EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO NO IMÓVEL RURAL
Otávio José dos Santos
A propriedade condominial se reveste de várias formas que refletem, na mesma proporção, a existência dos mais variados litígios a que poderão se sujeitar os comunheiros proprietários, emergindo, dentre eles e de modo especial, nas disputas estabelecidas na copropriedade dos imóveis rurais.
Tanto na propriedade rural, como ocorre com a urbana, à existência do condomínio é figura jurídica e mecanismo condutor de desavenças[1], e não é de hoje que a lei facilita, bem como incentiva a sua extinção, com fundamento no artigo 569, inciso II, do Código de Processo Civil, do qual se extrai a disciplina instrumental da competente ação de divisão, além do instituto da ação de alienação judicial de bens, voltada para extinção do condomínio de imóveis indivisíveis.
Ao tratarmos da extinção de condomínio de imóveis rurais deparamo-nos com diretrizes legais e administrativas peculiares, exigindo do intérprete um mergulho conceitual que vai além das esferas jurídicas, para alcançar e socorrer-se de definições e conceitos técnicos obtidos em outras áreas do conhecimento, tal como as ciências agronômicas.
Por tais razões, uma vez submetido como objeto de uma ação de divisão, visando a definitiva extinção do condomínio, deverão ser verificadas diversas condições extra-jurídicas a que o imóvel rural deverá estar sujeito e que refletirão no modo como a divisão deverá ser realizada, a iniciar-se:
1) na verificação da atividade agrária que se exerce no imóvel e qual condômino a conduz, se individualmente ou em conjunto com os demais consortes ou ainda se por terceiro não proprietário, mediante arrendamento ou parceria agrícola, 2) se o imóvel está georreferenciado, 3) se há no imóvel a obediência aos limites mínimos para a constituição das áreas verdes, áreas de preservação permanente e reservas legais, 4) se o imóvel está devidamente demarcado em todo o perímetro, 3) se há no imóvel frutos pendentes da atividade agrária a serem colhidos, o modo de produção, e a forma como poderá ocorrer a futura partilha dos frutos, 4) o detalhamento dos custos da produção agrária empenhada, para eventuais indenizações ou compensações de valores na atribuição dos quinhões, 5) se a descrição declinada na matrícula do imóvel corresponde com o exato contorno físico e perimetral, de fato, existentes, dentre outras.
Tal como recorrentemente ocorre na última hipótese, para o caso de o imóvel não se encontrar corretamente demarcado, a demarcação se verificar de forma precária ou até mesmo tenha sofrido alterações na monumentalização dos contornos através do tempo, deverá, antes que se proceda com a divisão, ser o imóvel rural submetido ao procedimento demarcatório[2], citando-se além dos comunheiros, os respectivos confrontantes para acompanharem o procedimento judicial, que resultará em sentença demarcatória, estremando-se os imóveis limítrofes (artigos 570 e 572 do CPC).
Deste modo, verificadas irregularidades no perímetro da propriedade em comum, não se poderá permitir a divisão do bem antes que se promova o procedimento demarcatório, com o fim de se resguardar não só os direitos dos condôminos, como também, os dos confrontantes.
Na ocasião, a propriedade em comum se sujeitará a uma retificação de área, por meio da qual, com a batuta de uma perícia especializada em topografia de imóveis rurais, deverá ser realizado o competente georreferenciamento, tarefa que formalizará a identificação posicional do terreno e poderá implicar na alteração da descrição física do imóvel, fato que, por consequência, ensejará na modificação da enunciação do perímetro na base de dados do imóvel no registro imobiliário, bem como outras atualizações da descrição matricular no que toca as construções, desedificações e acidentes naturais.
Ao longo do tempo, não obstante o esforço da administração pública conjugada às inovações da tecnologia topográfica tenham produzido notáveis resultados na uniformização e padronização nos registros dos imóveis rurais no país, a realidade brasileira tem ainda revelado a existência de propriedades rurais à margem da legalidade, principalmente em grandes latifúndios, onde perpetuação das irregularidades trazem problemas que à primeira vista aparentam-se insolucionáveis, tanto para os condôminos, como para os confrontantes que adquirem e sucedem a propriedade.
São por tais razões que, partindo-se da análise da descrição do imóvel rural e o mesmo não encontrar-se corretamente delimitado, não poderão os condôminos menoscabar a realidade fática estranha ao teor da inscrição matricular, que poderá encontrar-se defasada em relação às características físicas do imóvel que tenha sofrido alterações ao longo dos anos, bem como em relação à própria descrição do título aquisitivo do domínio, pois com fundamento no princípio da especialidade objetiva, a matriculação exige a determinação como requisito absoluto para o registro.[3]
É irregular, portanto, que uma vez verificadas indefinições concretas das condições do perímetro do imóvel rural, possa pretender o condômino que se faça a divisão do imóvel em comum, antes que se proceda com demarcação da propriedade, fato que expandirá os interesses na resolução da causa para além do condomínio, atingindo-se inevitavelmente as propriedades confinantes, como mais um desdobramento possível de eventuais litígios e desavenças, desta vez, entre condôminos e vizinhos.
[1] PEREIRA, Caio Mario da Silva, Instituições de Direito Civil, v. IV, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 155.
[2] DOS SANTOS, Ernane Fidelis, Procedimentos Especiais, 2ª ed., Eud, p. 124.
[3] DIP, Ricardo Henry Marques, Breves Considerações Sobre Alguns Temas Relativos à Retificação de Área, In: Revista de Direito Imobiliário, RT, n. 37, jan-abr. 1996, p. 64-65.