A FIGURA DO COMITÊ DE CREDORES NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA
Rénan Kfuri Lopes
1) Introdução:
A Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005) instituiu no ordenamento jurídico brasileiro, nos procedimentos falimentares e de recuperação de empresas, a figura do Comitê de Credores, órgão cujas funções são de suma importância no processo de recuperação judicial. Por exemplo, são deste órgão a função de fiscalizar todos os personagens na recuperação, dentre os quais o administrador judicial e a sociedade em recuperação.
O Comitê de Credores já foi alvo de calorosas discussões e diversas modificações, mas sua essência sempre se manteve inalterada, qual seja, aumentar os direitos e a participação dos credores nos processos falimentares e de recuperação de empresas, inclusive, como forma de dar maior eficiência, confiabilidade e transparência aos procedimentos.
Importante lembrar que, tanto na recuperação judicial quanto na falência, a instalação do Comitê de Credores é facultativa. Cabe aos credores decidir sobre sua instalação, levando-se em conta, sobretudo, a existência de circunstâncias que justifiquem a sua adoção, tais como, o porte da empresa falida, ou em recuperação judicial, e a complexidade de seu patrimônio (bens, direitos e obrigações).
Contudo, registramos que, em se tratando de falência, na sentença que a decretar, o juiz poderá determinar, se entender conveniente, a convocação de Assembleia Geral de Credores para a constituição do Comitê de Credores. Pode, ainda, autorizar a manutenção do Comitê eventualmente em funcionamento na recuperação judicial quando da decretação da falência.
A Lei de Falência disciplinou, ainda, a instalação, composição, atribuições a e destituição do Comitê de Credores, além de trator de diversos outros aspectos referentes ao órgão, conforme analisaremos no decorrer do presente Roteiro de Procedimentos.
2) Instalação do Comitê:
Conforme mencionado anteriormente, a constituição do Comitê de Credores não é obrigatória, mas caso haja opção pela sua instalação, deverá ser observado à regra prevista no artigo 26 da Lei de Falências. Referido artigo prevê que o Comitê será constituído por deliberação de qualquer das classes de credores na Assembleia Geral de Credores e deverá ser composto por (1):
1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas e acidentários (empregados que possuem créditos trabalhistas a receber ou em aberto), com 2 (dois) suplentes;
1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais (se houver os dois, fica o com garantia real), com 2 (dois) suplentes;
1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários (são aqueles que não têm garantia) e com privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes;
1 (um) representante indicado pela classe de credores representantes de Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP), com 2 (dois) suplentes.
Como vemos, a constituição do Comitê não é uma determinação do juízo da falência, na verdade, ela é um ato deliberativo que parte dos próprios credores interessados. Na prática, é a situação concreta de cada empresa sujeita à falência ou submetida ao regime de recuperação judicial que vai estabelecer a necessidade, conveniência ou oportunidade de instalação ou não do Comitê de Credores. Essa regra não está explícita na lei, mas chegamos nesse raciocínio quando ela fala que será constituído por deliberação.
Assim, o Comitê não será constituído porque o juiz acha necessário, serão os credores reunidos num foro mais amplo (Assembleia Geral) que sentindo necessidade deliberarão ou não pela constituição do Comitê. Se a empresa é tão pequena que o número de credores é reduzido, então qual o motivo da constituição de um Comitê para representar o interesse dos credores? O número de credores é tão pequeno que essa quantidade reduzida já é o próprio Comitê.
No que se refere à presidência do Comitê, é importante observar que, caberá aos seus próprios membros indicar, entre eles, quem irá presidi-lo.
A falta de indicação de representante por quaisquer das classes de credores não prejudicará a constituição (ou formação) do Comitê. A Lei de Falências admite que ele funcione com número inferior ao supramencionado.
O juiz determinará, mediante requerimento subscrito por credores que representem a maioria dos créditos de uma classe, independentemente da realização de assembleia:
a nomeação do representante e dos suplentes da respectiva classe ainda não representada no Comitê; ou
a substituição do representante ou dos suplentes da respectiva classe.
Observações:
(1) Na escolha dos representantes de cada classe no Comitê de Credores, somente os respectivos membros poderão votar.
(2) Os membros do Comitê de Credores, logo que nomeados, serão intimados pessoalmente para, em 48 (quarenta e oito) horas, assinar, na sede do juízo, o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades a ele inerentes.
(3) Em caso de não instalação do Comitê de Credores, caberá ao administrador judicial, ou ao juiz, quando houver algum impedimento daquele, exercer as atribuições inerentes ao Comitê sob comento.
2.1) Impedimentos:
Não poderá integrar o Comitê de Credores aquele que, nos últimos 5 (cinco) anos, no exercício de cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê de Credores em falência ou recuperação judicial anterior:
foi destituído;
deixou de prestar contas dentro dos prazos legais; ou
teve a prestação de contas desaprovada.
O impedimento atinge, ainda, quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3º (terceiro) grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente. Vale repetir que na escolha dos representantes de cada classe no Comitê de Credores somente os respectivos membros poderão votar.
O devedor, qualquer credor ou o Ministério Público (MP) poderá requerer ao juiz a substituição dos membros do Comitê nomeados em desobediência aos preceitos da Lei de Falências, devendo o juiz decidir, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sobre referido requerimento.
3) Atribuições do Comitê:
Simplificadamente, o Comitê de Credores é um órgão colegiado de credores constituído basicamente para fiscalização das atividades da gestão empresarial e das contas do administrador judicial durante o processo de recuperação. Sua função essencial é garantir uma boa administração frente à empresa, pois desta forma, tornada a empresa sadia novamente, os créditos serão pagos e a relação comercial não se extinguirá, tendo em vista que com a empresa novamente operante e sem restrições, novos negócios poderão ser levados a efeito.
Além disso, prescreve o artigo 27 da Lei de Falências que, o Comitê terá as seguintes atribuições básicas, além de outras previstas na própria Lei de Falências:
na recuperação judicial e na falência:
-fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;
-zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;
-comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores;
-apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;
-requerer ao juiz a convocação da Assembleia Geral de Credores;
-manifestar-se nas hipóteses previstas na Lei de Falências;
-especificamente na recuperação judicial:
-fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação;
-fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;
-submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas hipóteses previstas na Lei de Falências, a alienação de bens do Ativo Permanente, a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endividamento necessários à continuação da atividade empresarial durante o período que antecede a aprovação do plano de recuperação judicial.
Observação:
(4) Em caso de não instalação, caberá ao administrador judicial, ou ao juiz, quando houver algum impedimento daquele, exercer as atribuições inerentes ao Comitê de Credores.Base Legal: Arts. 27, caput e 28 da Lei nº 11.101/2005 (Checado pela Valor em 06/02/21).
3.1) Livro de Atas:
As decisões do Comitê de Credores, tomadas por maioria, deverão ser consignadas em Livro de Atas, rubricado pelo juízo da Vara de Falências. Referido Livro, de característica eminentemente mercantil, ficará à disposição do administrador judicial, dos credores e do devedor.
Interessante ressalvar que, as decisões do Comitê deverão ser tomadas por maioria, logo terão que ser 4×0 ou 3×1, por exemplo. Se o Comitê for constituído por apenas representantes de 2 (duas) classes, então a decisão terá que ser unânime, ou seja, 2×0, porque 1×1 não é decisão por maioria. Nisso está a sabedoria do legislador, pois ele quase impõe que a decisão seja por unanimidade.
3.1.1) Impasse em decisão do Comitê:
Caso não seja possível a obtenção de maioria dos representantes em deliberação do Comitê de Credores, então, nesse caso, o impasse será resolvido primeiramente pelo administrador judicial, e, na hipótese de matéria que a decisão se revele incompatível com as funções do administrador (impedimento em razão de seu interesse particular, por exemplo), a definição do impasse passa a ser do próprio juízo da falência.
4) Remuneração do Comitê:
No que se refere às despesas geradas com a instalação do Comitê de Credores, seus membros podem ser ou não remunerados, de acordo com decisão obtida na Assembleia de Credores. Porém, caso sejam remunerados, a Lei de Falências prevê que tais custos não serão imputados à massa falida e tampouco ao devedor. Contudo, as despesas de atos previstos na legislação realizadas pelo Comitê, se devidamente comprovados e com a autorização do juiz, serão ressarcidos atendendo às disponibilidades de caixa.
Tem-se, portanto, que a remuneração dos membros do Comitê origina-se de recursos levantados pelos próprios credores. Assim, a legislação buscou não onerar ainda mais as empresas em recuperação, não atribuindo a elas parte dos custos gerados pelo Comitê de Credores. Deve-se ter em mente que, na prática, em recuperações complexas, são elevados os custos com honorários do administrador judicial e de advogados, custos estes já suportados pelas recuperandas.
5) Destituição do Comitê:
O juiz, de ofício ou a requerimento fundamentado de qualquer interessado, poderá determinar a destituição de quaisquer dos membros do Comitê de Credores quando verificar:
desobediência aos preceitos da Lei de Falências;
descumprimento de deveres;
omissão, negligência ou prática de ato lesivo às atividades do devedor ou a terceiros.
No ato de destituição, o juiz convocará os suplentes para recompor o Comitê de Credores.
Observação:
(5) De acordo com o artigo 32 da Lei de Falências:
os membros do Comitê responderão pelos prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa;
para eximir-se da responsabilidade, o dissidente em deliberação do Comitê deve consignar sua discordância em ata.