FRAUDE À EXECUÇÃO E O PROCEDIMENTO NO CPC/2015
Gelson Amaro de Souza
SUMÁRIO: Introdução; 1 Procedimento; 2 Devido procedimento legal; 3 Fraude à execução no CPC/2015; 4 Procedimento para arguição de fraude; 4.1 Prazo para a oposição de embargos de terceiro; 4.1.1 Citação, intimação e notificação e início do prazo; 4.1.2 Diferença entre início do prazo e início da contagem; 4.1.3 Prazo para a interposição de embargos de terceiro; 4.2 Momento do reconhecimento da fraude; 4.3 Ônus da prova; 4.3.1 Bens não sujeitos a registro; 4.3.2 Todas as cautelas necessárias; 4.3.3 Devido procedimento legal; 4.4 Prejudicialidade entre ação penal e ação cível; 4.4.1 Prejudicialidade; 4.4.2 Requisitos da prejudicialidade; 4.4.3 Efeitos da prejudicialidade; 4.5 Concurso de vontades e a prejudicialidade; Conclusões; Referências.
INTRODUÇÃO
O sistema processual civil brasileiro adotou a figura da fraude à execução, instituto jurídico inexistente em outros sistemas, com uma configuração muito próxima à da fraude contra o credor, mas com o inconveniente de não haver estabelecido procedimento próprio para a verificação e o julgamento a respeito da existência ou não da fraude à execução.
O CPC/2015, em seu art. 792, § 4º, apresenta como novidade a determinação de intimação do terceiro adquirente para tomar conhecimento da questão relativamente à possível existência de fraude à execução. A novel sistemática prevê apenas a intimação do adquirente para, se quiser, apresentar embargos de terceiro. Ainda não criou um procedimento próprio, nem mesmo determinou-se que se aproveitasse o procedimento comum, como está previsto no art. 318 do CPC/2015. Desta forma, pouca coisa mudou com a sistemática atual.
O mais importante, que seria um procedimento próprio com todas as garantias processuais e constitucionais, ainda não existe. A simples intimação na forma proposta no art. 792, § 4º, para o adquirente propor ação de embargos de terceiros, é algo estranho, até então não existente no nosso sistema. Intimar alguém para propor ação parece ser o mesmo que andar na contramão da evolução processual.
É da história do processo e do procedimento que a propositura da ação sempre foi de iniciativa da parte (art. 262 do CPC/1973 e art. 2º do CPC/2015). Agora, afastando-se da tradição do sistema procedimental, surpreendentemente, aparece a norma do art. 972, § 4º, do CPC/2015, determinando a intimação do terceiro adquirente para propor ação de embargos de terceiro.
Parece que esta novel normatização está em conflito não só com a história da iniciativa para a propositura da ação (art. 262 do CPC/1973), mas também em contradição com o próprio sistema estabelecido com CPC/2015, em seu art. 2º, que continua a afirmar que o processo começa por iniciativa da parte, somente no seu desenvolvimento é que se pode ter a iniciativa do juiz.
A iniciativa do juiz para determinar a intimação do adquirente para, se quiser, propor ação de embargos de terceiro (CPC/2015, art. 972, § 4º) é algo inusitado. Em vez de carrear a iniciativa da ação para o credor, como o fez Código Civil, no caso de suspeita de fraude ao credor, inverteu o procedimento impondo ao terceiro adquirente a propositura da ação para provar a sua inocência. É a primeira vez que se toma conhecimento de que uma norma atribui ao juiz a determinação para que alguém proponha ação para provar a sua inocência ou licitude do ato que praticou.
O CPC/2015 preocupou-se com a situação do terceiro que, na maioria das vezes, adquire a coisa de boa-fé, mandando intimá-lo para apresentar embargos de terceiro, mas não explicitou qual será o procedimento a ser seguido nos autos em que se alega a fraude.
1 PROCEDIMENTO
Processo, procedimento e autos do processo são elementos diferentes que, se confundidos, em alguns casos, podem apresentar distorções incontornáveis. Processo é algo abstrato, não pode ser visto, não tem cor nem matéria física, por isso impossível de ser seguro ou apanhado pelas mãos [1]. O que se apanha pelas mãos são os autos do processo (ou do procedimento), que são constituídos por matéria palpável. Pegam-se nos autos – nunca no processo. O procedimento, embora não contenha matéria física e também não possa ser palpado e apanhado pelas mãos, é constituído pela sequência de atos concretos que impulsiona o processo. São os atos do procedimento que dão impulso ao processo. Esses atos devem seguir o que determina a lei, ou seja, o devido procedimento legal.
Durante muito tempo, houve confusão entre o processo e o procedimento, como se ambos fossem a mesma coisa. Nada mais natural em época em que mal se separava o direito material do processo instrumento para protegê-lo. Se existia dificuldade em separar o direito material e o processo, nada de estranho em não se saber separar o procedimento e o processo.
Mas, com a evolução do Direito, o tempo se encarregou de demonstrar que processo e procedimento são diferentes e não podem ser confundidos. Assim é tanto que a Constituição Federal achou por bem definir as competências legislativas diferentemente para a matéria de processo (art. 22, I) e de procedimento (art. 24, XI). Se não houvesse diferença entre ambos, não haveria razão para essas normatizações constitucionais, atribuindo competência privativa para a União em caso de direito processual e competência concorrente entre União, Estado e DF, para o caso de procedimento em matéria processual.
2 DEVIDO PROCEDIMENTO LEGAL
Pode-se dizer que devido procedimento legal é todo aquele realizado conforme dispõe a lei para aquela modalidade de procedimento. Quando, para um determinado caso específico, não houver lei disciplinando procedimento de forma específica, o correto é aplicar as normas dos procedimentos gerais (CPC/2015, art. 318).
Normalmente se diz devido processo legal quando se quer se referir ao procedimento que deve ser seguido. Mas é preciso dizer que não existe processo ilegal. Todo processo é legal [2]. O que pode ser ilegal é apenas o procedimento, quando não realizado conforme a lei.
Não se pode imaginar a existência de algum processo que possa não ser legal ou estar fora da legalidade. Isso somente pode se dar com o procedimento (rito), mas nunca com o processo (relação jurídica). Aliás, seria até mesmo um contrassenso dizer que uma relação jurídica é ilegal ou antijurídica. Por isso, a expressão devido processo legal deve ser substituída por devido procedimento ilegal. Com razão Ovidio Baptista, ao comentar a norma do art. 861 do CPC/1973, afirma que “todo processo é certamente regular ou será nulo” [3]. No mesmo sentido, Marins afirma que a expressão “processo regular” é ambígua, porquanto regular é o processo previsto em lei. A intenção do legislador parece ter sido indicar o processo judicial (rectius: procedimento) [4].
Também Cambi utilizou-se do termo “procedimento” para se referir ao devido processo legal e assim se expressou: “O direito processual, nessa perspectiva, procura legitimar o exercício do poder estatal, possibilitando a defesa democrática dos direitos e buscando, mediante a previsão de um procedimento lógica e cronologicamente predeterminado na lei (due process of law)” [5]. No mesmo sentido Siqueira Castro [6], ao se referir ao devido processo legal, fez referência ao procedimento, ao dizer que a garantia do devido processo legal exige que a jurisdição seja prestada segundo os procedimentos ditados pela legislação processual.
Com isso, parece ficar claro que a expressão devido processo legal está a se referir ao procedimento e não ao processo, porque este sempre será legal. O que pode ser ilegal é o rito quando imposto contrariamente ao que dispõe a lei ou a Constituição Federal [7].
3 FRAUDE À EXECUÇÃO NO CPC/2015
A fraude à execução é instituto de direito processual criado como forma de proteger o credor na busca da efetivação de seu direito. Trata-se de figura exclusivamente brasileira, visto que não existe similar em nenhuma outra legislação. É um remédio processual, que se usa quando a situação já se encontrada estabelecida. Semelhantemente ao medicamento, que, de regra, é utilizado como meio curativo e não preventivo, a fraude à execução é medida instituída para recuperar e trazer para a execução bem que não mais pertence ao devedor. Melhor é a prevenção para evitar a disposição do bem do que depois correr atrás para buscá-lo quando muitas vezes já não mais é possível.
Neste ponto, merece louvor o CPC/2015, isso porque apresenta e disponibiliza várias medidas ou providências que podem ser adotadas pelo credor ou até mesmo pelo juízo de ofício para evitar a fraude à execução. Todavia, se as providências preventivas colocadas à disposição do credor para evitar a fraude merecem aplausos, com relação às providências a serem adotadas depois da ocorrência da fraude para recuperar o prejuízo do credor deixa muito a desejar, por falta de um procedimento específico.
Sabe-se que, quando não existe um procedimento específico previsto em lei, a boa técnica manda que se aplique a norma do art. 318 do CPC/2015. Mas essa boa técnica nem sempre é aplicada, o que leva muitas vezes à arbitrariedade e à injustiça contra as partes e ao terceiro adquirente de boa-fé.
4 PROCEDIMENTO PARA ARGUIÇÃO DE FRAUDE
É possível vislumbrar, na redação do CPC/2015, a boa vontade em estabelecer um procedimento próprio para os casos de fraude à execução. Mas essa boa vontade não foi o suficiente para alcançar o fim almejado. Falou-se em intimação do terceiro adquirente para que o mesmo possa interpor embargos de terceiro. Diz tão somente isto – nada mais. Desta forma, pouco mudou em relação ao sistema anterior. Fora a intimação do adquirente prevista no CPC/2015, art. 792, § 4º, nada mais foi previsto como procedimento e também não diz que se deve aplicar a norma do art. 318 do CPC/2015.
Assim, pode-se dizer que não ficou bem claro qual é o procedimento que se deve utilizar para arguir a fraude à execução (CPC/2015, art. 792, § 4º). Falar-se que antes de se declarar a fraude à execução deva ser intimado o adquirente, para que, se quiser, apresente embargos de terceiro (CPC/2015, art. 792, § 4º), não está indicando procedimento algum, quando, em verdade, haveria de indicar um procedimento e a exigência de propositura de ação autônoma para a verificação da ocorrência da fraude à execução [8].
4.1 Prazo para a oposição de embargos de terceiro
O momento em que se darão o reconhecimento e a declaração da fraude à execução não restou esclarecido na norma. Diz o art. 792, § 4º, do CPC/2015 que, antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro no prazo de 15 (quinze) dias. O prazo previsto de 15 (quinze) dias é para o adquirente propor embargos de terceiro, mas não diz a lei quando começa a contagem deste prazo.
O art. 230 do CPC/2015 diz que o prazo será contado da citação, da intimação ou da notificação. Essa norma ressalta um grande engano do legislador. Falou-se de contagem quando, na verdade, o caso é de início do decurso (quando o prazo começa a correr) e não de início da contagem [9]. Além do mais, não pode haver início do prazo no dia da citação, intimação ou notificação. É necessário que o intérprete do CPC/2015, ao se deparar com o art. 230, dê a ele a mesma interpretação que mereceu o art. 242 do CPC/1973, fazendo a separação entre a data da citação ou intimação e a do início do prazo [10].
4.1.1 Citação, intimação e notificação e início do prazo
O dia da citação, da intimação e da notificação não é o mesmo dia em que começa a correr o prazo para a prática de qualquer ato [11]. Por isso, o dia da prática de qualquer destes atos difere do dia do início do prazo [12]. A citação, a intimação e a notificação podem ser feitas em dias não úteis, mas o início da corrida do prazo somente pode se dar em dia útil (CPC, 2015, art. 224, § 1º) [13].
Quando for praticado qualquer desses atos, o prazo somente inicia a correr no primeiro dia útil seguinte. Pode-se constatar que o disposto no art. 230 não é compatível nem com a lógica, nem com o art. 224, § 1º, do CPC/2015. O dia do começo do prazo, além de se diferenciar do dia da contagem, também diferencia do dia da citação, intimação ou notificação. Diz a norma: “Art. 224. […] § 1º Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte […]“.
A norma é esclarecedora ao dizer que o começo do prazo sempre se dará no dia seguinte após a prática do ato, com a ressalva de este ser dia útil. Não sendo este considerado útil, fica para o dia útil seguinte. Assim, o começo do prazo jamais se dará no dia em que o ato é praticado [14].
A própria norma deixa claro que o ato será praticado em um dia e o início do prazo será em outro, que pode ser o seguinte, se útil, ou em outro dia mais à frente, se o primeiro dias após o ato não for útil. Infeliz a redação do art. 230, que pretendeu apontar um marco suscetível de se basear o começo do prazo, mas acabou por apontá-lo como se isso já fosse o próprio início do prazo.
4.1.2 Diferença entre início do prazo e início da contagem
Anteriormente foi apontado que não se pode confundir o dia do ato com o dia do início do decurso do prazo. Agora se pretende demonstrar que também não se pode confundir o dia do início do prazo (decurso) com o dia do início da contagem do prazo [15]. Jamais o dia do início do prazo poderá ser o mesmo do início de sua contagem. Isso porque na contagem sempre se excluirá o dia do começo do prazo (CPC/2015, art. 224) [16]. Se a lei manda excluir o dia do começo na hora da contagem é porque começo de prazo e contagem de prazo não se confundem.
Por mais simples que possa parecer, a contagem de prazo sempre traz dificuldades e provoca divergências. Uma coisa é o início do transcurso do prazo, outra é o início de sua contagem [17]. A diferença entre o início do prazo e o início de sua contagem é imensa, e, mesmo assim, os equívocos são constantes. É grande a confusão que se tem feito entre início do prazo e contagem do prazo. É até mesmo de causar surpresa que mesmo o legislador, às vezes, se atrapalha e positiva norma como a do art. 230, que está em contradição com o art. 224 do mesmo CPC/2015.
Não se apercebeu o legislador (art. 230 do CPC/2015), como de regra não se aperceberam doutrina e jurisprudência, que existem três situações diferentes, dia da citação ou intimação, dia do início do prazo e, por fim, diferentemente dos dois, o dia do início da contagem do prazo. Início e contagem são completamente diferentes e não podem ser confundidos [18].
4.1.3 Prazo para a interposição de embargos de terceiro
O art. 792, § 4º, do CPC/2015 estipulou o prazo de 15 (quinze) dias para o adquirente, após intimado, propor ação de embargos de terceiro. Fora a estranha disposição em intimar alguém para propor ação [19], ainda resta dúvida sobre quando inicia este prazo para o terceiro adquirente propor os seus embargos. Com certeza, este prazo não pode ter início no mesmo dia da intimação (art. 224, § 1º). Com maior razão, também não terá início a contagem como equivocadamente dispõe o art. 230 do CPC/2015, porque não se pode iniciar a contagem de prazo antes do mesmo se iniciar.
Também não esclarece a norma o que acontece se o terceiro adquirente deixar ultrapassar o prazo de 15 (quinze) dias para a oposição dos embargos. Como propor ação não é o mesmo que contestar, fica afastada a possibilidade de preclusão. Preclusão é uma figura processual que somente se aplica na falta de atos que deveriam ser praticados dentro do processo. Como os embargos de terceiros são ação, somente poderão ficar sujeitos à prescrição ou decadência, jamais alcançados pela preclusão.
Também não esclarece a norma (art. 792, § 4º, do CPC/2015), se, interpostos os embargos no prazo, terão ou não eles efeito suspensivo e o que os diferencia em caso dos embargos serem opostos depois de vencidos o prazo de 15 (quinze) dias. Essas questões deveriam ser esclarecidas na norma.
Absurdo seria pensar que, ultrapassado o prazo de 15 (quinze) dias, ficaria o adquirente impossibilitado de defender o seu direito por meio dos embargos de terceiro, em face do que dispõe o art. 5º, XXXV, da CF. A norma constitucional é imperativa em afirmar que nenhuma lei poderá afastar da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito. Por isso, a disposição do artigo (art. 792, § 4º, do CPC/2015) não pode impedir a defesa do adquirente, mesmo depois de ultrapassado o prazo de 15 (quinze) dias da intimação referida.
4.2 Momento do reconhecimento da fraude
Não esclarece a norma (art. 792, § 4º, do CPC/2015) se o reconhecimento da fraude à execução será antes ou depois do julgamento dos embargos de terceiro. Se o reconhecimento da fraude à execução for antes do julgamento dos embargos de terceiros, estes serão inúteis. Se a questão da fraude à execução for analisada após o julgamento dos embargos de terceiro (CPC/2015, art. 792, § 4º), não se pode falar em intimação do terceiro para eventual propositura de embargos, porque estes já existem.
O texto anterior também não previa procedimento próprio. Parece que o CPC/2015, art. 792, no seu inciso III, parte final, autoriza a arguição de fraude à execução dentro do mesmo procedimento em que se deu a constrição. Assim agindo, não fez a melhor escolha. Mesmo quando a lei não indica um tipo de procedimento próprio, a norma processual impõe a aplicação a todas as causas do procedimento comum, salvo quando houver disposição expressa em contrário (CPC/2015, art. 318), o que não existe na espécie.
À míngua de disposição expressa em contrário, deve-se aplicar sempre o procedimento comum (CPC/2015, art. 318), com todos os direitos e garantias constitucionais (CF/1988, art. 5º, XXXV, LIV e LV). Isto porque, além da necessidade de ouvir o executado alienante para que ele possa se valer do contraditório e da ampla defesa, é necessária, ainda, a participação do terceiro adquirente em procedimento próprio, até porque este não pode sofrer restrição de seus bens sem o devido processo legal (CF/1988, art. 5º, LIV), bem como tem direito ao contraditório e à ampla defesa (CF/1988, art. 5º, LV) e, ainda, tem direito à apreciação de eventual lesão a seu direito, apreciação esta que não pode ser afastada ou suprimida por legislação alguma por se tratar de direito e garantia constitucional (CF/1988, art. 5º, XXXV). Nenhuma lei poderá afastar da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito (CF/1988, art. 5º, XXXV). De outra forma, não se pode decidir qualquer questão sem que exista e se respeite o devido procedimento legal (CF/1988, art. 5º, LIV). Para qualquer decisão, é necessário procedimento próprio, porque somente com este é que se terá o devido procedimento legal (devido processo legal). A necessidade de procedimento próprio é tão natural, que assim já foi julgado [20].
Caso a intenção do legislador seja a de permitir a arguição e o julgamento da fraude de execução, dentro dos mesmos autos do processo originário onde se deu a constrição, sem as garantias constitucionais, essa parte final do inciso III é da mais perceptível inconstitucionalidade, por contrariar as normas e as garantias constitucionais (CF/1988, art. 5º, XXXV, LIV e LV), por não garantir ao devedor e ao terceiro adquirente os direitos ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal, além de afastar da apreciação pelo Poder Judiciário a eventual lesão ao direito do terceiro adquirente, que poderá perder a coisa sem ser ouvido e sem o amparo das garantias e dos direitos constitucionais (CF/1988, art. 5º XXXV, LIV e LV).
4.3 Ônus da prova
Como qualquer outro fato, a fraude à execução deve ser provada por quem a alega (CPC/2015, art. 373, I), que, no caso, será o exequente. Cabe ao exequente fazer a prova dos fatos que alega serem caracterizadores da fraude à execução. Deve provar a alienação, a oneração ou a compra simulada para desviar bens e afastá-los do alcance da execução. Deve ainda provar, em caso de alienação, que esta levou o executado à insolvência e que esta insolvência causou-lhe prejuízo impossibilitando o recebimento de seu crédito. Precisa provar que a alienação se deu livre espontânea vontade pelo executado, vontade esta que vai caracterizar o dolo, elemento que é exigido em qualquer modalidade de fraude. O exequente ainda deve provar que o terceiro adquirente sabia da vinculação do bem ao processo de cobrança ou de execução, ou que o processo ou a penhora estavam averbados no registro do bem.
Não obstante isto, o CPC/2015, em seu art. 792, § 2º, incoerentemente dispõe que, no caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
Essa norma não tem correspondente no sistema anterior. Trata-se de inovação, que, salvo melhor juízo, não merece aplauso. Parece-nos que mais atrapalha do que ajuda, se é que se pode falar em ajuda alguma. A primeira impressão neste momento de fase de transição entre as duas normas (CPC/1973 para CPC/2015) é a de que este § 2º só atrapalha e confunde. Se é que podem ser considerados avanços as normas do CPC/2015, art. 792, I, II, e III e § 1º, o mesmo não se pode dizer com relação à norma do § 2º do mesmo dispositivo.
4.3.1 Bens não sujeitos a registro
O CPC/2015, art. 792, § 2º, inicia fazendo referência a bens não sujeitos a registro, como se tais bens fossem considerados exceção no mundo dos negócios. Bens não sujeitos a registro é a regra, porquanto são casos de exceção os bens que estão sujeitos a registro. No caso dos bens sujeitos a registro (exceção), uma vez realizadas as averbações necessárias, surge a presunção relativa de que o adquirente sabe da situação da coisa, invertendo, assim, o ônus da prova, caso queira provar que desconhecia a vinculação do bem à execução. Diferentemente, nos casos de bens não sujeitos a registro (regra), não se pode inverter o ônus da prova em prejuízo do adquirente, pois é muito mais fácil e menos dispendioso para o credor provar que o adquirente sabia da vinculação do bem à execução do que para o terceiro adquirente provar que adotou todas as cautelas necessárias para a aquisição.
4.3.2 Todas as cautelas necessárias
Falar em cautelas necessárias já representa um conceito indefinido de difícil compreensão. Pior ainda é falar em todas as cautelas necessárias. De início, a referência às cautelas necessárias já induz a imaginação de que existem cautelas desnecessárias. O que seriam umas e outras?
O legislador de gabinete e sem vivência no dia a dia da sociedade talvez pense que isto é muito simples. A inocência ou simplicidade chegou a ponto de tentar definir o indefinível e limitar o ilimitável, apontando o que deve ser as cautelas necessárias. Diz a norma: mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem (CPC/2015, art. 792, § 2º, parte final).
Fala a norma em certidões pertinentes, mas não disse em que consistem estas certidões e em que lugar obtê-las se se tratam de bens não sujeitos a registro. Como agir para obter certidão de bens não sujeitos a registros? Sabe-se que bens móveis, de regra, não estão sujeitos a registro. Onde obter certidão de bens móveis? A norma fala em obter certidão no domicílio do vendedor ou no local onde se encontra o bem, mas não fala em qual órgão. Seria certidão de distribuição de processo? Se o vendedor não tem ação ajuizada contra si em seu domicílio, pode ter ação em outra Comarca e não aparecer na certidão de distribuição local. Depois, em se tratando de bem móvel, o mesmo pode se encontrar ou já ter passado pelos mais variados lugares.
Melhor seria se, no caso de bem não sujeito a registro, o ônus da prova ficasse com o credor, que deveria provar que o adquirente tinha conhecimento da existência de processo contra o devedor e que tal(is) bem(ns) estivesse(m) vinculado(s) à execução. Inverter este ônus, passando-o para o adquirente, é exigir demais; é sacrifício injustificável. Infelicidade plena do legislador. Espera-se que a jurisprudência e a doutrina que sempre laboram com sabedoria, eficiência e coerência saibam equacionar a questão e deem a ela a melhor interpretação possível, evitando, assim, maior sacrifício de uma parte em comparação e em benefício à outra.
4.3.3 Devido procedimento legal
O CPC/1973 não previa a obrigatoriedade de ação própria para a declaração da fraude à execução. Isto fez com que, mesmo sem ação, a fraude fosse decretada nos autos do processo de execução sem a participação do terceiro adquirente. Mas a decisão que reconhecia a fraude nos autos da execução, sem dar oportunidade de defesa ao adquirente, era irregular e não fazia coisa julgada em relação a este [21].
O simples fato de não indicar procedimento próprio para a apuração e julgamento de alegação de fraude à execução já demonstra o afastamento do devido procedimento legal (ainda chamado de devido processo legal). Não se pode negar certo avanço em relação ao sistema anterior que nem mesmo se referia ao terceiro adquirente. Agora o faz, mas com o equívoco de mandar apenas intimá-lo para propor ação como autor para provar a sua inocência, quando a lógica seria o exequente propor ação para provar o conluio entre o adquirente e alienante e os demais requisitos para a configuração da fraude à execução.
Assim é que o CPC/2015, art. 792, § 4º, determina que, antes de ser declarada a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro no prazo de 15 (quinze) dias. Esta norma não continha similar no texto anterior, que era silente em ralação ao terceiro, nada falando sobre seu chamamento para processo. Comete o equívoco de determinar a intimação do adquirente para, se quiser, propor ação de embargos de terceiro. Não esclarece se a propositura dos embargos de terceiro vai ou não impedir o reconhecimento da fraude à execução. Se a fraude à execução não for obstada em face dos embargos de terceiros, estes não terão utilidade alguma. De outra maneira, caso ocorresse o impedimento do reconhecimento da fraude antes do julgamento dos embargos de terceiro, estar-se-ia discutindo nestes questão sobre uma fraude que sequer saberá se vai ser ao final declarada ou não.
Além do mais, não é de nossa tradição intimar ou citar alguém para, se quiser, vir a juízo, para propor qualquer ação. A tradição indica que a citação e a intimação servem para que a parte possa participar de processo ou procedimento já instaurado e não para instaurá-lo. Intimar alguém com a finalidade de provocá-lo à propositura de ação é algo que a nossa sistemática não alberga.
Razoável seria se a intimação fosse para se defender e não para atacar com nova ação. Mesmo assim, a alteração do pedido ou da causa de pedir, e nesta está o chamamento de terceiro, somente pode ser feita até a citação ou após esta com a anuência do réu (CPC/2015, art. 329) e, mesmo assim, somente para se defender, nunca para se propor ação nova. Esta é mais uma norma que não primou pela sua redação.
Assim, melhor seria se a norma determinasse que, para a apreciação, julgamento e reconhecimento de fraude à execução, fosse necessária ação própria do credor (polo ativo) e com a citação em litisconsórcio necessário no polo passivo (vendedor-devedor e o terceiro adquirente), com todas as garantias constitucionais para se defenderem, e, somente após cumpridos o devido procedimento legal, contraditório e ampla defesa, pudesse haver julgamento para reconhecer ou não a fraude à execução [22]. A intenção da nova regra em se permitir a defesa do terceiro adquirente é boa, mas não pode ser de forma simplória pela simples intimação e sem assegurar a ele, bem como ao devedor-vendedor, todas as garantias constitucionais (CF/1988, art. 5º, XXV, LIV e LV) em procedimento próprio [23], como já foi por nós sustentado em nosso livro Fraude à execução e direito de defesa do adquirente (São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002).
Não se pode aceitar como razoável a intimação de alguém para vir a juízo para propor ação. Toda pessoa que é chamada a juízo por meio de intimação ou citação deve ser para se defender e nunca para atacar. Não se pode aceitar como razoável a novel norma que determina a intimação do terceiro adquirente para atacar.
Também não é lógico chamar alguém para propor ação para provar a sua inocência, demonstrando que não praticara ilícito algum. Talvez seja esta a única norma existente no mundo que determina chamar alguém para provar a sua inocência por meio de uma nova ação, no caso, embargos de terceiro.
4.4 Prejudicialidade entre ação penal e ação cível
A fraude à execução constitui crime tipificado no art. 179 do Código Penal, que deve ser apurado por meio de ação penal. Os requisitos para a tipificação do crime de fraude à execução são os mesmos para a caracterização da fraude à execução na esfera cível. Desta forma, somente haverá fraude à execução no cível se também estiver o fato tipificado como crime na esfera penal. Não é possível separar as duas situações, porque, sendo o fato atípico na esfera penal, não poderá ser considerado como fraude na esfera cível. A ação penal é prejudicial à ação cível e, por isso, deve sempre ser julgada em primeiro lugar.
4.4.1 Prejudicialidade
A palavra “prejudicialidade” está estreitamente ligada à causa ou questão prejudicial, no sentido de indicar que essa causa ou essa questão deva ser julgada ou simplesmente analisada, antes de se julgar a questão principal, porque esta depende do que se concluir naquela [24]. É o que acontece na execução em que o pedido de declaração de fraude à execução é apenas secundário. Assim, a prejudicial que é secundária (não integra ao pedido principal) se firma como condicionante ou subordinante [25], em face do pedido na causa principal (subordinada), de tal forma que o julgamento desta fica condicionada à solução daquela [26].
Enquanto não se decidir a causa ou a questão subordinante (secundária), não se pode chegar ao pedido da causa principal (subordinada) [27]. A prejudicial é um pressuposto necessário para o julgamento da lide [28]. Antes de se analisar ou julgar a prejudicial, não se pode falar em julgamento da questão subornada (principal). Anota Fidelis dos Santos [29] que a prejudicial é aquela que tem relação com o julgamento do mérito e da qual depende o julgamento deste. No mesmo sentido aponta Grinover [30], para quem a prejudicial é um antecedente lógico, pelo qual o juiz deve necessariamente passar para chegar ao julgamento da questão final.
Como se vê, a prejudicial é aquela questão que se coloca como antecedente lógico e necessário em algum processo em que existe outra questão a ser julgada [31]. Vigorosa é lição de Liebman [32], que ensina que a prejudicialidade é a relação que existe entre uma questão prévia que poderia ser objeto de ação declaratória incidental e a ação principal (causa final).
No caso de discussão sobre fraude à execução, disciplinada como crime no art. 179 do CP, a ação penal aparece como prejudicial ao julgamento no cível, razão porque deve ser julgada em primeiro lugar. Enquanto não se julgar a questão da fraude à execução na via penal, a execução no cível fica suspensa (art. 313, V, a e b, do CPC/2015).
4.4.2 Requisitos da prejudicialidade
A prejudicialidade se caracteriza pela presença de alguns requisitos, sem os quais não se pode falar em questão prejudicial ou prejudicialidade, e que são catalogados como sendo: a) duas ou mais questões a serem apreciadas; b) não integrante do pedido principal; c) antecedência lógica; d) necessidade de apreciação de duas ou mais questões; e) dependência da causa final (principal) à questão secundária (prejudicial); f) autonomia [33].
- a) Quando surge a questão da fraude à execução, já existe a questão da existência do crédito e inadimplemento na execução. A partir da alegação de fraude, duas questões passam a ser objetos de julgamento, sendo a execução como questão principal e a ocorrência de fraude como secundária e, portanto, prejudicial. Por se tratar de crime de fraude à execução (art. 179 do CP), a questão criminal deve ser julgada em primeiro lugar.
- b) Apesar da exigência de duas questões a serem analisadas (conhecidas) pelo juiz, precisa ficar bem claro que a prejudicial, para se configurar como tal, não deve integrar o pedido principal [34]. Por isso adverte Batista Lopes [35] que, além de outros requisitos, há se de destacar que, para que se configure a prejudicialidade, é indispensável que a relação jurídica prejudicial se situe fora do pedido.
A prejudicial já é assim considerada porque cuida de questão que não faz parte do pedido final (principal), porque, se fizesse, se tornaria causa e, como causa, integraria o próprio pedido principal, assim, não sendo questão prejudicial, mas final.
- c) Além da existência de duas questões a serem apreciadas pelo juiz, estas questões não podem estar na linha de alternância ou de equivalência na ordem de apreciação. Há necessidade de que uma delas tenha prioridade em sua apreciação, a ponto de o resultado dessa apreciação poder influir no resultado da apreciação da segunda. É o caso de fraude à execução em que a ação penal deve ser julgada em primeiro lugar, porque reconhecida a inexistência de crime de fraude à execução, afastada está a hipótese de fraude no cível.
Nesse sentido é que a doutrina diz que entre a prejudicial e a prejudicada deve haver uma antecedência ou anterioridade lógica [36]. Caso pudesse o juiz escolher uma ou outra para apreciação em primeiro lugar, não haveria questão prejudicial e sim questão concorrente. A imperiosa sequência na apreciação da prejudicial (condicionante) antes e da questão final (condicionada) depois é o que caracteriza a figura da prejudicialidade.
- d) Outro elemento que se deve fazer presente é a necessidade do juiz apreciar as duas questões, não podendo se contentar com apenas a apreciação de uma delas. Isto é, para se chegar à questão final, precisa apreciar a questão prejudicial. Nesse ponto é que a prejudicial mais se diferencia da preliminar, porque nesta última o juiz pode apreciar apenas uma questão e, conforme o resultado alcançado, deixará de apreciar a outra [37].
Na prejudicialidade, exige-se a apreciação das duas questões (prejudicial e prejudicada) [38], sendo imperiosa a análise da questão prejudicial para se chegar à outra, que é a questão final (prejudicada).
- e) Aspecto que não se pode esquecer é que, além da necessidade de haver duas questões a serem decididas, há ainda que se verificar se, para chegar ao julgamento da causa final (prejudicada ou condicionada), existe a imperiosa dependência da apreciação da questão primeira (prévia – prejudicial).
Em verdade, a questão final fica subordinada à questão prejudicial (subordinante), de modo tal que aquela somente pode ser julgada depois da apreciação desta. Esta subordinação da causa principal, em face da prejudicial (subordinante), cria uma dependência em relação a esta. Enquanto não se apreciar a questão prejudicial, não se pode passar ao julgamento da causa final (principal), subordinada [39].
- f) Ainda, a doutrina aponta como elemento necessário à prejudicialidade que entre as questões (prejudicial e prejudicada) exista autonomia a ponto de cada qual poder se constituir em ação autônoma [40]. É o que ocorre com a ação penal de fraude à execução, que pode ser julgada procedente ou improcedente, e a ação de execução pode continuar mesmo sem a existência da fraude.
Assim, a questão prejudicial é aquela que poderia ser objeto de ação autônoma, tal qual acontece na prejudicial (ação penal de fraude à execução) cuja fraude alegada em ação de execução, caso em que a questão da fraude pode ser objeto de ação autônoma. Assim também se dá para o caso de prejudicial de alegação de nulidade do contrato em caso de ação de cobrança, cuja questão de anulação pode ser objeto de ação autônoma [41].
4.4.3 Efeitos da prejudicialidade
A questão prejudicial, quando se fizer presente, pode sugerir alguns efeitos. O primeiro e mais lembrado efeito da prejudicialidade é a suspensão do processo para aguardar o julgamento de uma questão prejudicial externa (art. 313, V, do CPC/2015).
Proclama Rosalina Pereira [42] que é exatamente esta suspensão do processo principal, para aguardar o julgamento da questão prejudicial em outro, que garante a unidade da jurisdição, tornando o julgamento da prejudicial como elemento necessário e antecedente do julgamento da causa final [43].
Efeito marcante da prejudicialidade é a obrigatoriedade de que se aprecie [44] ou se decida antes a questão prejudicial e, somente depois, a questão final ou principal. A questão prejudicial, tenha ela poder suspensivo ou não, terá sempre a imperiosidade de ser julgada antes da questão principal ou questão última [45]. Nesse passo, vale a alerta de Restiffe [46], para quem, se a questão é última, é porque ela deve ser decida por último. Se já é última, é porque depois dela não pode haver outra. Esclarece, ainda, esse autor: “A questão última é necessariamente a questão principal, pois é para a sua decisão que o processo existe” [47].
4.5 Concurso de vontades e a prejudicialidade
Quando se pensa em fraude, vem logo a ideia de que, para que isso ocorra, é necessária a presença de pelos duas pessoas (agente e vítima). No caso da fraude à execução, exige-se a presença de dois agentes (devedor-vendedor e adquirente) imbuídos do mesmo fim, que é prejudicar o credor.
Toda e qualquer modalidade de fraude, além de exigir a vontade livre e consciente do agente fraudador, exige-se também a participação de pelos menos mais uma pessoa, em virtude do necessário concurso de vontades [48]. Na esfera penal, a questão é tratada como concurso necessário de agente ou concurso de pessoas, no sentido de que, se não houver a atuação de pelos menos dois agentes ou duas pessoas, imbuídos do mesmo fim, não haverá o crime de fraude à execução [49].
Na órbita cível, o tratamento a ser dado não pode ser outro. Para a configuração da fraude à execução no âmbito cível, também são necessários o concurso de agentes (duas ou mais pessoas) e, ainda, o concurso de vontades, no sentido de que devedor (vendedor) e o terceiro (adquirente) estejam alimentando os mesmos propósitos de praticar a fraude à execução e, como isso, prejudicar o credor. Sem o concurso de agentes e sem o concurso de vontades, não se pode imaginar a ocorrência de fraude à execução. Para a configuração da fraude à execução, não basta a simples vontade do devedor, exige-se também a vontade com dolo específico do vendedor e do comprador em dar prejuízo ao credor. A fraude à execução somente pode existir se houver conluio entre devedor e comprador em concurso de pessoas e de vontades [50].
O concurso de vontade deve ser apreciado em primeiro lugar na esfera penal, e somente depois do julgamento penal é que a questão da fraude pode ser analisada na esfera cível. Por isso, a ação penal é prejudicial à declaração da fraude à execução em ação cível.
Seria de extrema barbaridade julgar-se a alegação de fraude à execução primeiro no juízo cível, e, depois, no juízo penal, a ação fosse julgada improcedente por falta do concurso de vontade (concilius fraudis) ou até mesmo por ausência de tipicidade na conduta de qualquer das partes no negócio, tanto do adquirente ou do vendedor, ou, ainda, por outro motivo em que fique demonstrada a inexistência de fraude.
A sentença penal que julgar pela existência do crime de fraude à execução ou pela inexistência de tal crime faz coisa julgada no cível (arts. 91 do CP e 63 do CPC). Por fazer coisa julgada no cível é que a sentença penal atua como prejudicial ao julgamento do cível.
CONCLUSÕES
Tendo em vista o que foi exposto, pode-se retirar algumas conclusões:
- Ação penal de fraude à execução é prejudicial à discussão cível, devendo, por isso, ser julgada em primeiro lugar;
- Somente pode haver reconhecimento de fraude à execução no cível se antes tal figura restou reconhecida na esfera penal;
- Não pode o Juízo da Execução reconhecer a ocorrência de fraude à execução antes de que a tipicidade criminal tenha sido reconhecida na órbita penal (art. 179 do CPC);
- Uma vez alegada eventual fraude, a execução deve ser suspensa (art. 313, V, do CPC/2015), até que a questão seja solucionada na órbita penal, por constituir modalidade criminosa (art. 179 do CP);
- É na ação penal que se encontra solo próprio para a discussão sobre tipicidade penal, a respeito de fraude e seus requisitos, mormente conluio entre partes, concurso de pessoas e concurso de vontades;
- A esfera penal é mais apropriada para a discussão e apreciação dos elementos subjetivos, tão necessários à configuração da fraude;
- O dolo é elemento essencial para a tipificação da fraude à execução na esfera penal e assim também o é na órbita cível. Faltando o dolo na área penal, não há tipificação da fraude; o mesmo se dá no campo cível, em que a sentença penal produz seus efeitos, seja o efeito condenatório ou o absolutório, tanto pela tipificação quanto pela falta de tipicidade da conduta (art. 91, I, do CP e art. 63 do CPP);
- A fraude à execução de que trata o Código Penal (art. 179) é a mesma de que trata o art. 792 do CPC/2015. Seriam de extrema incoerência a absolvição por falta de dolo na via penal e a declaração de fraude mesmo sem dolo na esfera cível. Essa contradição é que não se pode admitir. Para evitar que isso ocorra, o processo penal é prejudicial externa, devendo a ação cível ser suspensa até que a ação penal seja julgada (CPC/2015, art. 313, V, a e b);
- Não sendo o negócio jurídico capaz de tipificar o crime de fraude à execução na via penal, também não poderá haver configuração de fraude à execução da esfera cível, porque não existem duas modalidades de fraude à execução. Aliás, uma já é demais, porque figura exclusivamente brasileira, não se conhecendo similar em nenhuma outra legislação;
- Desta forma, ocorrendo prescrição criminal do crime de fraude à execução, o que implica a impossibilidade de propositura da ação penal, se ainda não proposta, ou a extinção da ação penal que eventualmente esteja em andamento, também ocorre a prescrição na esfera cível, pois a ação penal é prejudicial da ação cível (CPC/2015, art. 313, V, a e b);
- Não seria lícito falar que, em se tratando de fraude à execução, inexiste prescrição pelo menos por duas razões muito óbvias: a) primeiro, porque até mesmo para a fraude contra credor (irmã gêmea) da fraude à execução existe previsão de prescrição na esfera cível (art. 178 do Código Civil); b) segundo, porque nenhuma situação jurídica poderá se perpetuar no tempo a ponto de criar uma eterna insegurança jurídica. Aliás, a finalidade da prescrição é exatamente a de pôr fim à insegurança jurídica;
- É de se lembrar que em todo negócio jurídico deve ser observada a boa-fé das partes, e isto não pode ser diferente em relação ao negócio jurídico acoimado de fraude, porque não pode existir fraude sem a má-fé do fraudador. Por isso é que hoje existe a Súmula nº 375 do STJ, impondo observância e estabelecendo a preponderância da boa-fé nas questões em que se alega fraude à execução;
- Por fim, não se pode proclamar a ocorrência de fraude à execução sem antes averiguar o ânimo das partes para determinar-se o verdadeiro ânimo dos agentes. Sem o ânimo (dolo) representado pelas vontades livres, conscientes e espontâneas dos agentes (devedor e comprador), não se pode declarar a fraude à execução.
REFERÊNCIAS
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[1] “O processo é abstrato e informal. Somente o procedimento é concreto e formal. O processo é representado pelo autos e, por ser abstrato, é impalpável. Não se pega no processo: pega-se nos autos que retratam o processo.” (SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude à execução e o direito de defesa do adquirente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 185)
[2] Idem, p. 186.
[3] SILVA, Ovidio Baptista da. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 445.
[4] MARINS, Victor A. A. Bonfim. Comentários ao CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 12, 2000. p. 322.
[5] CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 92-93.
[6] “Cumpre notar, por outro lado, que a garantia do devido processo legal exige que a jurisdição seja prestada segundo os ‘procedimentos ditados pela legislação processual’,cuja rigorosa observância é requisito da regularidade do processo” (CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 288-289)
[7] Essa matéria foi desenvolvida mais amplamente em nosso Fraude à execução e o direito de defesa do adquirente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
[8] “FRAUDE À EXECUÇÃO – Conceituação – Ocorrência de adjudicação do bem em processo trabalhista – Impossibilidade de reconhecimento de fraude – Indispensável o ajuizamento de ação própria – Indeferimento mantido – Recurso improvido”. “E essa situação não pode se resolvida no processo de execução, como pretende o agravante, através do reconhecimento de uma fraude de execução. Torna-se indispensável o ajuizamento de ação própria, onde se demonstre a alegada fraude na relação trabalhista.” (TJSP, AI 1.266.226-1; JTACSP, v. 206, p. 51-53, jul./ago. 2004)
[9] Início do prazo e início da contagem do prazo são diferentes. Essa diferença está bem demonstrada nas seguintes obras: SOUZA, Gelson Amaro de. Curso de processo civil.
- ed. Presidente Prudente: Datajuris,1998. p. 299-303; SANTOS, Ernane Fidelis. Manual de direito processual civil. 10. ed. v. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 261-264; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Prazos – Classificação, princípios e contagem. Atualidades Forenses, Rio de Janeiro: Forense, n. 112, p. 05-06, set. 1987.
[10] “Prazo. Termo inicial. Embora disponha o art. 242 que se reputa intimado o advogado na audiência onde foi proferida a sentença e embora também estabeleça o art. 506, ambos do Código de Processo Civil, que o prazo para o recurso se conta da leitura dessa sentença em audiência, estes dispositivos devem ser interpretados em conjunto com o art. 184 do mesmo estatuto, que manda, na contagem dos prazos, excluir o dia do começo e incluir o do vencimento.” (Agravo nº 485.134-00/7; 2º TACSP, JTACSP-Lex, 166, p. 194)
[11] “Na consonância do art. 184 do CPC, a fluição do prazo recursal inicia-se no primeiro dia útil após a intimação, com exclusão do dies a quo. Ora, se esta ocorreu no sábado, como na hipótese, que, a rigor, não é dia útil, tem-se como dies a quo a terça-feira e não a segunda, nos precisos termos do citado dispositivo legal.” (STJ, RSTJ, v. 27, p. 432, nov. 1991. Também Revista Jurídica v. 172, p. 102, fev. 1992)
[12] “Se a intimação é realizada na véspera dos dias da Semana Santa, sem expediente forense na Comarca, o prazo recursal começa a fluir no primeiro dia útil subsequente. Art. 184,
- 2º, do CPC.” (STJ, REsp 5.339/MG, 4ª T., Rel. Min. Athos Carneiro, J. 13.11.1990, v.u., DJU 10.12.1990, p. 14811. Citação de T. Negrão, nota 22 ao art. 184, 34. ed., 2002)
[13] “Nenhum prazo, portanto, terá sua contagem começada em dia não útil. Se a intimação ocorreu em véspera de feriado, domingo, início de férias ou de recesso, ou dia em que não haja expediente normal no fórum, o prazo terá a contagem instaurada no primeiro dia útil subsequente.” (MONIZ DE ARAGÃO, Egas Diniz. Com. CPC. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 1976. p. 130-131)
[14] Súmula do STF: “310: Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira ou a publicação com efeito de intimação for feita neste dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir”. Essa súmula é compatível com o atual CPC (RTJ, 77/329): “Assim, se a intimação for feita na sexta-feira, o primeiro dia do prazo será a segunda-feira, se nesta o fórum estiver aberto (RTJ, 81/291, 81/415, 94/660, 95/186, 95/739; STF, RJTJESP, 44/219)” (Citação de T. Negrão, nota nº 20 ao art. 184. 34. ed.).
[15] “O ponto inicial do prazo, portanto, é aquele em que foi feita a intimação. A contagem, que é outra coisa, obedecerá à norma estatuída no texto.” (MONIZ DE ARAGÃO, Egas Diniz. Op. cit., p. 127)
[16] “Em primeiro lugar, não há como confundir contagem com início de prazo. O início é o momento inicial, a termo a quo. A contagem, entretanto, exclui esse termo (CPC, art. 184).” (TEIXEIRA, Salvio de Figueiredo. Op. cit., p. 06)
[17] “Prazo. Contagem. Art. 184 do CPC. Há substancial diferença entre início do prazo e a contagem do prazo. Neste caso, se a lei afirma que o prazo tem início no dia seguinte à intimação, referido dia se exclui da contagem, como inclusão do final, a teor do art. 184 do CPC.” (EI-AC 258.860-7/02, J. 01.07.1999; RJTAMG, v. 76, p. 599)
[18] “Prazo. Início da contagem. Há substancial diferença entre início do prazo e contagem do prazo. Neste caso, se a lei afirma que o prazo tem início no dia seguinte à intimação, referido dia se exclui da contagem, com inclusão do final (art. 184 do CPC). Embargos rejeitados.” (TAMG, EI-AC 258.860-7/02, 5ª C.Cív., Rel. Juiz Ernane Fidelis, J. 01.07.1999, ac. un., DJMG 05.11.1999, m.v., p. 16 – ementa oficial; IOB, RJ, n. 1/2000, Caderno 3, p. 06)
[19] Nem se diga que em execução o devedor também é intimado para propor embargos à execução. Primeiro, porque o devedor é citado para pagar e não para se defender. Depois, porque os embargos à execução são considerados ação, apenas no sentido formal, pois, em verdade, cuida-se de defesa no sentido material. Neste sentido veja nosso Efeitos da sentença que julga embargos à execução. São Paulo: Editora MP, 2007.
[20] “E essa situação não pode ser resolvida no processo de execução, como pretende o agravante, através do reconhecimento de uma fraude de execução. Torna-se indispensável o ajuizamento de ação própria, onde se demonstre a alegada fraude na relação trabalhista.” (TJSP, AI 1.266.226-1; JTACSP, v. 206, p. 51-53, jul./ago. 2004. No mesmo sentido: Nossos Tribunais, n. 5, p. 98 (TACiv-RJ), TACSP, JTACSP-Lex, n. 156, p. 331; TJMG, RJTAMG,
- 68, p. 115)
“ALEGAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO – EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS – NECESSIDADE DE APURAÇÃO E DECRETAÇÃO DA FRAUDE POR MEIO DA VIA PRÓPRIA DA AÇÃO PAULIANA – Pleito negado. Recurso não provido.” (TJSP,
AI 7.361.274-5, J. 13.08.2009, Rel. Des. Soares Levada; JTJSP-Lex, 341, p. 167, out. 2009)
[21] “I – A decisão transitada em julgado, reconhecendo a fraude à execução, vincula tão somente as partes do processo em que foi prolatada, não estendendo seus efeitos a terceiros. II – O simples indeferimento do pedido incidental de levantamento da penhora, formulado incidentalmente nos autos da execução, não constitui obstáculo ao ajuizamento dos embargos de terceiro. Recurso especial provido.” (STJ, REsp 633418/MG, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, DJU 12.09.2005; RJ, 335/134)
[22] “Na Colômbia, a Constituição local, em seu art. 26, I, dispõe o que segue: ‘nada poderá ser julgado se não conforme as leis preexistentes ao ato que se imputa, ante o tribunal competente e observando a plenitude das formas de cada juízo’.” (SOUZA, Gelson Amaro de. Op. cit., p. 185)
[23] “A confirmar o acima exposto, a Constituição mexicana, em seu art. 14, parágrafo segundo, assegura que ‘ninguém poderá ser privado de sua vida, de sua liberdade e de sua propriedade, posse e direitos, se não mediante juízo seguido ante os tribunais, previamente estabelecidos, em que se cumpram as formalidades essenciais do procedimento e conforme as leis expedidas anteriormente ao fato’.” (Idem, ibidem)
[24] “Enfim, questão prejudicial é aquela que deve ser, lógica e necessariamente, decidida antes da questão chamada principal (prejudicada) porque predetermina o seu conteúdo.” (PEREIRA, Rosalina P. C. Rodrigues. Ações prejudicais à execução, p. 68)
[25] “Na prejudicialidade, contudo, a questão menor se constitui em antecedente lógico-
-jurídico, necessário e autônomo da questão maior. É sua indispensável premissa.” (SANTOS, Gerson Pereira dos. Prejudicialidade. In: Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, v. 60, 1981. p. 07)
[26] “Prejudicial é, portanto, a relação ou situação jurídica a cuja existência se subordina, no tocante a seu próprio conteúdo, o pedido que o juiz deve decidir, através de sentença, para resolver a lide ou res in iudicium deducta.” (MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, v. 3, p. 55)
[27] “Em sentido amplo, a prejudicialidade ocorre quando uma questão deve ser, lógica e necessariamente, decidida antes de outra, porque sua decisão influenciará o próprio teor da questão vinculada. É a chamada prejudicialidade lógica, porque a relação de prejudicialidade é antes de tudo um processo lógico que se estabelece no raciocínio do magistrado.” (PEREIRA, Rosalina P. C. Rodrigues. Op. cit., p. 57)
[28] “Prejudicial é a questão que constitui pressuposto necessário para julgamento da lide.” (MARQUES, José Frederico. Op. cit., p. 57)
[29] “A prejudicial é questão apenas referente ao mérito, isto é, a que se relaciona com a existência ou a inexistência ou a inexistência de relação jurídica, da qual depende o julgamento da lide.” (SANTOS, Ernane Fidelis dos. Manual de direito processual civil, v. 1. p. 560)
[30] “Questão prejudicial, em sentido amplo, é, assim, qualquer ponto controvertido, que surja no processo e que represente um antecedente lógico pelo qual o deva necessariamente passar no seu iter processual.” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito processual civil, p. 47)
[31] “São todas as questões, as quais o juiz deve resolver antes de chegar à questão principal, e que vão influir sobre o teor da decisão final.” (Idem, p. 51)
[32] “Prejudicialidade é a relação que existe entre a ação principal e a declaratória incidente que uma das partes pode propor.” (LIEBMAN, Enrico Túlio. Manual de direito processual civil, v. I, p. 198)
[33] “Pode-se, então, afirmar que a questão prejudicial se caracteriza por ser um antecedente lógico e necessário da prejudicada, cuja solução condiciona o teor do julgamento desta.” (RESTIFFE, Lauro Paiva. Prejudicialidade, p. 52)
[34] “Dentre outras razões, pode-se dizer a resolução da questão figuraria dentre os motivos da decisão, ou, quando muito, uma ‘questão prejudicial’.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA José Miguel Garcia. Coisa julgada na execução e na exceção de pré-
-executividade. In: BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução – Temas polêmicos e atuais. São Paulo: RCS, 2005. p. 194)
[35] LOPES, João Batista. Ação declaratória, p. 137.
[36] “Sempre que no processo se manifeste questão prejudicial, o caminho lógico a ser perlustrado pelo juiz há de passar necessariamente pela resolução dela para poder chegar à decisão definitiva, que solucionará a controvérsia principal, desde que aquela resolução predeterminar, no todo ou em parte, o teor desta.” (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. A ação declaratória incidental, p. 79)
[37] Exemplo: na preliminar, o juiz, ao acolher a alegação de falta de condição da ação ou de pressuposto processual, deixa de apreciar a questão de mérito, extinguindo-se o processo. Na prejudicialidade em que há alegação de nulidade contratual em ação de cobrança, o juiz, para decidir se existe direito a receber o crédito e a obrigação de pagar, precisa necessariamente passar antes pela análise da prejudicial (nulidade), e, conforme a solução que adotar nesta questão, será na mesma linha de coerência a solução da questão prejudicada. Assim, se acolhida a arguição de nulidade, haverá de julgar o mérito pela inexistência da obrigação de pagar; se negar a nulidade alegada, passará ao julgamento das demais questões e fica aberto o caminho com a possibilidade de decidir pela existência da dívida.
[38] “[…] devem existir duas relações jurídicas diferentes: a que é objeto da ação principal e a que é versada na questão prejudicial.” (LOPES, João Batista. Op. cit., p. 135)
[39] “[…] a questão prévia vai influir sobre o ‘teor’ da questão principal, trata-se de questão prejudicial. Pense-se, como exemplo, no fiador que, acionado, alegue a nulidade da obrigação principal. Essa nulidade da obrigação principal é questão prévia, é antecedente lógico, que o juiz terá que resolver para chegar à solução da questão principal. Nesse caso, o julgamento da questão prévia vai influir sobre o próprio teor da decisão final, porque, se o juiz decidir que a obrigação principal emergiu válida, necessariamente julgará a ação procedente contra o fiador; mas se, ao contrário, o juiz reputar que a obrigação principal é nula, necessariamente deverá concluir pela improcedência da demanda contra o fiador.” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 49)
[40] “Propõe-se, por isso, o critério da autonomia da questão prejudicial: esta só mereceria a qualificação de jurídica quando, a par da anterioridade lógica, tivesse aptidão para constituir objeto de juízo autônomo.” (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Op. cit., p. 60)
[41] Essa matéria foi tratada com maior profundidade em nosso Efeitos da sentença que julga embargos à execução. São Paulo: Academia de Direito – MP, 2007, oriundo de nossa tese de doutoramento pela PUC/SP.
[42] “A teoria da prejudicialidade jurídica atua no sentido de que visa à consecução do princípio básico da unidade da jurisdição. E é justamente para que esse princípio não seja ignorado ou vulnerado que, na prejudicialidade, determina-se a suspensão do processo prejudicado até que se resolve a questão prejudicial.” (PEREIRA, Rosalina P. C. Rodrigues. Op. cit., p. 66)
[43] Idem, ibidem.
[44] “O juiz, nesse caso, deve apenas conhecer da questão prejudicial, mas não decidir sobre ela; mesmo porque ela não é objeto da causa, não há pedido de decisão sobre ela.” (BARBI, Celso Agrícola. Ação declaratória principal e incidente, p. 203)
[45] “Enfim, questão prejudicial é aquela que deve ser, lógica e necessariamente, decidida antes da questão chamada principal (prejudicada) porque predetermina o seu conteúdo.” (PEREIRA, Rosalina P. C. Rodrigues. Op. cit., p. 68)
[46] “Quantos às questões últimas, podemos conceituá-las como aquelas além das quais nenhuma outra espécie é concebível, pois, do contrário, não seriam últimas e nem atenderiam ao a priori da categoria lógica.” (RESTIFFE, Lauro Paiva. As preliminares e seus dois recursos, p. 9)
[47] Idem, p. 10.
[48] “FRAUDE À EXECUÇÃO – INOCORRÊNCIA – SUPOSTO ATO DE CONSILIUM FRAUDIS ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LC 118/2005 – ALIENAÇÃO DE IMÓVEL REALIZADA ANTES DA CITAÇÃO DO DEVEDOR E APÓS A INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM – HIPÓTESE DO ART. 185 DO CTN, NA SUA REDAÇÃO ORIGINAL, SENDO A PRESUNÇÃO DE FRAUDE, DE ÍNDOLE SUBJETIVA – INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 375 DO STJ.” (TRF 5ª R., AgIn 103.309/PE, 2ª T., Rel. Des. Francisco Wildo, J. 23.03.2010, v.u., DJe 30.03.2010; RT,v. 898, p. 394, ago. 2010)
[49] “FRAUDE À EXECUÇÃO – INEXISTÊNCIA DE CONSILIUM FRAUDIS E DA PRÉVIA INSCRIÇÃO DA PENHORA – LEI Nº 8.953/1994 – ART. 659 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – SÚMULA Nº 375 DO STJ.” (TJMG, AI 1.0024.02.741435-8/001, Rel. Des. José Affonso da Costa Côrtes, JM, v. 190, p. 273, jul./set. 2009)
[50] “3. Afastada a presunção, cabe ao credor comprovar que houve conluio entre alienante e adquirente para fraudar a ação de cobrança e, ainda, que a alienação tida por fraudulenta teve o condão de reduzir o devedor à insolvência, consoante também tem exigido a jurisprudência de ambas as Turmas de Direito Público desta Corte. Precedentes.
- Recurso especial não provido.” (STJ, REsp 1082910/MG, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, DJ 02.04.2009; RJ, v. 378, p. 167, abr. 2009)