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A EVOLUÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

A EVOLUÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Marcio Evangelista Ferreira da Silva

SUMÁRIO: Introdução – 1. A evolução do direito – 2. A interpretação como forma de evolução do direito – 3. O efeito vinculante como evolução do direito – 4. O novo Código de Processo Civil como expressão da evolução do direito – Considerações finais – Referências.

                    

INTRODUÇÃO

O presente artigo analisa a evolução do sistema processual civil brasileiro diante do advento da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 – o novo Código de Processo Civil. Pretende-se demonstrar se da atual forma de legislar pode se inferir ou não uma evolução tendente a alterar o sistema da civil law. Com o mesmo intuito demonstrativo, o estudo compreende a análise da interpretação dos enunciados normativos como forma de evolução do direito.

O tema, portanto, fecha-se na hipótese de os Poderes Legislativo e Judiciário estarem se afastando do sistema civil law diante da influência da common law. O problema é se os Poderes Legislativo e Judiciário, estabelecendo o precedente jurisprudencial (súmula, tese jurídica) como fonte do direito, com suporte em eventual influência da common law, podem estar afrontando o sistema civil law e criando um novo sistema jurídico híbrido.

As hipóteses iniciais propostas para a pesquisa foram no sentido de que: I – os Poderes Legislativo e Judiciário recebem influência do entorno, compreendido como irritações provocadas pelo sistema norte-americano, e, assim, como integrantes de um sistema autopoietico, internalizaram regras (de legislar e de julgar) da common law no sistema brasileiro afastando-se da civil law; II – os Poderes Legislativo e Judiciário, como integrantes de um sistema autopoietico, recebem influência do entorno (common law), no entanto, permanecem no âmbito do sistema civil law, porquanto a criação de mecanismos de vinculação aos precedentes (respeito ao entendimento das cortes superiores) não descaracteriza o sistema.

A metodologia é parte importante para o estudo, que será científico quando apresentar um “círculo racional lógico”. O método adequado apresenta uma “sequência lógica de observação, análise, formulação de hipóteses, experimentação, verificação das hipóteses e formação de conclusões”. Segundo a classificação das ciências, vários são os métodos utilizados para tratar o estudo, mas deve-se observar a natureza do objeto da área do saber. O Direito, compreendido como ciência social, adota um conjunto de métodos, “dentre os quais destacam-se o método de abordagem e os métodos de procedimento” (FIGUEIREDO; SOUZA, 2008, p. 91-92).

No presente estudo, o método de abordagem adotado foi o dedutivo e foram analisadas as teorias sobre a evolução dos sistemas jurídicos. Dentre outras, foram consideradas as teorias de René David e Niklas Luhmann.

Em uma análise inicial, a pesquisa sugere que o Poder Legislativo, ao criar mecanismos de vinculação de posicionamento jurídico pelos precedentes jurisprudenciais, com suporte em eventual influência da common law, poderia estar afrontando o sistema civil law.

Ainda na análise inicial, outra sugestão encontrada foi a de que o Poder Judiciário, ao fundamentar as decisões em precedentes jurisprudenciais, bem como ao estabelecer teses jurídicas e súmulas com efeitos vinculantes, fundado nos precedentes jurisprudenciais e com suporte em eventual influência da common law, poderia estar afrontando o sistema civil law.

No primeiro capítulo foi analisada, ainda que superficialmente, a teoria de Niklas Luhman. Verificou-se que no direito há a necessidade de evolução para o acoplamento entre o antigo e o novo devido às variações do próprio direito.

Na sequência foi visto que a evolução do direito também ocorre pela interpretação, que é uma constante devido às transformações fático-axiológicas, pois um texto escrito há cem anos, ao ser interpretado nos dias atuais, terá sentido, alcance e extensão diversos da época de sua publicação.

Em seguida constatou-se que a evolução ocorre no momento em que se ventila a possibilidade de a legislação ceder aos novos entendimentos vinculantes externados nas decisões das cortes, gerando um direito diferenciado e construído por decisões.

Ainda no desenvolvimento do presente artigo, no quarto capítulo foi analisado o novo Código de Processo Civil. Constatou-se que a novel legislação trouxe vários dispositivos com nítida influência da common law, pois conferiu força normativa à tese jurídica (dentre outros instrumentos), notando verdadeira evolução do direito.

Nas considerações finais ficou assentando que, sob a ótica da autopoiese, em sendo o direito dinâmico, sempre ocorrerá a evolução devido à necessidade de reduzir a complexidade das possibilidades do ser no mundo.

Ao final, apresentou-se resposta ao problema inicial de que a atuação presente dos poderes Legislativo e Judiciário sugere uma evolução constante do direito e se estamos no caminho de uma alteração do sistema jurídico brasileiro pela influência da common law.

1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO

Niklas Luhmann afirma que os conceitos sobre evolução do direito são pouco nítidos e sem nenhuma precisão teórica e que “a evolução só se leva a cabo se tanto a diferença quanto a adaptação entre sistema e entorno se mantém, pois do contrário desapareceria o objeto da evolução” (LUHMANN, 2003, p. 171-172).

Note-se que, ao abordar o tema evolução do direito, é necessário considerar a influência dos movimentos sociais, mormente pelo fato de que os tribunais estão vinculados aos textos legislativos (CAMPILONGO, 2012, p. 34-35).

Campilongo assevera que:

[…] a aposta dos movimentos sociais no direito – e, portanto, confiança na força do direito – pode aflorar de três modos: “contra”, “pelo”, e “após” o direito. […] No fundo, identifica-se um obstáculo construído pelo direito e procura-se removê-lo também através do direito. […] desse modo, ainda que de maneira não prevista ou indesejada, contribuem para o aguçamento da autorreflexão do direito, para expansão de sua capacidade de auto-observação e autocorreção de suas operações e, por fim, introdução de variabilidade no sistema jurídico (CAMPILONGO, 2012, p. 34-35).

A análise da evolução do direito sob o enfoque da autopoiese e da heteropoiese cinge-se, principalmente, à irritação que o entorno causa no sistema jurídico. Segundo Luhmann, “[…] a expectativa normativa se equilibra mediante a forma escrita, trazendo a estabilidade”. No entanto, há uma necessidade de acoplamento “entre o agora e o depois”, eis que “o texto está sujeito a contínuas reobservações mediante novas distinções” sendo tarefa do intérprete, pois “todo direito assegurado mediante escritos é um direito que pode ser interpretado” (2003, p. 182-183).

Citado autor afirma, quanto à evolução autopoietica, que “la evolución se efectúa cuando se cumplen diferentes condiciones y cuando éstas se acoplan entre sí de manera condicional (= necesaria)”, quais sejam: variação, seleção e estabilização do sistema (LUHMANN, 2003, p. 173).

E prossegue: “a autopoiese é conditio sine qua non de toda evolução, pois se pode alcançá-la através da alteração das estruturas”. Note-se que a evolução, como visto acima, depende do acoplamento estrutural, “pois a evolução se efetua quando se completam diferentes condições e quando estas se acoplam entre si de maneira condicional de variação, seleção e estabilização” (LUHMANN, 2003, p. 173).

É importante asseverar que há inúmeros fatores que influenciam os sistemas, uma vez que “uma sociedade complexa só pode ser descrita por meio de uma teoria complexa e não há outro meio de alcançar um juízo sobre o direito da sociedade” (LUHMANN, 2003, p 79)

Conforme Bruno Amaral Machado,([1]) “nas sociedades contemporâneas, diferenciadas funcionalmente, a economia, a religião, a arte, a moral, a ciência, a política e o direito constituem sistemas autopoieticos, cognitivamente abertos e operativamente fechados, os quais se autodescrevem e se autorreproduzem a partir de códigos e programas próprios”.

Gunther Teubner, ao abordar o tema, narra que o direito está em contato diuturno com crises políticas, movimentos sociais e variações do próprio direito – fatores que são essenciais para a evolução. Destarte, a transformação decorre da comunicação interna do sistema jurídico (1989, p. 43).

Portanto, o direito, nos termos de Robert Van Krieken,([2]) “como qualquer outro sistema, tem de coordenar-se com outros sistemas e com o seu ambiente e Luhmann sugere que essa relação produz um requisito correspondente para capacidade de resposta conceitual, somando-se o encerramento normativo do direito de uma segunda dimensão ou aspecto de ‘abertura cognitiva’ ”.

A par disso, a evolução do direito, enquanto subsistema, ocorre devido ao distanciamento da legislação frente às situações reais. Com efeito, “o sistema do Direito é operativamente fechado e cognitivamente aberto ao mesmo tempo”, ou seja, fechado na programação do legislador, mas aberto enquanto programa finalístico (ROCHA, 2013, p. 43).

Conclui-se que o subsistema do direito é ligado ao passado (legislação) e ao futuro (fatos reais) ao mesmo tempo, nascendo daí a necessidade de evolução, pois há irritação que gera desconforto, desencadeando o acoplamento que redunda na evolução do direito.

2 A INTERPRETAÇÃO COMO FORMA DE EVOLUÇÃO DO DIREITO

No sistema da civil law o direito positivo estabelecido no enunciado normativo não encerra os problemas da sociedade, tendo em vista que as disputas diuturnas, na maioria das vezes, resolvem-se com a aplicação da norma ao caso concreto, sendo que tal aplicação é levada ao Poder Judiciário, surgindo o problema da aplicação do enunciado normativo abstrato ao problema real, sendo que cada litigante apresenta sua forma de ver o enunciado normativo, apontando que norma seja aplicada (COELHO, 2001, p. 47-51).

O problema também ocorre, na maioria das vezes, quando não há uma correspondência métrica entre o que foi previsto pelo legislador e o caso do mundo, a distância entre a generalidade do enunciado normativo e a singularidade do caso concreto, ou seja, “a antinomia entre o abstrato e o concreto” (COELHO, 2001, p. 47-51).

Interpretar o enunciado normativo é tarefa necessária, pois a antiga máxima in claris cessat interpretatio não se sustenta, tudo se interpreta (MAXIMILIANO, 2000, p. 9). Com efeito, sempre há margem de interpretação; o enunciado normativo deve ser sempre avaliado quanto à vontade e a intenção da Lei, pois, como disse Ulpiano “embora claríssimo o edito do pretor, contudo não se deve descurar da interpretação respectiva” (apud MAXIMILIANO, 2000, p. 33).

Uma Lei, para obrigar “de maneira realmente efetiva”, deve ser breve e clara, ou seja, acessível a todos (VILLEY, 2009, p. 742). Nítido, então, que a Lei deve conter expressões de fácil compreensão, bem como deve o enunciado normativo ser taxativo, certo e sem obscuridade. No entanto, convém salientar que o problema da interpretação não se cinge às Leis, mas a todos os enunciados normativos, inclusive constitucionais. Com efeito, os enunciados constitucionais não contêm termos unívocos, ou seja, contêm palavras (símbolos linguísticos) que podem ter vários sentidos (ALVES JUNIOR, 2010, p. 76).

Alf Ross relata que todo enunciado normativo, seja claro ou vago, depende de uma interpretação, pois “nenhuma situação concreta enseja uma aplicação única da lei” sendo “errôneo, também, portanto, crer que um texto pode ser tão claro a ponto de ser impossível que suscite dúvidas quanto a sua interpretação” (2007, p. 164-165 e 330).

Com efeito, um texto escrito há cem anos, ao ser interpretado nos dias atuais, sem dúvidas terá sentido, alcance e extensão diversos do preconizado à época de sua edição, pois há evolução social. Assim, a hermenêutica apresenta processos que aproximam o texto normativo à realidade atual e, por isso, sempre há interpretação, não há enunciado normativo que não necessite de interpretação, pois o aplicador parte da abstração e encerra a realidade.

Quando o intérprete busca adequar o enunciado normativo aos tempos atuais, quando busca “o significado jurídico da lei, que só pode ser o seu significado atual, e não o significado histórico, aquele que lhe foi atribuído ao tempo da promulgação” estará no caminho da interpretação progressiva/evolutiva. O intérprete, ao buscar o significado atual do enunciado normativo, expande o sentido e o alcance do aludido preceito, “incorporando novos instrumentos de analise e descortina novos horizontes” (COELHO, 2011, p. 71).

Interpretar progressivamente quer dizer que o enunciado normativo terá aplicação a “situações que contempladas à luz do sentido linguístico natural se encontram claramente fora de seu campo de referência”. Estende-se o sentido do enunciado normativo pelo fato de que houve uma “formulação parcial, uma revelação incompleta”, sob o argumento de que essa era a vontade do legislador, presumindo-se tal desiderato, mas “é forçoso ter ele desejado o que é desejável para o próprio juiz” (ROSS, 2007, p. 179-183).

Assim, a interpretação progressiva/evolutiva atende aos progressos sociais, já que “a atividade interpretativa pode ser considerada um prolongamento ou até mesmo uma fase do processo legislativo.” E mais, ao longo dos séculos, juristas apresentam renovadas interpretações sobre textos antigos, como por exemplo, a Lei das XII Tábuas e a Constituição dos Estados Unidos da América. Conclui-se, então, que as novas interpretações nada mais são do que a apresentação de elementos que originariamente já eram integrantes dos textos interpretados (COELHO, 2011, p. 41 e 71).

Segundo Inocêncio Mártires Coelho, apoiado em Radbruch, a “interpretação jurídica não é pura e simplesmente um pensar novo aquilo que já foi pensado, mas, pelo contrário, um saber pensar até o fim aquilo que já começou a ser pensado por um outro”. Enunciados normativos, de acordo com as transformações sociais, são “fatores de atualização e regeneração da sua força normativa” (2011, p. 49-50, 61-62 e 70-71).

Conclui-se que o direito positivo deve evoluir pelo fato de não resolver os problemas da sociedade; e mais, não há um texto que seja tão claro que não demande interpretação evolutiva para resolver o caso concreto. Foi dito que ao texto normativo escrito há muitos anos deve ser conferido novo sentido, alcance e extensão, aproximando o texto à realidade, ou seja, evoluindo diante das novas facetas da sociedade.

3 O EFEITO VINCULANTE COMO EVOLUÇÃO DO DIREITO

O direito e a política permeiam a sociedade e, assim, um influencia o outro e vice-versa, fazendo com que haja uma “autocriação histórica de uma sociedade”. O direito moderno enfrenta a complexidade das relações diuturnas e, assim, apresenta “decisões sempre diferentes”. Neste sentido, Leonel Severo Rocha afirma que “o Direito moderno, ao contrário [do jusnaturalismo], para sobreviver na sociedade indeterminada, será um Direito positivo; um Direito diferenciado e construído por decisões” (p. 11-13).

Partindo de tal premissa, direito construído por decisões, é que constatamos uma evolução do direito processual civil brasileiro. Com efeito, comumente se afirma que no Brasil o sistema jurídico é fundado na civil law. No entanto, diante das novas legislações brasileiras (a exemplo do novo Código de Processo Civil), constata-se uma mistura de sistemas, a saber: civil law e common law.

Antes de prosseguirmos no desenvolvimento do raciocínio sobre a evolução do direito brasileiro pela vinculação do precedente, é fundamental analisar como sãos os sistemas do direito e suas diferenciações em famílias (DAVID, 2002, p. 24-25).

Sucintamente, a civil law é um sistema romano-germânico no qual o fato marcante é a compilação e a codificação em “textos harmônicos, normas costumeiras, normas escritas esparsas, decisões jurisprudenciais e doutrinárias […]” (SOARES, 2000, p. 27).

Com efeito, a partir do século XIX, atribuiu-se em tal sistema papel importante à lei e, assim, “os diversos países pertencentes a esta família dotaram-se de ‘códigos’ ” (DAVID, 2002, p. 24-25).

O sistema da common law pertence à segunda família, “comportando o direito da Inglaterra e os direitos que se modelaram sobre o direito inglês”. Cabe asseverar que, ao contrário da civil law, na common law as regras existem para resolver o processo e não para serem abstratas e para o futuro (DAVID, 2002, p. 24-25).

No direito norte-americano, Guido Fernando Silva Soares levanta a questão da existência de mais de um sentido do termo common law. Com efeito, o autor apresenta, em linhas gerais, dois sentidos. O primeiro como sendo “um sistema de direito escrito e esquematizado”, apontando a distinção entre common law e equity law. O segundo “permite aos tribunais, na sua tarefa de distribuir justiça, definir regras abstratas do direito”, apresentando a distinção entre common law e statute law (SOARES, 2000, p. 14-15).

Pois bem, fica nítido que no Brasil o sistema adotado é o da civil law, no entanto, há vários institutos que se amoldam às regras do sistema da common law, havendo a convivência dos sistemas, ou ainda, a existência de um sistema híbrido.

Joseph Raz, mutatis mutandi, relata que é possível a existência e convivência de dois sistemas jurídicos em uma sociedade, no entanto, “determinar se dois sistemas jurídicos são compatíveis ou não dependerá antes de tudo das formas de organização social de que eles fazem parte […]” Contudo, um sistema jurídico só pode existir por tempo determinado, pois “a esfera de existência efetiva de um sistema jurídico é mais estreita que sua esfera de aplicação” (RAZ, 2012, p. 276-277).

Prosseguindo na análise da evolução do direito brasileiro (civil law) pela influência da common law, cumpre asseverar que as fontes dos sistemas em comento são diferentes. Com efeito, na civil lawpensa-se na Constituição como fonte suprema de qualquer imposição, seguida por leis complementares, ordinárias, medidas de urgência, regulamentos, etc.” (GODOY, 2004, p. 93).

Enquanto que na common law“institutos próprios, centrados na atividade produtora de judiciário de composição, natureza, origem, recrutamento e garantias tão estranhas a protótipos que marcam nossos hábitos conceituais” (GODOY, 2004, p. 93).

Seguindo a abordagem da evolução do direito, notadamente do sistema, na civil law é permitido ao juiz criar normas para que se alcance resultados satisfatórios. A questão é de autorização ao “órgão aplicador do Direito” de “criar uma nova norma” para evitar resultados injustos ou iníquos (KELSEN, 2005, p. 214).

Kelsen, ao abordar a nova norma diz que o precedente é obrigatório, pois trasmuda-se em norma genericamente aplicável a todos os casos semelhantes. No entanto, alerta que só é possível assim afirmar “onde os tribunais estão autorizados não apenas a aplicar Direito substantivo preexistente nas suas decisões judiciais o caráter de precedentes” (KELSEN, 2005, p. 216).

Interessante notar que a teoria da autopoiese pode, no meu sentir, ser encontrada em Kelsen, ainda que subliminarmente, quando afirma que “o Direito regula a sua própria criação, na medida em que uma norma jurídica determina o modo em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteúdo dessa norma” (KELSEN, 2005, p. 181).

No mesmo sentido, Luhmann afirma que “Las ‘teorías del derecho’ que surgen en la práctica jurídica o en la docencia del derecho son, junto con los textos del derecho vigente, la forma en la que el derecho se presenta como resultado de las interpretaciones” (LUHMANN, 2003, p. 4).

Note-se que no sistema de legislação “os juízes se sentem obrigados, em alto grau, ante as declarações da legislatura e a doutrina ideológica oficial” a aderirem ao texto legal, mas, sistema de precedentes “as decisões jurídicas anteriores” desempenham papel importante, eis que há “a exigência de que os casos análogos recebem tratamento similar, ou de que cada decisão concreta seja baseada numa regra geral” (ROSS, 2000, p. 110-111).

Prosseguindo, notou-se há algum tempo que no sistema da civil law, mesmo não havendo obrigatoriedade em seguir o precedente de cortes hierarquicamente superiores, as cortes inferiores e os magistrados de primeiro grau, com maior ou menor frequência, seguem os entendimentos das cortes superiores.

Nesse sentido, confira o excerto que segue:

Já tive alguma dificuldade em admitir, em casos dessa natureza, também a qualificadora que decorre do perigo comum. Mas o Superior Tribunal de Justiça, recentemente – por ocasião das notas taquigráficas, farei juntar o precedente a que me refiro, e um precedente até do nosso Tribunal, da nossa própria Turma -, entendeu por bem acolher o recurso do Ministério Público para incluir na pronúncia também a qualificadora do perigo comum, entendendo que essa atitude do réu no trânsito põe em risco a coletividade de pessoas que lá se encontravam, já que, forçosamente, ele não se teria destinado especificamente apenas àquele conjunto de vítimas, mas, com a conduta que desempenharam, poderiam ter, pelo menos em tese, se voltado contra mais pedestres e mais motoristas que por ali trafegavam ou transitavam. Então, filiando-me ao entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça, mantenho na pronúncia a qualificadora do inciso III do art. 121.([3])

E, ainda:

O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.251.331/RS, julgado pelo regime dos recursos repetitivos previstos no art. 543-C do CPC, decidiu acerca da possibilidade de cobrança de tarifa de cadastro, desde que tenha sido contratada expressamente.([4])

Assim, verifica-se que há uma força do precedente, ainda que não vinculante, levando-nos a crer na ocorrência de interpenetração dos sistemas, pois “o magistrado de primeiro grau está afeito à observância do precedente, pois se trata de opção cômoda e coerente” (DIAS, 2004, p. 71).

Antes mesmo da publicação do novo Código Civil, o Poder Legislativo havia instituído mecanismos de vinculação dos precedentes, como a Emenda Constitucional n. 45/2004, que instituiu o efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nas ações declaratórias de constitucionalidade.([5])

Outro ponto a ser lembrado é a previsão existente de que o Supremo Tribunal Federal pode editar súmulas vinculantes([6]) pela corte já citada. Ainda a título de exemplo, a Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, que regulamentou o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade e declaratórias de constitucionalidade, estabeleceu o efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal em sede das referidas ações.

A Lei 9.704, de 17 de novembro de 1998, embora de caráter administrativo, introduziu legalmente a tese jurídica com efeito vinculante, inaugurando a obrigatoriedade ao precedente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. A Lei 13.015, de 21 de julho de 2014, trouxe também a vinculação do precedente, bem como a fixação de tese jurídica com efeito vinculante na esfera da justiça trabalhista brasileira.

O novo Código de Processo Civil([7]) – que será objeto de capítulo específico – dispõe de vários dispositivos([8]) que estabelecem a vinculação pelos precedentes, bem como a tese jurídica firmada pelas cortes.

Conclui-se, portanto, que o Brasil tem seus fundamentos no sistema romano-germânico, no qual há a compilação e a codificação de textos normativos, mas constata-se também que possui institutos que revelam a incursão em outro sistema, o da common law, pois é permitido aos tribunais – pela vinculação do precedente – impor uma regra abstrata.

4 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMO EXPRESSÃO DA EVOLUÇÃO DO DIREITO

A disciplina do direito processual civil é voltada para a efetividade da tutela jurisdicional com segurança. O antigo Código de Processo Civil (Código Buzaid), de 11 de janeiro de 1973, já vinha sendo modificado paulatinamente,([9]) como, por exemplo, a separação que existia entre o processo de conhecimento e o de execução. Pode-se dizer que as reformas que ocorreram no vetusto código caminharam para imprimir o estímulo das partes na cooperação para a resolução das demandas, bem como para que o juiz fosse mais flexível com as formalidades prestigiando a justiça do caso concreto (MARINONI; MITIDIERO, 2011, p. 95).

Não bastassem as reformas, o Poder Legislativo brasileiro publicou um novo Código de Processo Civil, que, de acordo com a dicção de seu art. 1.045, entrou em vigor após um ano da publicação.([10])

Depreende-se do primeiro artigo do novo Código que se trata de uma codificação de normas que disciplinam a tramitação do processo civil brasileiro, estabelecendo, dentre outras prioridades, a inafastabilidade da jurisdição (art. 3º, caput), a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º), a boa-fé das partes (art. 5º) e a duração razoável do processo (art. 4º).

Trata-se de um código extenso, com várias peculiaridades e inovações. No entanto, o que mais chama a atenção é existência de dispositivos que denotam uma possível alteração no sistema jurídico brasileiro – como já adiantado anteriormente.

O novo Código de Processo Civil trouxe vários dispositivos que reafirma a tendência da vinculação de decisões aos magistrados no intuito de garantir celeridade, segurança e isonomia aos litigantes.

Com efeito, o ordenamento jurídico brasileiro, como visto anteriormente, tem suas origens no sistema civil law, ou seja, predomina como fonte primária do direito, a lei, prevalecendo a codificação. No entanto, constata-se na nova legislação processual civil que o legislador privilegiou o respeito ao precedente jurisprudencial – como no common law.

Ora, nota-se do art. 12, § 2º, II, do novo Código, a possibilidade de julgamento em bloco “para aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos”. Conforme Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, tal dispositivo revela que o legislador priorizou o julgamento dos casos submetidos ao Poder Judiciário com a aplicação da tese paradigmática (WAMBIER et al., 2015, p. 89).

Outro dispositivo que amplia a aplicação do efeito vinculante diz respeito à concessão da tutela de evidência, pois poderá ser deferida, nos termos do art. 311, II, do novo Código, quando “houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”. Segundo Daniel Mitidiero, a tutela de evidência é fundada em cognição sumária e se baseia na evidência do direito postulado e na “noção de defesa inconsistente”, ou seja, pelo fato de que “a defesa articulada pelo réu é inconsistente ou provavelmente o será” (WAMBIER et al., 2015, p. 796).

Aludido dispositivo dá cumprimento ao mandamento constitucional da duração razoável ao processo (art. 5º, LXXVIII) também previsto no art. 4º do novo Código. Note-se que a tutela de evidência, corroborando a ideia de segurança jurídica e celeridade, revela a preocupação do legislador em conceder antecipadamente o direito do demandante quando se fundar o pleito em tese jurídica.

Outro dispositivo que revela a preocupação na celeridade da prestação jurisdicional é o disposto no art. 954, parágrafo único, do novo Código, que confere ao relator a faculdade de julgar de plano os conflitos de competência fundamentando sua decisão em tese jurídica. No caso, conforme Patrícia Miranda Pizzol, “o relator age como um juiz preparador, permitindo maior celeridade na prestação jurisdicional, na medida em que evita que um conflito sem chance de prosperar seja processado” (WAMBIER et al., 2015, p. 2127).

Dentre outros dispositivos, o que revela a enorme intenção legislativa de vinculação das decisões é a disposição prevista no art. 927 do novo Código, pois é enfática ao dispor:

Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Como visto acima, a título de exemplo, o Livro III, que trata “Dos Processos nos Tribunais e dos meios de Impugnação das Decisões Judiciais”, estipula em várias passagens que o juiz deve seguir o entendimento esposado pelas cortes superiores, enunciados de súmulas e outras hipóteses de vinculação.

É sabido que a decisão em controle concentrado de constitucionalidade, a súmula vinculante e a resolução de demandas repetitivas já estavam previstas antes mesmo da publicação do Código em comento. No entanto, surgiu nova vinculação, qual seja: os juízes e os tribunais observarão: V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.([11])

Assim, além das vinculações já existentes no sistema, a corte local poderá estabelecer teses jurídicas que terão caráter obrigatório aos magistrados do tribunal. Nos termos do art. 985, a vinculação ocorrerá na área de jurisdição do tribunal, inclusive aos juizados especiais. Em várias passagens o legislador afirma que tal tese é vinculativa.

A tese jurídica vinculativa, nos dizeres de Bruno Dantas, fica limitada “à área territorial de jurisdição de cada tribunal. Evidentemente, quando o incidente for julgado pelo STF ou pelo STJ, atingirá todo o território nacional” (WAMBIER et al., 2015, p. 2195).

O art. 987, § 2º, confirma o escólio acima, já que as decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que apresentam teses jurídicas vinculativas, se aplicam a todos os processos – individuais ou coletivos – em todo o território nacional.

Nesse sentido, confira ainda Bruno Dantas:

A tese jurídica fixada por estes tribunais, resultado de incidente, será aplicada no território nacional a todos os processos individuais e coletivos que versarem sobre idêntica questão de direito. Nos processos sobrestados, mas que ainda não foi proferida sentença, o juiz deverá julgar aplicando a tese fixada. Já nos processos já sentenciados, com decisão impugnada, o tribunal julga o recurso como prejudicado, se a decisão impugnada estiver de acordo com a tese firmada, ou devolverá os autos ao juiz para adequar sua decisão ao entendimento fixado, nos caso em que a decisão encontrar-se em desacordo (WAMBIER et al., 2015, p. 2198).

A par disso, Luiz Guilherme Marinoni faz um alerta: o magistrado deve buscar a orientação nas teses jurídicas firmadas pelos tribunais e cortes superiores, no entanto, a orientação vinculativa deve ser extraída “da ratio decidendi ou [d]os fundamentos determinantes do precedente que se deseja aplicar” (WAMBIER et al., 2015, p. 2077).

Muito foi aventado até aqui sobre a importância da tese jurídica no novo sistema processual civil. Tese jurídica será aquela fixada pelos tribunais na análise de questões controvertidas nas quais há forte dissenso doutrinário/jurisprudencial.

Com efeito, trata-se de uma evolução na forma de lidar com a justiça e de nítida influência da common law, pois dá força normativa ao precedente em sede de fixação de tese jurídica. Pode-se falar em verdadeira evolução do direito, ou como diria Thomas S. Kuhn, uma revolução científica paradigmática, pois deixamos um modo de fazer justiça devido à crise e à insegurança e passamos a outro patamar – a vinculação pela tese jurídica, o novo paradigma.

Sobre a questão posta, Thomas S. Kuhn argumenta que há o progresso por meio das revoluções científicas. Segundo o autor há uma revolução científica quando o paradigma adotado não resolve mais as questões objeto de debates, nascendo posições divergentes, ou como diria Kuhn, “campos rivais que buscam o predomínio. Quando isso ocorre, há o período de crise científica no qual se busca descobrir uma nova abordagem para as questões problemas e, na sequência, a revolução termina com a vitória total de um dos dois campos rivais” (KUHN, 2011, p. 203-210).

A respeito do tema, pode-se afirmar que há uma insegurança jurídica em vários campos do direito, pois questões idênticas são invariavelmente decididas de maneiras diversas. Parafraseando Kuhn, os manuais de direito apresentam soluções que são predominantes, no entanto, surgem dissidentes que criam a mencionada instabilidade jurídica. Tal variação de entendimento para casos idênticos, mutatis mutandis, pode ser chamada de crise e inicia-se o processo de revolução – a evolução do direito. Parte-se de um paradigma (entendimento sobre determinada questão), surgem divergências (diferentes interpretações sobre a questão) e chega-se a um novo paradigma (novo entendimento predominante sobre a questão).

Pode-se dizer, então, que a vinculação obrigatória da tese jurídica firmada pelos tribunais e pelas cortes superiores é o novo paradigma, pois existia um entendimento sobre a questão, surgiram divergências e, por fim, como uma revolução científica, surge o novo paradigma – a tese jurídica.

Ainda sobre a vinculação do precedente, ao analisarmos a novel legislação em comento, constata-se a preocupação na distribuição igualitária da justiça, uma evolução oriunda dos povos democráticos. Revela-se no art. 976 e seguintes a previsão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), que tem como objetivo a tutela isonômica.

Nos dizeres de Bruno Dantas, o IRDR é:

[…] o incidente processual instaurado para, mediante julgamento único e vinculante, assegurar interpretação isonômica à questão jurídica controvertida em demandas repetitivas que busquem tutela jurisdicional a interesses individuais homogêneos (WAMBIER et al., 2015, p. 2179).

Assim, fica nítida a importância que foi conferida à tese jurídica, pois conforme o aludido autor:

A decisão que o tribunal profere em IRDR, como visto, não resolve a lide, mas meramente fixa a interpretação da quaestio iuris que compõe a causa petendi. Desta forma, não há que se falar em coisa julgada da questão de direito, mas sim de efeito vinculante (WAMBIER et al., 2015, p. 2194).

Concluindo o presente capítulo, pode-se afirmar que o novo Código de Processo Civil traz um avanço ao direito. Pode-se dizer que ocorre uma evolução autopoietica, eis que há o direito normativo que poderá evoluir de acordo com os precedentes vinculativos e as teses jurídicas que, sem dúvidas, recebem irritações diuturnas do entorno e, assim, acoplam as diferenças introduzindo-as como fonte do direito em conjunto com o texto normativo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente articulado não pretendeu esgotar o tema evolução do direito. Pretendeu-se demonstrar, em poucas linhas, que há uma evolução constante do direito, da mesma forma como a sociedade evolui, com constantes divergências.

Nota-se de todo o argumentando que, nos dizeres de Ronald Dworkin, há uma inquietação ao aplicar uma lei antiga, pois “os juízes devem escolher entre a mão morta, porém legítima, do passado e o encanto claramente ilícito do progresso”.

Será mesmo ilícito o encanto do progresso? Talvez não. A inquietação mencionada nos traz a ideia de evolução do atual sistema (civil law) e eventual incursão nas regras da common law.

Conforme visto no primeiro capítulo, Luhman afirma que há a evolução devido à necessidade de acoplar o agora e o depois, ou seja, há “contínuas reobservações mediante novas distinções”. Essas observações, nos dizeres de Teubner, ocorrem pelo fato de que o direito está em contato diuturno com crises políticas, movimentos sociais e variações do próprio direito.

Portanto, há uma evolução do sistema do direito, pois é ligado ao passado (legislação) e ao futuro (fatos reais) ao mesmo tempo, nascendo a necessidade da evolução, pois há irritação que gera desconforto – desencadeando o acoplamento que redunda na evolução do direito.

Vimos, também, no segundo capítulo, que a evolução se dá diuturnamente pela interpretação, pois, conforme Hans Kelsen, a “interpretação jurídico-científica não pode fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica”.

No mesmo sentido, Eros Roberto Grau argumenta que os enunciados do direito não são completos, passando a sê-los somente quando o intérprete os aplica aos casos concretos. Conclui-se, portanto, que os variados casos concretos podem apresentar variadas interpretações sobre os enunciados do direito.

Assim, não se pode olvidar que o processo de interpretação é uma constante. Inocêncio Mártires Coelho, com apoio de Richard Palmer, relata que o entendimento sobre certo enunciado normativo contém o que representava à época de sua edição, mas também o que representa no presente.

E mais, com suporte em Carlos Cossio, tal autor afirma que a alteração de uma interpretação sobre certo enunciado normativo não é correção de equívocos, mas, como na alteração legislativa, nada mais do que renovação decorrente de “epifenômenos de subjacentes transformações fático-axiológicas”, ou seja, é o trabalho do intérprete que revalida o enunciado às necessidades sociais e, assim procedendo, reduz o “descompasso entre os problemas sociais e as respectivas soluções legislativas”.

Corroborando a ideia de evolução pela interpretação do direito, afirmou-se que um texto escrito há cem anos, ao ser interpretado nos dias atuais, terá sentido, alcance e extensão diversos da época de sua publicação.

Nesse sentido, Inocêncio Mártires Coelho relata que quando o intérprete procura adequar o enunciado normativo aos tempos atuais para buscar “o significado jurídico da lei, que só pode ser o seu significado atual, e não o significado histórico, aquele que lhe foi atribuído ao tempo da promulgação” estará no caminho da interpretação progressiva/evolutiva.

No mesmo sentido, Luhmann afirma que as variações das interpretações surgem da prática jurídica, da docência em conjunto com os textos normativos, ou seja, se apresenta como o resultado das interpretações, evoluindo diuturnamente.

Conclui-se que o direito positivo deve evoluir pelo fato de não resolver os problemas da sociedade; e mais, não há um texto que seja tão claro que não demande interpretação evolutiva para resolver o caso concreto. Foi dito que ao texto normativo escrito há muitos anos deve ser conferido novo sentido, alcance e extensão, aproximando o texto à realidade, ou seja, evoluindo diante das novas facetas da sociedade.

Já no terceiro capítulo constatou-se que há uma evolução constante do direito quando se assenta a possibilidade de a legislação ceder aos novos contornos vinculantes das decisões das cortes.

Com efeito, Leonel Severo Rocha afirma que “o Direito moderno, ao contrário [do jusnaturalismo], para sobreviver na sociedade indeterminada, será um Direito positivo; um Direito diferenciado e construído por decisões”, ou seja, o direito construído por decisões é a constatação de que ocorre a evolução do direito processual civil brasileiro.

Verifica-se, portanto, que as irritações do entorno – no sentido de novos contornos que podem ser conferidos aos textos normativos – acarretam a evolução do direito brasileiro (civil law) pela influência da common law.

No entanto, como visto, na civil law, nos dizeres de Arnaldo Sampaio de Godoy, “pensa-se na Constituição como fonte suprema de qualquer imposição, seguida por leis complementares, ordinárias, medidas de urgência, regulamentos, etc.” enquanto que, ainda conforme o aludido autor, na common law“institutos próprios, centrados na atividade produtora de judiciário de composição, natureza, origem, recrutamento e garantias tão estranhas a protótipos que marcam nossos hábitos conceituais”.

Por fim, nos dizeres de Mariângela Gama de Magalhães Gomes, não obstante as importantes diferenças entre o ordenamento jurídico brasileiro e o sistema da common law, observa-se que, uma vez admitida a necessidade de garantir o cidadão frente à aleatoriedade da jurisprudência, os institutos existentes naqueles ordenamentos podem fornecer significativas e úteis diretrizes de garantia a serem utilizadas também aqui. É que no sistema da common law, ao ser atribuído à jurisprudência um papel criativo no direito, foram criados mecanismos que, ao invés de diminuir, aumentaram as garantias que são dadas ao indivíduo frente às alterações jurisprudenciais.

Assim, constata-se que o ordenamento jurídico brasileiro tem seus fundamentos no sistema romano-germânico, no qual há a compilação e a codificação de textos normativos, mas constata-se, também que possui institutos que revelam a incursão em outro sistema, o da common law, pois é permitido aos tribunais, pela vinculação do precedente, impor uma regra abstrata.

No quarto capítulo aprofundou-se a pesquisa no novo Código de Processo Civil, texto normativo que trouxe vários dispositivos com tendências da vinculação de decisões aos magistrados.

O ordenamento jurídico brasileiro, como visto anteriormente, tem suas origens no sistema civil law, ou seja, predomina que a fonte primária do direito é a lei, prevalece a codificação. No entanto, constata-se na nova legislação processual civil que o legislador privilegiou o respeito ao precedente jurisprudencial, como na common law.

Como já afirmado, trata-se de uma evolução na forma de lidar com a justiça e de nítida influência da common law, pois confere força normativa ao precedente – tese jurídica -, verdadeira evolução do direito ao abandonar o vetusto modo de fazer justiça.

Pode-se afirmar, assim, que o novo Código de Processo Civil traz um avanço ao direito, sugere uma evolução autopoietica, o direito normativo poderá evoluir de acordo com os precedentes vinculativos e as teses jurídicas que, sem dúvidas, recebem irritações diuturnas do entorno e, assim, acoplam as diferenças, introduzindo-as como fonte do direito em conjunto com o texto normativo.

Sob a ótica da autopoiese conclui-se que, conforme Leonel Severo Rocha, o direito é dinâmico e aspira evolução diante da necessidade constante de, como parte da estrutura social, reduzir a “complexidade das possibilidades do ser no mundo”.

Finalizando, há um sistema brasileiro fundado em textos normativos (civil law) e há influência de outro sistema (common law). Tal constatação sugere uma evolução constante do direito, o que poderia se inferir que estaremos no caminho da miscigenação do sistema jurídico brasileiro pela influência da common law.

Portanto, respondendo às hipóteses iniciais:

I – os Poderes Legislativo e Judiciário, como organizações, recebem influência do entorno – compreendido como irritações provocadas pelo sistema norte-americano – e, assim, como integrantes de um sistema autopoietico, internalizaram regras (de legislar e de julgar) da common law no sistema brasileiro afastando-se da civil law;

A resposta é afirmativa, pois o direito brasileiro, em especial o sistema processual civil, recebeu forte influência da common law. Notou-se do presente estudo que a novel legislação se afasta da lei como fonte predominante do direito. Confere, a nova legislação, grande importância ao precedente jurisprudencial, pois ampliou as hipóteses de vinculação das decisões de cortes superiores, ou seja, elevou ao caráter abstrato (anteriormente só conferido à lei) a tese jurídica firmada pelos tribunais. Portanto, a hipótese resultou confirmada.

II – os Poderes Legislativo e Judiciário, como integrantes de um sistema autopoietico, recebem influência do entorno (common law), no entanto, permanecem no âmbito do sistema civil law, eis que a criação de mecanismos de vinculação aos precedentes (respeito ao entendimento das cortes superiores) não descaracterizam o sistema.

A resposta é negativa. Ao analisarmos os fundamentos da civil law, denota-se que ocorreu, pelo direito brasileiro, um distanciamento. Com efeito, é sabido que na civil law há a lei e o precedente, o que, por si só, não descaracteriza o sistema. No entanto, no aludido sistema a lei tem caráter abstrato – não o precedente. Como visto, no sistema da common law, o precedente tem caráter abstrato e, assim, se a tese jurídica é vinculativa e deve ser aplicada com caráter abstrato, na verdade houve sim descaracterização do sistema. Assim, a hipótese foi refutada.

REFERÊNCIAS

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[1] MACHADO, Bruno Amaral. Discursos criminológicos sobre o crime e o direito penal: comunicação e diferenciação funcional. Disponível em: <https://www.uniceub.br/media/180340/Artigo_DiscursosCriminologicos.pdf>. Acesso em: 14 maio 2015.

[3] Trecho retirado do voto do Desembargador Edson Alfredo Smaniotto, TJDFT, Acórdão 387190, 1ª Turma Criminal, julgado em 17.09.2009. Disponível em: <http://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj>. Acesso em: 20 maio 2015.

[4] Trecho do voto do Desembargador Hector Valverde Santanna, TJDFT, Acórdão 864585, 6ª Turma Cível, julgado em 29.04.2015. Disponível em: <http://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj>. Acesso em: 20 maio 2015.

[5] Art. 102 da Constituição Federal.

[6] Art. 103 da Constituição Federal.

[7] Promulgado em 16.03.2015.

[8] Arts. 489, 985, 987, 1.040, dentre outros.

[9] Lei n. 8.952, de 1994, Lei n. 10.444, de 2002 e Lei n. 11.232, de 2005 – são as mais profundas modificações que podemos apontar.

[10] Como visto acima, foi publicado em 16 de março de 2015.

[11] Art. 927, inciso V.