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ESTUDO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA PRISÃO CIVIL DO IDOSO EM REGIME DIVERSO DO FECHADO: A PRISÃO CIVIL EM CONFRONTO COM A PROTEÇÃO INTEGRAL À PESSOA IDOSA

ESTUDO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA PRISÃO CIVIL DO IDOSO EM REGIME DIVERSO DO FECHADO: A PRISÃO CIVIL EM CONFRONTO COM A PROTEÇÃO INTEGRAL À PESSOA IDOSA

ESTUDO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA PRISÃO CIVIL DO IDOSO EM REGIME DIVERSO DO FECHADO: A PRISÃO CIVIL EM CONFRONTO COM A PROTEÇÃO INTEGRAL À PESSOA IDOSA

Ricardo Gueiros Bernardes Dias

Diogo Abineder Ferreira Nolasco Pereira

Valter Rodrigues De Abreu Júnior

SUMÁRIO: Introdução – 1. Noções gerais sobre alimentos e prisão civil – 2. A proteção ao idoso no ordenamento jurídico brasileiro – 3. Da possibilidade de regime diferenciado na prisão civil do idoso: 3.1. Do conflito normativo; 3.2. A prisão civil em regime fechado em conflito com a proteção integral ao idoso; 3.3. Da necessidade interpretação da regra conforme as normas constitucionais: 3.3.1. O entendimento jurisprudencial; 3.3.2. Considerações acerca do Projeto de Lei nº 151/2012 do Senado Federal – Conclusão – Referências.

INTRODUÇÃO

O Código Civil, nos artigos 1.696 e 1.698, prevê a expansão da obrigação de prestar alimentos para além dos pais, estendendo-se aos ascendentes, atingindo os parentes de grau imediato quando o devedor originário não estiver em condições de cumprir o encargo. Nesta hipótese, aplica-se a regra de que os mais próximos excluem os mais remotos, sendo assim, os avós são os primeiros chamados a concorrer quando os pais não possuírem condições.

O Estatuto do Idoso, a seu turno, dispõe que “Idoso” é toda pessoa com idade igual ou superior a 60 anos (artigo 1º da Lei 10.741/03). Estes indivíduos, além dos consagrados direitos fundamentais universais elencados na Constituição Federal, são destinatários de direitos fundamentais próprios, decorrentes da proteção especial conferida pela Lei Maior.

A principal medida coercitiva aplicada ao devedor de alimentos é a prisão civil, prevista no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, cuja incidência é restrita à excepcional hipótese de dívida “voluntária e inescusável” dos alimentos. Pela disposição do art. 528, § 3º, do novo CPC, tal prisão civil deverá ser cumprida em regime fechado.

O conflito entre normas ocorre quando dois dispositivos de mesmo valor hierárquico estabelecem duas soluções distintas para o caso concreto. Nesse contexto, deparando-se o julgador com a árdua tarefa de decidir a controvérsia, a interpretação das normas colidentes à luz das disposições contidas na Constituição Federal será de fundamental importância para prover a solução que melhor proporcione Justiça aos litigantes.

           

1  NOÇÕES GERAIS SOBRE ALIMENTOS E PRISÃO CIVIL

Não há no ordenamento brasileiro uma definição precisa do conceito de alimentos. O Código Civil de 2002, na seção específica sobre o tema (art. 1.694 a 1.710) não tratou de conceituá-lo, optando por dispor sobre a forma como deve ser fixado, quem são os devedores, a possibilidade de revisão, dentre outras definições. Há, no entanto, dispositivo legal que, embora não apresente o conceito específico, é o único que se aproxima de uma definição legal dos alimentos. Trata-se do artigo 1.920 do Código Civil, que, sob o enfoque o direito das sucessões, dispõe sobre o legado de alimentos, como sendo “sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”. Na doutrina, Orlando Gomes, citado por Maria Helena Diniz, conceitua alimentos como “prestações para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si” (DINIZ, 2010, p. 588).

Fato é que, em uma perspectiva constitucional do Direito Civil brasileiro, o termo “alimentos” jamais poderia ter o restrito significado de “alimentação” simplesmente, pois abrange todo o necessário para a garantia de um mínimo existencial, visando à proteção da dignidade da pessoa humana do alimentando. É justamente dessas garantias constitucionais que decorre o direito aos alimentos, sob a égide dos princípios da solidariedade, da afetividade e principalmente da dignidade da pessoa humana. Nessa perspectiva constitucional, Maria Berenice Dias destaca a redação do art. 227 da Constituição Federal, que garante a crianças e adolescentes direitos básicos como a vida, alimentação, educação, saúde, lazer, cultura e profissionalização, como um possível parâmetro da abrangência da obrigação alimentar (DIAS, 2015, p. 558).

Portanto, embora não exista uma definição própria quanto ao conceito de alimentos, as diretrizes contidas na Constituição Federal dão a mensuração de sua abrangência. Deste modo, a fixação dos alimentos deverá adotar os princípios constitucionais como pilares, conforme bem observam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, ao afirmar que as decisões acerca dos alimentos deve ser pautadas princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena de afrontar o Texto Magno (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 584).

A obrigação de prestar alimentos, em regra, é dos pais, conforme determina o art. 1.696 do Código Civil. Entretanto, ao contrário do que se imagina no senso comum, pode estender-se aos avós.

A obrigação dos avós, também denominada obrigação alimentar avoenga, fundada nos princípios constitucionais de solidariedade e reciprocidade, está prevista no art. 1.698 do Código Civil, que dispõe acerca da possibilidade de convocação dos parentes de grau imediato caso o devedor originário não esteja em condições de prestar os alimentos.

Nesta modalidade de obrigação alimentar, aplica-se a regra de proximidade, pela qual os parentes mais próximos excluem os mais remotos, sendo assim, os avós são os primeiros a serem chamados a concorrer quando os pais não puderem fazê-lo.

A carência de condições a que se refere o texto legal pode decorrer de diversos fatores, como a morte, ausência, desídia do devedor, atrasos constantes ou quaisquer outras situações que prejudiquem a subsistência do credor (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 628). Todavia, a estipulação do encargo aos avós não se dará de forma automática, somente sendo possível imputar-lhes tal responsabilidade mediante decisão judicial fundamentada, proferida em processo judicial sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a obrigação alimentar avoenga é complementar e subsidiária, razão pela qual é necessário esgotar as tentativas de recebimento dos devedores primários, com a edição da Súmula 596: “A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais”.

Havendo inadimplemento da obrigação alimentar pelo devedor, surge para o credor o direito de cobrá-lo judicialmente, por meio dos procedimentos de “Cumprimento de Sentença” (art. 528 a 533 do CPC), e “Execução de Alimentos” (arts. 911 a 913 do CPC), pelos quais o alimentando poderá lançar mão de diversos meios de recebimento compulsório da dívida, como o protesto judicial, penhora de bens, desconto em folha de pagamento, além de outras providências que o juiz entenda necessárias.

Dentre essas providências, o Conselho de Justiça Federal – CJF defende a possibilidade de levantamento de saldo de conta vinculada ao FGTS, conforme Enunciado 572, da VI Jornada de Direito Civil (2013), que diz que: “Mediante ordem judicial, é admissível, para a satisfação do crédito alimentar atual, o levantamento do saldo de conta vinculada ao FGTS”. Para Flávio Tartuce, trata-se de medida que proporciona menor onerosidade, além de garantir a dignidade das partes, pois o credor receberá o valor devido, ao passo que o devedor se vê livre do risco de ser preso (TARTUCE, 2016, p. 1421).

Existem ainda, outras medidas de cunho processual passíveis de serem aplicadas ao executado, conforme sustenta Marcelo Abelha Rodrigues, como a multa em favor do credor no montante de até 20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (vinte por cento) sobre o valor atualizado da dívida em execução, prevista no art. 774, parágrafo único, do Código de Processo Civil, além de medidas processuais coercitivas, ainda que atípicas, isto é, não previstas no ordenamento, como a apreensão de passaporte ou carteira de motorista, proibição de frequentar estádios de futebol, de ter cartões de crédito, conta bancária, dentre outras (RODRIGUES, 2018).

Apesar de todas estas possibilidades de cumprimento forçado da decisão alimentícia, a providência mais utilizada atualmente é a prisão civil. Trata-se de medida excepcionalíssima no ordenamento jurídico pátrio e goza de previsão constitucional, disposta no art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, bem como na Súmula Vinculante nº 25, que adequou o referido texto ao Pacto de San José da Costa Rica, proibindo a prisão civil do depositário infiel. É importante destacar que não há previsão de exceção na Carta Magna, podendo tal prisão ser aplicada a todos os devedores de alimentos decorrentes do parentesco.

A prisão civil não possui caráter de sanção penal punitiva, mas sim de meio de coercitivo para pagamento de dívida, como uma forma de causar pressão psicológica ao devedor pela ameaça ou pelo efetivo recolhimento prisional (MADALENO, 2007, p. 186). Portanto, o cumprimento do tempo estipulado não exonera o débito, assim como, havendo quitação, o devedor deve ser colocado em liberdade.

A legislação processual civil vigente adotou o critério da atualidade como recorte temporal da dívida alimentar capaz de sujeitar o devedor à prisão civil. Isso porque, nos termos do art. 528, § 7º, do Código de Processo Civil, apenas as três ultimas parcelas vencidas antes do ajuizamento da execução e as que se vencerem em seu curso, autorizam a coerção corporal. Com isso, sendo a dívida de alimentos relativamente antiga, a prisão civil, apesar de ser um importante meio coercitivo, poderá ser insuficiente para garantir a satisfação integral do débito. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery criticam esse entendimento, pois o devedor poderá deixar de pagar mais do que três meses e se livrar da prisão civil pagando valor muito abaixo do montante da dívida (NERY JUNIOR; NERY, 2015, p. 1316).

Além disso, o Novo CPC, após grande debate legislativo, positivou o entendimento já consolidado de que a prisão deve ser cumprida em regime fechado (art. 528, § 4º), sem qualquer menção a possíveis exceções, deste modo, o devedor deve permanecer durante todo o tempo no estabelecimento prisional, enquanto durar o prazo estipulado da segregação, que será de um a três meses.

2 A PROTEÇÃO AO IDOSO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Os direitos fundamentais têm como característica marcante a universalidade, logo, existem para todos, independentemente de suas condições. No entanto, à luz do princípio da isonomia, consagrado pelo pensamento de Aristóteles sobre “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”, a Constituição Federal Brasileira prevê proteção diferenciada aos idosos, pois, diante de sua condição de vulnerabilidade, estes indivíduos demandam cuidados especiais por parte da família, da sociedade e principalmente do Estado.

Desta forma, tornam-se sujeitos de direitos fundamentais próprios e gozam de proteção especial, conforme preconiza o art. 230 da Constituição Federal: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Com base nestas importantes definições constitucionais sobre os direitos dos idosos, foi promulgada em 2003 a Lei 10.741 – Estatuto do Idoso, com o objetivo de conferir maior efetividade aos direitos fundamentais destes cidadãos. A referida lei considera como idoso toda pessoa que possui idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Tal critério atende aos parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que conceitua o idoso pelo critério cronológico a partir dos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos de idade, de acordo com a expectativa de vida da população da nação a que pertence (BEZERRA, 2006, p. 6).

O ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio da proteção integral, que confere aos idosos direitos específicos em relação às demais pessoas, com prioridade absoluta (artigos 2º e 3º da Lei 10.741/03), em virtude da idade avançada destes, o que naturalmente implica em maior fragilidade, fazendo-se necessária a adoção de medidas para garantir-lhes a igualdade (PONTES, 2006, p. 16).

Desta forma, observa-se uma relevante evolução nos direitos fundamentais inerentes aos idosos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, tornando-os verdadeiros destinatários de proteção positivada no ordenamento jurídico, por meio de ações sociais e políticas públicas de cunho obrigatório, que devem ser reconhecidas e praticadas por toda a sociedade, a fim de viabilizar o exercício da cidadania e resgatar-lhes o merecido respeito (MARTINEZ, 2005, p. 14).

Com efeito, garantir aos idosos a mencionada proteção especial pelo ordenamento jurídico pátrio é uma forma a respeitar a condição de vulnerabilidade em que se encontram, ocasionada pelos efeitos do tempo, do desgaste natural sofrido pelo corpo humano, e pela sociedade, que muitas vezes discrimina o idoso, o exclui do convívio social e nega vigência aos seus direitos.

3 DA POSSIBILIDADE DE REGIME DIFERENCIADO NA PRISÃO CIVIL DO IDOSO

3.1 Do conflito normativo

Por todo exposto até aqui, nota-se que o idoso goza de proteção jurídica diferenciada no ordenamento pátrio, sendo destinatário de proteção especial do Estado, conforme previsto na Constituição Federal, além de haver legislação específica destinada à proteção de seus direitos.

Estas normas protetivas, no entanto, podem entrar em conflito com outras que, em tese, são incompatíveis com a proteção especial conferida ao idoso, gerando dúvida sobre qual delas deve prevalecer perante o caso concreto. Este conflito normativo, que pode ocorrer tanto no plano constitucional como na esfera infraconstitucional, possui grande relevância no mundo jurídico, na medida em que a aplicação de certas normas na relação jurídica em que o idoso é parte pode ser lesiva aos seus direitos fundamentais.

Segundo Luís Roberto Barroso, as normas jurídicas são a forma pela qual o direito se expressa, e são dotadas de cunho imperativo e obrigatório, com o objetivo de promover a ordem e a justiça na sociedade (BARROSO, 2009, p. 189). São, portanto, meios utilizados pelo Estado para organizar a sociedade, estabelecendo regras de conduta com efeito coercitivo, que devem nortear o comportamento dos cidadãos e do próprio Estado, muitas vezes acompanhadas de uma sanção aplicável à hipótese de descumprimento.

Dentre outras classificações, vislumbra-se a diferenciação estabelecida entre as normas jurídicas constitucionais e as demais, chamadas normas infraconstitucionais. Neste ponto, Barroso destaca a força normativa da Constituição e a supremacia das normas constitucionais diante das infraconstitucionais. Sendo assim, as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas de acordo com os princípios e regras constitucionais, de forma que “a Constituição funciona como parâmetro de validade de todas as demais normas jurídicas do sistema, que não deverão ser aplicadas quando forem com ela incompatíveis” (BARROSO, 2009, p. 197-198).

Neste contexto, os princípios e regras expostos na Constituição Federal atuam como parâmetro de elaboração, validade, aplicação e alcance das normas infraconstitucionais, de forma que a hierarquia daquelas normas é importante critério para interpretação do julgador, auxiliando na solução do conflito normativo.

Robert Alexy busca elucidar o conflito e a interpretação das normas estabelecendo diferenciação entre regras e princípios. Segundo o autor, toda norma é constituída de uma regra ou de um princípio: Princípios são “mandamentos de otimização”, que determinam que algo seja feito de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes, podendo haver relativização do princípio conforme tais condições se apresentem. Já as regras são “determinações” que impõem que algo seja feito exatamente da forma como está previsto, não havendo que falar em relativização, apenas se a regra será cumprida ou não (ALEXY, 2008, p. 90-91).

Nesse contexto, os princípios estabelecem os valores, objetivos, finalidades que um determinado Estado define como relevantes e fundamentais para a organização da vida em sociedade. Os princípios na Constituição Federal, conforme as lições de Barroso ora citadas, possuem força normativa, norteando a atuação estatal nas três esferas.

As regras, ao contrário, não têm a finalidade de nortear a atuação estatal por meio de valores ou objetivos sociais, mas de determinar a realização de algo, exatamente da forma prevista em seu conteúdo. Segundo Alexy, havendo possibilidade jurídica e fática para a incidência da regra, então deve prevalecer “definitivamente aquilo que a regra prescreve” (ALEXY, 2008, p. 104), ou seja, esta se aplicará integralmente, da maneira que o seu conteúdo determina, não havendo que se falar em maior ou menor incidência da regra.

Esta diferenciação implica em formas diversas de solução de conflitos. Para Alexy, a colisão entre princípios resolve-se pela determinação de qual deles tem precedência sobre o outro, isto é, qual terá maior peso diante do caso concreto. Define o autor que o conflito é resolvido “por meio de um sopesamento entre os interesses conflitantes” (ALEXY, 2008, p. 93-95). Para a solução do conflito entre regras, no entanto, não há discussão quanto ao peso desta no caso concreto, mas sim quanto à sua validade. Nesse sentido, Alexy afirma que a solução do conflito entre regras só é possível se houver previsão de exceção à regra, ou então, a declaração de invalidade desta (ALEXY, 2008, p. 92).

Havendo conflito, portanto, torna-se fundamental interpretar as regras conflitantes, objetivando estabelecer a invalidade de uma delas ou mesmo a possibilidade de se estabelecer uma exceção. Nesse aspecto, levando-se em consideração sua função norteadora, os princípios, notadamente os constitucionais, tornam-se parâmetros para a interpretação das regras e solução conflito.

Desta maneira, conclui-se que os valores, objetivos e orientações constantes das normas de caráter principiológico podem nortear o julgador na interpretação das regras, como forma de estabelecer uma exceção a esta, ou mesmo declarar sua invalidade perante o caso concreto.

Portanto, havendo conflito entre normas infraconstitucionais constituídas sob a forma de regras, uma destas terá que ser invalidada perante o caso concreto, ou dever-se-á viabilizar uma exceção a uma delas. Nesse contexto, a interpretação de tais regras conforme a Constituição faz-se necessária para encontrar a melhor solução para o caso.

3.2 A prisão civil em regime fechado em conflito com a proteção integral ao idoso

Uma vez que a legislação estabelece a extensão da obrigação alimentar aos avós, não é incomum que pessoas idosas se tornem devedoras de alimentos e, em caso de inadimplência, sujeitas à prisão civil.

Conforme já abordado, o Novo CPC positivou a regra de que a prisão civil deve ser cumprida em regime fechado. O Estatuto do Idoso, por sua vez, determina que os idosos devem gozar de proteção integral, bem como a garantia, com absoluta prioridade, do direito à vida, da preservação de sua saúde física e mental.

Deste modo, estando o idoso sujeito à sanção da prisão civil em virtude de inadimplemento da obrigação alimentar, vislumbra-se um conflito normativo de mesmo patamar hierárquico, entre a determinação expressa do cumprimento da prisão civil em regime fechado prevista no CPC e a igualmente expressa proteção integral aos direitos do idoso, com absoluta prioridade, consagrada pelo Estatuto próprio. Indaga-se, portanto, se seria possível, em eventual inadimplemento da obrigação alimentar avoenga, o cumprimento da prisão civil do idoso em regime aberto, semiaberto ou domiciliar, como forma de impor uma exceção à regra que determina, expressamente, o regime fechado.

A questão demonstra-se deveras complexa, uma vez que a coercibilidade da prisão civil repousa no efetivo cerceamento da liberdade do devedor em estabelecimento prisional, o que, em tese, o compele a realizar o pagamento do débito para obter a liberdade. Deste modo, a prisão em regime diverso do fechado perderia o seu condão coercitivo, não atingindo o fim a que se propõe, deixando o alimentando à míngua. Por outro lado, submeter o idoso ao precário e desumano sistema prisional brasileiro pode afetar profundamente sua saúde e sua dignidade, de modo desrespeitoso aos seus direitos fundamentais, o que, obviamente, não condiz com a proteção integral que lhe é conferida pelo ordenamento jurídico.

3.3 Da necessidade interpretação da regra conforme as normas constitucionais

Considerando que as regras determinam que algo seja feito exatamente da forma como está previsto em seu texto, tal conflito resolve-se pela previsão de uma exceção ou pela declaração de invalidade desta perante o caso concreto. Ambas as soluções demandam interpretação das normas em conflito.

Diante da inequívoca supremacia da Constituição Federal no ordenamento jurídico brasileiro, as demais normas existentes devem se subsumir aos valores e diretrizes fixados pela Lei Maior, funcionando esta como verdadeira norteadora da aplicação das regras, possibilitando que o julgador possa aplicá-las interpretando-as de acordo com os princípios constitucionais vigentes, visando alcançar o efeito pretendido pela norma constitucional (BARROSO, 2009, p. 319).

O Novo CPC segue essa linha de entendimento, ao dispor, logo em seu art. 1º, que o processo civil deverá se orientar pelos valores e normas estabelecidas na Constituição Federal. Observa-se, portanto, que já não basta aplicar a norma de forma indistinta. É preciso interpretá-la perante o caso concreto, com base nas disposições constitucionais.

Nesta perspectiva, a aplicação das regras jurídicas em conflito deve ser precedida de interpretação conforme as diretrizes estabelecidas pelas normas constitucionais. Assim, o julgador não deve se limitar a ser mero aplicador da norma, mas sim um interpretador desta.

Sob esse enfoque, Humberto Theodoro Junior et al. asseveram que “não é mais possível nos dias de hoje que um juiz trate de um caso tomando o Direito apenas como um apanhado de regras”. Aludem os referidos autores que desde Hans Kelsen entende-se que a norma compreende mais do que a simples literalidade da lei, mas sim sentido que dela se extrai, permitindo mais de uma interpretação de seu texto, proporcionado, assim, melhor aplicação do direito à realidade dos fatos (THEODORO JUNIOR et al., 2015, p. 39).

De tal modo, considerando-se as diretrizes constitucionais, é possível encontrar fundamentação para a solução do conflito apresentado. Isso porque, embora tanto o instituto da prisão civil como a necessária proteção ao idoso possuam previsão constitucional, eles estão dispostos na Lei Maior de forma distinta, veja-se:

A prisão civil, à luz dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, está disposta na Constituição como um instituto que deve ser evitado ao máximo, somente aplicando-se em casos excepcionalíssimos, conforme se depreende do próprio texto constitucional, que define que a prisão civil só será aplicada em caso de “inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia”.

A proteção diferenciada ao idoso, entretanto, está prevista como uma ação afirmativa, uma diretriz a seguida pelo Estado, pela sociedade e pela família, como uma garantia ampla direcionada a uma classe de indivíduos, em virtude da condição de vulnerabilidade em que naturalmente se encontram.

Desta forma, tais parâmetros constitucionais funcionam como fundamentos de interpretação ao julgador, de forma a possibilitar que a regra que determina a prisão civil em regime fechado possa admitir uma exceção, mesmo que não haja previsão nesse sentido no ordenamento, quando o destinatário da sanção coercitiva for um idoso.

No sentido de firmar posicionamento doutrinário acerca da possibilidade de cumprimento da prisão civil em regime diverso do fechado, foi aprovado durante a VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal o Enunciado 599:

Deve o magistrado, em sede de execução de alimentos avoengos, analisar as condições do(s) devedor(es), podendo aplicar medida coercitiva diversa da prisão civil ou determinar seu cumprimento em modalidade diversa do regime fechado (prisão em regime aberto ou prisão domiciliar), se o executado comprovar situações que contraindiquem o rigor na aplicação desse meio executivo e o torne atentatório à sua dignidade, como corolário do princípio de proteção aos idosos e garantia à vida.

Como justificativa à sua elaboração, argumentou-se que a prisão civil, embora seja eficaz ao recebimento da verba alimentícia, não pode ocorrer de forma a causar prejuízo à sobrevivência do alimentante. No caso de alimentos prestados por avós, que em sua maioria são idosos, além de tratar-se de verba de caráter subsidiário, há a necessidade de prestar maiores cuidados a estes na velhice, em virtude da maior possibilidade de serem acometidos por problemas de saúde e necessitarem arcar com gastos excepcionais, como os tratamentos médicos, que muitas vezes impossibilitam o cumprimento da obrigação. Nesse contexto, a obrigação alimentar avoenga não poderia se colocar no mesmo patamar que a obrigação alimentar dos pais. Assim, buscou-se viabilizar a prisão domiciliar aos idosos devedores de alimentos avoengos.

Todavia, tal hipótese comporta críticas por parte da doutrina, em virtude da perda da eficácia coercitiva da prisão regime domiciliar. Assim entende Araken de Assis, que aduz a necessidade de deixar claro ao devedor de alimentos que o descumprimento de sua obrigação ensejará aplicação de pena dura e rigorosa, sendo assim, a prisão domiciliar não enseja nenhum estímulo de pagamento sobre o devedor, além da excessiva dificuldade do controle do confinamento, muitas vezes improvável (ASSIS, 2013, p. 1.077-1.078).

Tal crítica é louvável e digna de considerações por seus concretos fundamentos, entretanto, conforme bem fundamentado pela justificativa ao Enunciado 599 do Conselho da Justiça Federal, não se deve equiparar a obrigação alimentar dos pais à avoenga. A peculiaridade desta obrigação e das condições em que os idosos, em geral, se encontram permite estabelecer uma exceção à regra. Há doutrinadores que, inclusive, defendem a prisão civil em regime não fechado como regra, consoante Paulo Lôbo, que assevera que a pena deve ser cumprida em regime aberto em casas de albergado, ou em regime domiciliar na falta destas, pois não se pode equiparar o alimentante inadimplente aos custodiados em razão de ilícitos criminais (LÔBO, 2011, p. 395). No mesmo sentido, Rolf Madaleno destaca a viabilidade de prisão civil domiciliar por acarretar constrangimento pessoal e social ao devedor de alimentos (MADALENO, 2007, p. 256).

Desta forma, caminha corretamente a doutrina no sentido de viabilizar a prisão civil do idoso em regime não fechado, de forma a resguardar seus direitos fundamentais e observar a necessária proteção especial e integral que lhe é conferida pelo ordenamento jurídico pátrio.

Demais disso, poder-se-ia argumentar que, ao resguardar os direitos do idoso, estar-se-ia violando os direitos do alimentando, em regra, crianças e adolescentes, que também gozam de proteção especial. No entanto, entende-se que é possível garantir o direito aos alimentos sem necessariamente violar os direitos do idoso, mormente porque existem outros meios eficazes para o recebimento da verba alimentícia e que em muitos casos demonstram-se mais efetivos perante o idoso do que a prisão civil, como é o caso do desconto em folha de pagamento, do protesto judicial da dívida, inclusão em cadastros de inadimplentes e da penhora online.

Portanto, do ponto de vista doutrinário, é possível vislumbrar a possibilidade da prisão civil do idoso em regime diverso do fechado, especialmente o domiciliar, conforme as condições pessoais do devedor, sendo que, para a satisfação da dívida, outros meios eficazes e menos gravosos devem ser aplicados pelo julgador.

Há outro ponto (constitucional) que poderia passar desaparecido. Mas acredita-se – mesmo que para fins de homenagem ao debate – que seria salutar colocar em questão a constitucionalidade da premissa de toda a celeuma que gera a problemática deste ensaio: a (im)possibilidade subsidiária avoenga em casos de prestação alimentícia.

Ao contrário de alguns poucos outros países, o Brasil adotou a postura segundo a qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (art. 5º, XLV, CF).

Por óbvio, o leitor do presente ensaio poderia indagar/contrapor sobre essa alegação. Poderia asseverar que o referido dispositivo supracitado não se amoldaria à presente discussão. E isso basicamente por duas razões:

1) O inciso XLV se refere às penas no âmbito do direito penal e o presente estudo foge dessa esfera ao enfrentar o aspecto cível;

2) Poder-se-ia alegar que a vedação da “transferência” a terceiro não é algo incomum em nosso ordenamento, tendo em vista que são inúmeras as hipóteses dessa ocorrência, como, por exemplo, as dívidas do falecido que passam a ser de responsabilidade do herdeiro.

Bem, esses dois argumentos, a princípio plausíveis, possuem o efeito oposto: qual seja, o de fortalecer a tese aqui a ser exposta. Em verdade, ir mesmo além dela.

Ora, se o inciso XLVI, do art. 5º, CF tem o condão teleológico de impedir o efeito metaindividual em razão do rigor da pena imposta, com mais razão ainda teríamos a possibilidade de realizar tal raciocínio quando se tratar de uma pena essencialmente de cunho criminal (ou seja, com rigor similar), mas com uma causa não penal (ou seja, uma causa cível por inadimplemento).

Em outras palavras, se o constituinte ao vislumbrar a seriedade da tipicidade penal resolve, assim mesmo, não “transferir” suas consequências a terceiro, quanto mais não se poderia extrair – no sentido hermenêutico – quando o que houve foi uma “tipicidade cível” (inadimplemento).

Nesse sentido, poder-se-ia, ao menos para o fim de reflexão, não apenas tergiversar a respeito da impossibilidade de não se aplicar o regime fechado, como preconiza o novo código de processo civil, mas também questionar a própria constitucionalidade da responsabilidade subsidiária avoenga, tendo em vista que os efeitos do não cumprimento judicial geram efeitos tipicamente penais.

Em outras palavras, e por fim, caberia indagar: uma causa-infração derivada de um tipo penal recebe uma mitigação constitucional; por outro lado, a mesma constituição não concederia a mesma mitigação quando a causa-infração deriva de um “tipo” cível?

3.3.1 O entendimento jurisprudencial

Com o advento no Novo CPC, a teoria dos precedentes tornou-se ainda mais relevante à solução de conflitos, pois o julgador deve orientar-se por meio dos precedentes ao proferir a sentença, conforme determina o art. 489, § 1º, arts. 926, 927 e 928, todos do CPC. Sobre a importância da jurisprudência, Humberto Theodoro Junior et al. asseveram a relevante função da jurisprudência como forma de garantir segurança jurídica nas relações humanas e nos negócios jurídicos, cabendo aos Tribunais interpretar e aplicar a lei utilizando-se dos precedentes para atingir tal finalidade (THEODORO JUNIOR et al., 2015, p. 56). Com efeito, a correta utilização dos precedentes como forma de uniformizar e solidificar a jurisprudência permite novas interpretações aos comandos normativos, de forma a adequá-los aos fins propostos pela Lei Maior.

Nesse sentido, nota-se que a jurisprudência por vezes admite a prisão civil do idoso em regime não fechado, contudo, tal posicionamento ainda não é pacífico, havendo decisões em ambos os sentidos, veja-se:

No ano de 2013, o STJ, em julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus – RHC 38824/SP, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, determinou o cumprimento da prisão civil de uma avó de 77 anos de idade devedora de alimentos em regime domiciliar, fundamentando tratar-se de hipótese excepcionalíssima, que visava prestigiar a dignidade da pessoa humana, evitando que a pena adquirisse caráter cruel ou desumano para a devedora, depois de sopesados os interesses envolvidos no litígio. Neste caso, foi preponderante o fato de a devedora de alimentos ser pessoa de idade avançada e portadora de doença grave.

Recentemente, no entanto, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), ao julgar o Agravo de Instrumento nº 1402403-88.2016.8.12.0000, negou tal possibilidade, mesmo se tratando de caso semelhante. Neste julgamento, o fato de o devedor ser idoso e portador de doença grave não foram suficientes para afastar o cumprimento da prisão civil em regime fechado, embora o próprio Tribunal reconheça que tais situações são suficientes para possibilitar que a prisão civil ocorra em regime domiciliar. Vê-se, portanto, que casos semelhantes tiveram decisões diversas no âmbito do STJ e do TJMS.

Registre-se, por oportuno, outros dois casos semelhantes recentes que igualmente tiveram julgamentos diversos no que tange à possibilidade do cumprimento da prisão civil em regime não fechado:

No primeiro deles, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao julgar o HC nº 0048777-26.2014.8.19.0000, negou a ordem requerida em sede de Habeas Corpus, sob o entendimento de que a prisão civil não se confunde com a criminal, sendo impossível a concessão do benefício do regime domiciliar.

Já no segundo caso, HC nº 0135722.20.2015.814.0000, o Tribunal de Justiça do Pará reconheceu que a condição de idoso e portador de doença grave seria suficiente a autorizar a prisão civil domiciliar, como forma de “prestígio à dignidade da pessoa humana”.

Portanto, percebe-se, pelo entendimento jurisprudencial pátrio, que a condição de idoso seria apta a autorizar o cumprimento da prisão civil em diverso do fechado, notadamente em regime domiciliar, desde que acompanhada de doença grave.

Contudo, por vezes nem mesmo o reconhecimento de tais condições tem sido suficiente para estabelecer uma exceção à regra perante o caso concreto, de forma a afastar o cumprimento da prisão civil do idoso em regime fechado, havendo decisões diversas em casos semelhantes, de modo que não há previsibilidade nem segurança jurídica no entendimento jurisprudencial atual.

3.3.2 Considerações acerca do Projeto de Lei nº 151/2012 do Senado Federal

Como uma possível solução para proporcionar maior segurança jurídica ao idoso quanto à possibilidade de prisão civil em regime diverso do fechado, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 151/2012, que tem como Relator o Senador Paulo Paim.

Inicialmente, o projeto visava acrescentar ao Estatuto do Idoso e à Lei de Alimentos a vedação integral à prisão civil do idoso. Na justificativa do projeto, argumentou-se que muitos avós idosos são presos civilmente em virtude da irresponsabilidade de seus filhos, causando grande humilhação e injustiça a pessoas de saúde frágil e com altos gastos com medicamentos.

Todavia, após parecer da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, apresentou-se emenda substitutiva, do Senador Humberto Costa, no sentido de modificar o projeto de lei para alterar o CPC, a Lei de Alimentos e o Estatuto do Idoso, para proibir somente a prisão civil do idoso decorrente de obrigação alimentar de natureza subsidiária.

Finalmente, após análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, decidiu-se por meio de nova emenda substitutiva, do Senador Paulo Bauer, que deveria haver inovação legislativa no sentido de alterar o Estatuto do Idoso visando possibilitar ao juiz a decisão quanto à melhor forma de cumprimento da prisão civil da pessoa idosa, autorizando este a decretá-la em regime domiciliar, conforme as condições de saúde do devedor.

O relator considerou que a solução não é simplesmente proibir a prisão civil, pois esta seria eficaz ao pagamento da obrigação alimentar, além do fato de que nem todos os idosos possuem condição de fragilidade, mas o alimentando, ao contrário, possui necessidade de receber os alimentos. Em suas palavras, o projeto visa regulamentar explicitamente o entendimento jurisprudencial dominante, como forma de evitar decisões judiciais em sentido contrário. Assim, o projeto atual visa acrescentar ao Estatuto do Idoso o art. 71-A, com a seguinte redação:

Art. 71-A. Nas hipóteses permitidas em lei de prisão por inadimplemento de dívida de alimentos, se o devedor for idoso, o juiz deverá estabelecer a melhor forma de cumprimento da prisão, de acordo com as circunstâncias de saúde do devedor.     

Parágrafo único. No caso do caput deste artigo, o juiz, se entender necessário, poderá fixar prisão domiciliar, admitida, nesse ponto, a aplicação da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, no que couber.

Cabe ressaltar que o presente projeto ainda está em fase de tramitação no Congresso Nacional, mas, se aprovado na forma em que se encontra atualmente, tornar-se-á uma clara hipótese de exceção à regra da prisão civil em regime fechado, capaz de conferir maior previsibilidade e segurança jurídica aos idosos no que tange à possibilidade de cumprimento da prisão civil em regime domiciliar, corroborando com o entendimento doutrinário e jurisprudencial ora apresentado.

CONCLUSÃO

Com base em princípios constitucionais como a solidariedade e reciprocidade, os avós, em geral pessoas idosas e que gozam de proteção diferenciada no ordenamento jurídico pátrio, podem ser compelidos judicialmente a prestar assistência material aos seus netos por meio do pagamento de pensão alimentícia. O descumprimento de tal obrigação, entretanto, enseja ao devedor a sanção coercitiva da prisão civil, que, por disposição expressa do novo CPC, deve ser cumprida em regime fechado.

Tal regra coloca-se em confronto com as disposições contidas no Estatuto do Idoso, que, regulamentando disposição constitucional, prevê prioridade absoluta à garantia da vida, saúde e integridade física e psíquica das pessoas maiores de 60 anos.

Diante deste conflito normativo, a solução apresentada é o estabelecimento de uma cláusula de exceção em uma das regras. A ausência de previsão expressa desta exceção, contudo, gera divergência doutrinária e jurisprudencial, acarretando decisões conflitantes, permitindo ou negando a prisão civil em regime não fechado.

Todavia, a interpretação das normas conforme a Constituição tem fornecido subsídio à solução do conflito. A diretriz constitucional relativa à prisão civil limita sua aplicação, de forma cada vez mais restritiva e excepcional. A proteção ao idoso, ao contrário, é prevista de forma positiva, ampla, impondo ao Estado, à sociedade e à família garantir cada vez mais os direitos fundamentais destes. Assim, tais disposições constitucionais permitem a interpretação das normas infraconstitucionais possibilitando uma exceção à prisão civil em regime fechado quando o devedor for pessoa idosa.

A doutrina majoritária assim caminha, reconhecendo que a aplicação do regime domiciliar ao idoso preso civilmente é legítima. No mesmo sentido direciona-se a jurisprudência, na medida em que os julgadores abstêm-se de aplicar a norma de forma indistinta e abstrata, buscando interpretá-la conforme a Constituição perante o caso concreto. Assim, os Tribunais têm firmado entendimento de que a prisão civil domiciliar do idoso é possível, analisadas suas condições peculiares. Por fim, o Projeto de Lei 151/2012 do Senado, se aprovado, poderá positivar tal entendimento.

Diante de todo exposto, conclui-se pela possibilidade da prisão civil do idoso devedor de alimentos avoengos em regime não fechado, especialmente o domiciliar, não havendo razão para que os julgadores deixem de lhes conceder tal benefício somente pela falta de previsão legal expressa, vez que a norma deve ser interpretada conforme a Constituição, sopesados os interesses conflitantes.

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