EXTINÇÃO DO DIREITO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO E À COMPENSAÇÃO
Hugo de Brito Machado
SUMÁRIO: Introdução – 1. Extinção do direito de pleitear a restituição: 1.1. Natureza do prazo extintivo; 1.2. Extinção do direito de ação e não do direito material; 1.3. Início do prazo extintivo – 2. Extinção não contenciosa do crédito tributário: 2.1. Lançamento e extinção do crédito tributário; 2.2. Tributos pagos depois do lançamento; 2.3. Tributos sujeitos a lançamento por homologação; 2.4. Imposto de renda retido na fonte; 2.5. Condição indispensável ao exercício do direito à restituição; 2.6. Nascimento do direito à restituição – 3. Extinção contenciosa do crédito tributário: 3.1. Porque extinção contenciosa; 3.2. Desfazimento da decisão condenatória – 4. Tributo fundado em lei inconstitucional: 4.1. Restituição administrativa de tributos inconstitucionais; 4.2. Ação de repetição fundada na inconstitucionalidade da lei; 4.3. Distinção entre o direito a leis constitucionais e o direito a repetição do indébito; 4.4. Exercício do direito a leis constitucionais e do direito à repetição do indébito – 5. Restituição e compensação: 5.1. Direito à restituição e direito à compensação; 5.2. Direito à compensação na jurisprudência – Conclusões.
INTRODUÇÃO
Ainda hoje, alguns tributaristas às vezes confundem a prescrição e a decadência, em se tratando de estudar a extinção do direito da Fazenda Pública de lançar e de cobrar o tributo. A maioria, porém, pacificou-se no sentido de que a decadência diz respeito ao direito de lançar e dela, portanto, somente se cogita antes do lançamento, enquanto a prescrição diz respeito ao direito de ação para a cobrança do crédito tributário e dela, portanto, somente se cogita depois do lançamento.
Em se tratando do direito à restituição do tributo pago indevidamente, todavia, persistem as dúvidas sobre a questão de saber qual a natureza jurídica da extinção desse direito em virtude do decurso do tempo.
A respeito da extinção do direito à restituição do tributo pago indevidamente subsistem ainda outras questões não bem esclarecidas pela doutrina, entre as quais a de saber quando se inicia o prazo extintivo, e se o direito à compensação também é atingido pelo decurso do tempo.
Especial destaque merece o estudo da questão referente ao início do prazo extintivo do direito à restituição quando se trata de tributo indevido porque cobrado com fundamento em lei inconstitucional.
Assim, nos parece importante o exame, que resolvemos fazer neste pequeno estudo, dessas questões que, não obstante antigas, ainda ensejam divergências, na doutrina e na jurisprudência, contribuindo para um estado de insegurança jurídica que deve ser tanto quanto possível afastado.
- EXTINÇÃO DO DIREITO DE PLEITEAR A RESTITUIÇÃO
1.1. Natureza do prazo extintivo
A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que o direito de pleitear a restituição de tributo indevidamente pago é extinto, pela decadência, “se já decorridos mais de cinco anos entre a data do recolhimento e a propositura da ação”,([1]) ou pela prescrição, cujo prazo tem início na data do recolhimento indevido.([2])
Observa-se, desde logo, a divergência em torno da questão de saber se o prazo estabelecido no art. 168 do Código Tributário Nacional, para o pedido de restituição, é de decadência, ou de prescrição. Com apoio em lição de Aliomar Baleeiro,([3]) já afirmei que esse prazo é de decadência. Argumentei tratar-se de um direito a ser exercido perante a Administração, que não se confunde com o direito de ação. Sua extinção pelo decurso do tempo, portanto, não se daria pela prescrição, mas pela decadência.
Examinando melhor a questão, ficamos convencidos de que na verdade o referido prazo não é de decadência. Realmente, a decadência diz respeito apenas a alguns direitos potestativos, como tal entendidos aqueles direitos que podem ser exercitados pelo respectivo titular independentemente e até contra a vontade de terceiros que os suportam. No dizer de Agnelo Amorim Filho, “os direitos potestativos se exercitam e atuam, em princípio, mediante simples declaração de vontade do seu titular, independentemente de apelo às vias judiciais, e, em qualquer hipótese, sem o concurso da vontade daquele que sofre a sujeição”.([4])
Referindo-se a essa categoria de direitos, o ilustre Professor da Faculdade de Direito da Universidade da Paraíba, ensina que “há certos direitos cujo exercício afeta, em maior ou menor grau, a esfera jurídica de terceiros, criando para esses um estado de sujeição, sem qualquer contribuição de sua vontade, ou mesmo contra sua vontade. São os direitos potestativos”. E então esclarece, com inteira propriedade:
É natural, pois, que a possibilidade de exercício desses direitos origine, para os terceiros que vão sofrer a sujeição, uma situação de intranquilidade cuja intensidade varia de caso para caso. Muitas vezes aqueles reflexos se projetam muito além da esfera jurídica dos terceiros que sofrem a sujeição e chegam a atingir interesses da coletividade, ou de parte dela, criando uma situação de intranquilidade de âmbito mais geral. Assim, a exemplo do que ocorreu com referência ao exercício das ações condenatórias, surgiu a necessidade de se estabelecer também um prazo para o exercício de alguns (apenas alguns) dos mencionados direitos potestativos, isto é, aqueles direitos potestativos cuja falta de exercício concorre de forma mais acentuada para perturbar a paz social.([5])
É certo que o art. 168 do Código Tributário Nacional refere-se ao direito de pleitear a restituição, e o direito de pleitear, ou direito de formular o pedido de restituição, certamente pode ser tido como um direito potestativo. Mas o prazo extintivo em questão na verdade não diz respeito ao direito de pleitear simplesmente, até porque esse direito pode ser exercido a qualquer tempo. O prazo extintivo em questão diz respeito ao direito de obter a restituição, ou, em outras palavras, ao direito ao atendimento do pedido de restituição. E esse direito de obter a restituição do tributo pago indevidamente não é da categoria dos potestativos porque a sua satisfação evidentemente depende de outrem, vale dizer, depende da Fazenda Pública.
O prazo estabelecido pelo art. 168 do Código Tributário Nacional, portanto, não é de decadência nem diz respeito ao direito de haver a restituição. Tal prazo é de prescrição e diz respeito à ação na qual se pede a restituição do tributo pago indevidamente.
1.2. Extinção do direito de ação e não do direito material
Nem o direito de obter a restituição de tributo pago indevidamente é direito potestativo, nem se pode dizer que o pedido de restituição, dirigido à Fazenda Pública, seja uma forma de exercitá-lo. O direito de pedir não se confunde com o direito de obter a restituição. O direito de obter a restituição, que não pode ser exercido pelo contribuinte independentemente da vontade da Fazenda Pública, porque depende desta, é um direito subjetivo protegido por ação de natureza condenatória. O decurso do prazo de cinco anos, como está dito no art. 168 do Código Tributário Nacional, extingue o direito de pleitear, assim entendido o direito de ação para obter a restituição.
O decurso do prazo de cinco anos, nos termos do art. 168 do Código Tributário Nacional, não extingue o direito material à restituição, embora tal direito fique sem a proteção da correspondente ação de repetição do indébito que ficou, esta sim, extinta pela prescrição naquele dispositivo legal estabelecida.
Consequência disso é que a Fazenda Pública pode, e mais que isto, deve restituir o que recebeu indevidamente, a qualquer tempo, não sendo este seu dever nem o correlato direito subjetivo do contribuinte atingidos pelo decurso do tempo.
Seja como for, importante é saber quando começa o prazo extintivo do direito de pleitear a restituição do tributo pago indevidamente, previsto no art. 168 do Código Tributário Nacional, que se reporta a duas hipóteses. A primeira delas abrangente das duas primeiras hipóteses nas quais o art. 165 cuida do direito à restituição, a saber: a) cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; e b) erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento. E a segunda, que diz respeito à terceira das hipóteses de restituição, vale dizer, aos casos de reforma, anulação revogação ou rescisão de decisão condenatória.
A análise dessas hipóteses de pagamento indevido está feita nos comentários ao art. 165, de sorte que aqui vamos examinar apenas a questão de saber quando tem início o prazo extintivo do direito de pleitear, como tal entendido o direito de ação para obter a restituição do tributo indevidamente pago.
1.3. Início do prazo extintivo
É da maior importância a questão de saber em que data tem início o prazo extintivo do direito de pleitear a restituição do tributo pago indevidamente. Até porque existem muitas controvérsias a respeito de qual seja essa data e as autoridades da Administração Tributária, quando não podem negar – por ser a todos os títulos evidente – o direito à restituição, geralmente indeferem os pedidos dos interessados ao argumento de que o direito à restituição estaria atingido pela decadência.
Tendo em vista a importância do assunto, dele vamos cuidar aqui, começando pelo exame das hipóteses de extinção do crédito tributário que denominamos extinção não contenciosa, e daquelas hipóteses que denominamos extinção contenciosa.
- EXTINÇÃO NÃO CONTENCIOSA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
2.1. Lançamento e extinção do crédito tributário
O inciso I do art. 168 refere-se às hipóteses dos incisos I e II do art. 165, e diz que nessas hipóteses o prazo extintivo do direito de pleitear a restituição é contado da data da extinção do crédito tributário. Leva problema, em tais casos, saber quando ocorre a extinção do crédito tributário, e não se pode adotar a solução simplória que alguns têm adotado de afirmar que a extinção do crédito tributário ocorre com o pagamento.
Realmente, o pagamento é uma forma de extinção do crédito tributário, mas é óbvio que só se pode extinguir o que existe, e como não existe crédito tributário antes do lançamento, leva problema, então, saber se o pagamento antecipado, que hoje acontece em relação a quase todos os tributos, extingue desde logo o crédito tributário e assim demarca o início do prazo de que dispõe o contribuinte para pleitear a restituição do que tenha pago indevidamente.
Sem lançamento não existe crédito tributário. Logo, antes do lançamento não se pode cogitar de extinção do crédito tributário. Por isso nos parece que a primeira hipótese prevista no art. 168 do Código Tributário Nacional deve ser desdobrada em duas, a saber, a dos tributos pagos depois do lançamento respectivo e a daqueles sujeitos a lançamento por homologação.
2.2. Tributos pagos depois do lançamento
Nos casos em que o pagamento indevido do tributo ocorre depois do lançamento, tem-se que o pagamento extingue o crédito tributário, nos termos do art. 156, inciso I, do Código Tributário Nacional. Nesses casos dúvida não há. O prazo de que dispõe o contribuinte para promover a ação pedindo a restituição do que tenha pago indevidamente começa na data do pagamento indevido.
É razoável, aliás, que seja assim, porque, ao fazer o lançamento, a autoridade da Administração Tributária manifestou-se no sentido de considerar devido o tributo. Nem se há de cogitar de pedido de restituição na via administrativa, porque isso seria simples perda de tempo, visto como o lançamento caracteriza o entendimento da Administração Tributária. A via efetiva, disponível para o interessado, é a judiciária. O instrumento para fazer valer o seu direito será, portanto, a ação, e esta será atingida pela prescrição se decorrido o prazo de cinco anos a partir da data do pagamento.
2.3. Tributos sujeitos a lançamento por homologação
Atualmente, quase todos os tributos sujeitam-se ao lançamento por homologação, o que quer dizer que são pagos sem que tenha havido manifestação da autoridade da Administração Tributária a respeito de serem devidos ou não, nem do montante respectivo. É da maior importância, portanto, que se tenha atenção para a questão de saber quando ocorre a extinção do crédito tributário e, em consequência, quando começa o prazo de que dispõe o contribuinte para pleitear a restituição do que tenha pago indevidamente.
Já nos anos setenta, na primeira edição do Curso de Direito Tributário, escrevemos:
Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação o sujeito passivo faz o pagamento respectivo com base em apuração por ele próprio feita. Diz-se, portanto, que o pagamento foi antecipado, porque feito antes do lançamento.
A extinção do crédito, nestes casos, não se verifica com o pagamento, mas com este, somado à homologação do lançamento. Cronologicamente a homologação é sempre o momento em que se opera a extinção, pois é sempre posterior ao pagamento.([6])
Mais tarde, como Juiz do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em diversos casos relativos a pedidos de restituição do empréstimo compulsório sobre aquisição de automóveis e de combustíveis, instituído pelo Decreto-Lei nº 2.288, de 23 de julho de 1986, adotamos esse entendimento que veio a final a prevalecer naquele Tribunal que, com a modificação de votos vencidos de eminentes colegas que no Plenário aderiram ao nosso ponto de vista, decidiu por unanimidade rejeitar a preliminar de prescrição que vinha sendo sustentada naqueles casos pela Fazenda Nacional. O julgado em referência porta a seguinte ementa:
TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO.
– A exação instituída pelo Decreto-Lei nº 2.288/86 configura verdadeiro imposto, sujeitando-se ao regime jurídico dos tributos.
– O direito de pedir a restituição de tributo pago indevidamente, previsto no art. 165, incisos I e II, do CTN, extingue-se em cinco anos, contados da data da extinção do crédito tributário, nos termos do art. 168, inciso I, do mesmo Código.
– Em se tratando de tributo lançado por homologação, como é o caso do empréstimo compulsório em questão, a extinção do crédito tributário ocorre na data da homologação, e não na data do pagamento. E não havendo homologação expressa, esta se considera realizada tacitamente, pelo decurso do prazo de cinco anos, contados do pagamento. A extinção do direito à restituição, portanto, opera-se nestes casos em dez anos, contados do pagamento.
– Embargos rejeitados.([7])
No mesmo julgado, aquele Tribunal decidiu a respeito do início do prazo de prescrição da ação de repetição do indébito fundada na inconstitucionalidade da lei que institui o tributo, acolhendo a tese de Ricardo Lobo Torres, como veremos logo adiante. Agora, vamos explicar os fundamentos da tese que adotamos relativa aos tributos sujeitos a lançamento por homologação.
O Código Tributário Nacional estabelece:
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
- 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.
[…]
- 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Inexistindo lei fixando prazo para a homologação do lançamento, considera-se que a homologação se dá tacitamente pelo decurso do prazo de cinco anos contado da data do pagamento do tributo. E só então é que ocorre a extinção do crédito tributário correspondente.
Confirma esse entendimento o art. 156 do Código Tributário Nacional, que estabelece:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
[…]
VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus §§ 1º e 4º.
Assim, em se tratando de tributo cujo recolhimento é efetuado antes do exame, pela autoridade administrativa, dos elementos de fato que ensejaram a apuração do valor do tributo e o consequente pagamento, o crédito tributário somente se considera extinto com a homologação do lançamento.
Não havendo homologação expressa, tem-se de considerar que somente pelo decurso de cinco anos, contados do pagamento antecipado, dá-se a homologação tácita e com esta a extinção do crédito correspondente. A partir de então, portanto, é que tem início o prazo extintivo do direito à ação para obter-se a restituição do indébito.([8])
Nossa tese foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual, não obstante algumas manifestações em sentido contrário, tornou-se pacífica. Tanto que o Ministro José Delgado, uma das vozes inicialmente dissonantes no assunto, escreveu na ementa de um dos muitos casos dos quais foi relator:
O tributo arrecada pela via de lançamento por homologação só prescreve, para fins de repetição de indébito, cinco anos após o decurso de cinco anos da ocorrência do fato gerador, quando não há homologação expressa pelo fisco. Jurisprudência pacífica das 1ª e 2ª Turmas e da 1ª Seção.([9])
Ressalte-se que não obstante a substituição de um grande número de seus Ministros, até agora o Superior Tribunal de Justiça tem mantido esse entendimento.([10]) Devemos, todavia, insistir no esclarecimento de que não se está afirmando ser de dez anos o prazo da prescrição da ação de repetição do indébito tributário. Na verdade, esse prazo é de cinco anos, mas não é contado da data do pagamento indevido e sim da data da homologação tácita operada nos termos do art. 150, § 4º, do CTN.
Também o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem decidido que “não ocorrida a homologação expressa, a perda do direito de pleitear a restituição se dá após o transcurso do prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, contados da data em que se deu a homologação tácita”.([11])
Existem, é certo, decisões do Superior Tribunal de Justiça, e de outros tribunais, afirmando que o prazo deve ser contado da data do pagamento, posto que com este seria extinto o crédito tributário. A tese, data máxima vênia, é equivocada. O pagamento que extingue o crédito tributário é aquele feito depois do lançamento, antes do qual não existe crédito tributário, e não é razoável dizer-se que algo se extingue sem ter existido.
O pagamento diz-se antecipado precisamente porque é feito antes da constituição do crédito tributário, que somente se opera pela homologação, expressa ou tácita, da atividade apuratória desenvolvida pelo sujeito passivo da obrigação tributária. Assim, porque ainda não existe o crédito tributário, o pagamento não pode ser extintivo deste. A rigor, como ensina Souto Maior Borges, o efeito liberatório do pagamento é condicionado, porque é legalmente posto sob a dependência da ulterior homologação da atividade do sujeito passivo dentro do procedimento de lançamento.
É relevante, ainda, termos em mente que antes da homologação do lançamento não se tem manifestação da autoridade da Administração Tributária a respeito de ser realmente devido ou não o pagamento efetuado. Só com a homologação é que se manifesta a autoridade, que ao tomar conhecimento do pagamento, se o considerasse devido, podia e devia proceder a restituição de ofício. Assim, embora na prática não se conheça iniciativa tão nobre, pode-se dizer mesmo que a lesão ao direito de não pagar tributo indevido só ocorre com a homologação, expressa ou tácita, do lançamento que ensejou o pagamento. Antes da homologação, todos os atos são da exclusiva responsabilidade do contribuinte, que tem o direito de aguardar a manifestação da autoridade. Só a partir dessa manifestação, ainda que tácita, é que começa a correr o prazo extintivo do direito de promover a ação de repetição do que tributo pago indevidamente.
2.4. Imposto de renda retido na fonte
Em se tratando de pedido de restituição de imposto de renda retido na fonte, tem-se de considerar que o recolhimento, feito pela fonte pagadora dos rendimentos, não extingue o crédito tributário. Salvo na hipótese de lançamento de ofício feito contra a fonte pagadora dos rendimentos que não tenha realizado os recolhimentos, em época posterior à declaração de ajuste apresentada pelo contribuinte e ao acertamento da relação tributária com este e do pagamento feito por este, ou da restituição a este realizada pela Fazenda, o recolhimento de valores retidos na fonte a título de imposto de renda não configura extinção do crédito tributário.
Assim, o prazo de que trata o art. 168, inciso I, do Código Tributário Nacional, não pode ser contado da data dos recolhimentos feitos pela fonte pagadora. Há de ser contado da data em que o contribuinte faz o pagamento da quantia devida em razão da declaração de ajuste, posto que somente nessa data é que se extingue o crédito tributário.
2.5. Condição indispensável ao exercício do direito à restituição
Em qualquer caso, o prazo extintivo do direito à restituição do tributo indevidamente pago não se inicia antes do reconhecimento do direito à restituição sempre que o seu exercício dependa de tal reconhecimento.
Realmente, casos existem nos quais o pedido de restituição depende de certa condição, que é a ele indispensável. E se para pleitear a restituição do tributo pago indevidamente precisa o contribuinte de obter o reconhecimento de seu direito à restituição, o prazo extintivo de que trata o art. 168 somente começa a correr a partir desse reconhecimento.
No caso de uma pessoa física aposentada, que é acometida de certa enfermidade e em virtude desse fato passa a ser isenta do imposto de renda, o prazo extintivo do direito à restituição não pode começar antes de reconhecida a existência da enfermidade que é o fato-causa da isenção, vale dizer, antes de constatada e atestada pelo médico a existência daquela doença que enseja a isenção. O direito à restituição abrange o que foi pago desde a existência do fato-causa da isenção, vale dizer, a enfermidade em virtude da qual existe a isenção. O prazo de extinção do direito de pleitear a restituição do que tenha sido pago indevidamente, porém, só se começa a contar a partir da data em que aquela doença pode ser comprovada.
Infelizmente, as autoridades da Administração Tributária, inclusive algumas daquelas que integram órgãos de julgamento administrativo, quando não podem deixar de reconhecer o direito à restituição, mesmo assim indeferem os pedidos respectivos ao argumento de que o direito de pleiteá-las já está extinto. Tal comportamento, inteiramente inadmissível do ponto de vista jurídico, tem ocorrido mesmo em casos nos quais o pedido de restituição foi formulado logo em seguida ao próprio nascimento do direito à restituição.
2.6. Nascimento do direito à restituição
Conhecemos caso no qual uma empresa recolhia seus tributos no regime denominado SIMPLES. Teve cancelada sua opção por tal regime e lavrado contra ela auto de infração no qual foi formalizada exigência de recolhimento pelo regime ordinário. Nesse auto de infração, não obstante a insistente solicitação da empresa nesse sentido, não foram consideradas as quantias pagas.([12]) A autuada conformou-se com a sua exclusão do regime do SIMPLES, embora a este, a rigor, tivesse direito, e efetuou o pagamento integral do que lhe fora então exigido com o auto de infração. Adotou a orientação recebida do agente fiscal e assim requereu a restituição do que havia pago no regime do SIMPLES. Seu pedido, porém, foi indeferido ao argumento de que o seu direito de pedir a restituição se havia extinto nos termos do art. 168, inciso I, do Código Tributário Nacional.
Contra o despacho que indeferiu o pedido de restituição, a empresa interpôs manifestação de inconformidade, por intermédio do advogado Hugo de Brito Machado Segundo, que consideramos importante transcrever pela forma judiciosa e precisa na qual expressa o direito daquela empresa. Dita manifestação está assim redigida:
[…] devidamente qualificada na procuração anexa (doc. 01), tendo em vista a informação fiscal e o despacho decisório através dos quais foi indeferido o seu pedido de restituição (doc. 02 e 03), vem, com o devido respeito, por seus advogados que a presente subscrevem, oferecer sua MANIFESTAÇÃO DE INCONFORMIDADE, pelas seguintes razões:
- Em 30.12.1997, a Impugnante aderiu ao SIMPLES, passando a recolher os tributos federais devidos na forma do citado programa.
- Entretanto, em novembro de 2000, a Impugnante foi excluída do SIMPLES, com efeitos retroativos a 01.01.1997.
- Posteriormente, entre fevereiro e maio de 2003, em função da citada exclusão retroativa, a Impugnante foi fiscalizada, e teve contra si lavrado um auto de infração no qual se exige a COFINS e o PIS relativos ao período em que esteve no SIMPLES.
- É da maior evidência que o valor exigido da Impugnante, a título de COFINS, deveria ter sido compensado com o que ela pagou, no âmbito do SIMPLES. Aliás, o procedimento correto, por parte do ilustre fiscal que subscreveu o indigitado auto de infração, teria sido o de exigir apenas a diferença entre o que havia sido pago, no âmbito do SIMPLES, e o valor devido no regime normal de tributação.
- O ilustre fiscal, porém, afirmou não ser “necessária” a compensação, orientando a Impugnante a proceder da seguinte forma: pagar o auto de infração que estava sendo lavrado, e pedir a restituição do que havia sido recolhido em função do SIMPLES. A Impugnante, que ingenuamente acreditava estar o fiscal agindo de boa fé, seguiu sua determinação.
- Foi então que a Impugnante percebeu que nem sempre as autoridades fiscais agem de boa-fé, e nem sempre dão ao contribuinte a orientação mais razoável e coerente. Orientam-no, em verdade, como a raposa às galinhas, pois o seu pedido de restituição foi indeferido, sob o argumento de que teria sido alcançado pela decadência.
- Com efeito, afirmam a “informação fiscal” e o “despacho decisório” que o direito à restituição foi atingido pela decadência, eis que os pagamentos ocorreram em 10.02.1998, 10.03.1998 e 08.04.1998, e o pedido de restituição foi protocolado apenas em 06.06.2003.
- A Impugnante, contudo, não se pode conformar com essa conclusão.
- Primeiro porque, em função do princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF/88), não se concebe que a Administração Pública crie uma “arapuca” para enganar o contribuinte e arrecadar duas vezes o mesmo tributo, primeiro no SIMPLES, e depois no regime normal.
- Segundo, porque somente quando da conclusão da fiscalização – em maio de 2003 – foi que a Impugnante ficou sabendo que as quantias já pagas (no âmbito do SIMPLES) não poderiam ser “abatidas” do valor devido em face de sua exclusão do citado programa.
- Com efeito, lavrado o auto, o fiscal deveria ter abatido da quantia nele exigida tudo o que já havia sido pago em virtude do SIMPLES. Só quando o fiscal não aceitou assim proceder foi que surgiu, para a Impugnante, a necessidade de pleitear a restituição do indébito.
- Assim, considerando que o débito de COFINS e PIS constituído pelo auto de infração, e o crédito de SIMPLES que ora se pede seja restituído são contemporâneos, a autoridade administrativa que apreciou este pedido de restituição bem poderia ter procedido ao encontro de contas entre o valor cobrado no auto de infração e o valor a que a Impugnante faz jus, restituindo-lhe o que fora pago, indevidamente, em função dos autos de infração mais recentes.
- Desaparece, nesse caso, a alegativa de decadência, pois o auto de infração fora pago há menos de um ano, e o foi indevidamente, eis que a Autora tinha – e ainda tem – crédito com o qual a compensação deveria ter sido levada a cabo.
- Realmente, como ensina PONTES DE MIRANDA, a compensação pode operar-se posteriormente, mesmo depois de ultrapassado o lapso de prescrição, ou de decadência, desde que os créditos e débitos sejam contemporâneos: “dívidas prescritas são compensáveis, se a compensabilidade ocorreu antes da prescrição. […] Daí resulta que, se ao tempo da coexistência dos créditos não havia prescrição de um deles, a compensação pode operar-se, ainda que sobrevenha a prescrição. O suporte fático àquele momento foi suficiente para o nascimento do direito formativo extintivo. Esse não prescreve”. (Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, t. XXIV, 1959. p. 346).
- Mas não só. As parcelas relativas ao SIMPLES, cuja restituição ora se requer, somente passaram a ser “indevidas” com a decisão administrativa que excluiu a Impugnante do programa, em novembro de 2000. Foi só nesse momento, portanto, que nasceu para ela o direito à restituição.
- Não se pode esquecer, no caso, do disposto no art. 168, II, do CTN, segundo o qual, sempre que a natureza “indevida” do pagamento decorrer de uma decisão administrativa ou judicial, o prazo de caducidade para pleitear a respectiva restituição tem início na data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial correspondente.
- No caso, como dito, os pagamentos no regime do SIMPLES foram feitos em função de um ato administrativo que admitiu a Impugnante no programa. Depois, outra decisão administrativa revogou, rescindiu ou anulou a primeira, excluindo retroativamente a Impugnante do SIMPLES. Só então os pagamentos feitos no SIMPLES se tornaram indevidos, e só então, pelo mesmo motivo, começou a correr o prazo de decadência, nos termos bastante claros dos arts. 165, III, c/c 168, II, ambos do CTN.
- Desse modo, iniciado o seu curso em novembro de 2000, o lapso decadencial somente estaria consumado em novembro de 2005, o que mostra a tempestividade do pedido de restituição ora formulado, e a absoluta FALTA DE RAZÃO do “despacho decisório” e da “informação fiscal” que o consideraram extemporâneo.
- Finalmente, a Impugnante destaca que os tributos em questão, cuja restituição se requer, são objeto de lançamento por homologação. Assim, aplicada ao caso a jurisprudência já pacífica do Superior Tribunal de Justiça (Ac. un. da 1ª S do STJ – EDIv no REsp 278.311- DF – Rel. Min. Peçanha Martins – j. em 27.08.2003 – DJU I de 28.10.2003, p. 184 – RDDT 100/236), e do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, o prazo para pedir a restituição, a rigor e na prática, seria de 10 (dez) anos, eis que o termo inicial do prazo seria a data da constituição do crédito indevidamente pago, através da homologação tácita, cinco anos após o fato gerador. É conferir:
“[…] O imposto de renda retido na fonte é tributo sujeito ao lançamento por homologação, que ocorre quando o contribuinte, nos termos do caput do art. 150 do CTN, por delegação da legislação fiscal, promove aquela atividade da autoridade administrativa de lançamento (art. 142 do CTN). Assim, o contribuinte, por delegação legal, irá verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável, identificar o sujeito passivo, calcular o tributo e, sendo o caso, aplicar a penalidade cabível. Além do lançamento, para consumação daquela hipótese prevista no art. 150 do CTN, é necessário o recolhimento do débito pelo contribuinte sem prévio exame das autoridades administrativas. Havendo o lançamento e pagamento antecipado pelo contribuinte, restará às autoridades administrativas a homologação expressa da atividade assim exercida pelo contribuinte, ato homologatório este que consuma a extinção do crédito tributário (art. 156, VII, do CTN).
Não ocorrendo a homologação expressa, o crédito se extingue com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN), a chamada homologação tácita.
O prazo quinquenal (art. 168, I, do CTN) para restituição do tributo, somente começa a fluir após a extinção do crédito tributário. No caso dos autos, como não houve a homologação expressa, o crédito tributário somente se tornou “definitivamente extinto” (sic § 4º do art. 150 do CTN) após cinco anos do fato gerador ocorrido em junho de 1993, ou seja, em junho de 1998. Assim, o dies ad quem para a restituição se daria tão somente em junho de 2003, cinco anos após a extinção do crédito tributário em junho de 1998. Pelo que afasto a decadência decretada pela decisão recorrida. […]” (Ac. un. nº 102-44.221, da 2ª Câmara do 1º CC – Proc. 10510.000646/99-02 – Rec. 121.636 – Rel. Leonardo Mussi da Silva – Sessão 13.04.2000 – DOU 1-e 11.09.2000, p. 4. – RDDT 62/239).
- Caso a Impugnante leve a presente questão adiante, portanto, é induvidoso que a descabida alegativa de decadência será afastada.
- Mas nem será preciso invocar a tese fundada na natureza do lançamento por homologação. Como se viu, incide no caso o art. 168, II, do CTN, sendo a data da exclusão da Impugnante do SIMPLES o termo inicial do prazo de decadência, que, por isso mesmo, não está ainda consumado.
- A impugnante protesta pela produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente pela juntada posterior de documentos, pela realização de perícias, e pela ouvida de testemunhas, tudo desde logo requerido.
- Finalmente, a Impugnante pede a Vossas Senhorias que acolham a presente manifestação de inconformidade, para com isso reformar a decisão impugnada, afastando a descabida alegação de decadência e DEFERINDO o pedido de restituição ora formulado, por ser de direito e de justiça.([13])
Constitui verdadeiro absurdo a tese adotada no despacho aqui referido. Seja de decadência, seja de prescrição, o prazo extintivo de um direito não pode ter início antes do nascimento do próprio direito. A adoção de teses teratológicas, como a que se tem no caso, apenas contribui para nos fortalecer a ideia de que as autoridades da administração tributária geralmente não adotam conduta ética ao apreciarem as questões tributárias. Não se trata de desconhecimento jurídico. É impossível acreditar-se que elas não saibam serem absurdas as teses que muitas vezes adotam. Sabem. Mas não se preocupam com o Direito. Querem apenas arrecadar, seja com ou seja contra a lei.
- EXTINÇÃO CONTENCIOSA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
3.1. Porque extinção contenciosa
Dizemos que o art. 168, inciso II, do Código Tributário Nacional, reporta-se a hipóteses de extinção contenciosa do crédito tributário porque esse dispositivo faz remissão ao inciso III do art. 165 do mesmo Código, em que está previsto o direito à restituição do tributo pago indevidamente quando ocorrer reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o que demonstra ter havido em tais casos litígio em torno do crédito tributário correspondente.
Cuida-se, como se vê, de casos nos quais a extinção do crédito tributário deu-se pela via contenciosa. O contribuinte impugnou a exigência do tributo, foi condenado a seu pagamento, mas, ao final, obteve a reforma, o anulamento, a revogação ou a rescisão da decisão condenatória.
O sentido dessas expressões com as quais o legislador designa o desfazimento da decisão condenatória está explicado nos comentários ao art. 165. Importa aqui apenas esclarecer que o pagamento indevido deu-se em cumprimento de uma decisão condenatória, cujo desfazimento então enseja o direito à restituição.
3.2. Desfazimento da decisão condenatória
Tendo sido o contribuinte condenado a fazer o pagamento de um tributo afinal considerado indevido, o prazo para pedir a restituição respectiva começa a correr, nos termos do art. 168, inciso II, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa, ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.
Isto quer dizer que, em face do CTN, o contribuinte pode pagar um tributo em virtude de decisão administrativa contra ele proferida, e mesmo assim recorrer de tal decisão, pedindo seu anulamento, ou reforma. Na prática, porém, isto não acontece, pois o pagamento é sempre considerado como aceitação da exigência do tributo, e se tem em consequência esse pagamento como renúncia ao direito de recorrer, ou como desistência do recurso administrativo porventura antes interposto.
É razoável, contudo, sustentar-se o direito do contribuinte de efetuar o pagamento ao qual é condenado em primeira instância administrativa, sem renunciar ao direito de recorrer, ou desistir do recurso já interposto. Só assim terá sentido a norma do art. 168, inciso II, na parte em que se reporta à data em que se tornar definitiva a decisão administrativa, como marco inicial do prazo para o pedido de restituição.
O mesmo pode ser dito da situação em que o contribuinte paga em virtude de uma decisão judicial condenatória. Tal pagamento pode ser feito sem renúncia ao recurso, ou desistência de recurso já interposto.
Pelo menos é assim em face do art. 168, inciso II, do CTN.
Está fora de dúvida a situação em que o contribuinte, tendo feito o pagamento em face de uma decisão administrativa condenatória, ingressa em Juízo e obtém o anulamento daquela decisão. Neste caso, porém, o que ordinariamente acontece é o pedido de restituição na mesma ação em que é pedido aquele anulamento, de sorte que fica sem sentido falar-se em prazo para pleitear a restituição, salvo se, por pleitear a restituição, entendermos o pedido de execução da sentença respectiva.
Finalmente, é induvidoso o direito de promover ação rescisória, nos termos do art. 966 do Código de Processo Civil, de uma sentença condenatória em virtude da qual o contribuinte tenha feito o pagamento de um tributo que persista considerando indevido. Neste caso, julgada procedente a rescisória, rescindida, portanto, a sentença condenatória, o prazo para pedir a restituição começa da data em que transitar em julgado a sentença proferida na ação rescisória, julgando-a procedente.
- TRIBUTO FUNDADO EM LEI INCONSTITUCIONAL
4.1. Restituição administrativa de tributos inconstitucionais
Tenho sustentado, e constitui entendimento pacífico no âmbito da Administração Tributária Federal, que a autoridade administrativa não tem competência para dizer da inconstitucionalidade das leis. Inúmeras, reiteradas e uniformes manifestações dos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda o atestam. Assim, sendo o pedido de restituição fundado na inconstitucionalidade da lei tributária, entendo que não há direito a ser pleiteado administrativamente. Não se pode, portanto, cogitar da incidência do art. 168, inciso I, do Código Tributário Nacional. Inexistente o direito, não se pode cogitar de sua extinção.
O direito de pleitear a restituição, perante a autoridade administrativa, de tributo pago em virtude de lei que se tenha por inconstitucional, somente nasce com a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta. Ou com a suspensão, pelo Senado Federal, da lei declarada inconstitucional, na via indireta. Esta é a lição de Ricardo Lobo Torres, que ensina:
Na declaração de inconstitucionalidade da lei a decadência ocorre depois de cinco anos da data do trânsito em julgado da decisão do STF proferida em ação direta ou da publicação da Resolução do Senado que suspendeu a lei com base em decisão proferida incidenter tantum pelo STF. (Restituição de tributos. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 169).
4.2. Ação de repetição fundada na inconstitucionalidade da lei
Tem, é certo, o contribuinte, ação para pedir, perante o Judiciário, a restituição do tributo pago indevidamente, tendo como fundamento do pedido a inconstitucionalidade da lei tributária, mas no que concerne a esta não existe prescrição. A interpretação conjunta dos artigos 168 e 169 do Código Tributário Nacional demonstra que tais dispositivos não se referem a esse tipo de ação. O art. 168 diz respeito ao pedido de restituição formulado perante a autoridade administrativa. E o art. 169 diz respeito à ação para anular a decisão administrativa denegatória do pedido de restituição. Inexiste, portanto, dispositivo legal estabelecendo a prescrição para a ação do contribuinte, para haver tributo cobrado com base em lei que considere inconstitucional.
Poder-se-ia argumentar com o Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que estabelece prazo geral de prescrição das ações contra a Fazenda Pública federal. Esse diploma legal, todavia, é inaplicável ao caso. Diz ele que prescrevem em cinco anos as dívidas passivas, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza. Não obstante a impropriedade terminológica, o que se explica por se tratar de norma produzida em 1932, quando a doutrina ainda não estabelecera a distinção entre prescrição e decadência, tem-se que a referência a dívidas passivas, e a direitos, diz respeito à decadência, pois esta, e não a prescrição, é que afeta relações jurídicas de direito material.
É certo que o dispositivo supratranscrito refere-se, também, a ação contra a Fazenda federal, estadual, ou municipal, seja qual for a sua natureza. As disposições do artigo 4º, e de seu parágrafo único, do antigo Decreto, todavia, leva à conclusão de que este se refere a prescrição de ação para haver direitos que a fazenda possa reconhecer, não a direito decorrente da supremacia constitucional, direito que em face das leis ordinárias não pode ser reconhecido.
Como já afirmamos, a autoridade administrativa não tem competência para afirmar a inconstitucionalidade de uma lei. Assim, em face do ordenamento infraconstitucional, não se pode dizer existente um direito à repetição de um tributo, cujo fundamento jurídico seja a inconstitucionalidade da lei que o instituiu ou aumentou. Na verdade, existem dois direitos distintos: um, o de não se submeter a leis inconstitucionais, que pode ser exercitado por meio do denominado controle difuso de constitucionalidade, ou, em outras palavras, pela denominada via de exceção; outro, o direito de haver um tributo pago indevidamente porque instituído ou aumentado por lei inconstitucional.
4.3. Distinção entre o direito a leis constitucionais e o direito a repetição do indébito
Em sistemas jurídicos como o nosso, nos quais existe o controle difuso da constitucionalidade das leis, aparentemente não há distinção entre os direitos decorrentes da lei e aqueles decorrentes da supremacia da Constituição sobre a lei. Mas a distinção é relevante e não pode ser descartada, a menos que se pretenda solução simplista, sem rigor científico.
A rigor, quando alguém promove uma ação, e coloca como fundamento do pedido a inconstitucionalidade de uma lei, está pedindo, primeiramente, a invalidação da lei mediante a declaração de sua inconstitucionalidade e, como consequência, o reconhecimento do direito que daí decorrerá. Está, portanto, exercitando dois direitos distintos. Está exercitando o direito ao controle de constitucionalidade das leis, ou, em outras palavras, o direito de não se submeter a leis inconstitucionais. E o outro, o direito à restituição do valor que a título de tributo tenha pago indevidamente.
O primeiro desses dois direitos está no plano da Constituição e só perante o Poder Judiciário pode ser exercido. É direito protegido por ação que não se submete a prazo de prescrição. O outro, o de haver a restituição de tributo indevido, está no plano da lei ordinária e pode ser exercitado perante a própria Administração Tributária. Como o Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, diz respeito a direitos e correspondentes ações, exercitáveis em face do ordenamento infraconstitucional, certamente não se pode aplicar à repetição de quantias que a título de tributo tenham sido pagas indevidamente. Em outras palavras, o prazo nele fixado não diz respeito a um direito cujo exercício está subordinado ao exercício de outro direito que não pode, este último, ser exercido perante a autoridade da Administração Tributária.
Na verdade os dois direitos a que nos estamos referindo se distinguem ainda melhor quando cogitamos do exercício de um e do outro, como se vai a seguir demonstrar.
4.4. Exercício do direito a leis constitucionais e do direito à repetição do indébito
A distinção que existe entre o direito a leis constitucionais, vale dizer, o direito ao respeito pela supremacia constitucional, e o direito à repetição do indébito tributário, fica ainda mais clara quando cogitamos do exercício de um e do outro desses direitos.
O direito a leis, conforme com a Constituição, ou direito ao respeito à supremacia constitucional pelo legislador, só pode ser exercido perante o Poder Judiciário. É exercido pelos cidadãos em geral pela denominada via de exceção. Já o direito à repetição do indébito tributário pode ser exercido perante a própria autoridade da Administração Tributária.
É certo que esses dois direitos podem ser simultaneamente exercitados, e muita vez o são, em um único processo, e até sem uma clara distinção entre o que a rigor é uma ação e o que a rigor é uma exceção, ao menos na terminologia compatível com a denominada via de exceção, na qual se pode submeter ao Judiciário a alegação de inconstitucionalidade de uma lei em uma ação qualquer. O fato de ser possível o exercício desses dois direitos em um mesmo processo, todavia, não os reduz a um só. É visível a distinção que há entre eles e a autonomia de cada um.
Aliás, na prática, muitas vezes o empresário prefere continuar pagando um tributo não obstante a inconstitucionalidade da lei que o instituiu ou aumentou esteja sendo arguida. Não quer correr o risco de insucesso nesse questionamento. Entretanto, uma vez declarada a inconstitucionalidade da lei, ingressa com o pedido de restituição porque já então o reconhecimento de seu direito depende exclusivamente da prova do pagamento. A questão constitucional já está resolvida. Em tais situações, fica inteiramente fora de qualquer dúvida a distinção entre os dois direitos.
- RESTITUIÇÃO E COMPENSAÇÃO
5.1. Direito à restituição e direito à compensação
A Constituição Federal assegura a todos o direito de pagar apenas os tributos que tenham sido estabelecidos em lei. Em outras palavras, assegura o direito de não pagar tributos legalmente indevidos. Em sendo assim, é induvidoso o direito do contribuinte que tenha pago um tributo indevido de obter a restituição respectiva, ou de fazer a compensação do valor respectivo com tributo que deva pagar.
O direito à restituição, todavia, não se confunde com o direito à compensação. Por isso mesmo o prazo extintivo, restrição legalmente prevista para o direito de pleitear a restituição do tributo pago indevidamente, não se aplica ao direito de compensar. Normas restritivas de direitos não podem ser objeto de interpretação ampliativa de seu alcance. Esse é um princípio da hermenêutica jurídica universalmente consagrado. Dúvida, portanto, não pode haver. “Não se aplica o lapso decadencial previsto no art. 168 do CTN, que diz respeito tão somente ao direito de pleitear a restituição de tributo indevidamente pago, mas não à compensação de tributos”.([14])
O direito de compensar é um direito potestativo, porque o seu exercício não depende da colaboração de outrem. Logo, prescinde da ação que o tutela. Assim, não se pode cogitar de prescrição, que consiste precisamente na extinção, pelo decurso do tempo, do direito processual ou direito de ação, que tutela o direito material.
É certo que se poderia cogitar de decadência do direito de compensar. A decadência, porém, depende de previsão legal expressa que, pelo menos até agora, não existe em nosso ordenamento jurídico. E não se venha argumentar com uma possível aplicação analógica de dispositivos legais atinentes ao direito à repetição, porque não é razoável admitir-se a aplicação analógica de norma restritiva de direitos.
5.2. Direito à compensação na jurisprudência
Infelizmente, porém, a jurisprudência tem entendido que o direito de compensar é atingido pela decadência, ou pela prescrição, não se sabe bem, tal como acontece com o direito à restituição. Não temos dúvida de que se trata de um entendimento equivocado. Entretanto, pelo menos para fins práticos, o direito é o que afirmam os tribunais. Assim, não obstante devamos insistir em que o direito de compensar sendo, como é, um direito potestativo, não pode ser atingido indiretamente pela prescrição, nem diretamente pela decadência sem lei que o diga expressamente, não podemos desconhecer a orientação da jurisprudência como um grande obstáculo.
CONCLUSÕES
É possível, portanto, concluir-se que:
- a) Em se tratando de tributo cujo lançamento se faz por homologação, o crédito respectivo somente se extingue com a homologação que, não ocorrendo expressamente, dá-se tacitamente, ao fim de cinco anos, contados da data do pagamento;
- b) O início do prazo de decadência, previsto no art. 168 do Código Tributário Nacional, portanto, dá-se somente ao fim de cinco anos contados do pagamento indevido;
- c) O direito à restituição, fundado na inconstitucionalidade da lei tributária, não é atingido pela decadência de que trata o art. 168 do Código Tributário Nacional, posto que não pode ser exercitado perante a Administração;
- d) A ação para haver a restituição de tributo, fundada na inconstitucionalidade da lei tributária, não é alcançada pela prescrição, à míngua de dispositivo legal que o determine;
- e) Ainda quando se admita a aplicação da norma que fixa prazo extintivo, para o direito à restituição de tributos inconstitucionais, esse prazo há de ser contado a partir da data em que se tornar definitiva a declaração de inconstitucionalidade;
- f) O prazo extintivo de que se cuida não se aplica ao direito de fazer a compensação de tributo pago indevidamente, mas a jurisprudência, infelizmente, está orientada em sentido contrário;
- g) O prazo extintivo do direito de pleitear a restituição de tributo indevidamente pago não se inicia antes que esteja presente uma condição indispensável a seu exercício. Muito menos antes de nascido o próprio direito à restituição.
[1] TRF-5ª Região, AC nº 21630-PE.
[2] TRF-1ª Região, AC nº 92.01.30600.8-MG, DJU de 18.02.1993, p. 4587, e AC 93.01.09682-0/MG, DJU de 20.05.1993, p. 18.828.
[3] BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 570.
[4] AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. In: Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, n. 193, p. 34.
[5] Idem, p. 39.
[6] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1979. p. 116.
[7] TRF da 5ª Região, Plenário, EI na REO nº 27.934-RN, rel. Juiz Hugo Machado, julgado no dia 27 de abril de 1994, acórdão publicado na íntegra na Revista de Direito Tributário do TRF da 5ª Região, n. 01, Recife, 1989, p. 255-259.
[8] O que se extingue com o decurso desse prazo é o direito de ação. Não o direito à restituição como afirmamos no julgado do TRF da 5ª Região, acima transcrito. O aperfeiçoamento da terminologia aqui empregada impõe-se porque todos sabemos que a prescrição atinge a ação, enquanto direito processual, e não o direito material pela ação protegido. Na verdade, a Fazenda Pública pode, e deve, devolver de ofício o que lhe foi pago indevidamente. Embora na prática não o faça, não podemos deixar de esclarecer que no plano doutrinário o direito à restituição do indébito tributário subsiste à prescrição estabelecida pelo art. 168 do Código Tributário Nacional. Ele tem especial fundamento no princípio da moralidade, que infelizmente é violado com muita frequência pelas autoridades da Administração Tributária.
[9] Item 6 da ementa do acórdão proferido em 01.09.1998 pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 178.615/SP, do qual foi relator o Ministro José Delgado, DJU de 01.03.1999.
[10] STJ, 1ª Seção, EREsp 435.835, em Boletim Informativo Juruá, nº 364, 01/15 de abril de 2004, p. 01.
[11] AC nº 97.04.51745-9/SC, rel. Juiz Vladimir Freitas, julgada em 08.10.1997, DJU 2 de 19.11.1997, p. 99218 e RDDT nº 29, p. 171.
[12] Se o fisco tivesse o mais mínimo respeito pelos direitos do contribuinte com certeza teriam sido desde logo compensados os tributos pagos no regime do SIMPLES. De todo modo o fiscal que lavrou o auto de infração asseverou que a empresa seria atendida em seu pedido de restituição.
[13] Manifestação de inconformidade no Processo nº 10380.005181/2003-48, Delegacia da Receita Federal no Ceará.
[14] TRF da 4ª Região, Embargos de Declaração na AC nº 97.04.03917-4-SC, DOU II, de 02.07.1997, p. 50898, e RDDT nº 26, p. 141.