais controvertidas dentre as utilizadas hodiernamente, em boa parte porque os valores morais e culturais que informam diferentes sistemas jurídicos têm conduzido a maior ou menor aceitação do uso dessa técnica.

Um passeio pelos sistemas jurídicos de alguns países que optaram por permitir ou tolerar a gestação por substituição evidencia a preocupação em fornecer algumas balizas e permite perceber em que medida a multiplicidade de soluções reproduzem os valores vigentes em cada sociedade.

Um dos sistemas mais liberais, dentre os visitados, é o norte-americano. O Estado pouco interfere nas relações privadas. Em face da soberania estatal, a faculdade de permitir ou vedar a gestação por substituição e os seus efeitos, especialmente no que diz respeito à atribuição da filiação, variam em cada Estado [15]. É possível afirmar que, mesmo naqueles Estados que a proíbem ou mesmo a criminalizam, prioriza-se a liberdade e atribui-se a filiação aos detentores do projeto parental, desde que haja consenso entre os envolvidos. Em termos gerais, nos Estados que permitem ou não regulamentam a gestação por substituição, não costuma haver limitações quanto (a) ao caráter oneroso do acordo, (b) ao estado civil e/ou orientação sexual de quem recorre ao uso dessa técnica, (c) à possibilidade (ou não) de gestar, enquanto condição de acesso, (d) a quem aportará o material genético, embora, nesse ponto, a utilização de gametas da própria gestante raramente ocorre.

Assim, em razão da maior liberdade, bem como em decorrência da concessão de nacionalidade às crianças nascidas em seu território [16], os Estados Unidos parecem ser um dos países mais seguros para a realização desses procedimentos. Em contrapartida, é também onde os custos são os mais elevados. Enquanto lá um processo de gestação por substituição, com doação de óvulos, custa em torno de U$ 130.000,00, na Índia e no Nepal o mesmo procedimento custa, no máximo, U$ 40.000,00 [17]. Tamanha diferença se deve, substancialmente, às condições socioeconômicas vivenciadas na Índia, onde 540.000.000 de pessoas estão abaixo da linha da pobreza e 73{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} das mulheres são analfabetas. Não admira, portanto, que, enquanto uma gestante norte-americana recebe em torno de U$ 35.000,00, a indiana recebe U$ 7.000,00, e, para ela, é muito, quando se considera que seus maridos não ganham, em regra, mais que U$ 100,00 por mês [18].

Devido aos preços mais acessíveis e também à ausência de legislação [19] estabeleceu-se, na Índia, uma prática permissiva para a gestação por substituição comercial, tornando-o destino de um massivo turismo reprodutivo. E, também por isso, a exploração dessa atividade não tardou a provocar graves problemas existenciais, como a exploração de gestantes e a situação de grande insegurança que emoldura o presente e o futuro de crianças que, muitas vezes, permanecem apátridas, sem poder sair do país, caso o Estado da nacionalidade dos pais não reconheça a existência de vínculo de filiação [20]. Isso ocorre porque na Índia vige o sistema ius sanguinis, no qual apenas é reconhecida a nacionalidade e, pois, realizada a inscrição de nascimento quando há vínculo de ascendência entre a criança e os cidadãos indianos – no caso da Índia, a ascendência pressupõe liame genético. Portanto, não tendo a criança vínculo genético com a gestante – o que tende a ser a regra em casos de gestação por substituição no país -, a inscrição de nascimento, outorga da nacionalidade e da expedição de passaporte dependerão do reconhecimento da filiação por país estrangeiro.

Aliás, com a intenção de contornar esse problema, em 2012 o Ministério do Interior passou a exigir visto médico a estrangeiros que pretendam recorrer às técnicas de reprodução assistida no país, cuja obtenção depende (a) de prova de casamento heterossexual (realizado há, pelo menos, dois anos); (b) de carta da embaixada do país de origem que indique, claramente, que reconhece a gestação por substituição e que permitirá a entrada da criança no país, como filho de seus nacionais; exige ainda (c) que os titulares do projeto parental não possam gestar; (d) que um deles aporte o próprio material genético; e (e) que os gametas femininos não advenham da gestante [21].

Tais limitações provocaram a redução do número de acordos de gestação por substituição internacional na Índia, mas, rapidamente, as agências que intermedeiam esses negócios e as clínicas de reprodução humana assistida transferiram suas atividades, pelo menos, em parte, para o Nepal [22], onde ainda não existe legislação a respeito do tema e, portanto, aparentemente não há limitações [23].

Também são destinos procurados por pessoas em busca desse serviço reprodutivo a Ucrânia e a Rússia. Em ambos os países, quem recorre à técnica deverá ser incapaz de gestar, a gestante não poderá aportar seu material genético e, como os dois países vedam o casamento entre pessoas do mesmo sexo, casais homossexuais não podem recorrer à gestação por substituição. A diferença é que, enquanto na Rússia pessoas solteiras podem se submeter à técnica e não é necessário que o(s) titular(es) do projeto parental aporte(m) seu material genético, na Ucrânia somente pessoas casadas têm acesso, e pelo menos um dos titulares do projeto parental deve aportar o próprio material genético. Oportuno afirmar, ainda, que a filiação, na Rússia, será imputada diretamente ao(s) titular(es) do projeto parental, se houver o consentimento da gestante, mas, caso ela desista do acordo e negue o consentimento, a filiação será atribuída a ela, prevalecendo a presunção mater semper certa est. Na Ucrânia, o registro será feito diretamente em nome daquele(s) que aportou/aportaram seu material genético [24].

Há outros países que, embora permitam a gestação por substituição, criaram mecanismos visando evitar o turismo reprodutivo em seus territórios. Além de não permitirem a exploração comercial da gestação por substituição, o Reino Unido e a Grécia apenas possibilitam o acesso a essa técnica de reprodução assistida a seus cidadãos e/ou residentes. No caso de Grécia e Israel há um sistema rigoroso de aprovação prévia.

Interessante destacar que no Reino Unido a legislação estabelece a clara distinção entre a validade do acordo de gestação por substituição, que pressupõe a gratuidade (ou, no máximo, o pagamento dos gastos que serão suportados pela gestante) e a atribuição do vínculo parental, realizado a posteriori mediante o cumprimento de alguns requisitos, dentre os quais a incapacidade de gestar, o fato de os detentores do projeto parental serem casados ou viverem em união estável, independentemente da sua orientação sexual, e de pelo menos, um deles ter vínculo genético com a criança. Diante do nascimento, a filiação será atribuída à gestante e ao seu marido, se consentiu com o procedimento e, seis semanas mais tarde, por meio de um procedimento judicial, respeitados os requisitos apontados, será transferida a filiação [25].

Na Grécia, os requisitos são similares, com a diferença de que a atribuição da filiação decorre de um sistema de aprovação judicial prévia à implantação do embrião. Além disso, a legislação exige que o acordo seja altruísta, que o titular do projeto parental seja incapaz de gestar, mas que aporte seu material genético, que os pais intencionais sejam casados e heterossexuais ou que o projeto seja uniparental [26].

O sistema estabelecido em Israel, por sua vez, é bastante peculiar. A aprovação do acordo de gestação por substituição é prévia, realizada por um comitê e aprovada por ordem judicial. A técnica é permitida quando altruísta, a casais heterossexuais, mesmo que não casados, que tenham incapacidade de gestar, desde que os gametas masculinos advenham do detentor do projeto parental (o óvulo pode ser doado), que a gestante não tenha vínculo de parentesco com os pais intencionais e que não aporte seu material genético. Exige-se, ainda, que a gestante professe a mesma religião dos pais intencionais, exceto se nenhuma das partes for judia [27].

Ainda, na esfera de países que permitem a gestação por substituição pode-se incluir o Brasil. Embora não haja lei sobre reprodução humana assistida, algumas balizas importantes são tratadas pela Resolução do Conselho Federal de Medicina[28], que orienta os médicos a realizarem o procedimento de gestação por substituição quando seja altruísta, haja impossibilidade de o(s) titular(es) do projeto parental gestar(em), pelo menos um deles aporte seu material genético e que a gestante tenha vínculo de parentesco de até quarto grau com os pais intencionais. Importante observar, ainda, que não há qualquer vedação de acesso ao uso da técnica segundo o estado civil e a orientação sexual.

Dentre os países que proíbem a gestação por substituição [29] (com sistemas jurídicos similares) estão a França, a Alemanha, a Espanha e a Itália [30]. Sancionando com a nulidade de acordos dessa natureza, preocupam-se em evitar a exploração de gestantes e de crianças, que, na percepção desses países, seriam convertidas em objetos de negócios jurídicos. Quando cidadãos desses países emigram na tentativa de contornar tal vedação e realizar a gestação por substituição no estrangeiro, em princípio, assumem o risco atado ao não reconhecimento do vínculo parental, sendo bastante comum o uso de argumentos como a fraude à lei e à ordem pública como razão para a não imputação dos laços parentais ao(s) titular(es) do projeto parental. Essa situação esteve presente nos já mencionados casos Mennesson e Labasse (que levaram à condenação da França pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos). Entretanto, é fonte de perplexidade.

É preciso identificar, contudo, que, mesmo dentre aqueles países que vedam a gestação por substituição, ao fim e ao cabo, nascida uma criança no estrangeiro, há tendência de atenuar a ordem pública em prol do interesse do menor, o que viabiliza a materialização do vínculo de filiação por meio do exequátur, pela técnica do reconhecimento (transcrição direta da sentença estrangeira ou ata de nascimento no registro civil) ou, ainda, por meio da adoção [31], o que não impede a violação de direitos da criança.

Seja como for, a diversidade no tratamento da gestação por substituição pelos países aqui visitados, mesmo dentre aqueles que a admitem, somada ao aumento da circulação de pessoas que parecem não medir esforços para a realização do projeto parental, exige a adoção de medidas harmônicas que sejam capazes de promover a proteção das crianças nascidas a partir do uso dessas técnicas ou, pelo menos, de reduzir as complexidades que permeiam a atribuição dos vínculos parentais.

3 O que o Brasil Pode Aprender com a Experiência Estrangeira          

Aparentemente, o Brasil ainda não está enfrentando problemas que emanam da gestação por substituição na intensidade como vem sendo vivenciado há mais de uma década por outros países. Vislumbra-se, porém, que dados empíricos provocam distorções diante da aparente lacuna da lei, na medida em que centros de fertilização, agências que intermedeiam serviços reprodutivos e, ainda, os recursos da internet a serviço de um intercâmbio eficiente entre pessoas dos mais longínquos lugares começam a atuar onde o Direito não chegou [32]. Basta o acesso a uma das tantas páginas eletrônicas dedicadas ao tema da gestação por substituição para identificar que brasileiros fazem parte desse mercado, em ambos os polos da relação e, ainda, preferem manter tais relações no estrangeiro, devido às incertezas que emanam do tratamento legislativo do tema no país [33].

Por ora, afora o lastro conferido por princípios constitucionais com elevado grau de abstração [34], não existe uma lei específica regulando o uso das técnicas de reprodução humana assistida. O tema encontra algumas balizas na Resolução nº 2.121/2015 [35], que autoriza os médicos a empregarem a gestação por substituição (a) quando ela for realizada em caráter altruísta, (b) desde que a mulher que pretende ter o filho detenha algum problema médico que impeça a gestação ou se trate de casal homoafetivo (infertilidade estrutural), exigindo (c) que os pretensos pais aportem o próprio material genético [36] e, ainda, (d) que a gestante tenha relação de parentesco consanguíneo de até quarto grau com os pais da criança.

Apesar de se tratar de regulamentação que carece de juridicidade [37], ao que parece, a Resolução do Conselho Federal de Medicina em alguma medida conseguiu conter (não sem algumas críticas) as demandas pela gestação por substituição, por meio de um sistema permissivo, com certa dose de controle. Prova disso é que, dentre os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional visando regular a reprodução humana assistida, parece existir tendência em seguir contornos similares aos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina.

O Projeto de Lei nº 115/2015 [38], repetindo bases muito similares às do Projeto de Lei nº 2.855/97, autoriza a gestação por substituição nos casos em que (a) haja indicação médica que identifique qualquer fator de saúde que impeça ou contraindique a gestação por um dos cônjuges, companheiros ou pessoa que se submete ao tratamento [39], (b) desde que não implique nenhuma retribuição econômica à gestante [40], (c) a cessionária do útero pertença à família dos cônjuges ou companheiros em parentesco até segundo grau [41], estabelecendo, ainda, (d) a formalização do pacto e sua homologação judicial prévia ao início dos procedimentos médicos de implantação, sob pena de nulidade e atribuição da maternidade à gestante [42].

Ao restringir a gestação por substituição aos casos em que haja problema de saúde que impeça a gestação, o projeto de lei deixa à margem casais do mesmo sexo e solteiros do sexo masculino que, por ausência de capacidade estrutural, não conseguirão gestar. Além de, aparentemente, inconstitucional [43], tal disposição se mostra mais restritiva do que a atual Resolução do Conselho Federal de Medicina [44], a qual, aliás, quando alterada, no ano de 2013, o foi, justamente, para incluir a possibilidade de pessoas do mesmo sexo se submeterem às técnicas reprodutivas[45].

A vedação a qualquer remuneração econômica à gestante também parece desarrazoada ou, no mínimo, exagerada. Mesmo nos países que exigem a gratuidade da gestação por substituição é permitida retribuição à gestante, a fim de compensar as atividades que deixou de exercer e/ou os custos gerados pela gestação e nem por isso em países como Reino Unido, Grécia e Israel houve a mercantilização de serviços dessa natureza, haja vista a existência de outros limitadores, aparentemente mais adequados. Ademais, no caso do Brasil, onde há previsão de pagamento de verba alimentar à gestante – alimentos gravídicos -, não faria sentido proibi-los no curso da gestação de substituição. A contraprestação teria, nessa hipótese, caráter alimentar [46]. Também, nesse aspecto, o Projeto de Lei nº 115/2015 se mostra mais restritivo do que a Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina, precisa ao vedar o caráter lucrativo e/ou comercial [47].

Uma terceira crítica diz respeito ao vínculo de parentesco que deve existir entre a gestante e os pais intencionais. Aparentemente, essa restrição tem como objetivo evitar que a gestante, pelos laços afetivos criados com o bebê, se negue a entregá-lo, haja vista que ele permanecerá na família. Entretanto, essa regra pode gerar outro problema: a confusão, por parte da gestante, de seu papel de avó ou tia em relação à criança que ajudou a gerar com o papel de mãe [48]. A experiência jurídica de outros países que permitem a gestação por substituição mostra que é desnecessário impor condição como essa. Bastam regras claras quanto à atribuição da filiação para evitar conflitos positivos ou negativos no ato de entrega da criança aos detentores do projeto parental. Importante referir que, igualmente, nesse ponto, o projeto de lei se mostra mais restritivo do que a Resolução do Conselho Federal de Medicina, que estende o vínculo de parentesco até o quarto grau [49], embora também possibilite a exceção mediante parecer prévio do Conselho Regional de Medicina quanto à indicação e compatibilidade da gestante.

No que tange à atribuição da filiação em casos de gestação por substituição, o projeto de lei disciplina a atribuição da filiação do nascituro aos detentores do projeto parental. Contudo, dispõe que, caso não haja a homologação judicial prévia do pacto de gestação por substituição, a maternidade da criança será atribuída à gestante. Entende-se, porém, que não deve haver a vinculação entre a possível invalidade e/ou irregularidade procedimental do pacto de gestação por substituição e a atribuição da filiação à gestante, para que não se repita o sistema de negação do direito do filho espúrio à paternidade e/ou à maternidade, que vigorou por longas décadas no país [50]. Ademais, tal posicionamento representaria o mesmo que atribuir a maternidade a título de sanção, para dissuadir da prática desses negócios. E, parece claro, a filiação deve ser determinada no interesse da criança, nunca como sanção de um comportamento que a lei reprova [51].

Outro Projeto de Lei em tramitação no Brasil é o nº 1.184/03. Em caminho oposto ao dos Projetos de Lei ns. 115/2015 e 2.855/97, ele veda a gestação por substituição em qualquer modalidade. Seria desnecessário dizer que uma regulamentação restritiva potencializa situações de clandestinidade e insegurança, além de fomentar o turismo reprodutivo, consoante comprova a experiência vivenciada em outros países com legislação nesses moldes.

Aparentemente, o debate legislativo não está maduro o suficiente para que se chegue à aprovação de qualquer desses projetos, o que parece refletir a dificuldade legislativa em termos de direitos existenciais em um país de grandes dimensões e rico em diversidade econômica, social, cultural e religiosa, pois são temas que envolvem diferentes valores [52].

Frente a isso, quiçá seja salutar que a abordagem do tema tome como referência a experiência legislativa e jurisprudencial de países mais avançados em matéria de gestação por substituição, por meio da análise crítica que permita identificar aquilo que possa ser adaptado ao sistema jurídico interno [53]. Nesse cenário, parece possível afirmar que a existência de requisitos com o objetivo de contenção se mostram de fundamental importância, especialmente com a finalidade de evitar a exploração econômica e a conversão do país em destino de turismo reprodutivo. Em contrapartida, a ausência de uma base legal clara a respeito dos limites e das garantias da gestação por substituição, assim como a excessiva restrição, pode provocar, como ocorre em outros países, a emigração com este fim, gerando situações de vulnerabilidade e insegurança jurídica, especialmente ao nascituro.

É preciso compreender, ainda, que o debate há de ir além da singela decisão por restringir ou liberar tal prática no âmbito interno de cada país. Isso porque, caso se opte pela vedação da gestação por substituição como alternativa para infertilidade, a problemática se mantém, diante da necessidade de oferecer respostas às situações havidas no estrangeiro, especialmente no que tange ao reconhecimento dos vínculos parentais e de todas as consequências jurídicas daí decorrentes. Em especial diante da garantia constitucional ao livre-planejamento familiar.

Por outro lado, a regulamentação que venha a permitir a gestação por substituição exige pensar questões como (a) o caráter altruísta ou comercial da relação jurídica; (b) a impossibilidade (ou não) de gestação do(s) detentor(es) do projeto parental; (c) a exigência (ou não) de um sistema de autorização prévia; (d) a decisão sobre quem pode (ou não) fornecer o material genético; (e) o fato de a gestante ter (ou não) vínculo de parentesco com os pais intencionais; (f) se ela possui (ou não) direito ao arrependimento e à reivindicação da filiação após o nascimento da criança; (g) o estado civil e orientação sexual dos pais intencionais; (h) a forma de atribuição dos vínculos de filiação; ou, ainda, (i) a possibilidade de acesso à técnica apenas a nacionais e residentes, a exemplo do Reino Unido e da Grécia ou, também, a estrangeiros. Em outras palavras, não basta dizer que permite, parece ser preciso construir balizas adequadas, pois, se a vedação pode fomentar a vulnerabilidade dos envolvidos, a liberação descontrolada, talvez, também, possa levar à violação de importantes direitos.

 O desafio está posto. Ele consiste em ultrapassar o legado reducionista, que contamina o Direito codificado e redimensionar, hermeneuticamente, as possibilidades normativas contidas no universo da reprodução humana assistida, ao menos por ora, ou até que, inspirados na experiência estrangeira, edite-se uma boa lei sobre o tema.

Conclusões           

Os valores morais, culturais e religiosos presentes em cada sociedade refletem posturas distintas no que diz respeito ao tratamento jurídico da gestação por substituição e seus desdobramentos.

Não é possível fechar os olhos para o fato de que a demanda por este meio de reprodução vem crescendo na última década, provocada, em grande parte, pelo reconhecimento de famílias menos tradicionais, formadas por pessoas sozinhas ou casais do mesmo sexo, que, pretendendo realizar o projeto parental e, mais, terem vínculo genético com a prole, descartam a possibilidade da adoção e lançam mão da gestação por substituição.

Parece impossível conter o acesso à gestação por substituição. E, pelo que se pôde extrair da experiência de países como França, Alemanha, Espanha e Itália, a negação a esse direito tende a provocar a busca por serviços dessa natureza em outros países, fomentando, além de vulnerabilidade e incertezas jurídicas, em razão do contato com mais de um sistema jurídico, situações de fraude à lei.

Após um passeio pelos sistemas jurídicos de alguns países que se posicionam permitindo ou tolerando a gestação por substituição, a reflexão das opções feitas e as respectivas consequências vivenciadas permitem concluir que não é a postura permissiva, por si, o elemento capaz de fomentar o turismo reprodutivo. Esse fenômeno parece ser determinado pela possibilidade de exploração econômica da técnica, como se vê, com maior frequência, nos Estados Unidos, na Índia, no Nepal, na Rússia e na Ucrânia.

Parece razoável pensar que a solução para a gestação por substituição resida na criação de um marco jurídico que, mesmo sendo permissivo, ofereça alguns mecanismos de controle em prol da proteção dos sujeitos envolvidos, sobretudo da criança que venha a nascer em decorrência do uso desse recurso. Talvez, um modelo próximo ao estabelecido no Reino Unido, na Grécia e em Israel, com definições claras quanto aos limites e, ainda, no que tange à atribuição dos vínculos parentais.

O Brasil ainda parece estar muito distante de atingir o consenso no que se refere ao tratamento do tema. Os projetos de lei em tramitação se mostram insuficientes para atender os aspectos que precisariam restar regulamentados e, quiçá, pela restrição que propõem, podem vir a provocar os mesmos problemas vivenciados por outros países que no passado adotaram a mesma postura.

Enfim, não se pode deixar de consignar que, diante da complexidade e da incerteza que permeiam o tema aqui explorado, nenhuma resposta, pelo menos nesse momento, pode ser considerada definitiva.

Referências            

ARAÚJO, Nadia de; VARGAS, Daniela; MARTEL, Letícia de Campos Velho. Gestação de substituição: regramento no direito brasileiro e seus aspectos de direito internacional privado. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister, 2012.

ASCENSÃO, José de Oliveira. Procriação medicamente assistida e relação de paternidade. In: HIRONAKA, Gilselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando (Coord.). Direito de família e das sucessões: temas atuais. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.

ATLAN, Henri. O útero artificial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.

BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disposição dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005.

BRASILEIRO, Luciana da Fonseca Lima. As vicissitudes da filiação: os filhos da reprodução artificial heteróloga sob a ótica do consumo. In: ALBUQUESQUE, Fabíola; EHRHARDT Jr. Marcos; OLIVEIRA, Catarina Almeida de (Coord.). Famílias no direito contemporâneo: estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lôbo. Salvador: Juspodivm, 2010.

BRENA, Ingrid. Maternidad sub-rogada: autonomia o submision? Revista de Derecho y Genoma Humano, n. 40, en./jun. 2014.

COTTA, Elaine. Alugo meu ventre por motivos financeiros. Revista Crescer. 4 jul. 2013. Disponível em: <http://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Planejando-a-gravidez/noticia/2013/07/alugo-meu-ventre-por-motivos-financeiros.html>. Acesso em: 16 jun. 2015.

FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

FARNÓS AMORÓS, Esther. European Society Human Reproduction and Embriology: 26 Annual Meeting. InDret. 3/2010.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: família. São Paulo: Atlas, 2008.

GAMA, Guilherme Nogueira. Filiação e reprodução assistida: introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese, n. 5, abr./jun. 2000.

GAUTAM, Manish. Door opens to foreigners for surrogacy. The Kathmandu post. 04 dic. 2014. Disponível em: <http://www.ekantipur.com/the-kathmandu-post/2014/12/03/top-stories/door-opens-to-foreigners-for-surrogacy/270400.html>. Acesso em: 9 jun. 2015.

LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Barcelona: Universitat de Barcelona Publicacions i Edicions, 2013.

LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito, a ciência e as leis bioéticas. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: RT, 2001.

 MELLO, Patrícia Campos. Israel resgata do Nepal 26 bebês de mães de aluguel. Folha de São Paulo. 28 abr. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/04/1621994-israel-resgata-do-nepal-26-bebes-de-maes-de-aluguel.shtml>. Acesso em: 6 jun. 2015.

MORTAZAV, Sarah. It takes a village to make a child: creating guidelines for international surrogacy. Disponível em: <http://georgetownlawjournal.org/files/2012/08/14Mortazavi.pdf>. Acesso em: 1º jun. 2015.

RODRIGUEZ, Jesús Flores. Gestación por sustitución: más cerca de um estatuto jurídico comum europeo. Revista de Derecho Privado, Universidad Externado de Colombia, n. 27, jul./dec. 2014.

RUBAJA, Nieve. El derecho internacional privado al servicio de los derechos fundamentales de los niños nascidos por el empleo de la gestación por sustitución en el extranjero. In: MORENO RODRIGUEZ, José Antonio; MARQUES, Cláudia Lima. Los servicios en el derecho internacional privado: jornadas de la ASADIP 2014. Porto Alegre/Asunción: URJ, 2014.

SANTOS BELANDRO, Rubens. La maternidad sub-rogada consumada en el extranjero: eficacia extraterritorial de las decisiones judiciales y/o administrativas y de la circulación internacional de los documentos relacionados con ella. elDial, Buenos Aires, 25 nov. 2011.

VELA SÁNCHEZ, Antônio J. La maternidad subrogada: estudo ante un reto normativo. Granada: Comares, 2012.

ANEXO I

Tabela comparativa da gestação por substituição em alguns países

País

 Admite a GS

Admite a GS comercial

Deve ser incapaz de gestar

Vínculo genético com um dos requerentes

Gestante pode aportar óvulo

Acesso a pessoas sozinhas

Acesso a homossexuais

Atribuição da filiação

Ucrânia

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Não

Direta, segundo o liame genético.

Rússia

Sim

Sim

Sim

Não

Não

Sim

Sim

 Direta, com consentimento da gestante.

Índia

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Não

Sim

Direta, segundo o liame genético.

Estados Unidos – Califórnia

Sim

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

Sim

Direta, com aprovação judicial prévia.

Reino Unido

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

Não

Sim

Transmitida, com ordem judicial. Só a residentes.

Israel

Sim

Não

Sim

Sim

Não

Não

Não

Transmitida, com ordem judicial prévia.

Grécia

Sim

Não

Sim

Sim

Não

Sim

Não

Direta, com ordem judicial prévia. Somente a cidadãos residentes

Brasil

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Direta.

[1] A via da gestação por substituição é bastante procurada por famílias menos tradicionais, formadas por pessoas sozinhas ou casais do mesmo sexo, que, em razão da chamada infertilidade estrutural – impossibilidade de reprodução não por razões médicas, mas de estrutura social -, não podem alcançar a maternidade ou a paternidade, por si mesmos (LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Barcelona: Universitat de Barcelona Publicacions i Edicions, 2013. p. 18).

[2] Gestación por sustitución es un supuesto especial de reproducción humana assistida – en pleno processo de expansión – por el cual una mujer, mediante contraprestación o sin ella, se compromete a gestar un bebé – concebido, repito, a través de las técnicas de reproducción asistida – para que otra u otras personas puedan ser padres, biológicos o no (VELA SÁNCHEZ, Antônio J. La maternidad subrogada: estudo ante un reto normativo. Granada: Comares, 2012. p. 13).

[3]A autora alerta para o risco de que os futuros filhos deixem de ser sujeitos de direito, enquanto embriões, e passem a ser sonhos de consumo (BRASILEIRO, Luciana da Fonseca Lima. As vicissitudes da filiação: os filhos da reprodução artificial heteróloga sob a ótica do consumo. In: ALBUQUESQUE, Fabíola; EHRHARDT Jr. Marcos; OLIVEIRA, Catarina Almeida de [Coord.]. Famílias no direito contemporâneo: estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lôbo. Salvador: Juspodivm, 2010. p. 232).

[4] LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito, a ciência e as leis bioéticas. In: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: RT, 2001. p. 103-104. No mesmo sentido: ATLAN, Henri. O útero artificial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. p. 73.

[5] RODRIGUEZ, Jesús Flores. Gestación por sustitución: más cerca de um estatuto jurídico comum europeo. Revista de Derecho Privado, Universidad Externado de Colombia, n. 27, jul./dec. 2014, p. 71-89, p. 72.

[6] SANTOS BELANDRO, Rubens. La maternidad sub-rogada consumada en el extranjero: eficacia extraterritorial de las decisiones judiciales y/o administrativas y de la circulación internacional de los documentos relacionados con ella. elDial, Buenos Aires, 25 nov. 2011.

[7] A European Society of Human Reproduction and Embryology (ESHRE) tem criticado a terminologia “turismo reprodutivo”, por banalizar os motivos que levam às pessoas a migrarem para se submeterem às técnicas de reprodução assistida, sugerindo o termo cross-border reproductive care (LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Barcelona: Universitat de Barcelona Publicacions i Edicions, 2013. p. 193).

[8]RUBAJA, Nieve. El derecho internacional privado al servicio de los derechos fundamentales de los niños nascidos por el empleo de la gestación por sustitución en el extranjero. In: MORENO RODRIGUEZ, José Antonio; MARQUES, Cláudia Lima. Los servicios en el derecho internacional privado: jornadas de la ASADIP 2014. Porto Alegre/Asunción: URJ, 2014. p. 281-336, p. 306-307.

[9]MORTAZAV, Sarah. It takes a village to make a child: creating guidelines for international surrogacy. Disponível em: <http://georgetownlawjournal.org/files/2012/08/14Mortazavi.pdf>. Acesso em: 1º jun. 2015.

[10] Caso Paradiso and Campanelli v. Italia (App. 25358/12). Disponível em: <http://www.echr.coe.int/Documents/CLIN_2015_01_181_ENG.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2015.

[11] Caso Mennesson v. Fancia (App. 65192/11). Disponível em: <http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-145389>. Acesso em: 18 ago. 2015.

[12] Caso Labasse v. Francia (App. 65941/11). Disponível em: <http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-145180>. Acesso em: 18 ago. 2015.

[13] Outros casos bastante ilustrativos foram o Baby Manji Yamada v. Union of India & Anr, o Cologne, o D y D c. Bélgica (RUBAJA, Nieve. El derecho internacional privado al servicio de los derechos fundamentales de los niños nascidos por el empleo de la gestación por sustitución en el extranjero. In: MORENO RODRIGUEZ, José Antonio; MARQUES, Cláudia Lima. Los servicios en el derecho internacional privado: jornadas de la ASADIP 2014. Porto Alegre/Asunción: URJ, 2014. p. 281-336).

[14] No “Anexo I” a autora traz uma tabela comparativa do regramento da gestação por substituição em alguns países, que foram selecionados de maneira a conferir uma amostra dos blocos mais permissivos aos menos permissivos, identificando características e potenciais problemas comuns entre eles.

[15] Alguns proíbem a gestação por substituição em todas as formas (Louisiania, Arizona e Columbia), outros proíbem somente a modalidade comercial (Nova York e Nebraska), enquanto outros, ainda, criminalizam a realização de contratos dessa natureza (Michigan). Por outro lado, há estados que, expressamente, permitem a gestação por substituição (Texas, Utah, Illinois, Virgínia, Flórida, New Hampshire) e outros que não possuem lei, mas têm sido permissivos, por força de jurisprudência (Califórnia, Carolina do Sul, Pensilvânia, Massachusetts e Ohio).

[16] A concessão na nacionalidade, pelo sistema ius solis, é importante porque a criança, uma vez registrada, poderá obter documentos que lhe permitam viajar ao país de domicílio dos pais.

[17] Valores extraídos da página eletrônica da clínica Tammuz Internation Surrogacy. Disponível em: <http://www.tammuz.com/por/>. Acesso em: 7 jun. 2015.

[18] A gestação por substituição gerava à Índia divisas na ordem de 2,3 bilhões de dólares ao ano, por meio das atividades de 200 mil clínicas privadas (BRENA, Ingrid. Maternidad sub-rogada: autonomia o submision? Revista de Derecho y Genoma Humano, n. 40, en./jun. 2014, p. 133-145).

[19] Está em tramitação um projeto de lei, o Assisted Reproductive Technology Bill and Rules de 2010. Contudo, enquanto não há lei, são observadas as National Guidelines for acreditation, supervision and regulationn of art clinics, que são regras de procedimento direcionadas às clínicas.

[20] Os dados constam denunciados no Surrogate Matherhood-Ethical or Commercial, elaborado pelo Centro de Investigação Social da Índia.

[21] LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Barcelona: Universitat de Barcelona Publicacions i Edicions, 2013. p. 179-181.

[22] MELLO, Patrícia Campos. Israel resgata do Nepal 26 bebês de mães de aluguel. Folha de São Paulo. 28 abr. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/04/1621994-israel-resgata-do-nepal-26-bebes-de-maes-de-aluguel.shtml>. Acesso em: 6 jun. 2015.

[23] GAUTAM, Manish. Door opens to foreigners for surrogacy. The Kathmandu post. 04 dic. 2014. Disponível em: <http://www.ekantipur.com/the-kathmandu-post/2014/12/03/top-stories/door-opens-to-foreigners-for-surrogacy/270400.html>. Acesso em: 9 jun. 2015.

[24] Na Rússia, a gestação por substituição é regida pelo Código de Família, pela Lei Federal de Saúde, pela Lei Federal sobre atos de Registro do Estado Civil e pela Ordem nº 67 do Ministério da Saúde Pública (LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Barcelona: Universitat de Barcelona Publicacions i Edicions, 2013. p. 170-177).

[25] No Reino Unido, a gestação por substituição é regulamentada pelo Surogancy Arrangments Act, de 1985 (LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Barcelona: Universitat de Barcelona Publicacions i Edicions, 2013. p. 132-134).

[26] Na Grécia, a gestação por substituição está regulada em duas leis, a 3089/2002 e a 3305/2005 (LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Barcelona: Universitat de Barcelona Publicacions i Edicions, 2013. p. 150-153).

[27] Em Israel, a gestação por substituição é regulamentada pela Lei nº 5756/1996 (LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Barcelona: Universitat de Barcelona Publicacions i Edicions, 2013. p. 159-163).

[28] Resolução nº 2.013/2013.

[29] Dentre os países que possuem legislação específica que reputa nula a gestação por substituição, destacam-se Alemanha, Áustria, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Islândia, Itália, Moldávia, Montenegro, Sérvia, Eslovênia, Suécia, Suíça e Turquia. Dentre os países de cujas disposições gerais se extrai a nulidade da gestação por substituição, destacam-se Andorra, Bósnia-Herzegovina, Hungria, Irlanda, Letônia, Lituânia, Malta, Mônaco, Romênia e San Marino (RODRIGUEZ, Jesús Flores. Gestación por sustitución: más cerca de um estatuto jurídico comum europeo. Revista de Derecho Privado, Universidad Externado de Colombia, n. 27, jul./dec. 2014, p. 73-74).

[30] A Itália possui leis bastante restritivas no que tange à reprodução humana a assistida (Lei nº 40, de 19 de fevereiro de 2004). Além de restringir o acesso às técnicas reprodutivas a pessoas heterossexuais casadas ou que convivam em união estável e proibir a fecundação do tipo heteróloga, inicialmente também restringia a crioconservação a, no máximo, três pré-embriões e, ainda, até a data da transferência, se essa não pudesse ser realizada imediatamente por motivo de força maior. Em 2009, o Tribunal constitucional declarou inconstitucional a regra de única e contemporânea transferência, assim como a proibição de produzir um máximo de três pré-embriões por ciclo (FARNÓS AMORÓS, Esther. European Society Human Reproduction and Embriology: 26 Annual Meeting. InDret. 3/2010. p. 6).

[31] No ano de 2013, o Ministério da Justiça da França emitiu circular – Circulaire du 25 janvier 2013 relative à la délivrance des certificatsde nationalité française – convention de mère porteuse – etat civil étranger – orientando os Tribunais a facilitarem a concessão da nacionalidade francesa para crianças nascidas no estrangeiro em decorrência de gestação por substituição, sempre que o pai genético for francês. A Espanha, a seu turno, embora considere nulo o acordo de gestação por substituição, o art. 10, § 3º, da Lei nº 14/2006 não veda que o homem que aportou o material genético reclame o vínculo de filiação com a criança, enquanto a Instrução da Direção Geral de Registros e Notários, de 5 de outubro de 2010, possibilita a transcrição do registro de nascimento expedido por autoridade estrangeira, desde que observados alguns requisitos, dentre os quais a existência de uma resolução judicial estrangeira que determine dita filiação a respeito de pelo menos um progenitor espanhol (LAMM, Eleonora. Gestación por sustitución: ni maternidad subrogada, ni alquiler de vientres. Barcelona: Universitat de Barcelona Publicacions i Edicions, 2013. p. 124).

[32] FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 247.

[33] COTTA, Elaine. Alugo meu ventre por motivos financeiros. Revista Crescer. 4 jul. 2013. Disponível em: <http://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Planejando-a-gravidez/noticia/2013/07/alugo-meu-ventre-por-motivos-financeiros.html>. Acesso em: 16 jun. 2015.

[34] Em especial (a) no princípio da dignidade da pessoa humana, (b) na tutela especial da família, respeitada sua pluralidade, (c) na igualdade entre seus membros e (d) na liberdade, (e) na solidariedade, (f) no princípio da proteção e prioridade absoluta dos interesses da criança, (g) na paternidade responsável (GAMA, Guilherme Nogueira. Filiação e reprodução assistida: introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado. Revista brasileira de direito de família, Porto Alegre, Síntese, n. 5, abr./jun. 2000, p. 7-28, p. 13).

[35] Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina: “(…) VII – Sobre a gestação por substituição (doação temporária de útero): As clínicas, centros ou serviços de reprodução assistida podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva. 1. As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima). Demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. 2. A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial”.

[36] Essa fórmula empregada pela Resolução parece aleatória e sem justificativa, pois permite o acesso à gestação de substituição apenas a mulheres com tipos muito específicos de infertilidade, excluindo uma parcela significativa de mulheres reputadas inférteis, pois, simultaneamente, tem que ser capaz de ovular, e não de gestar. Além disso, permite que duas mulheres em uma relação afetiva, sendo uma delas infértil, procriem, mas não estende esse mesmo direito se ambas estiverem em condições de fertilidade. E, ainda, não permite que um projeto dessa natureza seja levado a cabo por uma relação homossexual entre dois homens, o que cria uma situação de desigualdade sem qualquer critério racional (BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disposição dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 127).

[37] As Resoluções do Conselho Federal de Medicina são normas deontológicas, portanto, não proíbem juridicamente uma conduta, apenas orientam os médicos quanto aos limites éticos da atividade.

[38] Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1296985&filename=PL+115/2015>. Acesso em: 17 maio 2015.

[39] Projeto de Lei nº 115/2015: “Art. 21. A cessão temporária de útero é permitida para casos em que a indicação médica identifique qualquer fator de saúde que impeça ou contraindique a gestação por um dos cônjuges, companheiros ou pessoa que se submete ao tratamento”.

[40] Projeto de Lei nº 115/2015: “Art. 22. A cessão temporária de útero não poderá implicar em nenhuma retribuição econômica à mulher que cede seu útero à gestação”.

[41] Projeto de Lei nº 115/2015: “Art. 23. A cessionária deverá pertencer à família dos cônjuges ou companheiros, em um parentesco até 2º Grau. Parágrafo único. Excepcionalmente e desde que comprovadas a indicação e compatibilidade da receptora, será admitida a gestação por pessoa que não seja parente do casal, após parecer prévio do Conselho Regional de Medicina”.

[42] Projeto de Lei nº 115/2015: “Art. 24. Em todos os casos indicados, a cessão temporária de útero será formalizada por pacto de gestação de substituição, homologado judicialmente antes do início dos procedimentos médicos de implantação. Parágrafo único. São nulos os pactos de gestação de substituição sem a devida homologação judicial, considerando-se, nesse caso, a mulher que suportou a gravidez como a mãe, para todos os efeitos legais, da criança que vier a nascer”.

[43] A inconstitucionalidade decorreria da violação ao princípio da igualdade, haja vista que confere acesso privilegiado às mulheres, bem como ao direito ao livre-planejamento familiar, comum a todos os cidadãos, independente do sexo ou orientação sexual.

[44]Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina: “(…) VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero): As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva”.

[45] Trecho da exposição de motivos da Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina: “Considerando que o pleno do Supremo Tribunal Federal, na sessão de julgamento de 05.05.2011, reconheceu e qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva (ADI 4.277 e ADPF 132) (…)”.

[46] ARAÚJO, Nadia de; VARGAS, Daniela; MARTEL, Letícia de Campos Velho. Gestação de substituição: regramento no direito brasileiro e seus aspectos de direito internacional privado. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família: entre o público e o privado. Porto Alegre: Magister, 2012. p. 126.

[47] Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina: “(…) VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero): (…) 2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial”.

[48] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disposição dos direitos de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 218.

[49] Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina: “(…) VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária de útero): (…) 1 – As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima), em todos os casos respeitada a idade limite de até 50 anos”.

[50] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: família. São Paulo: Atlas, 2008. p. 374.

[51] ASCENSÃO, José de Oliveira. Procriação medicamente assistida e relação de paternidade. In: HIRONAKA, Gilselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando (Coord.). Direito de família e das sucessões: temas atuais. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009. p. 360 e 362.

[52] Indicativo disso é que o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo ainda não conseguiu superar o processo legislativo no Brasil. Frente aos anseios de grande parte da sociedade, no ano de 2011 o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277/DF, declarando a inconstitucionalidade de qualquer tipo de discriminação nas formas de constituição familiar, em razão de sexo e/ou de orientação sexual. No mesmo ano, à luz da decisão da Corte Suprema, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.183.378/RS, declarou que o casamento também pode ser contraído por pessoas do mesmo sexo. Após ambas as decisões, o tratamento do tema foi uniformizado no país, em 2013, por meio da Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça, que vinculou todos os Notários a aceitarem a habilitação de casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

[53] GAMA, Guilherme Nogueira. Filiação e reprodução assistida: introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado. Revista brasileira de direito de família, Porto Alegre, Síntese, n. 5, abr./jun. 2000, p. 8-9.