EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE (OU PRISÃO POR EFEITO DE ACÓRDÃO CONDENATÓRIO RECORRÍVEL)
José Barcelos de Souza
Proferida uma sentença condenatória, não estará ela desde logo em termos de ser executada, uma vez que poderá ser modificada em virtude de recursos que couberem.
Nestas condições, em princípio, só se poderá cogitar da execução da pena quando a sentença se tornar irrecorrível.
Já se poderá falar, então, na existência de um título executivo, um dos pressupostos de qualquer execução forçada, e também da execução penal, ou seja, neste caso, de uma decisão judicial válida, passada em julgado.
Não há lugar, no crime, para uma execução na pendência de recursos, dita execução provisória, como pode ocorrer no cível, não só porque a lei dela não cuida, mas também porque se trataria de medida inadequada.
Execução provisória, com efeito, não se coaduna com o direito criminal. Vou dar um exemplo extremo, porque exemplo desse tipo esclarece melhor. Imagine-se, pois, a execução provisória de uma pena de morte. Levada a efeito, não teria essa provisória execução ficado irremediavelmente definitiva?
Mas nem é necessário um exemplo tão drástico, por isso que seria também desastroso executar provisoriamente uma pena privativa da liberdade. Ninguém, nenhum pedido de desculpas ou indenização alguma tiraria das costas do cidadão injustamente preso a cadeia que levou.
Executar uma pena privativa da liberdade que ainda não está definitivamente imposta, dada a possibilidade de ser a sentença reformada por força do recurso cabível, é, assim, o que de mais incivilizado pode haver. Muitas vezes disso resultaria uma injustiça irreparável. Mesmo no cível, área em que não está em jogo a liberdade individual, a execução provisória, ali admitida, não chega a extremos.
Razão assistiu ao Ministro Marco Aurélio ao proclamar, votando vencido em julgamento de habeas corpus, a impossibilidade de se ter a execução do título judicial antes do trânsito em julgado. Na hipótese, asseverou que “a expedição do mandado de prisão afigura-se como execução, com foro definitivo, do título judicial, se este ainda não transitou em julgado. É tal passo demasiadamente largo e até hoje não foi dado sequer no campo patrimonial. Todos sabemos que, pendente recurso sem efeito suspensivo, a execução é provisória e chega apenas à garantia do juízo“.
Até mesmo nas execuções fiscais, nas quais a Fazenda goza de privilégios, não permitiu a lei que se entregasse o ouro ao Fisco antes de transitar em julgado a decisão que tiver rejeitado os embargos do executado, como expusemos em nossa Teoria e Prática da Ação de Execução Fiscal e dos Embargos do Executado.
Surgiu, entretanto, algum tempo atrás, um entendimento imaginado na doutrina e acolhido por muitos julgados, no sentido do cabimento em nosso direito processual penal da execução provisória da sentença de condenação em pena privativa da liberdade (cruz-credo!), vale dizer, de sentença, ainda sujeita a recurso.
E o Conselho Nacional de Justiça veio, não faz muito, não só a adotar a ideia, mas também a instituir um procedimento para sua aplicação.
Assim é que se aprovou, em sessão plenária do dia 29 de agosto de 2006, a Resolução nº 19, dispondo sobre a execução penal provisória. E, ainda por cima, a Resolução estabeleceu que cada Corregedoria de Justiça adaptará suas normas de serviço às disposições dela, no prazo de 180 dias.
O texto estabelece que a guia de recolhimento provisório será expedida “quando da prolação da sentença ou acórdão condenatórios, ainda sujeitos a recurso sem efeito suspensivo, devendo ser prontamente remetida ao Juízo da Execução Criminal“.
A Resolução determina, ainda, que “deverá ser anotada na guia de recolhimento expedida nestas condições a expressão ‘provisória’ (em letras capitais), em sequência da expressão guia de recolhimento“. Esta guia deve também ser certificada nos autos do processo criminal.
Não se trata, como se vê, de regulamentação da prisão provisória, simples carcer ad custodiam, medida cautelar semelhante a outras bem conhecidas, como a prisão preventiva. Nem da prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, que era aplicada obrigatória e automaticamente, sem motivação em cada caso, mas apenas por força da sentença condenatória, como efeito legal desta, hoje abolido por incompatibilidade com a Constituição, que consagra o princípio da inocência de quem não foi condenado por decisão transitada em julgado.
Trata-se de regulamentação da inexistente figura da execução provisória da pena. Inexistente porque nossa legislação não contempla a execução da pena, o carcer ad poenam, senão depois de sentença condenatória – transitada em julgado. Engraçado é o que ficou dito no art. 2º da Resolução: “Sobrevindo decisão absolutória, o respectivo órgão prolator comunicará imediatamente o fato ao juízo competente para a execução, para anotação do cancelamento da guia de recolhimento“. Ora, já que não mais será possível aliviar o cidadão da prisão já sofrida, que por isso mesmo não tem jeito de ser cancelada, não se poderia cogitar de uma “indenizaçãozinha” para a vítima da punição judicial que veio a ser reconhecida contrária à lei? Ou de uma punição para o juiz, o assessor ou o estagiário que operou a condenação injusta ou ilegal?
2 Dessa execução antecipada não cuida a LEP, como também não cuidava o Código de Processo Penal.
Já se afirmou na doutrina, porém, equivocadamente, que “antes da LEP o art. 669, I, do CPP [1] cuidava de uma provisória execução da pena”, sendo que, com o advento daquele diploma legal, tornou-se imprescindível o trânsito em julgado da sentença condenatória para a execução da pena, como li em prefácio de excelente autor a também excelente obra sobre o direito de apelar em liberdade.
Apontando a posição de um dos corifeus da tese da execução provisória, assim escreveu Marcellus Polastri Lima:
“Interessante notar a posição do professor Afrânio Silva Jardim sobre a natureza jurídica de tal prisão, que não seria cautelar, sob o fundamento de nada mais ser (…) do que uma verdadeira execução penal provisória, conforme se pode depreender dos arts. 393, inciso I, e 669 do CPP (…). Como se sabe, tendo em vista a nova redação dada no art. 594 do CPP, tal execução provisória da pena (não prisão provisória) somente será iniciada se o sentenciado for reincidente ou mesmo tiver maus antecedentes [2].
E em outro estudo assim se manifesta o autor:
‘A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, para nós, também não apresenta natureza cautelar. A rigor, esta prisão nada mais é do que uma verdadeira execução penal provisória, conforme se pode depreender dos arts. 396, inciso I, e 669 do CPP. Este último, que apenas consagra um dispositivo específico, o que se depreende do sistema, tem a seguinte redação: ‘Só depois de passar em julgado, será exeqüível a sentença, salvo: I – quando condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a prisão.’ [3]
Perfeita é a objeção de José Barcelos de Souza, desbancando o entendimento de que o art. 669 do CPP, hoje revogado pela LEP, autorizava tal raciocínio:
‘De fato, era no capítulo referente à execução que se achava no Código o dispositivo legal em questão, que já até perdeu valor com o advento da LEP, que não o repete. Mas o certo é que a mencionada Lei de Execução não acabou com execução provisória nenhuma, pela simples razão de que não podia ter acabado com o que nunca existiu (…). Li e reli o art. 669 do CPP e não vislumbrei nele, talvez por falta de uma menção expressa e clara, a contemplação da execução provisória da pena, imaginada por excelentes juristas, que procuram nele um suposto amparo para seu entendimento. O que estou vendo aí é a reafirmação da regra geral da execução definitiva da sentença, permitindo-se, porém, atuem desde logo alguns efeitos para tanto conferidos à decisão. Dentre eles, o da prisão, já exigida, aliás, pelo art. 393, I. Só que essa prisão não se pode confundir com a privação da liberdade como pena, o carcer ad poenam, não só porque a lei não diz isso, mas também porque a execução da pena pressupõe a expedição de carta de guia (ou guia de recolhimento, como hoje fala a LEP), e isso só se faz depois de transitada em julgado a sentença condenatória, como já preceituava o Código, na cabeça do art. 674 (…).’ [4]– [5]
Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho faz coro ao entendimento de Afrânio Silva Jardim, afirmando ser ‘ela uma prisão nitidamente antecipatória da pena, ou a sua execução provisória, não tendo mesmo os pressupostos da prisão cautelar’ [6].
Em que pesem a autoridade dos eminentes professores e a inovadora tese, estamos com José Barcelos de Souza e pensamos que aqui se trata de cautelar, não podendo se trazer a execução provisória do processo civil para o processo penal, dada a incompatibilidade.” [7]
E mais: da guia deverá constar que a sentença transitou em julgado (art. 106, III).
Depois, seria uma esquisitice, em caso de cumprimento de pena, admitir fiança, como fazia o art. 669, I, o que bem mostra que não excogitava uma inconcebível execução provisória de pena. O citado art. 669, I, efetivamente, apenas reafirmava o que já dispunha o art. 393.
Quer dizer, o CPP não reconhecia, e agora a LEP igualmente não aceita, a execução provisória de pena privativa da liberdade.
Então, de onde tiraram essa coisa de execução provisória?
3. A nosso ver, o que teria levado a essa concepção da execução penal foi, sem dúvida, da parte da doutrina – no que diz respeito ao Conselho Nacional de Justiça diremos depois -, uma opção para evitar a aceitação da natureza cautelar da prisão que a lei determina como efeito da sentença condenatória recorrível. Demais disso, comentava-se, admitir-se a prisão por efeito de sentença ou acórdão recorrível como uma execução provisória da pena seria uma maneira de proporcionar ao condenado preso o início mais rápido do cumprimento da pena, para fins de obtenção de progressão penal, o que aparentemente seria bom para o preso. Bom, entretanto – pondere-se -, poderá ser se o condenado vier, contra seu desejo e sua expectativa, a perder o recurso, mas péssimo se ganhar, porque então terá cumprido uma pena que ele não devia.
Entretanto, e como já se verá, a inteligência correta de textos constitucionais e da legislação ordinária leva à conclusão de que não cabe uma prisão automática por força de sentença ou acórdão recorrível, prisão essa exatamente a que seria cumprida a título de execução provisória da pena. O que será admissível, por outro lado, em lugar disso, é uma prisão de cunho preventivo, que, aliás, poderá comportar, também, aquela apregoada vantagem.
4 A matéria é correlata com a referente ao direito de apelar em liberdade, sobre a qual muito já se discutiu na doutrina e na jurisprudência.
Lembre-se, de início, com a melhor doutrina, que a exigência do recolhimento ao cárcere para apelar, do hoje revogado art. 594 do CPP, encontrava óbice no princípio constitucional da amplitude da defesa.
Foi o que sustentaram ilustrados autores e juízes, dentre eles, em primeira mão, em antiga decisão, de março de 1962, concessiva de habeas corpus de ofício (decisão que – vejam só! – veio a ser reformada pelo então Tribunal de Justiça da Guanabara!), o insigne Juiz Eliézer Rosa, então judicando na Oitava Vara Criminal do Rio de Janeiro.
Ponderava o eminente jurista: “A lei ordinária, no caso, o art. 594 do CPP, estabelecendo uma condição legal para o exercício do direito de recorrer, que é o mesmo direito de agir, e sendo esta condição o recolher-se preso, está restringindo, praticamente anulando, o exercício do direito constitucional incondicionado de acionar, isto é, de recorrer aos Tribunais“. E concluiu, após outras excelentes considerações, que a “CF, vindo depois do CPP, retirou base legal ao art. 594 daquele Código” e que “sua aplicação constitui lesão irreparável, em muitos casos, e, em todos, cerceamento de defesa (§ 25 do art. 141 da dita Constituição) e constrangimento ilegal” [8].
Condicionar o direito de defender-se em apelação a entregar-se previamente à prisão seria, com efeito, exigir um terrível preço para o exercício do sagrado direito de defesa.
É precisamente por essa razão, não em virtude do princípio da presunção da inocência, no qual por algum tempo se procurou fundamento para afastar a incidência do art. 594, que não mais prevalece o ônus de recolher-se o réu à prisão para apelar.
A presunção da inocência impediria, com efeito, um antecipado carcer ad poenam, mas não o carcer ad custodiam, que, aliás, a Constituição mesma admite.
Mas tanto se invocou equivocadamente aquele princípio constitucional que o STJ expediu a Súmula nº 9, segundo a qual “a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção da inocência“.
É verdade. Mas ofende, sim, a garantia constitucional da amplitude da defesa. É um preço muito caro que se tem pago para ter o direito de provar a inocência. Daí por que não mais tem importância, hoje, depois da Carta de 1988, indagar em que hipóteses o art. 594 impõe ou não o ônus do recolhimento à prisão ad recursum. É que em nenhum caso, em nenhum caso mesmo – tenha o réu bons ou maus antecedentes, seja primário ou não, crime afiançável ou inafiançável, não importa -, prevalecerá a exigência daquele dispositivo do CPP. Isso pela simples razão de se achar ele varrido de nossa legislação, tacitamente ab-rogado que ficou por incompatibilidade com a nova Constituição.
5 Se já não se pode mais exigir do réu condenado que se recolha à prisão para apelar, poderia o juiz ou o Tribunal determinar a prisão antes de transitar em julgado a sentença condenatória, como efeito dela, por força do que dispunha o revogado art. 393, I, do CPP, isto é, sem justificar sua necessidade?
É bem de ver, inicialmente, que o fato de o agora também revogado art. 594, já antes de ter se tornado ineficaz, já tinha, antes da revogação, trazido a consequência do enfraquecimento da regra da prisão como efeito da sentença condenatória recorrível, mesmo antes da revogação operada, instituída no art. 393, I, a que o citado art. 594 visava fortalecer.
Tanto assim que seria um despropósito, posto já recomendado na doutrina, mandar o juiz, só para atender ao art. 393, I, expedir mandado de prisão contra réu de maus antecedentes condenado por crime inafiançável, devendo, porém, admitir sua apelação independentemente do recolhimento à prisão, agora para atender também ao princípio da amplitude da defesa! Nem era usual semelhante procedimento. Os juízes, de modo geral, não o adotavam. Como já escrevi alhures, quando ainda em vigor os dispositivos, poder o réu primário e de bons antecedentes apelar solto nos termos do art. 594, mas ficar sujeito, por outro lado, a ser preso por determinação do juiz com base no art. 393, I, equivaleria ao absurdo de ser ele forçado ou seduzido a se foragir, o que nenhum benefício traria para a justiça.
Andavam tão juntos e entrelaçados aqueles dois revogados dispositivos legais que, acredito, o art. 594 levou tanto tempo a perder substância, a despeito da ancianidade do princípio da amplitude da defesa, porque atrelado ao art. 393, que o segurava, fazendo dele um auxiliar a facilitar sua própria atuação.
De fato, o que aqui mais releva considerar é que a regra do art. 393 esbarrava, mesmo antes de sua correta revogação, o que já era por mim defendida, também ela, em dispositivo constitucional, agora, sim, aquele que trata da presunção da inocência ou, como também se costuma dizer, da presunção da não culpabilidade.
Isto porque não se harmoniza com o princípio de ser o réu considerado inocente enquanto não transitar em julgado sentença condenatória prendê-lo só porque foi dada a sentença, sem necessidade de cogitar-se da conveniência, em cada caso, de uma prisão cautelar. A colocação em custódia de réu solto que vem a ser condenado, pelo só efeito automático de sentença recorrível, não pode, de modo algum, configurar uma autêntica medida cautelar, ao contrário do que se tem admitido, visto que não fundamentada a necessidade da cautela. Tinha a característica de cautelar por caber antes de sentença transitada em julgado. Uma cautelar desfigurada, pois.
Nem seria de entender-se que a cautelar estaria justificada com uma presunção legal do periculum in mora. Se assim fosse, já não mais prevaleceria em nossa legislação, uma vez que agora de modo geral já não basta, para a prisão, a existência de ordem escrita de autoridade judiciária competente, sendo necessário, também, que a ordem escrita seja fundamentada, por força do que dispõe o inciso LXI do art. 5º da Constituição.
Para sua legitimidade, seria necessária a justificação de sua necessidade.
Se, como visto, a regra da presunção da inocência não é de molde a afastar a adoção de uma prisão provisória, ela serve, por outro lado, como uma recomendação de que sua aplicação deverá limitar-se a casos de justificada necessidade, pelo que não poderia atuar automaticamente.
Aí está, pois, mais uma razão a afastar a aceitação de uma presunção legal da necessidade da prisão, bem como de sua imposição por simples força de sentença condenatória recorrível.
6 Qual, então, a verdadeira natureza daquela prisão?
A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, tal como a consagrou originalmente o Código, impondo-a compulsória e automaticamente, como efeito da sentença, sem de modo algum qualificá-la como cautelar, importava uma presunção de culpa do condenado a justificar uma prisão processual até que não fosse a decisão modificada. Tanto assim que mandava fosse o nome do réu logo lançado no livro rol dos culpados, também pelo só efeito da sentença. A Constituição atual seguiu o caminho contrário, com a regra da presunção da inocência ou da não culpabilidade, enquanto não transitada em julgado a sentença. E com toda razão. O número de decisões condenatórias juridicamente inexistentes, nulas, erradas ou injustas é muito mais elevado do que seria razoável supor.
Era uma prisão tendo em vista apenas a realidade de uma sentença condenatória e que tinha, por isso mesmo, um fim em si mesmo. É, aliás, muito de nossa cultura que a prisão seja logo imposta. No fundo, um desejo legítimo de justiça, e de justiça rápida.
Algumas das primitivas disposições do Código corroboram a assertiva. Assim é a prisão em flagrante. Só anos depois veio a lei permitir a liberdade provisória quando ausentes os motivos que justificariam a decretação da prisão preventiva. Já a prisão preventiva, posto não devesse ser decretada se houvesse prova de causa de exclusão do crime, se provado estivesse o fato e ocorressem indícios suficientes da autoria, era de ser compulsoriamente imposta em figuras delituosas mais graves, até quando veio a ser modificada a lei.
7 E quando a condenação acontecer em Tribunal de segundo grau?
A lei não se referiu aos efeitos de acórdão condenatório em processo de competência originária. Sem dúvida, seria de aplicar-se, por identidade de razão jurídica, a regra agora revogada do art. 393, I, se ela já antes não estivesse sido não recepcionada por força de preceito constitucional superveniente; mesmo porque acórdão também é sentença. Descaberia, então, a prisão, enquanto não transitasse em julgado o acórdão, visto que ela não é mais uma automática consequência da condenação, a não ser que o Tribunal a imponha, fundamentadamente, como medida cautelar.
Do mesmo modo, se o réu foi absolvido no primeiro grau jurisdicional, está solto e o Tribunal condena, poderá, ao fazê-lo, impor a prisão, mas como medida cautelar devidamente fundamentada, se for caso dela.
A antiga regra do art. 675, segundo a qual o presidente da Câmara ou do Tribunal fará, logo após a sessão de julgamento, remeter ao chefe de polícia o mandado de prisão do condenado, igualmente ao que ocorria com o revogado art. 393, I, ficou não recepcionada pela disposição constitucional da não culpabilidade.
Voltemos à Resolução do Conselho Nacional de Justiça.
8 Já a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça certamente visou resguardar o Judiciário de críticas referentes à morosidade da justiça e à impunidade, ultimamente feitas com muita frequência não só por pessoas do povo, mas também por setores da imprensa, de maneira por vezes até desrespeitosa ou mesmo ofensiva, mas, sobretudo, injusta, principalmente quando se reclamava contra o fato da não colocação imediata na prisão de réu que vinha a ser condenado por Tribunal de segundo grau ou ter a condenação aí confirmada.
Então, o que temos é o que a doutrina chama de direito penal de emergência ou de direito processual penal de emergência, que quase sempre se tem mostrado inconveniente ou danoso. O caráter emergencial da regulamentação é refletido também na circunstância de a Resolução estabelecer que cada Corregedoria de Justiça adaptará suas normas de serviço às disposições dela, no prazo de 180 dias.
Certamente com apoio nos ombros largos da jurisprudência então predominante do STF e em doutrina também existente, mas desprezando a melhor doutrina já à disposição, agiu o Conselho como se fosse legislador, usurpando a competência legislativa do Congresso Nacional e, pois, ferindo a Constituição, ao mesmo tempo em que, e de novo afrontando a Carta, contrariava o princípio da presunção da inocência ou da não culpabilidade.
A Resolução esbarra também na LEP, art. 105, segundo o qual é depois do trânsito em julgado da sentença que aplicar pena privativa de liberdade que se expedirá a guia de recolhimento à prisão. E mais: de acordo com o art. 106, III, da mesma Lei, da guia deverá constar que a sentença transitou em julgado, o que obviamente será impossível praticar se a sentença não tiver passado em julgado. Entretanto, de mandar fazer constar isso na guia não cuidou a Resolução, certamente pela simples razão de que estava mandando expedir a guia sem que haja sentença condenatória passada em julgado.
9 Vinha decidindo o STF que “o direito de recorrer em liberdade refere-se apenas à apelação criminal, não abrangendo os recursos extraordinário e especial, que não têm efeito suspensivo“.
Também a Resolução em questão esclarece que ela se aplica aos processos em que o recurso não tiver efeito suspensivo.
Efeito suspensivo? Que efeito suspensivo?
O que importa saber, no caso, não é se o recurso terá ou não esse ou aquele efeito, mas se o acórdão pode produzir um determinado efeito, ou seja, o efeito de impedir a liberdade, porque, se não puder produzir semelhante efeito, não terá importância o efeito de que o recurso for ou não capaz.
10 Por outro lado, como escrevemos no artigo Prisão por Efeito de Acórdão Condenatório Recorrível [9], “é aceitável, entretanto, diante da regra, que foi abraçada pelo Código, da prisão automática, que assim não pode subsistir, que ela sobreviva como permissão para que o juiz, naqueles casos em que a prisão caberia como efeito da sentença, também na oportunidade dela, fundamentadamente decrete, se for o caso, isto é, se houver real necessidade da cautela, uma prisão preventiva“. “Prisão preventiva, obviamente, no sentido amplo de prisão provisória, embasada nos requisitos cautelares, e não ‘na necessidade de prisão para apelar’”, como bem esclareceu, ao citar o texto, Marcellus Polastri Lima [10], ou seja, uma prisão preventiva lato sensu, uma prisão de cunho preventivo ou cautelar.
Desse modo, ao mesmo tempo em que não se tolhe a prisão de quem realmente deva, por justificada cautela, ser levado ao cárcere, evita-se misturar o joio com o trigo, impede-se levar logo para a prisão o cidadão de bem que ainda se defende e que pode estar sendo vítima de sentença injusta. De fato, repita-se, o número de decisões condenatórias juridicamente inexistentes, nulas, erradas ou injustas é muito mais elevado do que seria razoável supor, principalmente nos tempos atuais.
Mas é preciso que a imposição da custódia seja realmente bem fundamentada. Não é de hoje que o grande Carrara já falava na immoralitá del carcere preventivo.
11 Certamente, teve o Conselho também a boa intenção de proporcionar ao condenado adiantar a contagem de tempo para a progressão do regime de prisão. Entretanto, seria perverso cobrar adiantamento do tempo de uma prisão que pode vir a não ter existência legal, se provido o recurso da parte. E para o réu não seria bom prendê-lo só para antecipar o cumprimento de uma pena que poderá vir a ser cancelada.
Depois, sem necessidade do artifício de uma ilegal execução provisória, infligida indiscriminadamente a bandidos e a pessoas sem antecedentes criminais, poder-se-ia adotar a opção, acima referida, da decretação de uma prisão cautelar, por isso que esta já teria de ser computada no cumprimento da pena, de acordo com o instituto da detração penal, que tem como caso típico, previsto no art. 42 do Código Penal, “o tempo de prisão provisória“, expressão que, na conceituação de Warley Belo, em excelente estudo sobre a matéria, “refere-se a qualquer tipo de severa restrição à liberdade pessoal” [11].
12 Há ainda uma outra espécie de prisão processual, à qual não se têm referido a doutrina e as obras didáticas, nem a jurisprudência, certamente por se tratar de prisão que deve ser de curtíssimo prazo. Realizável após o trânsito em julgado da sentença, trata-se de prisão para o fim de cumprimento da pena. É a prisão preparatória para a execução da pena, como a tenho denominado. Muitas vezes, porém, na prática o tempo dessa prisão preparatória se prolonga por falta de vaga no estabelecimento em que seria de ser cumprida a pena.
Já dispunha, com efeito, o art. 675 do CPP no sentido de que, se tiver havido recurso, no caso de ainda não ter sido expedido mandado de prisão por tratar-se de infração penal em que o réu se livra solto ou por estar afiançado, logo que transite em julgado a sentença condenatória, o juiz ou o presidente da Câmara ou do Tribunal fará expedir o mandado de prisão.
Pois bem, também esse tempo da prisão preparatória, e não só o da cautelar a que nos referimos acima, é de ser computado no tempo da pena a ser cumprida. O instituto da detração – uma regra de equidade – não é só para os conhecidos casos mencionados no art. 42 do CP, dentre eles o da prisão provisória, mas também para o de condenado por sentença transitada em julgado que estiver ou for preso para cumprimento da pena enquanto não removido para o estabelecimento prisional.
Aplica-se ao caso o disposto no art. 680 do CPP, não revogado expressamente pela LEP, que, por outro lado, não lhe é contrária nem disciplina inteiramente o instituto da detração, sobre o qual os preceitos do CP e da LEP, como ressaltou Warley Belo no trabalho citado, “por demais econômicos, podem ser adjetivados de lacunosos“.
Eis o texto do citado art. 680, que expressa um caso de detração penal:
“Computar-se-á no tempo da pena o período em que o condenado, por sentença irrecorrível, permanecer preso em estabelecimento diverso do destinado ao cumprimento dela.”
13 O direito emergencial costuma trazer consequências tremendas, geralmente leis inconstitucionais no todo ou em parte, inclusive pela precipitação com que são elaboradas (a Lei dos Crimes Hediondos é, dentre outros, um exemplo recente). O instituto da prisão temporária foi outra iniciativa desastrosa. Faz mais mal que bem. Agora vem a questão da execução provisória, a cujas disposições cada Corregedoria de Justiça adaptará suas normas de serviço no prazo de 180 dias, como determinado na própria Resolução. Não é preciso ser adivinho para acreditar no grande número de habeas corpus que se impetrarão.
O Órgão Especial do TJRJ, como lhe cumpria, atendendo ao que foi disposto na Resolução do Conselho, já fez o dever de casa: baixou a Resolução TJ/OE nº 10, de 21.05.07, que disciplina a matéria no Estado.
O pior é que os Tribunais dos outros Estados deverão fazer o mesmo. E certamente teremos algo parecido com as esdrúxulas súmulas vinculantes.
14 Havia, contudo, uma luz no fim do túnel. Ainda recentemente, em julgamento no dia 13.02.07, da Segunda Turma do STF, do HC 90.754-12/BA, coator o STJ e Relator o Ministro Celso de Mello, acórdão publicado no Diário da Justiça de 27.04.07, o colendo Tribunal deferiu a ordem, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, que mantinha a jurisprudência, para invalidar a determinação de prisão expedida contra a paciente em autos de apelação criminal pelo Tribunal local, que fundamentara a decretação da custódia cautelar à consideração de que contra a decisão condenatória, em segundo grau de jurisdição, cabem, tão só, a princípio, recursos de natureza extraordinária – recursos especial e extraordinário – sem efeito suspensivo, afigurando-se, assim, ao Tribunal coator, legítima a execução provisória do julgado, consistente na constrição do condenado, ainda que não transitada em julgado a respectiva ação penal.
O egrégio STJ denegou a ordem que lhe fora impetrada, forte em precedentes dele próprio e da Suprema Corte. Entre os fundamentos da decisão, o de que a regra do art. 675 do CPP, que prevê a expedição do mandado de prisão somente após o trânsito em julgado da condenação, aplica-se apenas no caso de recurso com efeito suspensivo, hipótese não verificada no caso, havendo, a esse respeito, precedente da Suprema Corte.
Como se vê, o notável acórdão constitui ou robustece uma importante mudança na jurisprudência de nossa mais alta Corte. O preclaro Relator, que já vinha proferindo excelentes votos sobre a matéria, abordou com segurança seus diversos aspectos. Assim é que reconhece a subsistência, mesmo em face de condenação penal recorrível, da presunção constitucional de não culpabilidade, reconhecendo também o direito de recorrer em liberdade. Desacolheu o acórdão que ordenou a prisão da condenada por reputar legítima “a execução provisória do julgado” e também pelo fato do entendimento de que os recursos excepcionais deduzidos pela sentenciada (RE e RESP) não possuíam efeito suspensivo. Por fim, apontou a possibilidade da decretabilidade da prisão cautelar, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP, salientando, neste particular, com o apoio da doutrina encontrada nas obras dos conceituados autores que cita – entre elas a de Marcellus Polastri Lima mencionada e longamente citada neste estudo -, a necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária.
“Em suma: a prisão processual, de ordem meramente cautelar, ainda que fundada em sentença condenatória recorrível (cuja prolação não descaracteriza a presunção constitucional de não culpabilidade), tem, como pressuposto legitimador, a existência de situação de real necessidade, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente ocorrente, a adoção – sempre excepcional – dessa medida constritiva de caráter pessoal“, lê-se no excelente voto.
15 Diante da esclarecedora decisão do STF, só nos restava reiterar, com respaldo nela, a observação que fizemos em artigo escrito, logo após a publicação da Resolução nº 19 em questão, para o jornal da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, publicado com o título CNJ Avança Sinal e Atropela a Lei[12]:
“Ficaria muito bom instruir o eg. Conselho no sentido da não determinação de uma prisão por motivo simplesmente de advento de sentença condenatória ou acórdão ainda sujeitos a recurso, senão, excepcionalmente, e com fundadas razões, no sentido da decretação de uma prisão cautelar, ajustando-se assim a antiga regra do Código à Constituição.”
16 O texto acima foi publicado como capítulo do livro Execução Penal – Constatações, Críticas, Alternativas e Utopias, coordenado pelos Professores Antônio de Padova Marchi Júnior e Felipe Martins Pinto, Juruá Editora, Curitiba, 2008, p. 107-118, e a ele agora acrescentamos o seguinte:
Com a reforma processual de 2008 foi acrescido um parágrafo único ao art. 387, determinando que o juiz decida fundamentadamente sobre a manutenção da prisão ou, se for caso, a imposição da prisão preventiva, exatamente como já sustentávamos [13].
Os arts. 393 e 594, por fim, vieram a ser revogados expressamente pelo art. 4º do Projeto nº 4.208/01, que dispõe sobre medidas cautelares.
Entretanto, em março de 2011, o Ministro Cezar Peluso, Presidente do STF, apresentou a “PEC dos Recursos“, proposta a fazer parte do III Pacto Republicano, a ser firmado pelos chefes dos três Poderes, de alteração na CF/88, que acrescenta ao texto constitucional os arts. 105-A e 105-B, com o objetivo de reduzir o número de recursos ao Supremo e ao STJ e dar mais agilidade às execuções judiciais de segunda instância.
A proposta é no sentido da imediata execução das decisões judiciais, logo após o pronunciamento dos Tribunais de segunda instância (TJ e TRF). Permanecerão as hipóteses de admissibilidade dos recursos extraordinário (para o STF) e especial (para o STJ), mas ela não impedirá o trânsito em julgado da decisão contra a qual se recorre. Quer dizer, pretende-se implantar em nosso direito a figura da execução provisória completa.
A “PEC do Peluso“, como tem sido chamada a proposta, representa um absurdo. Se já seria danosa em matéria cível (imagine-se uma execução fiscal definitiva no curso de recurso extraordinário), irreparável seria o dano em matéria penal.
Segundo o autor da PEC, as causas principais dos atrasos dos processos no Brasil são a multiplicidade de recursos e, especificamente, o nosso sistema de quatro instâncias. Parece que não é bem assim. Temos apenas duas instâncias ordinárias. Excepcionalmente, como já antigamente ocorria com o STF e agora é com o STJ, um deles poderia vir a funcionar como uma terceira instância ordinária em matéria de habeas corpus.
17 Publicado o trabalho com o acréscimo do texto do nº 16 supra, novo aditamento se torna necessário à guisa de atualização, eis que o STF veio a modificar, por maioria de votos, a jurisprudência que predominava por cerca de uma década desde o acórdão acima da relatoria do em. Ministro Celso de Mello.
Com efeito, no julgamento do HC 126.292, de São Paulo, em 17.02.2016, o Plenário, por maioria de votos, mudou a jurisprudência da Corte, afirmando a possibilidade da execução da pena em caso de decisão condenatória confirmada em segunda instância. Sete votos, incluído o do Relator, Ministro Teori Zavascki, que foi acompanhado pela Ministra Cármen Lúcia e pelos Ministros Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, contra quatro, estes da Ministra Rosa Weber e dos Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.
A motivação não foi o advento de lei nova, o que não ocorreu. Muito menos a modificação da Constituição, o que também não houve.
O colendo Tribunal, porém, desta feita, já com novos ministros em sua composição, adotou, por maioria de votos, o entendimento seguinte, como está na ementa do acórdão:
“1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, LVII, da CF. 2. HC denegado.”
Como se vê, o fulcro da decisão teve por base o alcance do princípio constitucional da inocência. Então, se entendeu que ele não é tão poderoso a ponto de impedir a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário.
Ora, o princípio da inocência, que tanto tomou a atenção do colendo Tribunal, no caso só teria maior importância se não houvesse, independentemente dele, lei ordinária impeditiva da execução provisória. E, como ela existe, dito princípio não faria falta.
Em verdade, com aquele princípio ou sem ele o julgamento da maioria não se completou, precisamente porque, ainda que a maioria tenha procurado diminuir seu alcance (o que mostra que embargos de declaração nem sempre são protelatórios, mas uma necessidade), estaria de pé a lei proibitiva da execução provisória, suficiente para, sem o arrimo do falado princípio, tornar ilegítima a conclusão a que chegou a maioria.
Aceitemos, então, para argumentar (só para argumentar), que o salutar e democrático princípio nada vale ou seja, de modo algum serviria para barrar a execução provisória. Estaria na Constituição cidadã apenas para inglês ver.
Nestas condições, caberia, então, verificar se lei ordinária vedaria a execução provisória. Como já visto, a resposta haveria de ser afirmativa.
Com efeito, já na parte inicial do presente estudo, referimo-nos a preceito da Lei de Execução Penal (aquele que o CNJ teria atropelado).
E isso tanto mais quanto, agora, já depois do excelente acórdão da relatoria do Ministro Celso de Mello, atrás mencionado, publicado no Diário da Justiça de 27.04.07, e, como que a apoiá-lo, foi dada nova redação ao art. 283 do CPP, por lei de 2011, artigo que ficou assim redigido:
“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011)“
Ou, então, a não se admitir a regra do citado art. 283, seria de cogitar de sua inconstitucionalidade, o que seria de difícil aceitação. Se disso não se cuidou, evidente é que prematura seria uma execução antes do trânsito em julgado do acórdão condenatório.
É aí que está o problema: não há como contornar o que diz, claramente, o citado art. 283. Todavia, procura-se dar uma interpretação mais restrita ao princípio da presunção de inocência. Interpretação essa que, mesmo se esquecendo da norma constitucional, valeria, como foi dito, igualmente para o art. 283 do CPP.
Trata-se do seguinte e esdrúxulo entendimento: feito o julgamento de segundo grau, não mais cabem recursos para o reexame da matéria de fato, pelo que já ocorrerá o trânsito em julgado. Demais disso, em certas legislações alienígenas as decisões de segundo grau fazem coisa julgada, visto que se tornam irrecorríveis, desse modo só se desconstituindo com ação de impugnação. Assim, argumenta-se que seria razoável ter-se por exequível a decisão condenatória confirmada em segundo grau, ainda que provisoriamente, diante da possibilidade de recursos extraordinários, que não têm efeito suspensivo.
Isso seria, além de contrariar a letra do citado art. 283, matéria da competência do Poder Legislativo. Tem-se dito mesmo que seriam suficientes os recursos ordinários para a justificação da execução provisória, por isso que, fixada a matéria de fato, limitados são os recursos excepcionais.
A ir por aí, estaríamos diante de um tremendo absurdo em face de nosso direito. É que, diferentemente do que pode ocorrer em outras legislações, os recursos extraordinário e especial, em nosso direito, posto extraordinários, impedem o trânsito em julgado da decisão recorrida.
É preciso ter presente que, entre nós, o acórdão proferido em apelação é recorrível, não podendo, por isso mesmo, ser desde logo alvo de ação rescisória ou de revisão criminal. O trânsito em julgado só ocorre, quer em feitos cíveis, quer em criminais, depois de decorrido in albis o prazo recursal ou esgotados os recursos.
Depois, como é sabido, muitas e muitas vezes os recursos extraordinários modificam decisões de Tribunais, embora neles não mais se discutam questiones facti. Sem falar nas anulações decorrentes de habeas corpus.
De qualquer modo, se uma decisão se mostrar equivocada quanto à matéria de direito, seria injusto dar-lhe execução enquanto pendente de julgamento recurso contra ela interposto.
A matéria acaba de ser examinada, com segurança, por Marcellus Polastri Lima, na nona edição de seu Curso de Processo Penal (Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 834/841).
Há outros meios, legais, para o necessário ataque à impunidade, sem a supressão de instrumentos necessários, como os combatidos recursos [14].
Se ela tem derivado, por exemplo, do mau uso do recurso de embargos de declaração, a retardar o encerramento do processo e ensejar, com isso, a prescrição, poderia o Tribunal decretar a prisão preventiva, embora isso seja um pouco mais trabalhoso.
A possibilidade, aliás, de uma preventiva, decretada no próprio acórdão condenatório, foi por nós alvitrada antes mesmo da reforma processual de 2008, que deixou claro o cabimento da medida. Esta permite, com a necessária fundamentação, separar o joio do trigo, diferentemente de uma automática (e ilegal) execução provisória. A diferença é que esta é uma medida ilegal, enquanto a outra é uma cautelar, legal, a preservar o interesse na repressão penal.
Para o citado Marcellus Polastri Lima, “o melhor caminho seria acabar com a chamada prescrição retroativa totalmente, o que já foi tentado pelo ex-Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia, mas teve uma aprovação final demasiadamente tímida, por emendas em plenário, se restringindo apenas ao espaço entre o fato e o recebimento da denúncia“.
E continua: “Este o grande mal do nosso sistema: a chamada ‘prescrição retroativa’, e, eliminando-a por completo, tudo seria resolvido, sem necessidade de se arranhar a Constituição Federal” [15].
Novo julgamento da questão é esperado ainda para o corrente ano de 2016, pelo que se tem especulado que, diante da gravidade do problema da impunidade no país, segundo notícias da imprensa, possivelmente poderá ser imposta a medida da repercussão geral. Isso, a despeito de faltar, dentre outros requisitos, o da jurisprudência firmada [16]. É o que seria realmente emergencial, agora não mais como uma referência à legislação, mas como ato do Poder Judiciário [17].
[1] Eis o texto do mencionado dispositivo do Código de Processo Penal:
“Só depois de passar em julgado, será exeqüível a sentença, salvo:
I – quando condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a prisão, ainda no caso de crime afiançável, enquanto não for prestada a fiança.”
[2] JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 375.
[3] JARDIM, Afrânio Silva. Visão sistemática da prisão provisória no Código de Processo Penal. Revista de Direito, Rio de Janeiro, PGJ-RJ, n. 22, 1985, p. 26.
[4] “Transitando em julgado a sentença que impuser pena privativa de liberdade, se o réu já estiver preso, ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de carta de guia para o cumprimento da pena.”
Do mesmo modo agora dispõe a LEP, no art. 105:
“Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.”
[5] SOUZA, José Barcelos de. Prisão por efeito de acórdão condenatória recorrível. Revista da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, n. 18, 2003, p. 26.
[6] CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e (em face da) Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 181.
[7] LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 8. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014. p. 739-741.
[8] Apud comentário na Revista de Direito Penal, n. 1, jan./mar. 1971, com certeza da lavra de seu diretor, o ínclito professor Heleno Cláudio Fragoso.
[9] SOUZA, José Barcelos de. Revista da Defensoria Pública, Rio de Janeiro, n. 18, 2003, p. 275-276.
[10] LIMA, Marcellus Polastri. A tutela cautelar no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 289-290.
[11] BELO, Warley. Detração penal. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, n. 10, 2004, Belo Horizonte, p. 321-346.
[12] Jornal O Sino do Samuel, Belo Horizonte, n. 90, set./out. 2006, p. 6.
[13] É o que assinalaram os Professores Drs. Nestor Eduardo Araruna Santiago e Marcellus Polastri Lima, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará e da Universidade Federal do Espírito Santo, na apresentação do livro O Processo Penal nos Vinte Anos da Constituição – Estudos em Homenagem ao Professor José Barcelos de Souza, publicado pela Lumen Juris.
[14] Em artigo com o título Não Há Recursos Demais, Há Recursos de Menos, lembramos que a falta do recurso de embargos infringentes também para a acusação é uma fonte de impunidade.
[15] A chamada prescrição retroativa é uma invencionice que muito tem contribuído para a impunidade. Para acabar com ela nem é preciso lei, que, entretanto, ajuda. Basta não seja usada, como esclareci em artigo publicado algum tempo atrás nos sites do Instituto dos Advogados de Minas Gerais e da Associação Nacional dos Procuradores da República.
[16] Entre nós não causaria espécie. Como escrevi alhures, quando se inventou a “súmula” de jurisprudência predominante, uma delas decorreu de um único julgamento, cheio de votos vencidos.
[17] Situação que não tem despertado a atenção de estudiosos, a questão da emergência penal foi bem abordada pelo Promotor de Justiça Fauzi Hassan Choukr, de São Paulo, em tese defendida na Faculdade de Direito da USP, de cuja banca examinadora participei, não sabendo, porém, se foi publicada.