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ESCLARECIMENTOS SOBRE A LEI Nº 14.010/2020 (LEI DA PANDEMIA)

ESCLARECIMENTOS SOBRE A LEI Nº 14.010/2020 (LEI DA PANDEMIA)

Gisele Leite

A lei fora recepcionada por cidades desertas, comércios fechados e pessoas em isolamento social e, ainda, mantendo o distanciamento social, pois requer, sempre que possível, evitar a aproximação física com as demais (no mínimo um metro e meio). Um vírus chamado coronavírus, o covid-19, saído de uma pacata cidade chinesa, veio espalhar e causar desolação e óbitos pelo mundo inteiro. Mas convém assinalar que vírus não tem nacionalidade, logo, não é chinês.

Ainda em 30 de janeiro de 2020, a OMS externou seu temor ao patógeno invisível, porém poderoso, e veio a decretar a emergência em saúde pública[1]. Mais tarde, em 11 de março, veio decretar reconhecendo a pandemia em face do covid-19[2]. Em nosso país, não bastasse à crise sanitária, acumulamos ainda, latinamente, a crise institucional juntamente com a crise política.

No dia 3 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde editou a Portaria GM/MS nº 188/2020 para declarar a Emergência em Saúde Pública e Importância Nacional, conhecido pelas iniciais Espin[3].

 Em 6 de fevereiro de 2020, nasceu a Lei da Covid-19 (a Lei nº 13.979/2020)[4], que prevê medidas destinadas ao enfrentamento da situação emergencial, como a quarentena e o isolamento social.

Diversas medidas provisórias[5] e outras leis infraconstitucionais multiplicam-se tanto quanto o atroz vírus. Governadores decretam medidas de restrição de circulação de pessoas e de comércio e editam róis de serviços e atividades essenciais[6] que gozam de permissão especial para manter-se em funcionamento.

Nosso Congresso Nacional edita o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, em que formalmente reconhece o estado de emergência pública para flexibilizar as rígidas regras orçamentárias. Tais medidas impactaram com rigor todas as relações de direito privado. Empresas não pagaram seus fornecedores e seus empregados. Inquilinos suspenderam pagamentos de aluguel e de taxas de condomínios, rezando para não serem despejados. Há ainda uma horda de milhões de pessoas invisíveis que estão sem o pão nosso de cada dia[7].

A vida em condomínios também sofre, pois síndicos podem vedar a livre circulação em áreas comuns dos prédios, despertando a ira de alguns condôminos pouco cuidadosos e crédulos na letalidade virótica. As assembleias condominiais, de presenciais, passam a ser virtuais. E as demais reuniões também seguem o mesmo rito.

Todos os ramos do direito civil foram impactados sem que a legislação conseguisse organizar o caos causado pela pandemia. Enfim, a covid-19 tornou-se o protagonista das produções acadêmicas especiais.

O Senado Federal, por meio do Projeto de Lei nº 1.179/2020, deu à luz o RJET, regime jurídico emergencial e transitório de direito privado. E abordou diversas áreas jurídicas, como prescrição e decadência, sucessões, prisão civil de inadimplente de pensão alimentícia, prisão domiciliar, assembleias virtuais de pessoas jurídicas, condomínio edilício, usucapião e contratos[8].

A inspiração veio da França, da Primeira Guerra Mundial. Em 1918, os franceses editaram a famosa Lei Faillot[9] para tratar da revisão de contratos que haviam sido atingidos pelas contingências econômicas de uma guerra. Era lei transitória, limitada aos três meses seguintes ao encerramento da guerra.

A segunda inspiração veio dos parlamentos de outros países, especialmente o alemão, provendo a Lei de Atenuação dos Efeitos da Pandemia da Covid-19 no Direito Civil, Falimentar e Recuperacional[10]. Tal lei flexibilizou os contratos e outras figuras de direito privado em meio às incertezas causadas pelo poderoso vírus.

O atual Presidente da República vetou dispositivos nucleares do projeto de lei original, até no que toca às relações contratuais.

Logo no início, a lei, em caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de direito privado em virtude da pandemia do covid-19, considerou 20 de março de 2020 como a data de publicação do Decreto Legislativo nº 6/2020, tido como termo inicial para os eventos derivados da pandemia.

Sublinhe-se que a suspensão de normas referidas não implica revogação ou alteração. Há três diretrizes que guiam tal lei. Não modifica nenhum dispositivo do Código Civil brasileiro vigente, nem de outra lei. E a lei só se endereça aos fatos jurídicos aturdidos pelo caos socioeconômico causado pela pandemia.

A segunda diretriz tomada é a data inicial precisa, que é 20 de março de 2020, e, a partir daí, há a presunção absoluta de que os reveses que atingem as relações jurídicas de direito privado advinham da pandemia. A data escolhida é em função da notoriedade da desordem causada, o que autorizou flexibilizações orçamentárias na forma do art. 65 da LRF.

Paira uma dúvida: no período anterior à data fixada, pode ou não ensejar revisões contratuais, suspensão da prescrição ou de outros fenômenos de direito privado? Apoiada em doutrinadores de escol, Flávio Tartuce, Pablo Stolze, Carlos Eduardo de Oliveira e Cláudia Lima Marques, a resposta é sim.

Em particular entendimento, a data ideal que deveria ser fixada era 3 de fevereiro de 2020, da Portaria GM/MS nº 188.

A terceira diretriz da dita lei é positivada, pois suas regras já seriam alcançadas com base em princípios ou regras anteriores. De sorte que, mesmo na ausência da presente lei, vários casos concretos poderiam ser resolvidos da mesma maneira. Mas veio o diploma legal emergencial apenas objetivamente dar maior tranquilidade, apontando cristalinas soluções com base nos princípios e cláusulas gerais.

Afinal, o impedimento e a suspensão, sem a Lei do RJET, poderiam ser defendidos com base no simples princípio contra non valetem agere non currit praescriptio, vez que temos a paralisação dos prazos.

Dessa derradeira diretriz, pode-se entender que os fatos anteriores a essa lei poderão ainda alcançar, conforme cada caso concreto, soluções similares e previstas no texto legal emergencial. E o fundamento reside na principiologia e nas cláusulas gerais vigentes antes da criação do dito diploma legal emergenciais.

Cumpre assinalar que a Lei do RJET, em momento algum, haverá de desrespeitar a vedação à retroatividade, mesmo a mínima, diante de atos jurídicos perfeitos, do direito adquirido e da coisa julgada.

Lembremos que, uma vez celebrado o contrato, este se torna ato jurídico perfeito, e carreiam as regras de direito material da época, para determinar as condições contratuais[11], como preço, forma de pagamento etc. Não pode o legislador, posteriormente, aviltar tais regras de direito material, sob pena de incorrer na proibida retroatividade contra ato jurídico perfeito.

No entanto, casos concretos anteriores poderão ser resolvidos da mesma forma anunciada e prevista na Lei do RJET por uma verdadeira coincidência jurídica, ou seja, por princípios e as cláusulas gerais anteriores que podem redundar no mesmo resultado prático.

Cumpre sublinhar que o novo diploma legal emergencial veio atingir em cheio a Parte Geral do Código Civil brasileiro, no âmbito da prescrição e da decadência, na regulação das pessoas jurídicas de direito privado.

No art. 3º, a lei informa que os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensivos, a partir da data da entrada em vigor da lei até o dia 30 de outubro de 2020. Não se aplica tal dispositivo legal enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional. Igualmente se aplica à decadência[12], com a ressalva do art. 207 do CC de 2002.

A legislação prevê diversas causas de impedimento e de suspensão da prescrição. A princípio, não existe diferença ontológica entre estas, pois ambas resultam na paralisação do prazo prescricional. E a sua diferença fática é quanto ao termo inicial, pois, no impedimento, o prazo nem começou a correr, ao passo que, na suspensão, o prazo já se encontrava fluindo, quando “congela-se“, enquanto pendente a causa suspensiva.

O mesmo dispositivo legal, porém, autoriza hipótese de impedimento do curso prescricional, se a dívida for contraída na constância de sociedade conjugal.

Exemplificando: Juarez é credor de Mariana de uma dívida já vencida e exigível constante em instrumento público ou particular, estando em curso o prazo prescricional, para se formular a pretensão condenatória, por meio da ação de cobrança de cinco anos. Dois anos após a data de vencimento da dívida, contraem matrimônio, por força do qual o prazo prescricional ficará suspenso até a dissolução da sociedade conjugal.

E, no caso, se decretada a separação judicial ou o divórcio, o prazo prescricional continuará a correr, computados os dois anos já transcorridos, até que o credor atue ou seja atingido pelo limite máximo da prescrição. De sorte que o matrimônio, in casu, atuou como causa suspensiva da prescrição.

Se, todavia, Mariana, respeitado o regime de separação de bens, vier a contrair dívida perante João, no curso do casamento, o prazo prescricional ficará impedido de correr até a dissolução da sociedade conjugal.

Almejou o legislador pátrio, em face da grave situação socioeconômica, desencadeada pela pandemia do coronavírus, obstar o transcurso do prazo prescricional, visando, com isso, a resguardar os interesses de credores em geral. Conclui-se que ficam impedidos ou suspensos, portanto, paralisados os prazos prescricionais para se formular a pretensão em juízo, o que se explica em face da desordem derivada da pandemia, inclusive com forte influência na rotina na justiça brasileira.

Convém ainda registrar, em protesto veemente, a ausência[13] do exercício da advocacia privada dentro do rol de atividades essenciais previstas nos decretos que regulamentaram o § 8º da Lei nº 13.979/2020, de modo que resta evidente que também a advocacia privada está sujeita às restrições de quarentena e isolamento social impostas pelo Poder Público.

E, a depender das medidas impostas pelo Poder Público[14] local, haverá justo motivo que impede a parte e o advogado de distribuírem tempestivamente as ações judiciais antes do término fatal do prazo prescricional.

O art. 3º trata-se de regra supletiva ou subsidiária, com relação aos prazos prescricionais. E, também, aplicam-se ao prazo decadencial como aqueles previstos pelo art. 26 do CDC (30 ou 90 dias) para se exercer o direito potestativo de se reclamar em juízo. É uma exceção legal à regra geral, pois, em geral, não se suspende e nem se interrompe a fluência do prazo decadencial.

Ressalve-se que a paralisação ampla e irrestrita de prazos prescricionais só se aplica entre 10 de junho até 30 de outubro de 2020.

Defende-se que positivamente é possível arguir a mesma paralisação específica de prazos prescricionais com base no princípio do contra non valentem agere non currit praescriptio[15]. Não obstante existir doutrinador a defender que as hipóteses de impedimento e suspensão de prescrição estão arroladas taxativamente, o STJ expressamente já admite outras situações de paralisação de prazos mesmo sem previsão legal, a exemplo da Súmula nº 229 do STJ [16].

In casu, é razoável considerar que, a partir de 3 de fevereiro de 2020 (data da Portaria GM/MS nº 188/2020), quando já se podia presumir que a pandemia já impunha óbices para os titulares de direitos violados adotarem devidos atos de cobrança, a bloquear a fluência do prazo prescricional, salvo prova em contrária no caso concreto.

Antes de 3 de fevereiro de 2020, apesar de os rumores acerca do perigo da covid-19 já estarem ecoando no Brasil, não era razoável entender que tenha havido obstáculos ao titular do direito para formular a sua respectiva pretensão em juízo, salvo prova contrária no caso concreto (por exemplo: se o titular do direito estava retido na Cidade de Wuhan em janeiro de 2020 sem poder voltar ao Brasil para cobrar a satisfação de seu direito).

A única exceção que se pode admitir é na hipótese de as medidas de restrição de circulação de pessoas derivadas de a pandemia perdurarem para além de janeiro de 2021, caso em que o titular do direito deverá praticar o ato de cobrança em um prazo razoável após a cessação dessas restrições de circulação, sob pena de perda eficácia da suspensão do prazo prescricional. Esse prazo máximo deve ser de sessenta dias, segundo o postulado de razoabilidade na acepção de equidade, segundo os doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Carlos E. Elias de Oliveira.

Em resumo, perde a eficácia a paralisação do prazo prescricional previsto no art. 3º se o titular do direito não praticar nenhum ato de cobrança (exigibilidade) até 1º de janeiro de 2021 ou, se for o caso, em um prazo máximo de 60 dias, após a cessação de medidas de restrição de circulação de pessoas decorrentes da pandemia. Trata-se de interpretação restritiva adequada.

A assembleia geral, até para fins do art. 59 do CC, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão em atos constitutivos da pessoa jurídica de direito privado.

A manifestação de participantes também poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.

Prevalece a exigência de quórum para prover as deliberações da assembleia, bem como os critérios de eleição de administradores.

Tal previsão legal respeita as diretrizes sanitárias e afasta eventual nulidade pela ausência de observância de requisito formal consistente no pregão e encontro presenciais. O administrador está autorizado, pelo art. 5º, a definir, sozinho, o meio eletrônico que será utilizado, desde que ele garanta identificação e segurança do voto.

Evidentemente que a assembleia, que é soberana, poderá deliberar por outro meio eletrônico para os encontros seguintes, de maneira que apenas a primeira assembleia será na forma indicada pelo administrador.

Não obstante o silêncio da lei, a comunicação entre os participantes da assembleia não precisa ser necessariamente oral, podendo ser também por escrito.

Entende-se que o meio de comunicação instantânea (on-line) com plataformas de chat, tal como grupo de Whats App ou videoconferências (com aplicativo Zoom). Não há necessidade de assinatura física de cada participante, e nem a necessidade de os membros valerem-se de assinatura eletrônica no âmbito do ICP-Brasil.

A ata deverá ser redigida unilateralmente pelo administrador atestando o que viu e ouviu na plataforma eleita, e, se possível gravar, para ter cópias das conversas e manifestações de cada membro, que poderá servir de prova cabal.

Para cadastro de cada participante, se o administrador tiver o número telefônico ou e-mail de cada um destes, poderá valer-se dessas informações para viabilizar a comunicação eletrônica. Caso contrário, deverá entrar em contato com o membro pela via cabível para cadastrá-lo na plataforma virtual a ser utilizada.

O art. 7º ainda enunciava que não são considerados como fatos imprevisíveis, para fins exclusivos dos arts. 318, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do padrão monetário. Também fora alvejado pelo veto presidencial[17].

A respeito das regras sobre revisão contratual previstas na Lei nº 8.079, de 11 de setembro de 1990 (CDC), e na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, não se sujeitam ao disposto no caput deste artigo.

O art. 8º afirma que, até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do CDC na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos.

Quanto ao direito de arrependimento em favor do consumidor nos contratos celebrados a distância (fora do estabelecimento comercial) especialmente por telefone ou a domicílio, o consumidor tem direito de, nos sete dias seguintes ao recebimento do produto ou do serviço ou à data da celebração do contrato, desfazer o contrato e receber de volta todos os valores já pagos com atualização monetária. Tal prazo é chamado de prazo de reflexão[18].

Não se trata de uma resilição unilateral, prevista no art. 473 do CC, pois esta é, na verdade, uma hipótese de inadimplemento absoluto causado pelo fato da vontade unilateral e imotivada da parte. E, por ser um inadimplemento, a parte haverá de suportar toda as consequências da inadimplência, como o pagamento de multas e de eventual indenização.

Trata-se de uma condição resolutiva puramente potestativa admitida por lei: o consumidor desfaz o contrato imotivadamente por vontade unilateral e sem dever de pagar qualquer multa por não se tratar de inadimplemento contratual.

Igualmente, não se cuida de uma resolução motivada do contrato por vício do produto ou do serviço[19] (arts. 12 e seguintes do CDC) ou por descumprimento, pelo fornecedor, de deveres anexos (como o dever de informação, de proteção, de cooperação, de qualidade etc.). Esses últimos representam hipóteses de desfazimento de contrato por justo motivo, a impor, inclusive, que o fornecedor submeta-se a todas as punições decorrentes do inadimplemento contratual, como pagar indenização.

É bom recordar que o fundamento principal do direito de arrependimento do consumidor, ou seja, sua ratio essendi, é que, nos contratos à distância, o dito consumidor não tem contato direto com o produto, bem como não tem amostras do serviço contratado, além de, notadamente em compras pela internet, ou mesmo em aplicativos, não haver tido algum auxílio técnico na realização da contratação, nem acesso a todas as informações pertinentes ao produto ou serviço.

Por essa nobre razão, é assegurado, pelo art. 49 do CDC, um prazo de reflexão para impunemente desistir do contrato, ou seja, da compra ou contratação.

Em doutrina pátria, já existe voz que confira interpretação extensiva ao art. 49 do CDC[20]para casos que escapem a tal ratio essendi.

Exemplificando: é o caso de compras de produtos para consumo imediato, no mesmo dia, por telefone, aplicativos ou internet. Caso alguém contrate restaurante oriental e solicita alguma comida típica oriental em serviço de delivery, não faz sentido, após ter recebido o prato, e já consumido, que o consumidor venha exercer direito de arrependimento após sete dias.

Também não é razoável tal extensiva interpretação, pois escapa dos ditames da boa-fé objetiva, pois poderá a comida já ter perecido, e porque o regime de delivery não agregou diferença prática e sensível em relação aos pedidos realizados dentro do restaurante. Afinal, o cliente não tem direito à amostra grátis, de sorte que o art. 49 do CDC deve ser devidamente flexibilizado para hipóteses de compra de produto para consumo imediato.

Caso o prato viesse estragado ou contendo alguma contaminação de parasitas, nesse caso o consumidor teria direito à devolução de seu dinheiro dado em pagamento e, ainda, a indenização, pois estaríamos diante de responsabilidade por vício do produto, vide art. 12 do CDC[21]. Não se cogitaria de direito de arrependimento contido no art. 49 do CDC.

A razão de ser do art. 8º da Lei do RJET positivou que até pelo menos o dia 30 de outubro de 2020 é a data escolhida pelo legislador pátrio tida como o de provável fim de transtornos da pandemia da covid-19 no Brasil.

Não se ignora, porém, que, com o fechamento de estabelecimentos comerciais e afins e ainda a reclusão de pessoas em seus domicílios, por força de isolamento social e de quarentena, houve exponencial aumento de vendas em regime de delivery, por isso, no fito de oferecer maior margem de segurança jurídica aos fornecedores, o referido dispositivo deu interpretação extensiva ao art. 49 do CDC, especificamente para dois produtos essenciais, a saber: bens perecíveis ou de consumo imediato, como os casos de pedidos de pratos de comida por delivery e os de medicamentos.

Em resumo, fica suspenso o direito potestativo do consumidor, até dia 30 de outubro do corrente ano, previsto no art. 49 do CDC no sentido de rejeitar imotivadamente a compra na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de imediato consumo ou de medicamentos.

A doutrina e a jurisprudência estão livres para debater sobre a adequada interpretação do art. 49 do CDC e poderão mesmo optar por interpretação diversa da acolhida pelo art. 8º, reforçando que a ideia primacial é oferecer maior margem de segurança jurídica durante o período excepcional da pandemia.

O art. 9º[22] da referida lei indicava que não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59, § 1º, I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245/1991, até 30 de outubro de 2020. Foi vetado pelo Presidente da República[23]. É notório que comportamentos oportunistas surgiriam em razão da referida vedação, prejudicando o direito de propriedade, direito fundamental constitucionalmente assegurado.

Quanto à usucapião, segundo o art. 10 da referida lei, suspenderam-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária e mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da vigência desta lei até 30 de outubro de 2020.

Em tempo, convém recordar que, pelo Código Beviláqua, a usucapião era tratada como prescrição aquisitiva, não obstante haver controvérsia sobre a natureza jurídica da usucapião. O fato é que o legislador pátrio, no art. 1.244 do CC, estendeu as regras de paralisação e de interrupção de prazo prescricional para a usucapião. De fato, não poderia ser diferente, pois o fundamento jurídico dos arts. 3º e 10 é idêntico: não se deve fluir contra quem não pode agir.

Assim, quem exercia posse mansa, pacífica, contínua, com justo título e de boa-fé, fazendo jus a usucapião ordinária, do art. 1.242 do CC, há oito anos, tendo em vista a superveniência da pandemia, o prazo de prescrição aquisitiva ficará suspenso, naquilo que chamamos de janela da vigência da lei de 10 de junho até 30 de outubro de 2020. E, com o termo final, então, o prazo voltará a correr, devendo ser computado o lapso temporal anteriormente já transcorrido.

Resta favorecido o proprietário contra o qual corre o prazo em virtude de paralisação do decurso temporal do prazo do possuidor ou prescribente. De fato, o legislador pátrio deveria igualmente prever a hipótese de suspensão para aquisição de todo e qualquer direito real, uma vez que os outros direitos podem ser adquiridos por usucapião, por exemplo, a servidão, da laje[24] e do direito de superfície[25].

Igualmente cumpre advertir que se deve ater a uma interpretação restritiva do art. 10, de sorte a não beneficiar os negligentes proprietários, assim entendidos aqueles que iriam se manter inertes mesmo se não tivesse ocorrido pandemia.

Quanto ao período anterior à entrada da presente lei emergencial, é possível sustentar a paralisação do prazo de usucapião com base no princípio que não deve fluir contra quem não pode agir, contando-se desde 3 fevereiro do corrente ano, data da Portaria GM/MS nº 188/2020 ou, ainda, em situação extremamente excepcional de comprovada impossibilidade de reivindicar seus direitos.

O art. 11 dispõe sobre condomínios edilícios e, nos poderes conferidos ao síndico, por força do art. 1.248 do CC para até 30 de outubro de 2020, impor restrições de uso de áreas comuns para evitar contaminação viral respeitada o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos, além de restringir ou proibir realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar propagação virótica, vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade. Igualmente fora vetado pelo Presidente da República.

Em defesa do veto presidencial apresentado, Marcos Roberto de Moraes Manoel, especialista em direito empresarial, defendeu que tal medida procurou prestigiar o direito de propriedade, a liberdade e o direito de autodeterminação das pessoas. Não sendo incomuns que síndicos estejam despreparados, notadamente os profissionais, de forma que, ao lhe conferir tamanhos poderes, mostra-se inadequado na realidade social e cultural brasileira.

O art. 12 trata da votação e assembleia condominial para os fins do art. 1.349 do CC realizada por meios virtuais, até 30 de outubro de 2020. Não sendo possíveis, os mandatos de síndicos, ainda que vencidos a partir de 20 de março de 2020, ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020. Basta haver formal declaração do síndico sobre a não viabilidade de realização de assembleia virtual antes da expiração do prazo de seu mandato.

O art. 13 dispõe ser obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração. Naturalmente, o referido dispositivo legal incorreu em crassa redundância, talvez por temer abusos cometidos por parte de síndicos ante a excepcionalidade da pandemia.

Não sendo viável a realização virtual da assembleia, assim que possível deverá o síndico convocar a dita assembleia e prestar contas. A punição por falta de prestação de contas é sua destituição, e tem dupla fundamentação jurídica pelo art. 13 da Lei do RJET e pelo art. 1.349 do CC.

O art. 14 trouxe isenção para duas infrações previstas no art. 36, § 3º, da Lei nº 12.529/2011, que se referem à venda de mercadoria abaixo do custo e ao encerramento de atividades de empresa. Apesar de ser letra morta, o Cadê jamais puniu empresas com base nessas infrações, que parte de rol exemplificativo de condutas.

No âmbito do direito de família e das sucessões, dois destaques merecem atenção: a prisão civil do inadimplente de pensão alimentícia e a atinente ao prazo de inventário e de partilha. A prisão civil, decretada até 30 de outubro de 2020, deverá ser cumprida exclusivamente sob modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações alimentares.

Antes mesmo do CPC de 2015, o Enunciado nº 309 da súmula do STJ determinava que o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que corresponde às três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e às que vencerem no curso do processo. E, de acordo com § 3º do art. 528 do CPC vigente, se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial, poderá decretar-lhe a prisão pelo prazo de um a três meses.

Tal previsão de custódia domiciliar[26] vai ao encontro de entendimento firmado pelo STJ por meio de lavra do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que, a pedido da Defensoria Pública da União, estendeu, em habeas corpus (HC 568.021[27]), a todos os presos por dívida alimentar do País os efeitos de liminar até então com eficácia restrita apenas ao estado do Ceará.

Justifica-se diante de perigo de contágio de grave doença viral, e dentro da perspectiva do princípio maior da dignidade da pessoa humana, sem prejuízo de exigibilidade da obrigação inadimplida.

O prazo para instauração de inventário e partilha fica dilatado para 30 de outubro de 2020. E, caso iniciado antes de 10 de fevereiro de 2020, ficará suspenso, a partir da vigência desta lei até 30 de outubro de 2020.

Um dos contundentes vetos do Presidente da República situa-se nos arts. 17 e 18[28], que previam benefícios econômicos em favor de motoristas de aplicativos (redução de taxas cobradas por empresas aos motoristas de aplicativo), pois prestigia o livre mercado, a concorrência e a lei da oferta e da procura em detrimento de medidas de cunho social, algo que não surpreende, pois está em linha com a ideologia econômica liberal do governo.

Também vetou o art. 19[29], que fornecia poderes ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) para editar normas que previam flexibilização e adoção de medidas excepcionais relativas aos arts. 99 e 100 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro), que tratam de questões técnicas relacionadas aos veículos e à segurança de transporte.

REFERÊNCIAS

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MOREIRA NETTO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

RIBEIRO, Rafael Antonio Pinto. Equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31962/equilibrio-economico-financeiro-dos-contratos-administrativos>. Acesso em: 12 jun. 2020.

SANTOS, Rafa. Advogados comentam vetos na lei que altera relações jurídicas privadas. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jun-12/advogados-comentam-vetos-lei-altera-relacoes-juridicas-privadas>. Acesso em: 12 jun. 2020.

VALENTE, Fernanda. Sanseverino, do STJ, estende HC para presos por dívida alimentar em todo o País. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mar-27/ministro-stj-estende-hc-todos-presos-divida-alimentar>. Acesso em: 12 jun. 2020.

[1] Uma emergência em saúde pública caracteriza-se como uma situação que demande o emprego urgente de medidas de prevenção, de controle e de contenção de riscos, de danos e de agravos à saúde pública em situações que podem ser epidemiológicas (surtos e epidemias), de desastres, ou de desassistência à população.

[2]O termo emergência de saúde pública de importância internacional é definido no RSI (2005) como “evento extraordinário, o qual é determinado, como estabelecido neste regulamento: por constituir um risco de saúde pública para outro Estado por meio da propagação internacional de doenças; por potencialmente requerer uma resposta internacional coordenada”. O Regulamento Sanitário Internacional anterior foi aprovado em 1969.

[3] Disponível em: <http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388>.

[4] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm>.

[5]Até 05.05.2020, o Governo Federal brasileiro editou número recorde de medidas provisórias: só em abril foram 26. Somando março e abril, foram publicadas 35 MPs, que corresponde a 75{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} do total de MPs para todo o ano de 2019. As mais recentes foram A MP 979/2020, que trata de designação de dirigentes pro tempore para as instituições federais de ensino durante o período da pandemia da covid-19, e a MP 982/2020, que revoga a MP que dispõe sobre a designação de dirigentes pro tempore para instituições federais de ensino.

[6]O rol da União Federal. Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/imagens/servicos-essenciais-covid-19>.

[7] Disponível em: <https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/invisibilidade-por-falta-de-certidao-de-nascimento>.

[8] A tese da imprevisão traduz-se em técnica para enfrentar fatos supervenientes e imprevisíveis quando da celebração do negócio jurídico. O pacta sunt servanda subordina-se aos rebus sic stantibus. E, conforme a glosa de Bartolomeo de Brescia, em razão do decreto Graciano, ergo semper subintelligitur haec condictio, si res in eodem statu manseri. A trajetória histórica da técnica procura conciliar o pactuado com o surgimento de fatos imprevisíveis supervenientes e remonta da Antiguidade Romana, ganhando maior notoriedade com Direito Canônico, que trouxe a implícita cláusula rebus sic stantibus aos contratos de trato sucessivo, ganhando status de norma jurídica nos Códigos da Prússia em 1794 e no Napoleônico de 1804, o que influenciou o Código Civil brasileiro de 1916.

[9] A Lei Faillot, em 1918 (na França), é marco histórico da cláusula rebus sic stantibus, posto que modificou normas contratuais em que uma prestação tornou-se excessiva penosa a um dos contratantes em virtude da guerra.

[10] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mar-25/direito-comparado-alemanha-prepara-legislacao-controlar-efeitos-covid-19>.

[11] O veto ao art. 6º da referida lei foi justificado pelo fato de gerar insegurança jurídica, deixando claro que a crise sanitária não poderia ser invocada para revisar fatos anteriores à sua ocorrência. Assim, as consequências da covid-19 poderão ser invocadas, inclusive, para anteriores questões a esta. Ademais, nosso ordenamento jurídico já apresenta os mecanismos apropriados para prover devida modulação de obrigações contratuais em situações excepcionais, como os institutos da força maior e do caso fortuito, permitindo também a utilização das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva.

[12] Em regra, a decadência corre contra todos; a prescrição não corre contra aqueles que estiverem sob a égide das causas de interrupção ou suspensão previstas em lei; a decadência decorrente de prazo legal pode ser julgada, de oficio, pelo juiz, independentemente de arguição do interessado; a prescrição das ações patrimoniais não pode ser, ex officio, decretada pelo Magistrado; a decadência resultante de prazo legal não pode ser enunciada; a prescrição, após sua consumação, pode sê-lo pelo prescribente; só as ações condenatórias sofrem os efeitos da prescrição; a decadência só atinge direitos sem prestação que tendem à modificação do estado jurídico existente.

[13] Não obstante a OAB Nacional ter encaminhado, em 27.03.2020, ofício à Presidência da República solicitando que a advocacia privada seja incluída no rol de atividades e serviços públicos essenciais no contexto de enfrentamento da pandemia do coronavírus. Desejou a ampliação do rol estabelecido no Decreto nº 10.292, que reconhece apenas as atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pela advocacia pública, relacionadas à prestação regular e tempestiva dos serviços públicos como essenciais.

[14] Fato do príncipe é, de acordo com os ensinamentos de Diogo Moreira Netto, uma ação estatal de ordem geral que não possui relação direta com o contrato administrativo, mas que produz efeitos sobre este, onerando-o, dificultando ou impedindo a satisfação de determinadas obrigações, acarretando um desequilíbrio econômico-financeiro.

[15] O seu fundamento é ético: um prazo prescricional não pode correr contra aquele que está incapacitado de agir, mesmo não havendo previsão legal para a suspensão ou interrupção do prazo. Trata-se de uma compreensão equitativa, e não legalista, das hipóteses de suspensão e de interrupção dos prazos extintivos. Essa teoria era a regra geral até o advento do Code de France, em 1804. Devido à sua aplicação elástica e indiscriminada, ela gerava insegurança. Com o advento do Código Napoleônico, essa teoria foi banida, passando a existir um sistema taxativo de causas suspensivas e interruptivas do prazo prescricional.

[16] STJ: “Súmula nº 229. O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão” (DJ 20.10.1999, p. 49).

[17] Razões do veto: “A propositura legislativa contraria o interesse público, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro já dispõe de mecanismos apropriados para modulação das obrigações contratuais em situação excepcionais, como os institutos da força maior e do caso fortuito e teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva”.

[18] A proteção existe na compra por telefone e pela internet por falta de contato direto com o produto. Nesses canais, o consumidor pode ser facilmente enganado e, por esse motivo, a legislação o protege. Na compra em lojas físicas, é o próprio consumidor quem se dirige à loja e efetua a compra. Presume-se que refletiu antes de comprar e teve contato direto com o produto. Por esse motivo, não há previsão em lei do direito de arrependimento para compras em lojas físicas.

[19] Vício nada mais é do que um problema que o produto ou o serviço possui. Um produto com vício, em geral, é um produto que não funciona (um televisor que não liga) ou que funciona mal (um aparelho celular que não completa ligações), inadequados para o fim a que se destinam. Pode ser considerado também com vício um produto que tenha um problema que faça diminuir seu valor (um carro zero quilômetro que venha com alguns arranhões).

[20] É necessário compreender a ratio legis do direito de arrependimento proteção contra o marketing agressivo e possibilidade do contato imediato com o produto para verificar se preenche as necessidades e expectativas para que a occasio legis não limite à interpretação evolutiva do instituto às novas realidades do direito cibernético.

[21] O defeito, por sua vez, pressupõe o vício. Há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício. O vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em si. O defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago – já que o produto ou serviço não cumpriram o fim ao qual se destinavam. O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material e/ou moral e/ou estético e/ou à imagem do consumidor.

[22] O veto a despejos durante a pandemia não é proposta exclusiva dos legisladores brasileiros. Portugal e Alemanha, por exemplo, tomaram medidas nesse sentido para mitigar os efeitos danosos do isolamento social na economia do País.

[23] Razões do veto: “A propositura legislativa, ao vedar a concessão de liminar nas ações de despejo, contraria o interesse público por suspender um dos instrumentos de coerção ao pagamento das obrigações pactuadas na avença de locação (o despejo), por um prazo substancialmente longo, dando-se, portanto, proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor, além de promover o incentivo ao inadimplemento e em desconsideração da realidade de diversos locadores que dependem do recebimento de aluguéis como forma complementar ou, até mesmo, exclusiva de renda para o sustento próprio”.

[24] Conclui-se que este recente direito real é exercido sobre a unidade imobiliária autônoma sobrelevada, erigida sobre a construção original, de propriedade de outrem. CC: “Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”.

[25] O direito de superfície é uma concessão atribuída pelo proprietário do terreno a outrem, para construção e utilização durante certo tempo, salvo para realização de obra no subsolo a não ser que inerente ao objeto da concessão, que pode ser gratuita, ou mediante pagamento de valor fixo à vista ou parcelado.

[26] A prisão domiciliar é aquela na qual a restrição da liberdade ocorre na casa do acusado. Ela é possível em casos de problemas de saúde, por exemplo, ou também pode ser concedida como um benefício. Nesses casos, a pessoa fica proibida de deixar a residência e, normalmente, usa a tornozeleira eletrônica.

[27] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mar-27/ministro-stj-estende-hc-todos-presos-divida-ali­mentar>. O ministro já havia considerado o crescimento exponencial da pandemia e a importância em assegurar efetividade das recomendações do Conselho Nacional de Justiça para evitar a propagação da doença. Vide a decisão em: <https://www.conjur.com.br/dl/ministro-estende-hc-presos-divida.pdf>.

[28] Razões do veto: “As proposituras legislativas, ao reduzirem os repasses dos motoristas às empresas de serviços de aplicativos de transporte de individual e dos serviços e outorgas de táxi, bem como às empresas de serviços de entrega (delivery), em ao menos 15{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (quinze por cento), violam o princípio constitucional da livre iniciativa, fundamento da República, nos termos do art. 1º da Carta Constitucional, bem como o da livre concorrência, insculpido no art. 170, caput, IV, da Constituição da República (v.g., RE 422.941, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, J. 05.12.2005, DJ 24.03.2006; AI 754.769-Ag Rg, 2ª T., Relª Min. Cármen Lúcia, J. 18.09.2012, DJe 04.10.2012; entre outros). Ademais, os dispositivos contrariam o interesse público, pois provocam efeitos nocivos sobre o livre funcionamento dos mercados afetados pelo projeto bem mais duradouros que a vigência da medida, gerando, por consequência, impactos nocivos à concorrência, prejudicando os usuários dos serviços de aplicativos, além de produzir incentivos para a prática de condutas colusivas entre empresas, uma vez que estabelece uma forma de restrição ou controle de preços praticados aos usuários”.

[29] “A propositura legislativa, ao determinar que o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) edite normas que prevejam medidas excepcionais de flexibilização do cumprimento do disposto nos arts. 99 e 100 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, viola o princípio da interdependência e harmonia entre os poderes, nos termos do art. 2º da Constituição da República, haja vista que o Poder Legislativo não pode determinar que o Executivo exerça função que lhe incumbe (v.g., ADIn 3394, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, J. 02.04.2007).”