A FAZENDA PÚBLICA E O DIREITO SUCESSÓRIO
Nilton Carlos de Almeida Coutinho
SUMÁRIO: Introdução. 1 Do Direito Sucessório. 2 Do Procedimento de Transmissão de Bens; 2.1 Do Inventário; 2.2 Da Partilha; 2.3 Do Arrolamento. 3 A Fazenda Pública e o Direito Sucessório; 3.1 Da Herança Jacente; 3.2 Da Herança Vacante; 3.3 Dos Bens dos Ausentes. Conclusões. Bibliografia.
Introdução
O NCPC (Lei nº 13.105/2014) inaugura uma nova ordem jurídica processual. Assim, a referida Lei cria novos institutos jurídicos, além de aprimorar alguns institutos já previstos no CPC/73 (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973), trazendo regras mais modernas e adequadas à atual realidade brasileira. Do mesmo modo, sedimenta conceitos e regras já estabelecidas no CPC/73, de modo a propiciar maior segurança jurídica aos indivíduos.
Nesta seara, merecem destaque as implicações que o NCPC trouxe para a Fazenda Pública no âmbito do direito sucessório, haja vista o interesse jurídico do ente público existente em determinadas situações, bem como em razão da necessidade de manifestação da Fazenda Pública no processo de inventário e partilha, dentre outros.
Do cotejo entre as disposições existentes no CPC/73 e no NCPC surgem constatações e reflexões relevantes, as quais constituem-se como os principais temas a serem abordados no presente artigo.
1 Do Direito Sucessório
O direito de herança constitui-se como um direito fundamental do indivíduo, constitucionalmente garantido [1]. Assim, segundo estabelece o Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784).
Trata-se de regra decorrente do princípio da saisine, o qual determina que a transmissão do domínio e da posse da herança ao herdeiro se dê no momento da morte do de cujus, independentemente de quaisquer formalidades.
O NCPC traz uma série de mudanças em relação ao procedimento sucessório, além de aperfeiçoar algumas regras e princípios já consagrados no CPC de 1973.
No que se refere à aplicabilidade temporal do NCPC em relação a questões referentes ao direito sucessório, observe-se que, nos termos do art. 1.787 do Código Civil, a sucessão e a legitimação para suceder será regulada segundo a lei vigente ao tempo da abertura daquela. Deste modo, com a morte da pessoa natural há a transmissão dos seus bens aos sucessores legítimos e testamentários, devendo-se aplicar a norma vigente naquele momento [2].
Assim, tem-se que as normas constantes do NCPC e relacionadas a questões sucessórias passarão a ser aplicadas a todos os casos relacionados a mortes ocorridas após a entrada em vigor do referido Código.
Do mesmo modo, em razão do princípio tempus regit actum, também reger-se-á pelo NCPC o procedimento de inventário e partilha, etc., quando iniciados após a entrada em vigor do NCPC, ainda que a morte tenha ocorrido durante a vigência do CPC/73.
Assim, faz-se necessário conhecer melhor tais procedimentos, bem como as inovações decorrentes do NCPC.
2 Do Procedimento de Transmissão de Bens
Segundo ensina Theodoro Júnior, o inventário constitui-se como a primeira fase do procedimento de transmissão de bens do de cujus e tem como objetivo descrever de forma detalhada os bens que compõem a herança, individualizando o acervo patrimonial do morto. Tal descrição deverá abranger, inclusive, as dívidas ativas e passivas, bem como quaisquer outros direitos de natureza patrimonial deixados pelo autor da herança [3].
Já a partilha constitui-se como a segunda fase desse procedimento, na qual haverá a ultimação da divisão do acervo entre os diversos sucessores, de modo a definir e adjudicar em benefício de cada um deles o quinhão certo e definido em relação aos bens deixados pelo de cujus [4]. É a fase de divisão dos bens do espólio[5].
Tratam-se, portanto, de fases de um procedimento complexo, tendente à efetiva transmissão dos bens deixados pelo morto.
2.1 Do Inventário
No que tange ao procedimento do inventário, o NCPC estabelece, em seu art. 626, que, uma vez feitas as primeiras declarações, o juiz mandará citar, para os termos do inventário e da partilha, o cônjuge, o companheiro, os herdeiros e os legatários e intimar a Fazenda Pública.
Observe-se, ainda, competir ao escrivão remeter à Fazenda Pública cópias das primeiras declarações.
Uma vez concluídas as citações, abrir-se-á vista às partes para que se manifestem sobre as primeiras declarações [6]. A lei ainda estabelece que, ultrapassado tal prazo, a Fazenda Pública, no prazo de 15 dias [7], informará ao juízo, de acordo com os dados que constam de seu cadastro imobiliário, o valor dos bens de raiz descritos nas primeiras declarações.
Na sequência, o juiz nomeará, se for o caso, perito para avaliar os bens do espólio, se não houver na comarca avaliador judicial. Observe-se, entretanto, que, sendo capazes todas as partes, não se procederá à avaliação se a Fazenda Pública, intimada pessoalmente, concordar de forma expressa com o valor atribuído, nas primeiras declarações, aos bens do espólio [8].
Do mesmo modo, se os herdeiros concordarem com o valor dos bens declarados pela Fazenda Pública, a avaliação cingir-se-á aos demais [9].
Concluído o procedimento e ouvidas as partes sobre as últimas declarações [10], proceder-se-á ao cálculo do tributo, sobre o qual serão ouvidas todas as partes e, em seguida, a Fazenda Pública, podendo qualquer deles impugnar o cálculo [11]. Caso haja eventual impugnação, o juiz ordenará nova remessa dos autos ao contabilista, determinando as alterações que devam ser feitas no cálculo.
2.2 Da Partilha
Consoante ensinam Amorim e Oliveira [12], a partilha consiste na repartição dos bens da herança, isto é, na distribuição dos bens entre os herdeiros. No que tange ao procedimento de partilha, este resume-se à designação dos bens que devam constituir quinhão de cada herdeiro e legatário, sendo certo que, uma vez pago o imposto de transmissão a título de morte e juntada aos autos certidão ou informação negativa de dívida para com a Fazenda Pública, o juiz julgará por sentença a partilha[13]. Neste aspecto, observe-se que nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio ou às suas rendas (Código Tributário Nacional, art. 192) [14].
Assim, consoante ensina Pacheco [15], a prova da quitação fiscal é imprescindível para o julgamento da partilha.
Observe-se, entretanto, que, segundo estabelece o NCPC, a existência de dívida para com a Fazenda Pública não impedirá o julgamento da partilha, desde que o seu pagamento esteja devidamente garantido. Trata-se de inovação trazida pelo NCPC, com o objetivo de conferir maior celeridade ao procedimento de partilha.
2.3 Do Arrolamento
Há, ainda, o arrolamento (previsto no CPC/73, em seus arts. 1.030 a 1.038, e no NCPC, em seus arts. 659 a 667), o qual constitui-se como uma alternativa para a realização do inventário de forma simplificada. Basicamente é ele utilizado nas hipóteses de partilha amigável, celebrada entre partes capazes [16], bem como na hipótese de o acervo a partilhar não ultrapassar o valor correspondente a 2.000 ORTNs [17].
Nestas hipóteses, a partilha será homologada de plano pelo juiz, mediante a prova da quitação dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas [18]. Uma vez transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou adjudicação, o respectivo formal, bem como os alvarás referentes aos bens por ele abrangidos, só serão expedidos e entregues às partes após a comprovação, verificada pela Fazenda Pública, do pagamento de todos os tributos.
O NCPC traz regra semelhante, estabelecendo que, uma vez transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou de adjudicação, será lavrado o formal de partilha ou elaborada a carta de adjudicação e, em seguida, serão expedidos os alvarás referentes aos bens e às rendas por ele abrangidos, intimando-se o Fisco para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes, conforme dispuser a legislação tributária, nos termos do § 2º do art. 662 [19].
Sobre o tema, consoante assevera Greco Filho [20], compete aos Estados a cobrança do imposto de transmissão causa mortis sobre todos os bens do espólio, inclusive móveis. Assim, caberá à lei estadual disciplinar a forma de tal cobrança, utilizando-se de critérios objetivos para a determinação do valor.
Assim, tratando-se de procedimento de jurisdição voluntária, tem-se que a Fazenda Pública será sempre ouvida nos casos em que tiver interesse [21].
3 A Fazenda Pública e o Direito Sucessório
Não obstante a participação da Fazenda Pública no âmbito sucessório se dê, na maioria dos casos, em razão de questões tributárias [22], é importante observar que, apesar de não ser um aspecto cotidianamente tratado, a Fazenda Pública pode vir a ter interesse sucessório em relação aos bens patrimoniais de determinada pessoa.
Segundo estabelece o NCPC, os requerimentos de inventário e de partilha incumbem a quem estiver na posse e na administração do espólio [23]. Contudo, foi conferida legitimidade concorrente a uma série de pessoas e entes, tais como: o cônjuge ou o companheiro supérstite, o herdeiro, o legatário, o testamenteiro, o Ministério Público (na hipótese de haver herdeiros incapazes) ou a Fazenda Pública, quando tiver interesse. Trata-se de regra similar à existente no art. 988 do CPC/73.
Nesse aspecto, a primeira pergunta que se faz é: quando a Fazenda Pública teria interesse em requerer inventário e partilha?
Tal pergunta é relevante, na medida em que é necessário, para a propositura de qualquer ação, o preenchimento das condições da ação, quais sejam a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade para agir em juízo e o interesse de agir [24].
Para responder a essa pergunta, faz-se necessário analisar as regras que regulam o direito sucessório.
Segundo estabelece o Código Civil, a sucessão legítima defere-se em uma ordem previamente estabelecida [25]. Assim, os primeiros na linha sucessória são os descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente [26]. Não havendo descendentes, a herança será transferida aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge. Caso não hajam ascendentes, a herança será transferida ao cônjuge sobrevivente. E, finalmente, na inexistência de cônjuge, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau [27]. Observe-se, entretanto, que, na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos (salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos).
Observe-se, entretanto, que, não sobrevivendo cônjuge ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado à herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal [28].
Assim, o ente público poderá receber a herança do de cujus, caso inexistam parentes aptos a receber a herança, de tal forma que será ele legitimado para agir em procedimentos de inventário e partilha.
3.1 Da Herança Jacente
Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e a administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância [29]. Assim, a jacência constitui-se, portanto, como “uma fase provisória e temporária, de expectativa de surgimento de interessados na herança” [30].
Deste modo, segundo estabelece o NCPC (art. 738), nos casos em que a lei considere jacente a herança, o juiz em cuja comarca tiver domicílio o falecido procederá imediatamente à arrecadação dos respectivos bens.
O CPC/73 (art. 1.145) estabelece que o juiz (acompanhado do escrivão do curador [31]) poderá comparecer à residência do morto e mandará arrolar os bens e descrevê-los em auto circunstanciado. O NCPC, por sua vez, estabelece que o juiz ordenará que o oficial de justiça, acompanhado do escrivão ou do chefe de secretaria e do curador, arrole os bens e descreva-os em auto circunstanciado [32].
Entretanto, não se fará a arrecadação (e, se iniciada, será esta suspensa) caso o cônjuge ou o companheiro, o herdeiro ou o testamenteiro notoriamente reconhecido apresentem-se para reclamar os bens havidos e desde que não haja oposição motivada do curador, de qualquer interessado, do Ministério Público ou do representante da Fazenda Pública [33].
Segundo estabelece a nova lei processual, ultimada a arrecadação, o juiz mandará expedir edital, que será publicado na rede mundial de computadores, no sítio do Tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, na qual permanecerá por três meses, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da comarca, por três vezes com intervalos de um mês, para que os sucessores do falecido venham a habilitar-se no prazo de seis meses contados da primeira publicação (art. 741 do NCPC) [34].
Registre-se, ainda, que, em sede de herança jacente, a lei processual concede ao juiz a faculdade de autorizar [35] a alienação de determinados bens e valores. São eles: I – bens móveis, se forem de conservação difícil ou dispendiosa; II – semoventes, quando não empregados na exploração de alguma indústria; III – títulos e papéis de crédito, havendo fundado receio de depreciação; IV – ações de sociedade quando, reclamada a integralização, não dispuser a herança de dinheiro para o pagamento; e V – bens imóveis: a) se ameaçarem ruína, não convindo a reparação; e b) se estiverem hipotecados e vencer-se a dívida, não havendo dinheiro para o pagamento [36]. Contudo, não se procederá à venda se a Fazenda Pública ou o habilitando adiantar a importância para as despesas.
Observa-se, assim, a existência de duas possibilidades: havendo habilitação de herdeiro que venha a ser julgada procedente, a arrecadação se converterá inventário; caso o pedido de habilitação seja julgado improcedente, ou inexistam herdeiros, a herança será declarada vacante, mediante sentença [37].
3.2 Da Herança Vacante
Observe-se que, passado um ano da primeira publicação do edital e não havendo herdeiro habilitado nem habilitação pendente, será a herança declarada vacante [38]. No mesmo sentido estabelece o Código Civil, em seu art. 1.820, in verbis: “Praticadas as diligências de arrecadação e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da lei processual, e, decorrido um ano de sua primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado, ou penda habilitação, será a herança declarada vacante” [39].
Do mesmo modo, tem-se que, quando todos os chamados a suceder renunciarem à herança, será esta desde logo declarada vacante [40].
Importante destacar, ainda, que transitada em julgado a sentença que declarou a vacância, o cônjuge, o companheiro, os herdeiros e os credores só poderão reclamar o seu direito por ação direta [41].
Assegura-se, entretanto, aos credores, o direito de pedir o pagamento das dívidas reconhecidas, nos limites das forças da herança [42].
Assim, a herança vacante é a que é devolvida ao Poder Público em razão da inexistência de herdeiros que tenham se habilitado no período de jacência. Logo, é ela o resultado da jacência.
Registre-se, entretanto, que a declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem [43]; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal.
Assim, a devolução dos bens ao ente público, com a declaração da vacância, não tem o poder de incorporar a herança definitivamente e ipso facto ao patrimônio público, o que só ocorre decorridos cinco anos da abertura da sucessão [44]. Logo, a sentença que declara a herança vacante transfere ao Poder Público a propriedade dos bens arrecadados, contudo, essa propriedade não será plena, mas resolúvel, pois mesmo com a declaração de vacância a herança permanecerá algum tempo aguardando o aparecimento e a habilitação do herdeiro sucessível.
Sobre o tema, nossos Tribunais têm entendido que a declaração de vacância não implica domínio definitivo do Poder Público sobre os bens arrecadados, pois trata-se de domínio resolúvel, podendo ser disputado pelos herdeiros que legalmente se habilitarem no prazo de cinco anos da abertura da sucessão [45].
Assim, firmou-se o entendimento de que o Município não é herdeiro, de tal forma que, em relação a ele, não vige o princípio de saisine, nem a regra da indivisibilidade da herança. É ele o ente que receberá o bem que se encontre em sua base territorial, na hipótese de inexistirem herdeiros após cinco anos do decreto de vacância, conforme estabelece o art. 1.822 do CC [46].
Aliás, tem-se entendido que, uma vez havida a arrecadação do bem pela municipalidade, o ente federativo somente responde pelos débitos condominiais a partir da data da arrecadação, tendo em vista que este não é herdeiro, mas, sim, ente arrecadador. Exegese dos arts. 1.792 e 1.844 do Código Civil [47].
Importante observar que o órgão do Ministério Público e o representante da Fazenda Pública serão intimados a assistir à arrecadação. Contudo, a ausência destes não impedirá a realização do ato [48].
3.3 Dos Bens dos Ausentes
Segundo ensina Donizetti, considera-se ausente a pessoa que desaparece de seu domicílio, sem que dela haja notícia e sem que tenha deixado representante ou procurador [49].
Assim, declarada a ausência nos casos previstos em lei, o juiz mandará arrecadar os bens do ausente e nomear-lhes-á curador na forma estabelecida para a herança jacente, observando-se o disposto em lei [50].
Uma vez feita a arrecadação, o juiz mandará publicar editais na rede mundial de computadores, no sítio do Tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, na qual permanecerá por um ano, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da comarca, durante um ano, reproduzida de dois em dois meses, anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens [51].
Findo o prazo previsto no edital, poderão os interessados requerer a abertura da sucessão provisória, observando-se o disposto em lei [52].
Uma vez efetivada a sucessão provisória, haverá duas possibilidades: sua cessação (em razão do comparecimento do ausente) ou a sua conversão em definitiva [53].
Uma vez aberta a sucessão definitiva, o ausente ou algum dos seus descendentes ou ascendentes terá o prazo de 10 anos para requerer ao juiz a entrega dos bens existentes no estado em que se acharem, ou sub-rogados em seu lugar ou o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos alienados depois daquele tempo [54].
Regressando o ausente ou algum de seus descendentes ou ascendentes para requerer ao juiz a entrega de bens, serão citados para contestar o pedido os sucessores provisórios ou definitivos, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública, seguindo-se o procedimento comum, consoante previsto no art. 745, § 4º, do NCPC [55].
Tal regra visa garantir o princípio do contraditório, consagrado na estrutura processual e que respeita o direito de as partes apresentarem sua versão em relação aos fatos [56].
Conclusões
Não obstante o ente público não figure entre o rol de herdeiros constantes no Código Civil, observa-se que, em determinadas hipóteses, terá ele interesse jurídico no processo de inventário e partilha dos bens do de cujus.
Tal interesse estará presente nas hipóteses em que houver o falecimento de alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, uma vez que, nessas hipóteses haverá a possibilidade de declaração de vacância, com a subsequente arrecadação dos respectivos bens.
O NCPC aprimorou as regras relacionadas ao procedimento sucessório previsto no CPC/73, com o objetivo de adequá-lo à atual realidade brasileira.
Assim, a previsão da publicação de edital na rede mundial de computadores e no sítio do Tribunal correspondente, dentre outras medidas, vieram a agilizar o procedimento de inventário e partilha dos bens da herança.
Conforme asseverado, o inventário constitui-se como a primeira fase do procedimento de transmissão de bens do de cujus e tem como objetivo descrever de forma detalhada os bens que compõem a herança, individualizando o acervo patrimonial do morto.
Na sequência, realizar-se-á a partilha, com a divisão do acervo entre os diversos sucessores, sendo certo que a prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio ou às suas rendas é uma condição essencial para a prolação da sentença de julgamento da partilha ou adjudicação.
Observe-se, entretanto, que o NCPC permitiu o julgamento da partilha (ainda que pendente dívida com a Fazenda Pública), desde que tal pagamento encontre-se devidamente garantido.
Por outro lado, não havendo herdeiros conhecidos, ter-se-á a denominada “herança jacente“, abrindo-se a possibilidade da sua declaração de vacância e subsequente arrecadação pelo ente público.
Tratando-se de bens de pessoa declarada ausente, tem-se que, uma vez efetivada a declaração de ausência, o juiz mandará arrecadar os bens do ausente e nomear-lhes-á curador, sendo certo que, com a ultimação da arrecadação, o juiz mandará expedir edital, para que os sucessores do falecido habilitem-se no feito.
Findo o prazo previsto no edital, poderão os interessados requerer a abertura da sucessão provisória, observando-se o disposto em lei e, passado um ano da primeira publicação do edital e não havendo herdeiro habilitado nem habilitação pendente, será a herança declarada vacante.
Uma vez declarada vacante, a herança será transferida para o Poder Público respectivo.
Observe-se, entretanto, que, somente após decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Poder Público.
Assim, o Estado não pode ser considerado herdeiro de herança jacente, haja vista que a lei não lhe atribuiu tais condições, concedendo-lhe, apenas, o direito de recolher a herança do de cujus na hipótese de inexistência de herdeiros.
Bibliografia
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WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil: processo cautelar e procedimentos especiais. São Paulo: RT, 2000.
[1] Cf. art. 5º, XXX, da CRFB.
[2] THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 223. v. III.
[3] THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012. v. III. p. 223.
[4] Idem, ibidem.
[5] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil: processo cautelar e procedimentos especiais. São Paulo: RT, 2000. p. 249.
[6] Art. 627 do NCPC.
[7] Observe-se que o NCPC reduziu o prazo para manifestação da Fazenda Pública, o qual era de 20 dias, nos termos do art. 1.002 do CPC de 1973.
[8] No mesmo sentido, veja-se art. 1.007 do CPC de 1973.
[9] Arts. 634 do NCPC e 1.008 do CPC de 1973.
[10] As últimas declarações representam o termo final do inventário propriamente dito, quando se encerra o levantamento e a verificação do espólio. Consoante ensina Wambier (2000, p. 248), esta é a última oportunidade para que o inventariante retifique possíveis falhas das primeiras declarações, podendo alterar a descrição dos bens, complementá-los, etc.
[11] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil: processo cautelar e procedimentos especiais. São Paulo: RT, 2000. p. 249.
[12] AMORIM, Sebastião; OLIVEIRA, Euclides. Inventários e partilhas: direito das sucessões – teoria e prática. São Paulo: LEUD, 2000. p. 315.
[13] Cf. arts. 654 do NCPC e 1.026 do CPC de 1973.
[14] Cf. PAES, Paulo Roberto Tavares. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: RT, 1996; e FREITAS, Vladmir Passos de. Código Tributário Nacional comentado. São Paulo: RT, 2013.
[15] PACHECO, José da Silva. Inventários e partilhas na sucessão legítima e testamentária. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
[16] Cf. art. 2.015 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.
[17] Cf. art. 1.035 do CPC/73.
[18] Tal regra aplica-se, também, ao pedido de adjudicação, quando houver herdeiro único. Cf. THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012. v. III. p. 263.
[19] Art. 662, § 2º: “O imposto de transmissão será objeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária, não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros”.
[20] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 3. p. 259.
[21] Arts. 722 do NCPC e 1.108 do CPC/73.
[22] Neste aspecto, relembre-se que, nos termos do art. 155, I, da CRFB, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos.
[23] Art. 615 do NCPC.
[24] DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Salvador: Juspodivm, 2008.
[25] PACHECO, José da Silva. Inventários e partilhas na sucessão legítima e testamentária. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
[26] Salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.
[27] Art. 1.839 do Código Civil.
[28] Art. 1.844 do Código Civil.
[29] Art. 1.819 do Código Civil.
[30] AMORIM, Sebastião; OLIVERIA, Euclides. Inventários e partilhas: direito das sucessões – teoria e prática. São Paulo: LEUD, 2000. p. 93.
[31] Caso o curador ainda não tenha sido nomeado, o juiz designará um depositário e lhe entregará os bens, mediante simples termo nos autos, depois de compromissado (art. 1.145, § 1º, do CPC/73).
[32] Art. 740 do NCPC.
[33] Sobre o tema, cf. arts. 740, § 6º, do NCPC e 1.151 do CPC/73.
[34] O art. 1.152 do CPC/73 possui regra similar, estabelecendo, entretanto, que, ultimada a arrecadação, o juiz mandará expedir edital, que será estampado três vezes, com intervalo de 30 dias para cada um, no órgão oficial e na imprensa da comarca, para que venham a habilitar-se os sucessores do finado no prazo de seis meses contados da primeira publicação.
[35] Observe-se que (nos termos dos arts. 12, IV, do CPC/73 e 75, VI, do NCPC) a herança – jacente ou vacante – será representada em juízo por seu curador. Para maiores detalhes, cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 90.
[36] Neste sentido, cf. arts. 742 do NCPC e 1.155 do CPC/73.
[37] AMORIM, Sebastião; OLIVEIRA, Euclides. Inventários e partilhas: direito das sucessões – teoria e prática. São Paulo: LEUD, 2000. p. 99.
[38] Neste sentido, cf. arts. 743 do NCPC e 1.157 do CPC/73.
[39] Art. 1.820 do Código Civil.
[40] Art. 1.823 do Código Civil.
[41] Neste sentido, cf. arts. 743, § 2º, do NCPC e 1.158 do CPC/73.
[42] Art. 1.821 do Código Civil.
[43] Obs.: não se habilitando até a declaração de vacância, os colaterais ficarão excluídos da sucessão, nos termos do art. 1.822 do Código Civil.
[44] Art. 1.822 do Código Civil.
[45] Cf. Apelação Cível 445.193.4/0-00 da Comarca de São Carlos/SP.
[46] Agravo de Instrumento 0132451-72.2012.8.26.0000.
[47] Apelação 0026218-91.2009.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Prefeitura Municipal de São Paulo, é apelado Condomínio Edifício Serra da Esperança.
[48] Art. 1.145, § 2º, do CPC/73.
[49] DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.574.
[50] Art. 744 do NCPC.
[51] Art. 745 do NCPC.
[52] Art. 745, § 1º, do NCPC.
[53] A conversão em sucessão definitiva ocorrerá nas seguintes hipóteses: “I – quando houver certeza da morte do ausente; II – dez anos depois de passada em julgado a sentença de abertura da sucessão provisória; III – quando o ausente contar 80 (oitenta) anos de idade e houverem decorrido 5 (cinco) anos das últimas notícias suas” (cf. art. 1.167 do CPC/73).
[54] Art. 1.168 do CPC/73.
[55] O CPC/73 estabelece que, havendo contestação, seguir-se-á o procedimento ordinário (art. 1.169, parágrafo único).
[56] DUARTE, Bento Herculano; OLIVEIRA Jr., Zulmar Duarte de. Princípio do processo civil: noções fundamentais. São Paulo: Método, 2012. p. 55-56.