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EXECUÇÃO DE SENTENÇA E OS TÍTULOS PARAJUDICIAIS

EXECUÇÃO DE SENTENÇA E OS TÍTULOS PARAJUDICIAIS

Humberto Theodoro Júnior

SUMÁRIO: 1 Noção de Execução Forçada, Segundo Teori Zavascki. 2 Execução do Título Judicial. 3 Título Executivos Judiciais e Parajudiciais. 4 Sentenças Condenatórias, Declaratórias e Constitutivas. 5 Sentenças Pronunciadas em Procedimento de Jurisdição Voluntária. 6 Decisões Interlocutórias. 7 Autocomposição Judicial e Extrajudicial (Títulos Executivos Parajudiciais); 7.1 A Transação Extrajudicial e a Jurisprudência do STJ; 7.2 Autocomposição Administrativa; Administrativa; 7.3 A Autocomposição na Política de Combate à Corrupção na Administração Pública; 7.4 Autocomposição do Litígio e Coisa Julgada. 8 Conclusões.

 

1 Noção de Execução Forçada, Segundo Teori Zavascki 

No momento dedicado à homenagem ao saudoso jurista, professor e magistrado Teori Albino Zavascki, oportuno é relembrar a didática lição do eminente mestre sobre a posição e o papel da execução forçada dentro da tutela jurisdicional devida pelo Estado-Juiz ao credor violado em seu direito à satisfação da prestação obrigacional.

Partindo-se de uma visão ampla do pode constitucionalmente organizado, reconhecem-se, na área jurídica, duas funções institucionais: a de criar as normas de convivência social e a de assegurar a sua observância. Estabelecida a norma, integra-se ela, abstrata e genericamente, no ordenamento jurídico. Daí em diante, sobre os fatos ou atos e ela amoldados, ocorre sua automática incidência, formando-se relações jurídicas, direitos subjetivos, deveres jurídicos, pretensões e obrigações. Verificada a incidência da norma abstrata, ocorre sua concretização no mundo fático ou real. “Nasce a norma jurídica individualizada[1].

A incidência das regras jurídicas, lembra Pontes de Miranda, “não falha; o que falha [ou pode falhar] é o entendimento a ela”[2], dando origem à crise jurídica de execução. Sendo coercitivo o ordenamento jurídico, o descumprimento da norma concretizada põe em atividade a função sancionatória do Estado, por meio da função jurisdicional confiada ao Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV).

Portanto, legislar, criando normas, e jurisdicionar, tutelando o ordenamento jurídico, garantindo a sua observância, dando-lhe consistência prática, “constituem, conforme acentuado, as duas funções do Estado na área jurídica”, na lição já lembrada de Zavascki. Trata-se – ainda segundo o ilustre jurista – de “funções públicas complementares: sem a norma, perderia sua razão de ser a função jurisdicional; e sem a jurisdição, para garantir sua observância, a norma perderia sua força coercitiva e estaria, consequentemente, inabilitada às funções sociais a que se destina[3].

Daí a doutrina tradicional, bem representada por Liebman, que vê na jurisdição “a atividade dos órgãos do Estado, destinada a formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada situação jurídica[4] (g.n.).

Por outro lado, não são homogêneas as atividades desempenhadas pela jurisdição, visto que formular a norma jurídica concreta e fazê-la autor correspondem a prática bem distintas. É na crise de reconhecimento da norma concreta que a jurisdição atua para defini-la por meio de sentença, utilizando, para tanto, o processo de conhecimento. Quando, porém, não há necessidade de certificação do direito subjetivo e da pretensão do credor, a atividade jurisdicional se desloca para outro terreno, qual seja o da realização prática da prestação devida e inadimplida pelo devedor. Trata-se da execução forçada, que tem o objetivo específico de “promover o cumprimento forçado da norma jurídica concreta” cujo conteúdo já se encontra identificado ou por sentença (título executivo judicial) ou por outro ato jurídico (título executivo extrajudicial). Fala-se, então, em execução forçada em contraposição à execução voluntária, que vem a ser o cumprimento espontâneo da obrigação por ato do devedor.

Busca-se, através da execução forçada, “tutela para uma pretensão insatisfeita e não (ou não mais) para uma pretensão contestada[5] (g.n.), nos ensinamentos de Carnelutti[6].

2 Execução do Título Judicial

Não há execução forçada sem apoio em título executivo, seja ele judicial ou extrajudicial. O CPC/2015 qualifica o título executivo como um dos requisitos necessários para realizar qualquer execução (art. 783)[7].

Nas origens romanas não existia título executivo extrajudicial, de modo que apenas a sentença condenatória poderia justificar a execução forçada. A sentença, porém, nos primórdios do direito romano, não era ato do pretor (agente estatal detentor do imperium), mas de um particular (o judex), que funcionava como um árbitro credenciado pelo pretor e pelas partes a definir o litígio. Como faltava ao judex poder para fazer cumprir sua sentença, a parte vencedora tinha que voltar à presença do pretor, através de outra ação – a actio iudicati – para forçar o vencido – que deixasse de cumprir voluntariamente a condenação – a suportar as medidas de realização forçada da prestação devida.

Essa dualidade de ações para se alcançar a satisfação do direito acertado em juízo perdurou, por inércia, mesmo depois que no estágio mais avançado do império Romano, o pretor passou a concentrar tanto o imperium como o iudicium, eliminando a figura arbitral do judex.

Com a queda do Império Romano e a implantação do domínio dos povos germânicos, operou-se um enorme choque cultural, pois os novos dominantes praticavam hábitos bárbaros nas praxes judiciárias: a execução era privada, realizada pelas próprias forças do credor sobre o patrimônio do devedor, sem depender do prévio beneplácito judicial. ao devedor é que, discordando dos atos executivos privados do credor, caberia recorrer ao Poder Público para formular sua impugnação. Dava-se, portanto, uma total inversão em face das tradições civilizadas dos romanos: primeiro se executava, para depois discutir-se em juízo o direito das partes. A atividade cognitiva, portanto, era posterior à atividade executiva, a qual, por sua vez, não dependia de procedimento judicial para legitimar-se[8].

No choque de culturas, acabou por verificar-se uma conciliação de métodos. Aboliu-se, de um lado, a execução privada, submetendo-se a realização do direito do credor ao prévio acertamento judicial; mas, de outro lado, eliminou-se a duplicidade de ações que o direito romano tanto cultivara. O cumprimento da sentença passou a não mais sujeitar-se à abertura de um novo juízo. Cabia ao juiz, depois da sentenciar, tomar, simplesmente, como dever de ofício, as providências para fazer cumprir sua decisão, tudo como ato do próprio processo em que a pretensão do credor fosse acolhida. Em lugar da velha e complicada actio iudicati implantou-se, em plena Idade Média, a nova e singela executio per o officium iudicis[9][10].

A actio iudicati viria a ser ressuscitada nos princípios da Idade Moderna para reforçar a liquidez e exigibilidade dos títulos de crédito, permitindo-lhes o acesso direto às vias executivas, sem necessidade da passagem pela ação cognitiva condenatória.

Durante vários séculos coexistiram as duas formas executivas: a executio per officium iudicis, para as sentenças condenatórias, e a actio iudicati, para os títulos de crédito. Prevalecia para o título judicial uma total singeleza executiva, visto que, estando apoiado na indiscutibilidade da res iudicata, não cabia ao devedor praticamente defesa alguma. Para o título extrajudicial, porém, era necessário assegurar mais ampla discussão, visto que, mesmo havendo equiparação de forças com a sentença, não lhe socorria a autoridade da coisa julgada. Por isso, embora os atos executivos fossem desde logo franqueados ao credor de título extrajudicial, era necessário dotar o devedor de meio de defesa adequado. A ação executiva que, para tanto, se estruturou conciliava a atividade de execução, tomada prontamente, com a previsão de eventual e ulterior discussão e acertamento das matérias de defesa acaso suscitadas pelo executado.

Essas duas modalidades de execução perduraram, paralelamente, até o século XVIII. Foi nos primórdios do século XIX, com o Código de Napoleão, que se tomou a iniciativa de unificar a execução. Como, em volume, as execuções de títulos de crédito eram muito mais numerosas e frequentes do que as execuções de sentença, a unificação se deu pela prevalência do procedimento próprio dos títulos extrajudiciais[11].

Assim, depois de séculos e séculos de informalidade no cumprimento das sentenças, voltava este a submeter-se à velharia ultrapassada e injustificável da actio iudicati. Tal como há quase dois mil anos antes, a parte voltou a submeter-se à inexplicável obrigação de propor, sucessivamente, duas ações, para alcançar um único objetivo: a realização do crédito inadimplido pelo réu; ou seja, uma ação cognitiva, que terminava pela sentença; e outra executiva, que começava depois da sentença e nela se fundava.

Essa esdrúxula dicotomia, todavia, nunca foi absoluta, já que, em muitas ações especiais, o legislador a afastava e adotava um procedimento unitário, dentro do qual se promoviam numa única relação processual, as atos de acertamento de realização do direito do credor. Para distinguir essas modalidades especiais de procedimento unitário cunhou-se a expressão “ações executivas lato sensu”, sob a qual obrigavam-se figuras como as ações possessórias e as ações despejo, entre várias outras[12].

No final do século XX verificou-se uma séria reação legislativa contra o sistema de cumprimento de sentença por meio da actio iudicati. O clamor avolumou-se contra a demora, a demora, a falta de funcionalidade e a elevação de custos que a dualidade de processos em torno da mesma lide representava, tanto para as partes como para a própria prestação jurisdicional. Aos poucos foram sendo ampliados, nas leis processuais, não só os títulos executivos negociais, que permitem o acesso direto à execução forçada e, assim, dispensam ação condenatória, como os casos de ações executivas lato sensu, que permitem num só procedimento completar-se o acertamento do direito controvertido e alcançar-se o cumprimento forçado da prestação devida, sem os incômodos da actio iudicati.

Em pleno século XX, voltou-se a presenciar o mesmo fenômeno da Idade Média: o inconformismo com a separação da atividade jurisdicional de cognição e de execução em compartimentos estanques, e a luta para eliminar a desnecessária figura da ação autônoma de execução de sentença (a velha actio iudicati do direito romano)[13].

Assim, progressivamente, o CPC/73 foi sendo alterado para permitir medidas executivas relacionadas com decisões judiciais no bojo do próprio processo de conhecimento onde seu pronunciamento ocorrera, sem necessidade alguma de instauração de nova relação processual para que tal ocorresse.

O novo Código, atualmente em vigor, recepcionou o padrão da executio per officium iudicis construído pelas reformas sucessivas do CPC/73, e com isso, há duas vias executivas admissíveis no direito processual civil brasileiro contemporâneo: a) a ação executiva autônoma aplicável aos títulos executivos extrajudiciais; e b) o incidente de cumprimento de sentença, que se realiza dentro de uma única relação processual, organizada e desenvolvida, tanto para certificar a existência do direito subjetivo do credor violado pelo devedor, como para promover sua satisfação forçada.

Acha-se, de tal sorte, superada a concepção do processo de conhecimento limitado ao provimento condenatório. Esse tipo de processo, na nova sistemática do direito brasileiro, distanciou-se da meta da condenação, que se manifesta pela busca da formação de título executivo, como fecho de um processo e preparação de outro. A sentença não é mais um título de condenação, mas uma fonte direta da execução real ou mandamental, o que a aproxima dos interditos romanos, cuja implementação não se deva por meio da actio iudicati, mas em razão de medidas concretas determinadas de plano pelo pretor. Foge-se, no dizer de Ovídio A. Baptista da Silva, da ordinariedade do processo de conhecimento, que, nos moldes primitivos do CPC/73, fazia confundir a sentença de condenação com uma sentença declaratória. O Código anterior, por meio de sucessivas reformas, conseguiu superar o modelo romano denominado ordo iudiciorum privatorum.

Mais do que a pura eliminação da autonomia do processo de execução de sentenças, que ele alcança com a força de ser cumprirem desde logo, no próprio processo da ação cognitiva, o mérito maior da Lei nº 11.232/05 foi justamente o de adotar como padrão executivo e o da tutela interdital, que vê na sentença muito mais do que a defini cão do direito da parte e da obrigação do devedor, mas um mandamento logo exequível por força imediata do provimento com que se acolhe a pretensão da parte[14]. Essa sistemática foi totalmente absorvida pelo novo Código[15].

3 Títulos Executivos Judiciais e Parajudiciais

Para o fim de autorizar o cumprimento forçado da sentença, o título executivo, por excelência, é a sentença condenatória. Existem, porém, outros provimentos judiciais a que a lei atribui igual força executiva, como se dá, v.g., com as decisões homologatórias e os formais de partilha. É, pois, correto afirmar-se que, genericamente, devem ser considerados títulos executivos judiciais oriundos de processo[16].

Por outro lado, uma novidade do novo Código foi atribuir a qualidade de título executivo não limitadamente às sentenças, para tratar como tal qualquer decisão proferida no processo civil que reconheça “a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa” (art. 515,, I). Com isso, entram na categoria, além da sentença, as decisões interlocutórias do juiz de direito, as decisões monocráticas do relator, bem como os acórdãos dos tribunais, desde que em qualquer um desses atos judiciais se reconheça a exigibilidade de determinada obrigação, que, naturalmente, pressupõe sua certeza e liquidez.

Para o novo Código, os títulos executivos judiciais, cujo cumprimento se realiza de acordo como o Título II, Capítulo I, do Livro I, da Parte Especial, são os seguintes (art. 515) [17]:

  1. a) a decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa (inciso I);
  2. b) a decisão homologatória de autocomposição judicial (inciso II);
  3. c) a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza (inciso III);
  4. d) o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal (inciso IV);
  5. e) o crédito auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial (inciso V);
  6. f) a sentença penal condenatória transitada em julgado (inciso VI);
  7. g) a sentença arbitral (inciso VII);
  8. h) a sentença estrangeira homologada pelo STJ (inciso VIII);
  9. i) a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo STJ (inciso IX).

A doutrina portuguesa costuma classificar os títulos executivos provenientes do processo em judiciais e parajudiciais. Aqueles seriam a sentença de condenação, e estes a de homologação de transação acordada entre as partes, onde há um misto de título judicial e extrajudicial, limitando-se o juiz e dar eficácia ao ato das partes, sem julgá-lo[18].

A distinção, no entanto, tem feitio apenas acadêmico, posto que, para o processo de execução, a força e os efeitos do título executivo são os mesmos, tanto na sentença condenatória como nos outros casos em que o título provém de processo, mas não consubstancia, no mérito, uma decisão do próprio juiz (decisões homologatórias de autocomposição judicial). ademais, a decisão de que fala o art. 515, I, não é apenas aquela que literalmente encerra o processo de conhecimento pelo juiz de primeiro grau. É, como já visto, todo aquele ato decisório que imponha ou preveja uma obrigação a ser cumprida por um litigante em favor do outro. Tanto podem fundamentar a execução as sentenças propriamente ditas, como as decisões interlocutórias e acórdãos. É o conteúdo do decisório, e não sua forma, que confere a força executiva ao provimento judicial.

Todos os títulos arrolados no art. 515 têm, entre si, um traço comum, que é a autoridade da coisa julgada, que torna seu conteúdo imutável e indiscutível e, por isso, limita grandemente o campo das eventuais impugnações à execução, que nunca poderão ir além das matérias indicadas no art. 525, § 1º[19].

Mesmo tendo a jurisprudência se inclinado para o entendimento de que a homologação da autocomposição judicial não impede que o negócio jurídico das partes seja anulado ou rescindido pelas vias ordinárias, nos moldes do art. 966, § 4º[20], e não pela rescisória (art. 966[21])[22], no caso de execução forçada não será cabível invocar nos embargos de devedor, contra título judicial emergente da homologação, matéria que ultrapasse o rol dos art. 525, § 1º, e 535[23]. Somente em ação própria poderá o devedor tentar invalidar ou desconstituir a transação como se faz com os negócios jurídicos em geral (art. 966, § 4º).

4 Sentenças Condenatórias, Declaratórias e Constitutivas

Segundo clássica divisão, as sentenças no processo civil podem ser declaratórias, constitutivas e condenatórias[24]. Eram as condenatórias as que, nos termos primitivos do art. 584, I, do CPC/73, tradicionalmente habilitavam o vencedor a intentar contra o vencido as medidas próprias da execução forçada. Às demais faltaria tal eficácia[25].

Com efeito, a sentença constitutiva, criando uma situação jurídica nova para as partes, como, por exemplo, quando anula um contrato, dissolve uma sociedade conjugal ou renova um contrato de locação, por si só exaure a prestação jurisdicional possível. O mesmo ocorre com a sentença declaratória cujo objetivo é unicamente a declaração de certeza em torno da existência ou inexistência de uma relação jurídica (CPC/73, art. 4º). Em ambos os casos nada há, em regra, a executar após a sentença, quanto ao objeto específico da decisão.

O mandado judicial que às vezes se expede após estas sentenças, como o que determina o cancelamento de transcrição no registro imobiliário, ou a averbação à margem de assentos no registro civil, não tem função executiva, no sentido processual. Sua finalidade é tão somente a de dar publicidade ao conteúdo da decisão constitutiva ou declarativa.

Já a sentença condenatória, além de definir a vontade concreta da lei diante do litígio[26], “contém um comando diverso do da sentença de mera apreciação. Esse comando especial e diferente consiste nisto: em determinar que se realize e torne efetiva uma certa sanção”. Contém a sentença de condenação, portanto, a vontade do Estado, traduzida pelo juiz, de que a sanção nela especificada “seja aplicada e executada”, criando para o condenado, como acentua Calamandrei, “um estado de sujeição”[27].

Todavia, para autorizar a execução, sempre se entendeu que não se devia considerar sentença condenatória apenas a proferida na ação de igual nome. A parte dispositiva de todas as sentenças, inclusive das declaratórias e constitutivas, contém sempre provimento de condenação relativos aos encargos processuais (custas e honorários de advogado), e, nesse passo, legitimam o vencedor a promover a execução forçada, assumindo o caráter de título executivo judicial, também como sentença condenatória[28].

Uma vez, outrossim, que o art. 4º, parágrafo único, do CPC/73 admitia a ação meramente declaratória mesmo após a violação do direito, passou-se a reconhecer que, em tal situação, a declaração judicial conteria, necessariamente, o acertamento da sanção em que incorreu o infrator. Como o objetivo da execução forçada é a realização da sanção, a sentença declaratória já estaria em condições de franquear o acesso às vias executivas, visto que nada mais haveria a acertar entre credor e devedor. Nessa especial conjuntura o STJ, em acórdão relatado pelo Ministro Teori Zavascki, reconheceu que “tem eficácia executiva a sentença declaratória que traz definição integral da norma jurídica individualizada”, por entender que “não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente[29]. Sensível a essa realidade, a Lei nº 11.232/05 alterou o texto do inciso I do artigo art. 584 (CPC/73, art. 475-N), para substituir, como título executivo judicial básico, “a sentença condenatória proferida no processo civil” pela “sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia”. O importante para autorizar a execução forçada não residia mais no comando condenatório, mas no completo acertamento sobre a existência de uma prestação obrigacional a ser cumprida pela parte.

O novo Código, nessa mesma linha, configura como título executivo judicial qualquer decisão proferida no processo civil que reconheça “a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa” (art. 515, I). A hipótese é, pois, de sentença que, mesmo não tendo cogitado imediatamente impor o cumprimento da obrigação, tenha procedido ao acertamento ou certificação de todos os seus elementos (certeza, liquidez e exigibilidade). É o que pode acontecer em certas sentenças declaratórias ou em algumas sentenças constitutivas.

As sentenças declaratórias e constitutivas que não configuram título executivo são, na verdade, aquelas que se limitam a declarar ou constituir uma situação jurídica sem acertar prestação a ser cumprida por um dos litigantes em favor do outro. São, pois, as sentenças puramente declaratórias ou puramente constitutivas[30].

Além disso, nos casos de pedidos múltiplos consequentes, pode ocorrer sentença mista, como aquelas que, numa só decisão, resolvem ou anulam o contrato e condenam o vencido a restituir o bem negociado. O provimento constitutivo não reclama execução, mas a decisão de mandar devolver o objeto do contrato é tipicamente de condenação e poderá ensejar exaustão forçada.

5 Sentenças Pronunciadas em Procedimento de Jurisdição Voluntária

Por outro lado, não se deve considerar título executivo a sentença de condenação proferida em processo em processo de jurisdição contenciosa. Também em alguns casos de jurisdição voluntária, como na separação consensual, pode-se ensejar a execução forçada, quando, por exemplo, um dos cônjuges se recuse a cumprir o acordo da partilha do patrimônio do casal[31], ou deixe de pagar a pensão alimentícia convencionada (CPC/2015, art. 731). É também o que se passa com a homologação por sentença de autocomposição extrajudicial que envolva reconhecimento de obrigação certa, líquida e exigível (CPC/2015, art. 725, VIII).

A sentença exequível, outrossim, tanto pode provir de processo de conhecimento, como de procedimentos provisórios (tutelas urgentes, conservativas ou satisfativas, e da evidência) (CPC/2015, art. 519), pouco importando que o procedimento tenha sido comum ou especial.

6 Decisões Interlocutórias

Entenda-se, por fim, a sentença passível de execução, nos termos do art. 203, § 1º[32], como “o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485[33] e 487[34], põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. Dessa maneira, é de ser reconhecer que a força executiva, no todo ou em parte, pode ser detectada tanto em sentenças definitivas (com resolução do mérito) como em sentenças terminativas (sem apreciação do mérito da causa). O que importa é conter no julgamento o reconhecimento de alguma prestação a ser cumprida pela parte vencida. Além do mais, o NCPC teve o cuidado de explicar que o título executivo judicial não se limita às sentenças propriamente ditas. Igual força cabe a qualquer decisão interlocutória, em primeiro ou superior grau de jurisdição, que reconhece a exigibilidade de alguma obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa (art. 515, I).

7 Autocomposição Judicial e Extrajudicial (Títulos Executivos Parajudiciais)

Por autocomposição judicial, o CPC/2015 entende aquelas que, sendo homologadas em juízo, qualificam-se como modalidades de resolução do mérito da causa, muito embora a composição do conflito tenha sido definida pelas partes e não pelo juiz homologante. De acordo com o art. 487, III, enquadram-se nessa categoria:

  1. a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção;
  2. b) a transação;
  3. c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.

Note-se que o título executivo, na espécie, não é apenas a sentença propriamente dita. O art. 515, II, do NCPC[35], fala em decisão homologatória de autocomposição, o que revela a possibilidade de se formá-lo tanto por meio de sentença como de decisão interlocutória. Justifica-se essa posição legislativa pelo fato de que a autocomposição pode ser total ou parcial e, nessa última hipótese, não porá fim ao processo. mas, naquilo que se definiu negocialmente, o conflito estará findo e a homologação, portanto, configurará decisão interlocutórias relativa ao mérito, incluível na hipótese do inciso II do art. 515[36].

Nesses casos de decisão homologatória de autocomposição judicial, o provimento jurisdicional apenas na forma pode ser considerado sentença, já que, na realidade, “o juiz que a profere não julga ou não decide se houve ou não acerto justo ou legal das partes[37]. Não decide, enfim, ele mesmo, o conflito de interesses[38].

Em última análise, trata-se de composição negocial da lide, prevalecendo a vontade das partes. A intervenção do juiz é apenas para chancelar o acordo de vontades dos interessados (transação, conciliação, reconhecimento e renúncia), limitando-se à fiscalização dos aspectos formais do negócio jurídico (o acordo ou transação é, segundo a lei civil, um contrato)[39]. A homologação, todavia, outorga ao ato das partes nova natureza e novos efeitos, conferindo-lhe o caráter de ato processual e a força da executoriedade.

Assim, a transação, de iniciativa das partes, devidamente homologada, chega a um resultado construído por elas mesmas, equiparável à resolução de mérito da causa, que seria dada pela sentença do juiz, importando, por força de lei, composição definitiva da lide. Da mesma forma, a autocomposição obtida entre as partes em audiência, uma vez reduzida a termo, resolve o litígio e será “homologada por sentença” (art. 334, § 11) [40].

Por autocomposição extrajudicial entende-se aquela a que chegam as partes sobre o conflito que as envolvem, antes de submetê-lo à composição judicial. tudo se passa no plano dos negócios jurídicos civis, uma vez que o Código Civil arrola a transação como um dos contratos nominados ou típicos (arts. 840 a 850), cujos efeitos, no campo dos negócios jurídicos, independem de aprovação judicial. Se, pois, o ajuste definir, de maneira certa e líquida, a prestação convencionada na transação, configurado estará o título executivo extrajudicial, sem necessidade de homologação em juízo, desde que o instrumento particular seja subscrito por duas testemunhas (CPC, art. 784, III) ou seja referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliar ou mediador credenciado por tribunal (art. 784, IV). Se a transação for avençada por escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor, nem mesmo se exigirá a participação de testemunhas, para aperfeiçoamento do título executivo extrajudicial (art. 784, II).

Sem embargo disso, sempre houve interesse dos transatores em reforçar a eficácia negocial na espécie, por meio da judicialização dos negócios realizados com o propósito de encerrar conflitos.

Nunca houve dúvida de que o acordo acerca do objeto de processo em curso poderia ser submetido à homologação judicial, mesmo sendo ajustado fora dos autos. Registrou-se, entretanto, em determinada época, uma resistência por parte de alguns setores da jurisprudência ao cabimento da pretensão das partes de obterem homologação do acordo extrajudicial, antes da existência de qualquer demanda aforada entre as partes.

O atual CPC espancou qualquer incerteza que pudesse pairar sobre o regime da legislação anterior ao prever, categoricamente, que são títulos executivos judiciais, as decisões homologatórias tanto de autocomposição judicial (art. 515, II) como de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza (art. 515, III).

E para deixar claro que é direito das partes obter a qualificação de título judicial para o acordo negociado sem existência de demanda pendente na Justiça, o art. 725, VIII, do CPC/2015 dispõe que se processará de acordo com o procedimento de jurisdição voluntária o pedido de “homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor”. O  provimento, in casu, criará título executivo judicial recoberto, porém, apenas de coisa julgada formal, visto que a transação, mesmo homologada em juízo, se sujeitará a desconstituição por meio de ação anulatória e não por ação rescisória (CPC, art. 966, § 4º).

Em suma: a) a transação e outras formas de autocomposição extrajudicial, quando não homologadas judicialmente, configuram título executivo extrajudicial, se observados os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação negociada; b) submetida à homologação, no regime de jurisdição voluntária, a autocomposição extrajudicial realizada sem prévia demanda pendente de juízo cria título executivo judicial, cuja execução forçada será processada como “cumprimento de sentença” (art. 515, III, do CPC/2015), ficando a eventual impugnação do executado restrita às defesas taxativamente previstas no § 1º do art. 525 do mesmo CPC.

7.1 A Transação Extrajudicial e a Jurisprudência do STJ

Ao tempo do CPC/73, figurava entre os títulos executivos extrajudiciais “a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo” (art. 475-N, III, incluído pela Lei nº 11.232/05). Já antes dessa norma codificada, a Lei nº 9.099/95, art. 57, permitia que a transação anterior a qualquer processo pudesse ser homologada por sentença, no âmbito da competição dos Juizados Especiais Civis.

Como não havia no CPC de então regra que disciplinasse a homologação de transação sem o pressuposto de demanda pendente em juízo, o STJ firmou o entendimento de que o art. 57 da Lei nº 9.099 não deveria ser aplicado às causas de competência da Justiça comum. Argumentava-se que, embora o então novo art. 475-N, III, do CPC/73, admitisse a possibilidade de a transação homologável incluir “matéria não posta em juízo”, teria esta de relacionar-se com lide já deduzida em processo pendente. Equiparar o juízo homologatório, do ponto de vista substancial, a uma sentença judicial seria – para o STJ – “algo utópico e pouco conveniente”, por atribuir eficácia de coisa julgada a “um juízo meramente sumário, quando não, muitas vezes, ficto”. Isto, ainda para aquela Alta Corte, corresponderia a fazer do Judiciário “um mero cartório, função para a qual ele não foi concebido[41]. Dir-se-ia, outrossim, falar interesse à parte na homologação, por já se achar munida de título executivo extrajudicial (CPC/73, art. 585, II).

Já em plena vigência do CPC/2015, a Primeira Turma do STJ voltou a insistir na tese de ser impossível a homologação de acordo extrajudicial, “diante da inexistência, à época da celebração do acordo, de demanda judicial entre as partes transigentes[42]. É certo que o julgamento se fez em processo antigo, ainda sujeito ao regime do CPC/73.

Se o posicionamento do STJ poderia se explicar diante do laconismo do CPC/73, hoje, se apresenta como totalmente superado pela orientação claríssima adotada pelo CPC/2015, da qual se extraem as seguintes conclusões:

  1. a) a qualidade de título executivo judicial é agora reconhecida em dispositivos distintos, um relacionado com a “decisão homologatória de autocomposição judicial” (CPC, art. 515, II), e outro, com a “decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza” (CPC, art. 515, III);
  1. b) o novo Código, portanto, recepcionou, em caráter geral, o regime do art. 57 da Lei nº 9.099/95, e o fez, segundo a doutrina, acertadamente[43];
  1. c) diversamente do Código anterior, o novo CPC inclui entre os procedimentos de jurisdição voluntária o aplicável à “homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor” (art. 725, VIII).

Portanto, não tem mais cabimento negar aos transatores o direito de obter força de título judicial para o negócio jurídico ajustado extrajudicialmente. É a lei que, agora, por via da jurisdição voluntária, lhes reconhece o interesse legítimo em promover a elevação de seu título extrajudicial à categoria de título judicial.

Destaca Scarpinella Bueno que não foi por acaso que o CPC/2015 tratou da formação do título executivo judicial oriundo de autocomposição em dispositivos distintos, um para a transação judicial e outro para a transação extrajudicial (incisos II e III do art. 515), e isto se deu com o evidente objetivo de igualar os respectivos efeitos após a homologação judicial de qualquer uma das duas modalidades de autocomposição. Uma vez, portanto, “alcançado o consenso fora (e independentemente) do processo” – explica o autor – podem as partes “se contentar com o eventual documento que produzam a respeito de seu acordo ou, diferentemente, levá-lo ao órgão jurisdicional competente para homologá-lo, como lhes permite expressamente o inciso VIII do art. 725. Com a homologação, constituirão título executivo judicial [g.n.]. Claro nesse sentido, aliás, o parágrafo único do art. 20 da Lei nº 13.140/2015” (Lei da Mediação)[44].

Nem se diga que a transformação de título extrajudicial em título judicial seja incompatível como o sistema do CPC/2015. É desse mesmo Código a disposição expressa de que “a existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo processo de conhecimento a fim de obter título executivo judicial” (art. 785)[45].

Aliás, não é apenas através da homologação judicial que o Código atual se empenha em abreviar o caminho para se aperfeiçoar o título executivo judicial. a ação monitória, altamente prestigiada pelo direito europeu, e também adotada entre nós desde o CPC de 1973, não tem outro significado que o de possibilitar a imediata constituição, de pleno direito, de título executivo judicial, sem o percurso do processo de conhecimento e até mesmo sem sentença condenatória, bastando que não sejam apresentados embargos do devedor no prazo de direito (CPC/2015, art. 701, § 2º).

É pela evidente vantagem, para o credor e para a Justiça, que se explica e justifica a figura da formação do título judicial através do procedimento de jurisdição voluntária instituído para revestir a autocomposição extrajudicial da força de título executivo judicial, franquiando ao credor a execução pelo rito expedito do cumprimento de sentença[46]. Com efeito, o acordo homologado, ao contrário do não homologado, não pode ser questionado em embargos ou impugnação. “Nisso, aliás, reside o seu caráter de título executivo: inviabiliza embargos que deduzem alegações à formação do título, matéria que, implícita ou explicitamente, já foi acertado na sentença homologatória[47].

Para Scarpinella Bueno é sensível a diferença ente o comportamento das partes de levar ou não o acordo extrajudicial à homologação da Justiça: “No caso de necessidade de cumprimento forçado de acordo que esteja revestido de título executivo judicial, é desnecessária nova citação, sendo suficiente a intimação do executado para a etapa de cumprimento de sentença que se inicia. Também as matérias passíveis de serem levantadas pelo executado em sua defesa são mais restritas, como se verifica do rol da ‘impugnação’ (art. 525; v.n. 100, infra) quando comparado com os dois ‘embargos à execução’ (art. 917), cada qual o meio de defesa do cumprimento de sentença e da execução fundada em título extrajudicial, respectivamente[48].

Também a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, “tratando-se de título executivo judicial, os vícios da transação homologada não podem ser alegadas em impugnação à execução da sentença, e que vícios de consentimento, como erro ou coação, somente podem ser alegadas em ação autônoma (STJ, REsp 187.537/RS, 3ª T., j. 23.11.00, Rel. Min. Ari Pargendler; STJ REsp 316.285/RS, 4ª T., j. 20.03.02, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; STJ, AgRg no REsp 1.118.946/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., j. 08.09.09)”[49]. Em doutrina, prevalece igual entendimento, isto é, o CPC atual acabou com “uma grande polêmica existente no Código anterior” e o fez deixando claro que o assunto da anulação da transação homologada em juízo “fosse enfrentado exclusivamente por meio da ação anulatória[50].

7.2 Autocomposição Administrativa

Vista no passado como inadmissível em torno das obrigações que envolvem a Fazenda Pública, cresce, cada vez mais, a acolhida da autocomposição administrativa, como caminho utilizável nos conflitos em torno de créditos, débitos e interesses patrimoniais das pessoas jurídicas de direito público.

Entre os poderes, por exemplo, do Advogado-Geral da União incluiu-se o de promover a composição extrajudicial do conflito que envolva controvérsia jurídica entre órgãos ou entidades de direito público que integram a Administração Pública Federal (Lei nº 13.140/2015, art. 36). Também a Lei nº 9.469/97, art. 1º, alterado pela moderna Lei de Mediação, prevê, expressamente, que “o Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas públicas federais, em conjunto com o dirigente estatutário da área afeta ao assunto, poderão autorizar a realização de acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios, inclusive os judiciais”. E o CPC/2015, por sua vez, incluiu, entre os títulos executivos negociais (ou extrajudiciais) aqueles documentados administrativamente através da Advocacia Pública (art. 784, IV).

7.3 A Autocomposição na Política de Combate à Corrupção na Administração Pública

Entre os negócios administrativos de criação recente, para se alcançar autocomposição extrajudicial, figura o “acordo de leniência” ajustável, no plano do Governo Federal, entre a Controladoria-Geral da União – CGU e a empresa responsável por ato lesivo à Administração (Lei nº 12.846/2013, art. 16)[51].

Observe-se que a repressão atos de corrupção lesivos à Administração pode ser promovida pela via judicial ou administrativa. Eleita a via administrativa, a instauração e o julgamento do processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (Lei nº 12.846/2013, art. 8º, caput).

No âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria-Geral da União – CGU terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoa jurídica ou para avocar os processos instaurados com fundamento na Lei Anticorrupção, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhe o andamento (idem, art. 8º, § 2º)[52].

Se a ação de improbidade administrativa e de ressarcimento pelos danos decorrentes de ato de corrupção com prejuízo da Administração pode ser manejada pelo Ministério Público e outros legitimados à ação civil pública, o acordo de leniência é sempre da competência da “autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública” (art. 16 da Lei Anticorrupção). Trata-se de contratação administrativa e não judicial, para a qual a lei não confere legitimação ao Ministério Público[53].

Exista, ou não, ação de improbidade administrativa pendente, a CGU acha-se autorizada pela Lei Anticorrupção a processar e decidir administrativamente, o acordo de leniência, por meio do qual se permite obter isenção da sanção de publicação extraordinária da decisão administrativa, bem como redução, até dois terços, do valor da multa da decisão aplicável à espécie[54].

No caso de existência de ação e, curso perante a Justiça, o acordo será levado à homologação judicial, para que o avençado na negociação extrajudicial opere seus efeitos sobre o objeto litigioso. Na hipótese, porém, de acordo prévio, ajustado antes de ação de improbidade, a convenção ultima na esfera administrativa alcançará sua natural eficácia independentemente de aprovação do Poder Judiciário.

A homologação somente será necessária, portanto, quando o acordo importar em redução ou isenção de sanções já exigidas em processo judicial em curso, sendo de se registrar que a ação de improbidade prevista na Lei Anticorrupção deve observar o procedimento da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 12.846/2013, art. 21).

7.4 Autocomposição do Litígio e Coisa Julgada

Para o CPC/2015, a homologação judicial da autocomposição negociada entre as partes gera título executivo judicial, para efeito de cumprimento de sentença (art. 515, II e III). Todavia, sem embargo do trânsito em julgado da decisão homologatória, a anulação do acordo firmado entre os interessados continua possível por meio da ação anulatória comum, como acontece com qualquer negócio jurídico viciado (art. 966, § 4º).

Isto equivale a reconhecer que a decisão homologatória, na espécie, reveste-se, por força da preclusão, de autoridade apenas da coisa julgada formal, cujos efeitos se manifestam no interior do processo, sem, entretanto, impedir que em ação futura a anulação do negócio jurídico homologada possa vir a ser postulada e, se for o caso, decretada.

Como, entretanto, ao juiz da causa é vedado decidir de novo as questões já decididas (CPC, art. 505), o devedor, na fase de cumprimento da decisão homologatória, não pode ultrapassar os limites do art. 525, § 1º, do CPC, e não pode pretender a anulação da autocomposição. Isto, se fosse admitido, representaria segundo julgamento, pelo juiz da causa, da mesma questão antes solucionada pela homologação passada formalmente em julgado.

Porque a coisa julgada, em torno da homologação da autocomposição, não alcança o grau da coisa julgada material, é que a lei permite sua anulação, como os negócios jurídicos viciados em geral, desde que isso se dê em ação à parte, e não dentro do mesmo processo em que o efeito preclusivo da coisa julgada formal ocorreu (CPC, arts. 505 e 966, § 4º). Enquanto, porém, a autocomposição não seja anulada em ação própria (CPC, art. 966, § 4º), a execução do título executivo judicial gerado pela homologação somente poderá ser impugnada por meio das defesas permitidas pelo art. 525, § 1º, do CPC/2015.

 

8 Conclusões

A formação voluntária dos apelidos títulos executivos parajudiciais, corresponde ao emprego do negócio jurídico-processual, para simplificar, agilizar e tornar mais eficiente a execução forçada, graças à homologação judicial (CPC, art. 515, II e III).

O cuidado do legislador com esses títulos atende, em boa parte, ao princípio da eficiência da tutela jurisdicional, que como é notório encontra sem ponto culminante na satisfação efetiva do direito do credor, que haverá de ser atingida com presteza, em tempo razoável e sem embaraços desnecessários e inconvenientes.

Por isso, a homologação constitutiva do título executivo judicial é direito dos transatores em qualquer situação, seja quando a autocomposição tenha sido ajustada sobre questão já deduzida em processo judicial, seja quando, em caráter preventivo, tenha sido convencionada extrajudicialmente sobre controvérsia ainda não judicializada (CPC, art. 515, II e III, e art. 725, VIII).

É que a autocomposição realizada por meio dos títulos executivos parajudiciais – decisões homologatórias do reconhecimento da procedência do pedido; da transação; e da renúncia à pretensão (CPC, art. 487, III, a, b e c) – tem o efeito imediato de dinamizar a execução, visto que, seguindo o procedimento do cumprimento da sentença, a defesa do executado ficará reduzida às poucas hipóteses do art. 525, § 1º.

No plano da rescisão, a situação jurídico-processual é outra, ou seja:

  1. a) se tratar de nulidade plena do acordo homologado nos termos da lei substancial (CC, art. 166) e da lei do processual (CPC, art. 525, § 1º), a arguição poderá ser feita em impugnação ao cumprimento da sentença ou em ação comum (quebra nullitatis);
  1. b) se, no entanto, o caso for de anulabilidade do acordo (CC, art. 171: incapacidade relativa ou vício de consentimento do transator), a respectiva decretação se dará por meio de ação anulatória, e não por ação rescisória (CPC, art. 966, § 4º), e tampouco por mera impugnação ao cumprimento da sentença, visto que a matéria não se inclui no rol taxativo do art. 525, § 1º, do CPC[55];
  1. c) se, porém, o vício invalidante se referir à própria sentença homologatória, e não apenas ao negócio homologado, como, v.g., se passa com a decisão proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz, ou a pronunciada por juiz impedido ou absolutamente incompetente, o remédio processual utilizável será a ação rescisória (CPC, art. 966, I e II);
  1. d) por fim, embora a autocomposição homologada não possa ser anulada nem por impugnação ao cumprimento da sentença, nem por ação rescisória, resta ao devedor prejudicado o acesso à tutela jurisdicional por via da ação comum anulatória, se houver fundamento jurídico para arguir sua anulabilidade (CPC, art. 966, § 4º). O que não se aceita é usar a sua alegação com o fito de embaraçar o curso normal da execução por meio de descabida impugnação ao cumprimento da sentença.

[1] ZAVASKI, Teori Albino. Processo de execução: parte geral. 3. ed. São Paulo: RT. p. 21.

[2] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: RT. t. l. p. 12.

[3] ZAVASCHI, Teori Albino. Op. cit., p. 23.

[4] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 2. ed. Trad. Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1985.p. 7.

[5] ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 28.

[6] CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del processo civil. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1973. v. l. n. 37. p. 77.

[7] Outro requisito necessário é o inadimplemento, sem o qual a obrigação documentada no título executivo não se apresenta exigível (CPC, art. 786).

[8] LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado (oposições de mérito no processo de execução). 2. ed. Trad. portuguesa de J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1968. n. 23, p. 34, e n. 28, p. 40; REIS, José Alberto dos. Processo de execução. Coimbra: Coimbra Editora, 1943. v. l. n. 24. p. 72; ef. THEODORO, Jr., Humberto. A execução de sentença e a garantia do devido processo legal. Rio de Janeiro: AIDE, 1987. p. 132-133.

[9] LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado cit, n. 34-36, p. 52-56; cf THEODORO Jr., Humberto. A execução da sentença cit., p. 136-138.

[10] THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.v. III.p. 8-9.

[11] LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado cit., n. 50, p. 75, nota 205; cf. THEODORO Jr., Humberto. A execução de sentença, cit., p. 145.

[12] THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil, cit., p. 9-10.

[13] THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processo civil, cit., p. 10-11.

[14] As sentenças, após a reforma, “ou serão execuções reais, quando digam respeito a pretensões à entrega de coisa certa, ou serão preponderantemente mandamentais, quando não, em certas hipóteses, igualmente execuções reais, as pretensões que digam respeito ao cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer, segundo prevê o § 5º do art. 461. Aproximamo-nos, portanto, das formas peculiares à tutela interdital. Este, a nosso ver, é um ganho expressivo no caminho da publicização do direito processual civil” (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença condenatória na Lei nº 11.232. Revista Jurídica, v. 345, p. 20).

[15] THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito  processual civil, cit., p. 33-34.

[16] LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974.v. VI.p. 292.

[17] CPC/73, art. 475-N

[18] CASTRO, Artur Anselmo de. A ação executiva singular, comum e especial. Coimbra Editora, 1970.n.5.p. 11.

[19] CPC/73, art. 475-L.

[20] CPC/73, art. 486.

[21] CPC/73, art. 485.

[22] CPC/73, art. 485. RTJ 117/219; RTJ/23; RT 605/211 ; RSTJ 4/1537; RJTJESP 99/338 E 113/454. Nesse sentido: STJ, 4ª T., AgRg no REsp 915.705/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, ac. 07.10.2010, DJe 13.10.2010; STJ, 2ª T., AgRg no REsp 693.376/SC, Rel. Min. Humberto Martins, ac. 18.06.09, DJe 01.07.09.

[23] “Quaisquer vícios na transação devem ser discutidos na ação ordinária de rescisão da sentença homologatória (CPC, art. 486), e não em sede de embargos à execução” (RSTJ 140/324).

[24] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Guimarães Menegale. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1969.v. I. n. 42.p. 182-183.

[25] LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1968, n. 28,p. 54.

[26] CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., n. 33,p. 157-158.

[27] REIS, José Alberto dos. Processo de execução. Coimbra Editora, 1943.v. I. n. 34.p. 94.

[28] MICHELI, Gian Antonio. Derecho procesal civil. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1970.v. III. n. 3.p. 6; LIEBMAN, Enrico Tullio. Op. cit., n. 28, p. 54.

[29] STJ, 1ª T., REsp 588.202/PR, Rel. Min. Teori Albino zavaski, ac. 10.02.04, DJU 25.02.04, p. 123,  Informativo Incijur, n. 58, encarte de jurisprudência, Em. n. 662/2004 – maio 2004.

[30] Por exemplo, uma sentença constitutiva proferida em ação revisional de contrato, ao alterar os valores das prestações, terá força executiva em relação a essas novas prestações.

[31] LIMA, Alcides de Mendonça. Op. cit., n. 664, p. 298.

[32] CPC/73, art. 162, § 1º.

[33] CPC/73, art. 267.

[34] CPC/73, art. 269.

[35] CPC/73, art. 475-N, III

[36] Trata-se, no dizer Teresa Arruda Alvim Wambier, “de sentença atípica, na medida em que o órgão judicial quando homologa o instrumento de transação, limita-se apenas a conferir ao ato das partes a eficácia e a autoridade de uma sentença de mérito, sem propriamente exercer cognição a respeito do seu conteúdo” (Nulidade do processo e da sentença. 7. ed. São Paulo: RT, 2014. N. 1.5.4.p. 102).

[37] LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao CPC. Rio de Janeiro: Forense, 1974.v. VI. n. 685.p. 305.

[38] Cândido Dinamarco vê, na espécie, um ato complexo, composto, de um lado, pela sentença homologatória, com caráter formal e de continente e, de outro, pelo conteúdo, representado pelo ato negocial firmado pelas partes. A um ato negocial acresce-se um ato jurisdicional, portanto, “somados, ambos produzem o mesmo resultado de uma sentença que efetivamente julgasse o meritum cause e por isso é que o CPC animou-se a encaixá-los no tratamento da extinção do processo com julgamento do mérito (art. 269, incisos II, III e V)” [NCPC, art. 487, III, a, b, e c] (instituições de direito civil. São Paulo: Malheiros, 2001.v. III. n. 936.p. 269).

[39] Código Civil, art. 840.

[40] CPC/73, art. 331, § 1º.

[41] STJ, 3ª T., REsp 1.184.151/MS, Relª p/o ac. Minª Nancy Andrighi, ac. 15.12.2011, Dje 09.02.2012. No mesmo sentido: STJ, 1ª Seção, REsp 1.318.315/AL, em regime repetitivo, Rel. Min.  Mauro Campbell Marques, ac. 11.09.2013, DJe 30.09.2013.

[42] STJ, 1ª T., AgInt no REsp 1.267.901/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukna, ac 27.06.2017, DJe 03.08.2017.

[43] OLIVEIRA Jr., Zulmar Duarte; MACÊDO, Lucas Buril de. Comentários ao art. 725, VIII. In: STRECK, Lênio Luiz et al. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.p. 981.

[44] BUENO, Cássio Scarpinella. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2018.p. 123.

[45] O interesse de agir, na obtenção de título judicial, por meio da homologação da autocomposição extrajudicial, “estará presente em razão do previsto no art. 785 do novo CPC” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 9. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. n. 44.33.p. 1.115)

[46] Mesmo ao tempo do CPC/73, vozes abalizadas da doutrina ensinavam que “na opinião prevalecente, o procedimento para obter a homologação exibe natureza de jurisdição voluntária” (ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: RT, 2007. n. 27.7.p. 168. No mesmo sentido: HERTEL, Daniel Roberto. Curso de execução civil. Rio de Janeiro: Lumun Juris, 2008.n. 8.4.15.p. 65).

[47] ZAVASKI, Teori Albino. Op. cit., p. 298.

[48] BUENO, Cássio Scarpinella. Comentários, cit., p. 124.

[49] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de  Processo Civil comentado. 5. ed. São Paulo: RT, 2017.p. 859.

[50] GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA Jr., Zulmar Duarte de. Execução e recursos: Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017.v. 3.p. 779.

[51] A Lei Federal nº 12.846/2013, conhecida como “Lei Anticorrupção”, regulamentada pelo Decreto nº 8.420/2015, dispôs sobre a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública nacional ou estrangeira.

[52] Lembre-se, porém, de que “a Lei Anticorrupção é de âmbito nacional aplicando-se a todos os entes da Federação, ou seja, à União (governo federal), Estados e Municípios” (FÉRES, Marcelo Andrade. A lei brasileira anticorrupção [Lei 12.846/2013] e a responsabilidade de pessoas jurídicas infratoras: problemas e perspectivas. In: FÉRES, Marcelo Andrade; CHAVES, Natália Cristina (Org.). Sistema anticorrupção e empresa. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018.p. 161).

[53] FÉRES, Marcelo Andrade. Op. cit., p. 163.

[54] FÉRES, Marcelo Andrade. Op. cit., loc. cit.

[55] “Saber quando não anuláveis os atos (…) passíveis de homologação não é problema de direito, mas de direito material. O dado essencial é a natureza do ato impugnado: o que cumpre averiguar é se, em relação a este, há que cogitar-se de anulabilidade por alguma causa prevista em regra de direito material (v.g., vício de consentimento). Os possíveis fundamentos da ação anulatória, portanto, não devem procurar-se nos incisos do art. 485” (i.e., dentre as causas autorizadoras da ação rescisória) (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense.v. V. n. 93. p. 160).